quinta-feira, 30 de julho de 2020

A RECUPERAÇÃO DO T6 1707



Eu não assisti à ocorrência, mas fui eu que fui a Ninda chefiar a reparação do avião, o qual tinha sofrido inúmeros danos. 
Ali procurámos criar as condições mínimas para sair de lá a voar e posteriormente ser reparado em Luanda.


Foi uma experiência única, pois tive que reinventar, para conseguir cumprir a missão. O avião tinha sofrido muitos danos, era doutra versão, não dispunha de material adequado, pelo que tive que adaptar, não tinha uma grua para suspender o motor, tive que recorrer a uma roldana e pedir apoio ao Exército, que me cedeu um pelotão para puxar a corda para descer o motor ardido e içar o motor substituto. Como da Base só me enviaram o motor substituto, a perna esquerda do trem, a bomba hidráulica e não dispunha de grua, fui pedir à Junta Autónoma das Estradas, que se encontrava em Gago Coutinho, uma roldana, uma corda e três varolas e lá fui para Ninda, no Alouette III, para cumprimento da missão.
Substituímos o motor, o trem esquerdo, a bomba hidráulica, substituímos e reparámos o que nos foi possível, com as condições que dispúnhamos no local, onde foi preciso improvisar para ultrapassar obstáculos.
A reparação demorou cerca de 4/5 dias, já não tenho a certeza, mais o tempo que se esperou pelo piloto para fazer o vôo de experiência.
A equipe tinha mais 2 MMA, o Sequeira e o Rebelo e um MELEC, o qual não me recordo o nome. O horário era desde o nascer ao pôr do sol, com excepção de um ou dois dias, em que fiquei sozinho, pois o calor era muito e a rapaziada queria ir dar uns mergulhos, na hora de mais calor. Ao que acedi, com a condição de que depois trabalhavam até mais tarde, para compensar. Como o avião estava estacionado em frente a um poste que iluminava a zona, dava para se trabalhar após o jantar, até cerca das onze/meia noite.
O Júlio Corredeira preparado para o voo de teste

Após a intervenção, foi feita experiência em terra, solicitado voo de experiência e após autorização, voámos o Júlio Corredeira e eu, para o Luso, fazendo escala em Gago Coutinho. 
O voo foi feito com navegação à vista, pois não dispúnhamos de instrumentos de navegação e comunicação, pois tudo ficou danificado, inclusive as cablagens tinham ardido. As temperaturas foram tão altas, que as chapas de revestimento da fuselagem, encolheram. 
Com o experiente Júlio, eu ia para o fim do mundo. 
Dadas as limitações do avião, eu fiz questão de voar com ele. O voo decorreu sem qualquer problema. O motor portou-se lindamente, assim como o sistema hidráulico e a própria estrutura do avião, a qual fora submetida a elevadas temperaturas.
Chegámos ao Luso, ao entardecer. 
Na madrugada seguinte, o avião descolou rumo a Henrique de Carvalho, com o Comandante Sacchetti e eu, de onde posteriormente foi para Luanda, para revisão, dado ter sofrido graves danos estruturais.
  
Por:



