quinta-feira, 28 de maio de 2020

"ESTÓRIAS DA VIDA REAL", ANGOLA 1970


Esta estória, tem como principais intervenientes, 4 "actores" : a C.Caç.2569, o sargento piloto Alex Ferreira, o soldado condutor Vilarinho José e um grupo de Katangueses! 
- A C.Caç.2569, era uma Companhia Independente, proveniente do BII 19 (Madeira), sediada em Lumbala Velha, nas margens do Zambeze e adstrita ao Batalhão 2860, sito no Cazombo.
Alex
- Sargento Alex, era piloto-aviador, pertencente aos quadros do AB4 e estava destacado no do AM 43 (pilotava um DO 27), sediado no Cazombo e um grande Amigo da malta da C.Caç.2569.
Vilarinho
- O Vilarinho, era um condutor-auto, da referida companhia, que ao fim de poucos dias de comissão, havia sido "saneado" das funções, por ter "destruído" 3 ou 4 viaturas, porque tinha a "tentação" de com elas, passar por cimas de minas anti-carro!!!!
- Os Katangueses, eram grupos de refugiados congoleses (Katanga), que colaboravam com as nossas tropas, quando as operações eram mais "musculadas"!...
E pronto, apresentados os "artistas", vamos aos factos:
Estávamos prestes a "rodar" para o Norte, quando fomos indicados para uma última "operação" na zona, na qual teríamos a companhia dos Katangueses...a logística começa a ser preparada e era preciso ir buscar os Katangas.
Por insuficiência de condutores disponíveis, o "saneado" Vilarinho foi chamado e questionado se se sentia apto para conduzir, respondeu afirmativo e lá seguiu a MVT, para o Cazombo, para fazer a recolha.
No regresso, e no trajecto Cazombo/Marco 25, numa zona em que a picada era apelidada de auto-estrada, é a referida "coluna" sobrevoada por um DO 27... era o nosso Amigo, sargento Alex!... em terra, o pessoal da C.Caç.2569, usavam lenços vermelhos, que usavam como máscara para "sobreviverem" ao pó! 
Foi quanto bastou para que lá no alto, o sargento Alex, reconhecesse o pessoal e fizesse uma "saudação"! "Picou " o "Dornier", sobre a coluna, uma, duas vezes...mas as coisas correram mal. O Unimog, conduzido pelo nosso Amigo Vilarinho, foi atingido pelo trem de aterragem do DO, que para além de ter "levado" o pára brisas, "limpou" os katangueses que iam num dos lados do banco traseiro (ferindo-os) e matando o chefe dos mesmos, que seguia ao lado do condutor Vilarinho!!! Foi uma despedida marcante da ZML.
Dias depois, fomos para o Quitexe (Fazenda Luísa Maria)...
Ah!... o Vilarinho foi proibido de se aproximar de viaturas. Felizmente, está "por cá". Ele pode confirmar a história, por mim vivida através do contacto rádio, com o "transmissões" em serviço na "coluna".

Artigo de 
Rui Abrunheiro CCaç.2569

quinta-feira, 21 de maio de 2020

SKYFOX





Era para ser, Skyfox.
Nos anos oitenta, as OGMA, apresentaram sob forma de maqueta no Salão Internacional de Aeronautica e Espaço, Le Bourget o “Skyfox” em parceria com a “Skyfox Corporation” pensaram dar nova vida ao T-33. 
A transformação do “Skyfox” utilizaria a secção central da fuselagem, a cabine e as asas do T-33 original. O motor cede lugar a dois mais modernos colocados fora da fuselagem, sendo o nariz e a parte traseira da fuselagem completamente modificados, assim como parte das asas. O leme é novo do mesmo modo que todos os sistemas eléctricos, electrónicos e hidráulicos, teria pontos fixos sob as asas para dois canhões de 30mm, foguetes, bombas ou misseis, teria uma velocidade ao nível do mar de 940Km/h ou 1000Km/h em altitude, com tecto de serviço máximo de 15.200 mts e peso carregado de 6500Kg.
Mais ou projecto que ficou pelo caminho.

