quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A ENFERMARIA

Hospital do Luso, chegada de mais uma evacuação - foto de Armando Monteiro
A enfermaria era comprida, arejada, podíamos ver das janelas árvores.
O renque de camas numa das quais eu estava, virado para outra fileira, deixava livre um espaçoso corredor.
Havia militares feridos em combate, sobretudo minas, outros como eu feridos em acidentes. Na parede em frente, por cima da fileira de camas para a qual estava voltado, havia um nicho com um senhora de Fátima. Esta apelava à religiosidade de um oficial catanguês, dos que faziam a guerra ao nosso lado em Angola, ferido também, mais na mente que no corpo. Corria pelo corredor, uma vez por outra, a emitar o som de metralhadora trrá - tátá- tá e parava em frente do ícone e avisava-nos: "La Vierge Marie".
Durante os seis longos dias, há quarenta e cinco anos o tempo corria devagar, que estive na enfermaria do hospital militar no Leste de Angola, depois de sair de outros seis dias próximo da Morte, da sala de recobro e das máquinas, ninguém morreu nas fileiras de camas. Não houve necessidade de abrir biombos para não vermos a morte do outro.
Pensar sobre a morte, falar dela ou usar prodigamente o substantivo feminino em poesia, parece ser hoje um tópico de uma qualquer filosofia pós-moderna, mas quem já esteve com a Morte como vizinha e a dois fôlegos ou três de A encontrar, sabe que não há filosofia, nem poema, nem ensaio, que resista à experiência física. Porque a Morte é a única coisa da eternidade que se pode ver neste mundo.
Mas nem sempre com o pensamento na Morte, nem negando-A.
André Malraux no final do romance "A Estrada Real", negando-a de uma forma existencilaista, faz dizer a Perken, um dos personagens: "Não há... morte... Só existo... eu... eu que vou morrer."
Estas palavras moribundas e entrecortadas, não são, infelizmente, reais.

31-08-2015

© João Tomaz Parreira  



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

BA2 - OTA, 30º.ANIVERSÁRIO

14/4/1940 Foi inaugurada oficialmente pelo PR Óscar Carmona

BASE AÉREA Nº. 2 – DIA DA UNIDADE
30º. ANIVERSÁRIO – 14/ABRIL/1970

“Com a presença do Director do Serviço de Instrução da Força Aérea, comemorou-se a 14 de Abril, na Ota, o 30º. Aniversário da sua inauguração.
O programa das cerimónias constou de missa na capela da Unidade em memória do pessoal militar e civil da Unidade, já falecido, de formatura geral da Base, alocução relativa ao significado do dia, transmissão das funções de Porta-Bandeira, escolta e Porta-Guião e empossamento do pessoal escolhido, imposição de condecorações a oficiais, sargentos e praças galardoados no período decorrido entre 1969-1970, e desfile das Forças em Parad
a.
O brigadeiro piloto-aviador Krus Abecassis, depois de ter sido recebido à entrada da Base pelo coronel piloto-aviador Brochado de Miranda, Comandante da Base, passou revista à guarda de honra constituída por uma Esquadrilha de alunos com Guião e Fanfarra, comandada pelo capitão Sengo, dirigindo-se em seguida para o local onde se procedeu às cerimónias militares acima referidas.
Usou em primeiro lugar da palavra o Comandante da Unidade que começou por saudar o brigadeiro Director do Serviço de Instrução, dirigindo-se depois aos militares que assumiram as funções de porta-bandeira e sua escolta, a quem exortou a honrarem sempre a missão para que tinham sido escolhidos, ilustrando as suas palavras com exemplos colhidos nas páginas da nossa História, demonstrativos do valor da Bandeira como símbolo da Pátria. Seguidamente o Director do Serviço de Instrução procedeu à imposição de condecorações actualmente a prestar serviço na B.A.2 e a quem, desde o mesmo dia do ano passado, foi concedida tal distinção.” 