quinta-feira, 23 de julho de 2020

CANTOR PÚBLICO E AGENTE SECRETO


The Count, ou seria Aramis, um deles foi enviado a  Londres, nos anos 70, com a missão de raptar um ex-ministro tanzaniano. E a missão não foi impossível. 
Em Novembro de 1968, quando João Maria Tudella subiu ao palco do Teatro Vilaret para interpretar canções com palavras rebeldes da poesia portuguesa – José Gomes Ferreira, Manuel Alegre, Reinaldo Ferreira -, pouca gente saberia que aquele era o último espectáculo ao vivo de um cançonetista que tinha atingido o ponto mais alto da maturidade e do sucesso. 
Por essa altura, Tudella acabara de aceitar um desafio que o levaria a mudar de vida. Tratava-se de um convite de Jorge Jardim para um «trabalho sigiloso». João Maria Tudella gravou o seu último disco, publicado no ano seguinte, depois saiu de cena e passou a trabalhar nos bastidores da alta política como agente secreto.
- O engenheiro Jorge Jardim perguntou-me se eu via com bons olhos colaborar com ele com vista a uma independência multirracial de Moçambique.
Tudella aceitou, embora sabendo que «iria correr alguns riscos». Conhecia Jardim de Moçambique, de onde partira no início da década para construir uma carreira artística, e estava de acordo com os projectos do empresário em relação ao futuro do território. Havia uma alternativa para a política de guerra colonial: negociar a independência enquanto Portugal tivesse força para apresentar e impor condições que salvaguardassem os interesses da comunidade portuguesa.
Tudella, «um africano, branco, nascido em Moçambique», como o apresentara a imprensa, viajava então por palcos portugueses, brasileiros, espanhóis, venezuelanos, sul-africanos. Os meios que frequentava abriam-lhe as portas para o «trabalho sigiloso» em que se aventurou.
Jorge Jardim, com uma longa carreira de actividades 
secretas, ensinou-lhe «algumas técnicas» para o seu novo trabalho: cifrar e decifrar mensagens, técnicas conspirativas para encontros e desencontros. 
- «Até tive que aprender a saltar em paraquedas e não me esqueço do primeiro salto. Fui empurrado por uma das irmãs Jardim», recorda.
O seu disfarce para os contactos que então travou era o de um playboy internacional que frequentava hotéis de cinco estrelas e se passeava em limousines.
- Digamos que esse disfarce vinha ao encontro dos meus maiores e mais íntimos desejos. Eu era pago principescamente para frequentar os melhores lugares do mundo».
E se é certo que tinha a consciência de que «corria alguns riscos», também era verdade que sentia as costas quentes.
- Quando marcava um encontro, ou esperava um contacto, no hotel tal, às tantas horas, eu sabia que, no quarto ao lado, estaria alguém para me proteger. Mas por vezes cheguei a pensar que, se as coisas corressem mal, esse «alguém» poderia não chegar a tempo.
Para os seus contactos, João Maria Tudella usava diferentes pseudónimos. «The Count», para os ingleses, «Sinatra», para os americanos, «Aramis» para os franceses, ou simplesmente «414» para os árabes. Do outro lado estavam «pessoas».
- Os serviços secretos são constituídos por pessoas.
Tudella admite que teve contactos privilegiados com os serviços franceses dirigidos pelo Conde de Marénches. E também não exclui que os seus contactos tenham passado para lá do Muro de Berlim.
- Nos bastidores, nem sempre os inimigos são inimigos.
Mas foi a homens dos serviços franceses que, no início dos anos 70, João Maria Tudella, aliás «The Count», entregou em Paris um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros tanzaniano, dias antes «desviado» em Londres.
O rapto
Os planos de Jorge Jardim para Moçambique passavam, necessariamente, pelos países limítrofes da antiga colónia portuguesa que apoiavam, em maior ou menor grau, a FRELIMO e a luta pela independência.
Jardim exercia completo ascendente sobre o presidente do Malawi, Hastings Banda, e mantinha relações regulares com os presidentes da Zâmbia, Kenneth Kaunda, e da Tanzânia, Julius Nyerere. 
No início dos anos 70, Nyerere sob influência de Pequim,  radicalizou as suas posições e demitiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Óscar Kambona. Jardim perdeu o seu interlocutor em Dar-es-Salam, que se refugiou em Londres, onde lhe veio a ser fixada residência.
