Março de 1971, após fazer a recruta e dois cursos; Um de Operador de
Comunicações e outro de Cifra,estava segundo a Instituição apto e preparado para o serviço, daí a minha colocação na Base Aérea Nº 3, em Tancos.
Ainda soldado aluno, embora já promovido desde 01 de Agosto de 1970, com vinte anos, por mobilização do 2º Sargento responsável pela secção de cifra da Unidade, fui incumbido de assegurar a codificação/descodificação de todo o tráfego de mensagens cifradas recebidas e originadas tanto na BA3, como no Regimento de Tropas Paraquedistas, ou noutras Unidades mas com a BA3 e ou o RCP como destinatários.
Como estava sempre de serviço 24 sobre 24 horas, todos os dias do ano, tinha um estatuto especial, não efectuava nenhum outro serviço de escala, vivia no edifício da torre de Comando, num quarto existente junto ao posto de rádio, imediatamente abaixo da Torre de Controlo e por cima da cifra, com três divisões casa de banho e à noite com o posto de rádio à disposição, tinha uma linha telefónica externa e outra interna directa com o gabinete do Oficial de dia, tanto da BA3, como do RCP e era através delas que tinha ou dava conhecimento da existência do serviço devido á situação de excepção existente.
Aos fins de semana ia a casa na Golegã, tendo quando saía de dizer aos meus familiares para onde ia para que a viatura militar de serviço me fosse buscar, como vivia praticamente no edifício da torre de controlo não tinha grande coisa com que me entreter, especialmente à noite, sintonizava uma estação de rádio num dos receptores hammarlund e adormecia de aborrecimento ou cansaço. Numa dessas noites solitárias, em que só se ouvia o vento a esculpir nuvens, resolvi fazer uma revista a armários e gavetas para ver se arranjava alguma coisa que ler e encontrei entre revistas com mulheres nuas e outras velharias, um livro de capa preta bastante manuseado com o título algo sinistro, RDM - Regulamento de Disciplina Militar.
Mais por não ter nada que ler, resolvi dar uma vista de olhos no calhamaço e para meu espanto deparei-me com as redações de Artigos com deveres e obrigações que nem imaginava que fossem possíveis de exigir a alguém, mas ao mesmo tempo houve um desses Artigos que me deixou curioso, mais precisamente um Artigo cuja redação era mais ou menos assim: (Tem direito a um dia de dispensa mensal de serviço remunerada a 100%, o cabo que no cumprimento do seu serviço cuide com zelo do cavalo ou muar que lhe tenham sido atribuidos, bem como do armamento, material, ou dos soldados à sua responsabilidade).
Logo no dia seguinte, munido de um envelope com o respectivo requerimento de dispensa de um dia de serviço ao abrigo do dito Artigo do RDM, desloquei-me à secretaria que se situava no segundo andar da torre e depositei-o na caixa existente para o efeito, dois dias depois veio deferido na Ordem de Serviço da Unidade e no final do mês no duplicado da folha descritiva apensa ao envelope do pré lá vinham mais uns escudos que o normal do restante pessoal da Unidade. Este jogo do gato e do rato durou até que o 1º. Sargento da secretaria resolveu ir verificar porque é que eu ainda soldado aluno ganhava sempre mais que os outros especialistas e furioso, jurou que o esperto do maçarico ia pagar cara a ousadia.Fui chamado à Secretaria e posto perante o grave crime que cometera ao tentar de “forma irregular” ainda era soldado aluno e não cabo, ganhar mais do que tinha direito, aliás por estar excepcionalmente sempre nomeado de serviço já ganhava mais alguns escudos, mas aqueles teria que os devolver... Não me mostrei minimamente intimidado e no primeiro dia do mês seguinte voltei a meter a dispensa ao abrigo do tal Artigo, mas fui logo informado que já tinha seguido queixa para o Comandante da Base e que aguardasse pela resposta.
O gabinete do Comandante era na porta ao lado da Cifra e na primeira vez que lhe entreguei serviço pessoalmente, fui questionado por ser eu um soldado aluno, a entregar-lhe o serviço, a que respondi que era eu o único militar na BA 3 e BCP, credenciado para executar o serviço e a conversa morreu por ali. Regularmente passei a levar-lhe em mão todo o serviço que vinha para a Unidade. Entretanto fui promovido e a situação deixou de ter qualquer interesse que justificasse nova interpelação, quando veio uma nova mensagem lá fui entregá-la, o Ajudante do Comando mandou-me aguardar e enquanto esperava chegou o Sargento da Secretaria que entrou para o gabinete não sem antes me deitar um olhar fulminante de fúria incontida, quando achou conveniente o Comandante mandou-me entrar e para meu conhecimento fui informado que já tinha ido para publicação na Ordem de Serviço Interna do dia seguinte uma ordem do Comando da Unidade a proibir a atribuição de dias de dispensa ao abrigo do tal Artigo, uma vez que o que eu fizera era legal e ao abrigo do RDM, não me podia ser negado o direito de solicitar a dispensa embora não tivesse como era o caso direito a ela, não tinha que devolver o dinheiro recebido nem compensar o serviço pelos dias de ausência que efectivamente não gozara, fui ainda cumprimentado de forma benevolente pelo Comandante pelo meu interesse pelo RDM e perante a fúria contida do Sargento da Secretaria mandado embora com o aviso de que não adiantava ir procurar mais nada no RDM, pois a secretaria iria passar a pente fino todos os pedidos por mim apresentados, que aliás já tinham feito escola, pois uma chuva de pedidos de dispensa ao abrigo do citado Artigo, tinham acelerado o rápido esclarecimento e resolução da situação, (uma vez que tinha sido ameaçado, afixei uma nota no placar do nosso clube e quem entendeu meteu também o tal dia ao abrigo do Artigo).
Escusado será dizer, que o Sargento me esperou na porta do corredor para me intimidar quanto a futuras tentativas de me aproveitar da benevolência do Comandante, ele zelaria pela observação rigorosa de todos os requerimentos ou dispensas de serviço que eu ousasse meter para meu benefício... Voltei ao calhamaço e não foi difícil encontrar vários artigos que permitiam usufruir de dias de folga com compensação a 100% por estar continuamente de serviço, por desempenhar funções de importância vitais para a Unidade para as quais não havia mais ninguém qualificado, ou mesmo a situação excepcional de outra Unidade da Força Aérea o BCP, estar dependente do quadro de pessoal da cifra da BA3 que se resumia por esvaziamento ou ausência a um único militar, sendo qualquer destas situações impeditivas pelo próprio RDM, pois ninguem podia estar 365 dias de serviço consecutivos por ano.Uma após outra todas as dispensas de serviço foram sendo objecto de sucessivas ordens internas do Comando da unidade, mas depois de eu usufruir de benefícios monetários remuneratórios até que a máquina burocrática detectasse e actuasse a seu tempo, tudo isto com o beneplácito do Comandante da Unidade que assim conseguia que o serviço continuasse a rolar e a ter a certeza que o chefe da Secretaria desempenhava a sua função com o zelo e objectividade.
Fui mobilizado e quatro anos passados voltei a Tancos e á situação anterior à mobilização, o Comandante era outro o Sargento da Secretaria idem e eu voltei a fazer o mesmo e a receber os meus dias por tratrar bem da mula e dos Soldados até que resolvi meter o único pedido que me interessava ao abrigo do RDM, a dispensa total do serviço e a passagem à disponibilidade estávamos em Janeiro de 1975, e eu já estava farto da tropa até aos cabelos e á primeira o pedido veio diferido, sem protestos de ninguém.
Por:
OPC ACO
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