PALESTRA “30 anos ao serviço da Pátria” lida pelo capitão piloto navegador
Vítor Manuel Dias dos Santos

Cap.Vitor Santos




 “Há trinta anos que esta Base foi inaugurada".
Debruçando-nos um pouco sobre o seu passado, verificamos que as linhas mestras da sua história não se desfazem em cinzas, antes nos ajudam a compreender a razão que identificou o pessoal que tem servido a Pátria, nesta Base, com a divisa que alicerceia o seu brasão de armas: CUMPRIR ALÉM DO DEVER.
Este é o grito que continua a glorificar os que tombaram aqui! É ainda a ideia força que nos congrega para que a MISSÃO DA UNIDADE possa ser levada a cabo dentro da MISSÃO GERAL DA FORÇA AÉREA, intimamente orgulhosa em viver um dinâmico PRESENTE, alicerce para um melhor FUTURO, onde a nossa consciência possa encontrar a marca da nossa contribuição.  
A Base Aérea nº. 2 foi criada por Decreto em 31 de Dezembro de 1937 e oficialmente constituída em Unidade, com sede em Alverca em 17 de Dezembro de 1938.
Graves inquietações percorriam a Europa de então.
De Outubro de 1935 a Maio de 1936, decorre a guerra da Abissínia, fruto dos sonhos expansionistas da Itália fascista.
De Junho de 1936 a Maio de 1939, o território espanhol é devastado pelas competições ideológicas, no decorrer de uma cruel guerra civil, muito subsidiada pelos interesses das principais potências.
Inauguração oficial da BA2, 14/4/1940
Estas guerras isoladas, com características completamente diferentes, eram como que um negro pronúncio de acontecimentos trágicos em maior escala.
A Europa (e o mundo) vivia em ambiente dramático debaixo do peso da agenda de reivindicações alemãs.
A ocupação da Áustria e o desmembramento da Checoslováquia não deixa muitas ilusões aos mais optimistas.
Em Portugal, os governantes seguem atentamente a deterioração da situação política no continente fratricida.
Não foi pois que acaso que, a 26 de Março de 1940, o Comando e Serviços da Base Aérea nº.2 se instala no novo, amplo e bem concebido aquartelamento, acabado de construir sobre os terrenos que pisamos.
Qualquer observador desprevenido poderia observar o alto entusiasmo em que decorreu o acto de inauguração em 14 de Abril desse mesmo ano.
Nesse dia já se admitia que havia algo de mais profundo do que uma simples festa de nascimento de uma infraestrutura militar.
Estava marcada, e bem demarcada, uma chamada à realidade da II Grande Guerra que estendia os seus tentáculos destruidores.
                       1955-F84G na linha da frente-20ª. Esquadra de Caça
Tratava-se pois de um acontecimento de assinalada importância na vida Nacional, no aspecto da Defesa; e a alta temperatura do termómetro era-nos indicada pela presença dos mais destacados responsáveis pelo Governo da Nação: o venerando Chefe do Estado, general Óscar Fragoso Carmona; o Presidente do Conselho de Ministros da Guerra, Doutor Oliveira Salazar; o Ministro da Marinha, Comandante, Ortiz de Bettencourt; o Subsecretário da Guerra, capitão Santos Costa; o Comandante da Aeronáutica, brigadeiro Ribeiro da Fonseca, entre outras individualidades.
Foi neste pulsar que nasceu a Base Aérea nº. 2.
Ninguém se pode admirar que o seu pessoal tenha pressentido, desde o início, as
1959-Visita do Imperador
Selassié da Etiópia
graves responsabilidades que lhe cabiam.
O povo das cercanias depressa se familiariza com os ruídos e evoluções, tão curiosas como arriscadas, dos aviões que constituem as primeiras unidades operacionais: 15 aviões “Gladiador”, famoso biplano dotado de uma manobrabilidade espantosa, equipam uma Esquadrilha de caça que, pela primeira vez em Portugal, executa acrobacia em conjunto, de muito mérito; 10 aviões bimotores “Junker 86” formam um grupo de bombardeamento diurno a 2 esquadrilhas; 10 aviões trimotores “Junker 52” constituem-se um grupo a 2 esquadrilhas de bombardeamento nocturno.
Pode afirmar-se que a parte visível da grande infra-estrutura era o menor bem que se adquirira.
1961-A primeira recruta na Ota
Invisível, para muitos, estava uma nova orientação no sentido de remodelações nos aspectos de conduta técnica e mentalização do homem, que colocasse a nossa aviação militar a par das suas congéneres estrangeiras.
Oficiais de nova vaga sentiam a ingente necessidade de serem dominadas novas técnicas de administração e de voo, estas últimas a serem descobertas e utilizadas nos combates entre aviadores aliados e do Eixo.
A neutralidade que Portugal proclama podia ser quebrada a despeito da pertinácia e habilidade diplomática com que os nossos governantes a defendiam.