João Maria Tudella foi enviado por Jorge Jardim para Londres, com a missão de raptar o ex-ministro tanzaniano. E a missão não foi impossível. Tudella e uma «acompanhante» infiltraram-se no círculo de relações do ministro exilado, ganharam o seu apoio e dias depois, com identificação falsa, Kambona deixava a residência fixa e embarcava para França.
- Em Paris, à chegada, alguém me daria o braço, amigavelmente, e me diria uma senha à qual eu responderia com uma contra senha. Era o contacto a quem teria que entregar o ministro da Tanzânia.
A «Operação Óscar» não ficou por ali. O ex-ministro tanzaniano, que se deixou raptar, esteve posteriormente, com outra identidade, instalado num hotel de Lisboa, onde manteve contactos com Jorge Jardim. Mas aí já Tudella saíra de cena. As acções eram compartimentadas.
- O engenheiro Jorge Jardim só dizia o que queria que os outros soubessem.
Os planos de Jardim culminaram, em Setembro de 1973, com a assinatura, em Lusaka, de um acordo com vista a uma proclamação de independência de Moçambique, negociada com os países limítrofes e com a FRELIMO. O acordo foi negociado à margem do poder instalado em Lisboa e os contactos desenvolvidos por Tudella tiveram que iludir a vigilância da PIDE.
- Contactava com o engenheiro Jardim por telex e correio, mandando e recebendo informações com pistas falsas destinadas a iludir a PIDE – recorda João Maria Tudella.
- Os verdadeiros relatórios 
eram enviados em código .
Kambona, o raptado
Em meados de Abril de 1974, com o regime em agonia, Jorge Jardim apresentou o Acordo de Lusaka a Marcelo Caetano. O chefe do Governo considerou que Jardim tinha «ido longe de mais» e rejeitou o projecto, como antes recusara outros relativos à Guiné. Jardim, que tomara providências para a hipótese de ser preso durante a audiência com Caetano, marcou o regresso a Moçambique decidido a accionar o processo de independência unilateral de Moçambique. A agência de viagens marcou-lhe a passagem para 26 de Abril.
Já depois do 25 de Abril, com Jardim alvo de um mandado de captura emitido pela Junta de Salvação Nacional, Tudella foi incumbido de apresentar o Acordo a Otelo Saraiva de Carvalho. O comandante do COPCON recebeu o documento com «entusiasmo», diz Tudella. E acrescenta que o seu «velho amigo» Otelo se dispôs a encontrar-se com Jorge Jardim em Espanha ou na Suazilândia, mas não compareceu a qualquer dos encontros. A verdade, reconhece Tudella, é que para a parte moçambicana, representada pela FRELIMO, o Acordo de Lusaka e o próprio Jorge Jardim tinham deixado de ser necessários como meios para chegar ao poder.
Para João Maria Tudella, era o momento para voltar a sair de cena.
De Kanimambo à Liberdade.
Em 1968, o Natal dos Hospitais era o único programa de variedades transmitido em directo pela RTP. E foi no Natal dos Hospitais, em directo pela televisão e para uma plateia onde pontificavam os bonzos da TV única, que João Maria Tudella cantou «Cama 4, Sala 5», de José Carlos Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes.
Cantarei livremente // e direi ao meu povo // que não caia doente // que não morra de novo.
Ramiro Valadão não gostou do refrão e, no dia seguinte, Melo Pereira comunicou a Tudella, em nome do presidente da RTP: «Você arruinou a sua carreira». Só voltou à televisão em 1987, pela mão de Carlos Pinto Coelho.
João Maria Tudella chegara a Lisboa, vindo de Lourenço Marques, no início dos anos 60, trazendo um grande êxito popular no reportório: «Kanimambo». O Diário Popular apresentou-o como «uma voz que pode estar na Broadway, Pigalle ou Estoril».
O que é certo é que os discos, os espectáculos em palco e na TV, as digressões em Portugal e pelo mundo se multiplicaram e Tudella somou êxitos com um reportório de cançonetas ligeiras.
Em 1968, Tudella deu uma grande e corajosa volta ao texto do reportório, no qual passou a incluir poemas de José Gomes Ferreira: «Fuzilaram um homem num país distante…», alusivo ao assassínio de Humberto Delgado; de Reinaldo Ferreira: «Quero um cavalo de várias cores» e «Flor de lapela»; ou de Manuel Alegre: «Liberdade». O disco saiu em 1969 e, enquanto as censuras não deram por isso, algumas das canções passaram em alguma rádio.
João Maria Tudella (Lourenço Marques, 1929 – Cascais, 2011)
Entrevista publicada no Diário Económico, Outubro 2000