Joaquim Ferreira

quinta-feira, 14 de maio de 2020

SOS A KATANGUESES NA MATA, SEM MUNIÇÕES.

A nossa zona de intervenção no Leste, teve períodos que se podem comparar às agora frequentes missões internacionais das nossas tropas. 
Agora, fala-se português inglês, Kosovarez, afeganez, etc... Naquele tempo na zona do Muié falou-se por alguns momentos inglês, quando os “primos” Sul Africanos nos emprestavam os helicópteros, mas também francês com a colaboração que também tivemos dos descendentes do Sr. Tchombé do ex-Congo Belga, mais propriamente a província do Katanga, que se refugiaram no Leste de Angola. Ali continuaram com o enquadramento militar que tinham antes e como contrapartida ao acolhimento que tiveram, passaram a efectuar operações militares na nossa zona em nosso apoio.
Mantinham assim a sua estrutura e treino militar no sentido de um dia voltarem ao seu território de origem .
Que será feito deles? O Jean Marie seu comandante, era a fotografia exacta do Presidente Tchombé, seguramente seu familiar muito próximo.
Um dia, durante uma operação a Sul do Muié, em que actuaram autonomamente, comunicaram via rádio que tinham tido contacto com o IN, e que tinham apanhado 24 “canetas”,
O primeiro impacto no quartel foi de alegria face às 24 “canetas” capturadas (segundo o código vigente, 24 armas), mas,…logo de seguida, veio a preocupação com os insistentes pedidos de apoio, por estarem sem munições e com o IN a tentar atravessar o rio para os atacar.
Perante a situação que se nos afigurava dramática foi lançado um pedido de meios aéreos para o Comando, sendo enviado um Dornier para fazer o lançamento de munições.

O piloto aterrou no Muié para recolher os cunhetes de munições, mas colocou desde logo a questão de não conhecer o terreno pelo que teria que seguir alguém com esse conhecimento. Eu que tinha feito recentemente uma operação naquela zona, lá embarquei como guia de uma navegação à vista que pelos seus riscos, se revestiu de muitas cautelas, afinal o IN andava por aquelas paragens!!!!!
Localizados os militares, após vários círculos de reconhecimento visual, iniciou-se a operação de lançamento dos cunhetes de munições com três voos picados sobre o local onde os militares se encontravam cumprindo-se com sucesso o objectivo.
O piloto era experiente, mas eu a seu lado a guiar o itinerário, ia ficando com o estômago na boca de cada vez que se faziam os voos picados para largar as munições. O IN andava por perto e não se podia arriscar com voos rasantes.
Ficou a experiência, apesar do enjoo e a sensação de dever cumprido.
Os nossos Katangueses, lá vieram já municiados de regresso a pé ao Quartel, mas, qual não foi o nosso espanto…armas nem vê-las!! Tinham-se enganado nos códigos e o que comunicaram via rádio serem 24 “canetas” = armas, eram afinal pessoas, elementos da população que viviam na mata!!!!
 E esta??


Ex- Alferes José Reis, Batalhão Às de Espadas

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A ATERRAGEM NO MILHEIRAL E O SOBA CAXITO