A batalha do Atlântico confere às ilhas dos Açores uma importância vital. E em 1941 para ali é destacada uma esquadrilha expedicionária equipada com aviões “Gladiador” seguindo-se-lhe, mais tarde, aviões “Junker 52” e “Mohawk” com as suas tripulações e outro pessoal.
1968-A torre de controlo
É durante a fase crucial do conflito 1943-1944 que a BA 2 recebe além de 18 avões “Aircobra”, rápidos e aerodinâmicos caças de fabrico americano, alguns bombardeiros médios “Dlenheim” e cerca de uma centena de aviões de caça da mais feliz concepção, “Hurricanes” e “Spitfires” que vieram transformar completamente o cenário da actividade aérea militar do nosso país.
Com efeito, a nossa aviação militar, em particular a Base Aérea nº. 2, estava equipada não só em quantidade como em qualidade.
Nestes céus que nos servem de cúpula os pilotos, a despeito das dificuldades existentes com o abastecimento de combustíveis ao País, queimaram a diminuta dotação que lhes cabia num treino porfiado, intencional e cada vez mais qualificado.
Quer nas messes, quer no hangar vivia-se um clima eufórico de alegre desafio; no ar esse desafio era diário; a emoção controlada um facto; o espírito de corpo um pacto da razão com o sentimento; a frivolidade nos hábitos e a rotina no serviço não tinham lugar.
Anos: 1967 - 1968 - 1969
Os “Hurricanes” tinham sido distribuídos por outras unidades (Tancos, Espinho, Sintra e Portela) e ficavam na Ota 3 esquadrilhas de “Spitfires”, 1 esquadrilha de “Aircobra”, além dos grupos diurno e nocturno de bombardeamento já enunciados.
1952 marca uma nova etapa na história das realizações.
É activada a Subsecretaria de Estado da Aeronáutica, e fundidos os ramos da aviação do Exército e da Marinha.
A união faz a força!
Recebem-se novos e mais evoluídos aviões, os caças  “F-47 Thunderbolt”, para operarem na Base Aérea nº. 2 que, segundo a nova reorganização, dispõe de um grupo de caça diurna constituído por 4 esquadras formadas, cada uma, por 4 esquadrilhas, a 25 aparelhos e 25 pilotos por esquadra.   
1970 - turma de Melecs
As exigências da BA 2 forçam a que outras unidades lhe cedam parte do seu pessoal.
Estas esquadras não são propriamente um fim. São um meio avançado de treino que procura enquadrar o pessoal da Força Aérea num ambiente técnico propício a novo salto em frente na senda do progresso: a utilização dos aviões de reacção que começam a chegar em fins de 1952.
Reacende-se o arrebatamento dos tempos da guerra.
Jovens oficiais treinados na América e na Alemanha neste tipo de aviões vêm verter na Ota o entusiasmo de pioneiros enamorados da missão que o destino lhes reservara.
Cursos magnificamente conduzidos preparam, no chão,
1971-Maj.Catroga, T.Cor.Tomaz
e Maj. Noronha
gente do ar e de manutenção. A Esquadra “T-33” formada em 1953 forja ininterruptamente pilotos de reacção que são imediatamente lançados no terreno operacional programado nas esquadras de “F-84 Thunderjet”.
Observa-se o tipo impecável das aterragens deste ou daquele; olha-se com admiração e discute-se a fineza da figura acrobática singular ou de conjunto.
Vive-se no ar e no solo, mesmo entre pessoal terrestre, o gosto pelas comparações, a necessidade de fazer mais e melhor, entre as esquadras, entre as esquadrilhas da mesma esquadra, entre os comandantes, diálogo determinante de um sentimento de emulação que obriga a um máximo nos empenhamentos pessoais, sem comprometer a sagrada lei da camaradagem e subverter a disciplina.
1978- Cerimónia de despedida do T6
Os elementos da manutenção e outros serviços dão um rendimento, com sempre, muito acima das expectativas. Num organismo de múltiplas facetas sem a harmonia das partes que se interpenetram e se completam. Ninguém, em particular, merece relevâncias. O todo é a única unidade válida de medida.
1969 - Alunos em marcha  e 1991 - 1ª. Recruta feminina. Contrastes !
Em 1956, 2 esquadrilhas de F-84 (oito aviões) saltam metade do Atlântico, em direcção do ocidente, aterrando nos Açores, provando a possibilidade de, em caso de emergência, serem para aí transferidos meios de combate em poucas horas dentro da mais perfeita semelhança da actividade real de guerra que merecem os mais altos elogios de personalidades ligadas ao Pacto do Atlântico Norte.
1957 transfere para Tancos a Esquadra de Instrução equipada com T-33.
1958 vê chegar à Ota os novos aviões “F-86” que formarão a Esquadra 51 com destino a Monte Real.
A vinda deste tipo de avião mantém o ritmo de rejuvenescimento: mais velocidade mais poder de fogo. Os pilotos portugueses vencem a barreira de som…
2015 - 75º. aniversário da BA2