Publicada por João Paulo Guerra à(s) 29.1.15http://especiedemocracia.blogspot.pt/2015/01/cantor-publico-e-agente-secreto.html

quinta-feira, 16 de julho de 2020

HENRIQUE DE CARVALHO, OS POETAS E PROSADORES


CARLOS ACABADO
Este nosso aviador, apaixonou-se por Henrique de Carvalho, e o Leste de Angola. Fez no total três comissões de 1963 a 1974, pode dizer-se que assistiu ao nascimento do AB4 em 1963 e a entrega da Base ao MPLA. Há um exemplo parecido, foi o saudoso Neto Portugal que fez duas comissões, na primeira teve um acidente no Cazombo e foi salvo de morrer queimado pelo Manuel das Pedras, comerciante transmontano radicado no centro da vila. 
Carlos Acabado foi autor de 5 Livros sobre Henrique de Carvalho, Força Aérea e África, mas vou enunciar somente um, que me pareceu o melhor concebido e espicaça a nostalgia daqueles como nós aprendemos a conhecer e adorar esta terra e estas gentes. 
O livro "Kinda e outras histórias de uma guerra esquecida" é composto por muitas histórias, mas só vou referir três.

A AVÓ DO CABO DINIS
O Cabo Dinis foi um especialista que cedo emoldurou os seus pensamentos com o intuito de servir na FAP. Aos 16 anos informou a avó dos seus propósitos e conseguiu ingressar aos 17 anos na recruta e concluir o curso de Mecânico de Material Aéreo. A avó era a sua tutora já que a mãe tinha falecido quando ele nasceu e por dificuldades várias não lhe proporcionou um curso na Universidade de Coimbra como pretendia quando tomou a cargo a sua educação.
Quando foi mobilizado para Angola a avó escreveu uma carta muito simples, mas sentida ao Comandante da Base, solicitando-lhe a atenção devida á sua tenra idade. 
O Comandante que era de Aveiro teve a curiosidade e o empenho de satisfazer o desejo daquela avó preocupada. Natural como o Dinis da Vila de Cucujães do mesmo distrito, indigitou o Cap. Acabado no sentido de ser o “guarda-sol“ do rapaz.
Depressa o jovem MMA aprendeu o ofício e começou a fazer parte da linha da frente e destacamentos, sendo visível a facilidade de resolver, sem grandes condições pequenas avarias.
Um dia em Gago Coutinho o DORMAN, gerador que fornecia energia elétrica ao AR e Batalhão do Exército avariou, ele e o cabo MELEC, ao tentarem repará-lo provocaram uma explosão, que os deixou com queimaduras graves em todo o corpo.
O médico do Batalhão não tinha meios para qualquer assistência e indicou a evacuação para o Luso, só que era quase noite, preocupado, pois a evacuação não era viável por o DO 27 não estar dotado de meios de navegação noturna, mesmo assim, o Cap. Carlos Acabado e o Ten. Joaquim Cóias arriscaram fazer um voo de quase duas horas para o Luso, contra todas as normas de segurança em vigor, mas por acaso eram os dois pilotos mais referenciados da esquadrilha e estavam no AR.
Ao aterrarem, já noite, na placa do AM-Luso estavam dois médicos do Hospital , que quiseram ver o estado dos feridos, e verificaram que o mesmo era muito mau, tendo recomendado a sua evacuação para o Hospital Militar de Luanda.  
Mais uma vez houve incapacidade de assistir com sucesso aos acidentados. 
Joaquim Cóias e Carlos Acabado
Novamente, o Cap. Acabado e o Ten. Cóias formaram a tripulação e pediram para ser preparado o Beechcraft, bimotor de apoio ao comando da ZML e embarcaram os dois feridos, um médico e um enfermeiro para lhes ministrarem soro e morfina durante o voo. O tempo estimado do voo era de 2:30h, se houvesse bom tempo e ser de dia. Embora este avião de tecnologia  americana e mais evoluído, não estava preparado para romper cumulonimbos, trovoada de granizo ou descargas eléctricas. 
Beechcraft 
Ao passarem ao sul de Malange, na baixa de Cassange,  sentiram as trovoadas ao longe, desviaram a rota e encaminharam o avião para uma aproximação a Luanda vinda do Sul, junto á orla marítima. Sem que contassem, a chuva e o granizo rapidamente fustigaram o avião, causando pânico ao médico e enfermeiro. A torre de Luanda perdeu o contacto com o avião. O ter de contornar a tempestade, originou um gasto suplementar de combustível, só muito perto de Luanda conseguiram ter comunicações e o controle seguro. Quando aterraram, ao serem recebidos na placa pelo oficial dia ao aeródromo, visivelmente satisfeito, o motor esquerdo parou por falta de combustível.
O cabo Dinis e o companheiro foram para o Hospital Militar. O Dinis ainda teve a companhia da avó em Luanda, que  falou com o Cap. Acabado e despediu-se da vida ao fim de um mês. O camarada MELEC foi evacuado para a metrópole…
O Cap. Acabado cumpriu, protegeu-o até ao fim.