Certa ocasião, voando do Luso para Teixeira de Sousa, o motor do avião, um DO 27 
começou a aquecer demasiado e o mecânico Isidro, mais conhecido por "Meirim", que me acompanhava, diagnosticou uma fuga de óleo que nos forçou a aterrar de emergência no mato, algures para os lados de Lumege.
Seria o que Deus nosso Senhor 
quisesse! Escolhemos um milheiral com a plantação ainda rasa, a aterragem correu bem e até conseguimos comunicar ao AB4 a respectiva localização.
O problema era que estávamos no meio de nenhures e naquela altura 
ainda não havia helicópteros a operarem na região, logo o mais provável seria termos de nos aguentar por nossa conta e risco durante uns dias até que uma companhia do Exército nos fosse resgatar.
Não sabendo se estavam em território amigável ou hostil, decidimos afastar-nos do avião transportando o kit de sobrevivência, as rações de combate e os cantis da água. Foi nessa altura que vimos vir ao nosso encontro um grupo de locais com ar amistoso e sorridente: representavam o soba local, que convidava os homens do ar a aceitarem a sua hospitalidade na sanzala ali próxima.
Aliviados, aceitámos o convite e 
fomos agradavelmente surpreendidos pela hospitalidade do soba Caxito, que era um homem cheio de dignidade e de histórias.
Ancião fiel ao regime, ostentava mesmo orgulhosamente uma bandeira portuguesa que lhe 
tinha sido oferecida pelo anterior Presidente da República Craveiro Lopes num encontro atestado por uma fotografia em que o chefe de Estado posava com o velho soba, na altura bastante mais jovem.
Enquanto trocávamos palavras cordiais com o homem grande daquela povoação, as mulheres preparavam com esmero uma refeição de moamba com dendém que seria acompanhada com hidromel, que circulava numa cabaça partilhada por todos.
Aparentemente em nossa honra
, seguiu-se um impressionante batuque pela noite dentro, num terreiro ao ar livre iluminado pelo calor das fogueiras: uma incursão ao que África tem de mais profundo e autêntico.
Para mim, 
foi uma das experiências mais intensas de sempre. O impacto do bater dos pés no solo e a dança dos corpos ao ritmo frenético dos batuques em aparentes transes que ficaram por explicar (seriam ervas?) emanavam um poder quase hipnótico que a todos embalava, e que se foi esbatendo já altas horas quase sem darem conta, à medida que os dançarinos se iam cansando e recolhendo. Todos beneficiaram então do contrastante silêncio da noite, e piloto e mecânico compensaram então as emoções do dia num merecido descanso, lado a lado em duas enxergas de verga numa cubata que gentilmente lhes havia sido destinada.
No dia seguinte, era altura de agir com pragmatismo: a forma mais fácil de sairmos dali era aproveitar o facto de o avião estar incólume, mandar vir por «encomenda aérea» o material necessário para reparar a avaria, limpar a "pista" para conseguirem descolar e seguir viagem sem precisar de esperar por ninguém.
E assim foi: contactada 
a Base, lá apareceram caídos dos céus uma lata de óleo e um novo tubo, as mulheres da aldeia foram mobilizadas para alisarem a pista e a dupla de homens do ar despediu-se com carinho e amizade daquela gente boa que os tinha recebido de maneira exemplar.
Dois anos mais tarde, voando um DO, estava em escala no Jimbe, onde se interceptavam as fronteiras de Angola, Congo e Zâmbia, quando fui abordado por um DGS que precisava de transportar um prisioneiro para o Luso, para ser interrogado. O inspector acabou por ficar no Cazombo e eu retomei o voo rumo ao Luso com o prisioneiro que continuava sentado algures lá atrás.
Ainda mal tinha levantado voo e sobrevoava 
a povoação quando senti a pressão provocada pela abertura da porta do avião: depois de uma alarmada troca de olhares com o mecânico que ia a meu lado, pela primeira vez olho para trás e o que vi deixou-me estarrecido, o prisioneiro estava sentado à porta do avião, de costas para o vazio que se abria no exterior, com as mãos amarradas atrás das costas, e reconheci-o de imediato: era o soba Caxito, que tão bem nos recebera na sequência da aterragem de emergência no mato, dois anos antes.
O homem 
reconhecera-me também, mas não quisera pedir-me ajuda e, com um misto de resignação e dignidade no olhar, perante o meu olhar horrorizado a prever o desenlace a que não consegui obstar, deixou-se cair.

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