Até que em 1960 se dá um verdadeiro golpe de teatro:
-É extinto o grupo de caça.
-Criado um grupo de instrução a 2 esquadras, transporte e reacção, esta regressada da BA 3 e aquela, dotada com aviões bimotores “C-45” e “C-47”, que segue em 1964 para os Açores.
-É criado o Grupo de Instrução de Técnicos e Especialistas (GITE).
A missão da BA 2 mudou radicalmente.
Mudou no aspecto, não na importância.
Na década dos anos 60 Portugal de novo espanta o mundo combatendo a alegada mudança dos ventos da história.
Conhecemos outros ventos:
    - Os ventos mouros dos tempos da reconquista cristã, início da nacionalidade.
     -Os ventos castelhanos das lutas pela independência, do Mestre de Avis e em 1640.
     - Os ventos desencadeados pelos mostrengos do mar oceano na época de 500.
Tal com outrora jogamos uma cartada de vida ou de morte.
E é neste jogo que a BA 2 toma lugar cimeiro, preparando pessoal da Força Aérea para servir em todo o espaço Português.
Todos os anos esta Unidade se enche e esvazia diversas vezes em partos laboriosos de mocidade que entrou menina e sai adulta a integrar-se na defesa dos nossos sagrados interesses acobertados pelo Direito.
Isto de ser Português, isto de se ter a sorte de contribuir para o Bem Público pela via da Base Aérea nº. 2, é fenómeno que:

MAIS VALE EXPERIMENTÁ-LO QUE JULGÁ-LO MAS JULGUE-O QUEM NÃO POSSA EXPERIMENTÁ-LO.

Fotos: 
1 – Brig. Krus Abecassis a fazer a imposição da medalha de prata de serviços distintos ao TC piloto-aviador Febo Vargas de Matos
2- O Director de Serviço de Instrução, Brig. Krus Abecassis, condecorando com a medalha de ouro de comportamento exemplar o cap. De serviço geral Adriano Vaz Garção
3 – O cap. Piloto navegador Vítor Manuel Dias dos Santos lendo a palestra “30 anos ao serviço da Pátria”
4 a 18 – Fotos extraídas do Blogue http://ab4especialistas.blogspot.pt/ - Álbum da OTA
          
           
Notas: Recolha de informação na Revista “Mais Alto” nº. 133 – Maio 1970

Até breve                                                                                   
O amigo 









Da Série:


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O COMANDANTE JOÃO DA CRUZ NOVO


O Comandante Ten. Coronel João da Cruz Novo, (filho de gente da Ria de Aveiro...como eu) chegou ao AB4 em 1966 e terminou a comissão nos fins de 1968. 
Era um homem diferente de muitos outros, constava-se, que além de óptimo piloto, seria um dos melhores cartógrafos portugueses, e como não gostava de se baixar, os outros do seu tempo eram generais, e ele, como homem honesto e de princípios…provavelmente não passaria de coronel!
Em 1968, o ministro do Ultramar Silva Cunha, visita Angola. O roteiro pela província, contemplava uma visita a Henrique de Carvalho. Pois nesse dia, ele foi dar uma volta e não compareceu á “protocolar” recepção ao ministro. Quando regressou, na Messe dos Oficiais, alguém da comitiva lhe perguntou a razão porque não tinha estado presente, e ele com a sua bengalinha a girar, respondeu, eu tenho mais que fazer, e regressou ao CA dizendo que não tinha que dar satisfações aquela gente, este era o Cruz Novo.
Visita do ministro Silva Cunha - foto de Ze Paes
Nesse dia o Sargento PA Neves, um bocado "parvalhão", era ao mesmo tempo o fotógrafo “oficial” da Base, e foi fazer a reportagem da visita do ministro, com uma nova máquina Yashica, dizendo, que tinha num rolo profissional cerca de 80 fotos, que afinal nunca tinha entrado na dita.
Floriano no CA do Comando
No CA, a porta ao meu lado dava entrada para o gabinete do Comando, recordo-me de um Sargento,
que participou de um Cabo, o Capitão Policarpo da Secretaria, não gostou e foi falar com o 2º. Comandante Major Pinho Freire, mas foi o Cruz Novo que o atendeu, ouviu, e mandou chamar o tal Sargento, para mim tem um certo sabor, disse ele Cruz Novo, que aquela malta tinha deixado família, amigos e noivas, outros já eram casados, que eram uns rapazes do melhor que havia, portanto ele estava a mais, e despachou-o para o Camachilo.
O João da Cruz Novo, era de facto uma pessoa aparte, era uma pessoa que pensava por ele mesmo, naquilo que eu sempre assisti, foi sempre um protector dos mais pequenos, embora poucos não se apercebessem disso.
Este, era o João da Cruz Novo que eu conheci, que se sentava connosco a contar anedotas e por brincadeira dizia, que o Pinho Freire era o “Comandante da Pecuária”, aliás afirmação que não deixava de estar correcta, pois era uma das atribuições do 2º. Comandante, gerir a Agropecuária da Base.
Ainda sobre o Major Pinho Freire, deve-se referir, que sendo um desportista praticante, a ele se deve a construção do ringue de andebol e futebol de salão.
Mas, voltando ao comandante Cruz Novo, havia uma serie de pilotos, que tinham medo de pisar o “tapete verde”, se não perguntem a alguns que passaram por essa situação.
Pessoas com medo dele? Esses eram os pilotos ao tempo, o Capitão Acabado sabe bem o que eu digo, e não só, o Capitão Águas e outros, ficavam ali paradinhos para prestarem contas, o que se safava era o Capitão Neto Portugal, que levava aquilo na paródia, porque estava bem protegido. 
23/5/1968 acidente de Neto Portugal
Quando o Capitão Neto Portugal se “espalhou” no Cazombo, (eu digo que se espalhou, porque foi isso que ali no Comando foi dito), ele nessa altura foi teimoso e não tinha condições para fazer o voo e foi arrancado de dentro do avião por um rapaz do Porto, mas deram os “louvores” ao Manuel das “pedras”, que apareceu depois e o transportou num Jeep.
O que o Cruz Novo gritou contra essa injustiça, mas de nada lhe valeu. Era um homem que como dizia, era responsável pelo Comando Operacional, e como tal não queria, que os pilotos andassem a praticar tiro ao alvo a gente que não se podia defender.
Esta é a opinião sucinta, de quem conviveu de perto o dia-a-dia do Comando de João da Cruz Novo. Será susceptível de opinião divergente, mas, penso ter marcado uma época do AB4, como homem e Comandante, de quem infelizmente, julgo, nos temos esquecido um pouco.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

OS CONTOS DE JACK

JACK NÃO DISCUTIU COM DEUS

A noite escondia o espectáculo. A viatura militar estava espalhada pelo terreno carregado de arbustos e raízes como pequenas facas. Dois dos ocupantes, também feridos, estavam perdidos no escuro. Jack estava sozinho com o corpo numa estranha posição. A perna esquerda partida dobrada, estranhamente parecia estar sob as costas.

A "estrada" para a cidade 
-Jack, onde estás?- ouviu uma voz gritar. Era um dos companheiros sinistrados.
Virou a cabeça para onde estava a voz.
-Aqui! Tentei, mas não posso levantar-me – disse com uma voz que não era de todo a sua, fraca, apagada, mortal.
No ar havia um cheiro que denunciava qualquer coisa, combustível, fogueiras mal apagadas, a proximidade de uma sanzala, qualquer coisa que poderia, de repente, eclodir dentro da cabeça de Jack.
Pensava que não podia morrer. Os primeiros- socorros que chegaram, no “Jeep” da ronda, foi isso que disseram: “Ninguém morre neste estado!” Disseram-lhe para o animar. Jack já tinha pedido isso mesmo a Deus – que o não levasse - , quando recobrou do que deveria ter sido um tremendo choque no chão. Foi a mais pequena oração que Jack fizera na sua vida, até àquele dia. E nunca mais pensara no caso. Quando se está a um milímetro da Morte, pensa-se em quase tudo, menos nela. Perdia os sentidos e recobrava-os, perdia-os e voltavam, assim até chegar à enfermaria da Base militar.
- É o Jack – ouviu dizer nuns rostos esfumados dos companheiros que se juntaram para ver passar a maca, à porta da enfermaria.
-Houve um acidente lá em baixo, perto já da Vila.
- O condutor estava com uns “copos”.
-Eu disse ao Jack para não ir – retorquiu o Anthony.
- Quando amanhecer o Beech vai evacuá-lo para o hospital militar do Luso.
-Como está, não deve escapar!
Jack não discutira com Deus, não tinha tempo para isso, não perguntara “-Por quê eu?! -, aquelas frases de quem se acha com direitos divinos.
É quase sempre perto da Morte que a nossa dependência de Deus deixa de ser teológica, de confissão religiosa, e passa a ser física – foi o que Jack pensou, nos muitos dias seguintes ao que lhe aconteceu.
© João Tomaz Parreira