SOBA CAXITO
O Sargento Isidro que carinhosamente era conhecido por "Meirim" deixou um legado de competência e camaradagem, que trespassou todos os anos de guerra no Leste, já que comparativamente com o Cap. Carlos Acabado fizeram algumas comissões juntos. Tive a sorte de trabalhar e  confraternizar com ele em Gago Coutinho.
Meirim era chefe dos mecânicos e numa das viagens de Ninda para o Luso com o Cap. Acabado, reparou que a temperatura do motor Lycomming do DO 27 subia perigosamente e tentou o expediente de abrir umas alhetas suplementares de entrada de ar e o abaixamento do regime do motor, mas não foi suficiente, ouviu-se um estrondo e uma nuvem de óleo foi libertada. 
Imediatamente procederam á aterragem de emergência, na xana no meio do nada, sem problemas de maior. A povoação mais perto era Lumege. Depois de verificada a causa da avaria descobriram que tinha rebentado um tubo do circuito de lubrificação. Pensaram que estariam pelo menos três dias retidos, pois o tubo teria de vir do Luso para o Lumege por avião e daí por coluna para a zona acidentada. 
Entretanto começaram a chegar nativos ao avião vindos da mata, que não falavam português, a curiosidade dos autóctones era grande e pelo Soba foram convidados a  visitar a aldeia, o que a medo aceitaram. Entretanto, o Cap. Acabado conseguiu esticar a antena de comunicação e por indicação do Isidro pediu para ser efectuado o lançamento da peça de substituição sobre a zona acidentada, tarefa efectuada por uma DO 27, pois ainda não havia helis no Leste.
Na presença do Soba, cujo nome era Caxito, houve recepção calorosa ficando o mesmo num trono trabalhado ladeado pelas mulheres. O Soba contou com um sobrinho que era o único que sabia português e funcionou como intérprete. Houve batuque, comida e “hidromel“. Numa arca estavam depositados os utensílios gentílicos, uma bandeira portuguesa muito gasta e uma fotografia do régulo com o marechal Craveiro Lopes numa visita deste ao Luso, em 1954. O pessoal dormiu na Sanzala. O Isidro pediu ao Soba para lhe abrirem uma clareira para o avião poder descolar, trabalho que foi feito pelas mulheres, à catanada.
Dormiram na sanzala, e de manhã com a substituição do tubo e o óleo efectuada, mais a improvisação da pista concluída, foi possível levantar voo e saudar aquela boa gente.

Passados dois anos numa missão para ir buscar um prisioneiro do Lumege para o Luso, foi colocado um negro com as mãos atadas na traseira do DO 27, como ele estava dominado não causou preocupações. Depois de levantar voo ouve-se um estrondo provocado pelo encontrão e a abertura da porta basculante que pelo efeito vácuo fica encostada à asa. De imediato o Cap. Acabado olhou para traz e viu uns olhos fixos olharem para ele como a despedir-se do outrora amigo que o não reconheceu antes, e atirou-se para o solo num voo de queda livre. Era o soba Caxito.
O sobrinho do Soba era agora dirigente dum movimento dito de libertação e o Soba Caxito aderiu a novos ares, que não fizeram nada bem aqueles que os aceitaram.
 
KINDA
Esta ultima narrativa, foi a que deu o nome ao livro, considero-a um monumento ao amor, tem um simbolismo que me fez acreditar que as asneiras por maior que elas sejam podem ser suavizadas, mas nunca esquecidas.
Numa operação de comandos, junto do rio Quembo na Luiana, para fazer uma abordagem a uma sanzala onde se sabia que se acoitava o inimigo, os comandos foram designados e transportados até 10kms do objectivo. O Cap. Acabado, foi destacado para orientar os Alouette III e gerir os tempos de desembarque e reembarque. Após os nossos militares serem colocados no solo, comandados por um Capitão amigo de Academia do nosso Cap. Acabado, caminharam toda a noite a pé para lançarem a acção ofensiva ao raiar do dia. Decorria a invasão e ouve-se um tiro único, que não era previsto dado o grau de disciplina de uma  tropa especial. Pouco depois sai da mata o Capitão com uma criança de cerca de dois anos nos braços, com a cabeça ensanguentada.
No rescaldo da missão veio a saber-se que o tiro que o Capitão disparou acertou na mãe do bebé, que caiu redonda no solo com a filha a tira-colo, que embora ensanguentada não teve qualquer ferimento. A mãe a única atitude que fez e que confundiu o Capitão foi movimentar o pilão de moer a fuba, o que ao lusco-fusco da madrugada lhe pareceu uma arma. Soube-se, que a falecida se chamava Kinda e em homenagem á mãe, passou a chamar-se esse nome à bebé.
O Cap. Acabado levou a Kinda para junto da família no sentido de arranjar um tecto de acolhimento, mas com o arrastar do tempo acabou por ser o elemento mais novo da sua família. 
Finda a comissão foi também para a metrópole e foi tratada de igual modo com os “irmãos“. Foi adoptada e foi baptizada com o nome Maria Adelaide, que era derivado do nome da mulher e da mãe. Aos 6 anos perguntou aos pais, porque lhe chamavam escura e o Pai disse-lhe que ela nascera em África e era oriunda de um povo muito antigo chamado Bosquímanos, embora escura era muito mais clara de pele e olhos amendoados. Tinha sido recolhida, porque ela tinha sido única. Mais tarde explicaram-lhe as circunstâncias que rodearam e provocaram a sua vinda de África, ela sentada nos joelhos e afagando-o com meiguice, disse-lhe: eu sabia que eras um homem bom.
A Maria Adelaide cresceu, foi muito boa aluna e com facilidade conseguiu uma Licenciatura. Já na reserva o Major Acabado presenciou a alegria do fim do curso e o concluir desta história real.
A apresentação do livro Kinda foi feita no Porto, em 13 de Março de 2014, na Messe de Oficias na Batalha, na mesma altura foram também conhecidas as obras de outros autores que não tinham nada de Henrique de Carvalho, mas tinham em comum a passagem dos autores por África. A este evento assistiram o Ribeiro da Silva, eu próprio, o  Jorge Patrício, o Adriano Rui, o João Esteves e o A. Neves. Foi patrocinado pela Liga dos Combatentes representado pelo General Xito, o mesmo que promoveu através do organismo a que preside a transladação de corpos de para quedistas falecidos em Guidage-Guiné.
Após o evento, convidamos o Cap. Acabado para jantar connosco no restaurante Girassol, tendo aceite preferiu a nossa companhia á dos outros pensadores. À noite tivemos uma sessão de fados memorial na famosa Livraria Lello com fadistas coimbrões, e o nosso Fernando João um fadista raçudo, que nasceu e sempre viveu no Porto.
Diz-se, mas não vi! Parece, que o Cap. Acabado tem uma fabulosa colecção de arte indígena que não fica atrás da colecção Berardo presente nas caves Aliança, em Sangalhos.

ROCHA MARQUES
(Balada de Henrique de Carvalho)
Este nosso companheiro sargento piloto não passou incólume no AB4 a leste de Angola, a sua irreverência e dinamismo, chegou a todos nós com uma mensagem meiga e perseverante.
Esteve no Leste nos últimos anos da década de 60 muito antes do AB4 ter atingido o máximo de efervescência humana, com a esquadrilha dos PV2 deslocados em definitivo em 1971 e trouxe tanto pessoal adstrito que praticamente dobrou os efectivos da Base. Rocha Marques em ambiente mais calmo e nostálgico produziu poemas que o expoente máximo deu a balada nossa conhecida.
Como é sabido pouco depois de acabar a comissão, no Leste de Angola num voo de rotina, despenhou-se numa mata junto do Furadouro já bem perto da BA7 o T6 caiu, roubando a vida ao nosso piloto.
Em Outubro de 2010 um grupo de especialistas liderados pelo Mendanha Arriscado, deslocou-se á sua terra natal, bem no Minho, Ribeira - Terras do Bouro, para contactar a sua família no sentido de preparar uma pequena homenagem á memória de um homem que nos dizia tanto.
Falamos com um irmão, ao tempo coronel do Exército na reserva, piloto civil, advogado e escritor, que nos recebeu na sua casa, e relatou-nos a sua última viagem que recomeçou exactamente naquela vila encravada na serra do Gerês. Depois de sobrevoar a sua casa despediu-se com uma acrobacia área e passados 20 minutos teve a queda que conhecemos.
A família Rocha Marques é uma lenda na advocacia, repartida por Braga e Felgueiras. O irmão advogado, o primo Artur o causídiaco que defendeu a Fátima Felgueiras no processo da Câmara de Felgueiras e o sucateiro de Ovar no processo onde foi condenado Armando Vara.
Uma das razões da visita do grupo constituído por Mendanha, Adriano, Jesus, Toneta e Neves, era de recolher novos elementos, documentos, fotografias, junto da filha do nosso piloto, e o tio seria privilegiado para o conseguir. Nada feito, esta não mostrou interesse e soube-se mais tarde que a mesma era filha de um primeiro relacionamento que não acabou bem. Mesmo assim respeitamos a decisão, mas com esta atitude não beliscou as melhores recordações que temos do pai.

Toneta, Julho 2020




quinta-feira, 9 de julho de 2020

ESTÓRIAS PASSADAS NO LESTE

Gago Coutinho, 1973 - foto de JFMA

Em Gago Coutinho, em 73 ou 74, eu e outro especialista fomos elogiados e compensados com um jantar na presença do comandante do exército, por termos doado sangue directamente a um civil negro, a quem toda a companhia de madeirenses (ou açorianos, não me lembro) se recusou a dar sangue. 
Lembro-me, que o civil tinha perdido muito sangue por ter levado uma grande facada nas costas e se encontrar sem assistência há muito tempo. Já estava deitado no helicóptero para evacuação, quando nos colocamos ao lado, deitados, para fazerem a transfusão directa. 
Antes, o Comandante tinha reunido a companhia e pedido a colaboração para salvar o negro, mas ninguém atendeu. Postura mais humana tivemos nós, que nos valeu um bom jantar com o comandante, a provocar inveja ao pessoal do exército (seria essa a intenção do comandante?). 
Bom bife e melhor reconhecimento.
Lucusse, 1969 - foto de Gonçalo de Carvalho

Uma célebre vez fomos de héli a Lucusse. 
O Administrador recebeu-nos com toda a pompa e circunstância.
Depois dos cumprimentos, levou-nos para a sua residência e, aí, presenteou-nos com um javali pequeno (tipo leitão) rodeado de frutas fatiadas e algumas entraditas. A chegarmos de uma viagem que nos obrigou a madrugar, o apetite era mais que muito. Então, em conversa amigável, lá nos saciamos. O senão foi que para beber só havia whisky do velhinho. 

Presumo, que a intenção era por-nos " finos'' para, depois, pedir para trazermos dois passageiros e bastante carga que incluía uma botija de gás grande. Isto, a tripulação, eu, o MMA e o piloto, só com um grande favor do piloto. 
Resultado, à tardinha, lá levantamos e regressamos com o héli (a partir fatias) tal era a carga que o piloto simpaticamente admitiu. 
Graaaannde viajem , sempre a rapar, e grande pitéu.
À noite só me apeteceu uma boa fumaça. É verdade! 
Como disse o helicóptero foi sempre a rapar e a ''partir fatias'', penso que o piloto era o Holstein, que era exímio no controle da máquina, nomeadamente na caça aos patos. Eheh!

A Honda 360 CB - linda, de cor verde garrafa, recém chegada ao Luso, onde estava em exposição numa montra, que visitei durante uns tempos , sempre que vinha da base, ao final da tarde. Com este ritual, namorei-a até vir de férias. Fazia contas e considerava possível esse sonho da época - 30 contos pedinchados em casa que cambiados, em Luanda, se traduziriam em 60 contos (angolares), que era aproximadamente o custo da dita. 
Lá vim de férias ao Continente e, no regresso, encontro dois amigos no avião da TAP, com destino a Luanda. Um era meu conterrâneo e amigo de longa data, o outro era um cabo especialista de Bragança. Grande animação na viajem de regresso repleta de simpatias com as hospedeiras. 
Chegados a Luanda, instala-mo-nos no hotel Mundial. Daí saíamos para almoçar e jantar no centro, Versalhes, Amazonas e outros restaurantes. De tarde percorríamos várias casas (o sete, o catorze, o vinte um, etc.) pois sabíamos que entraríamos em "regime" quando chegássemos ao Luso. À noite era um corridinho a bares e boates. Foi esse o ritmo diário até os bolsos ficarem leves. Então, regressados ao Luso, visitei uma única vez a montra com a linda Honda 360 verdinha, e disse- lhe adeus a muito custo, pois o devaneio em Luanda tinha-a ''consumido'' . 
Mas, em compensação fiquei com as pilhas carregadas, ou descarregadas, para o resto da comissão.
Em suma: ''não se pode ter tudo'', contudo não me arrependi.

Por:



quinta-feira, 2 de julho de 2020

O POSTO DE RÁDIO


Passei algumas horas no posto rádio, quando havia um pedido de evacuação e essa oportunidade surgiu logo na madrugada do dia seguinte à nossa chegada. 
Sim, o operador rádio está sentado em frente ao rádio, mas sempre notei um sentido de responsabilidade de todos eles, até porque hoje está ali sentado, tempos depois é ele que está na mata. 
Lembro-me desse primeiro dia e do Neto na mata com um radio TR 28, que tinha visto pela primeira vez algumas horas antes. Às 5 da manhã veio ter comigo a tirar algumas dúvidas, já que fiquei de serviço. Cerca das 7 lá estava ele a pedir uma evacuação. Um soldado tinha pisado uma mina...foi um primeiro teste para todos nós, mais tarde reuni o pessoal, ou como se diz na gíria militar, "os meus homens" e disse: meus senhores, isto agora é a sério, não há baldas, quero um homem em frente ao rádio 24 horas por dia. 
É com orgulho nos "meus Homens" que posso afirmar, passaram todos com louvor, louvo a sua eficiência e o espírito de camaradagem que existiu e continua a existir entre nós. 
Nós e os Saltimbancos, os pilotos dos helicópteros fizemos tudo o que era possível. Parabéns a todos.
Na foto um heli a preparar a aterragem no Hospital Militar do Luso, em mais uma evacuação.









Armando Monteiro.
Alf.Mil.Transmissões BCaç 3831