quinta-feira, 25 de março de 2021

INSTANTES DA VIDA REAL DO AB4



Decorria o mês de Julho de 72.
Eu, ainda maçarico no AB4 fui mandado ir ao posto médico afim de transportar, ao hospital da cidade, uma mulher que estava eminente a ter bebé. Era uma trabalhadora da nossa agro.
A senhora é colocada na ambulância e recebo ordem de partida. À saída da porta de armas tinha aquela reta e no final da mesma uma curva à esquerda, como não tive tempo de curvar segui capim adentro e retomei a estrada uns 200 metros mais à frente.
Decorridos poucos minutos estava à porta do hospital já com a criança a começar a sair, levaram a senhora e regressei à base. Aproximadamente uma semana após, fui à horta levar os ternos com as refeições diárias, lá estava a senhora com o canhica ao colo e com aparente boa saúde, mãe e filho.

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Um por todos!

Ar Luso princípio de 74, como condutor de alerta, recolhi os boletins de pedidos de transporte para ir à cidade buscar o pessoal de alerta e outros que iam para destacamentos. Por vezes tínhamos que fazer duas e três idas. Neste dia, e para o primeiro pedido constava o nome de um nosso furriel piloto. Passei pela República onde morava e como não estava à espera fui fazer o resto da volta e passei por lá novamente, continuava a não estar pronto. Fui levar à base os que estavam presentes e voltei à cidade para fazer a segunda recolha. Passei pela segunda vez pela dita República e nem sombra do nosso piloto, lá fui levar os que estavam, chegado à base e não tendo mais pedidos, resolvi ir à cidade saber do homem que faltava.
Aí chegado como não vi ninguém toquei à campainha umas duas ou três vezes e lá apareceu o nosso piloto, à varanda, a dizer que tinha adormecido. Rápidamente se despachou e lá fomos a caminho da base. Não houve consequências, mas homem prevenido vale por dois, não era problema meu, mas o comandante era o Sacchetti !

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quinta-feira, 18 de março de 2021

A DESPEDIDA (FRAGMMENTOS DE MEMÓRIAS)


Vi-o descer pelo carreiro da restolha do Calaia. Cana de pesca na mão direita, cacifo sobre o ombro, andar compassado ao ritmo das irregularidades do caminho; a pesca era o destino. Para as poldras de Baçal ou talvez a represa da Camila.
O Sabor corria-lhe no sangue, nunca estava mais de uma semana sem visitar o rio.
--Não te despedes do rapaz, ouvi minha mãe perguntar enquanto no meu quarto, preparava a mala da viagem.
Já há muito que me ando a despedir dele, ouvi em voz morta de angústia.
Oh homem...nem parece teu…
Beatriz, isto é uma vida danada. O outro já na Guiné, agora este para Angola!
Foi assim que quiseste. Os da D. Ofélia também são gémeos e foi um de cada vez.
Sim, sim, mas prefiro passar dois anos em sofrimento do que quatro em permanente agonia. Não ia aguentar tanto tempo, na incerteza de dias sem sol na alma, nem ter notícias amiúde.
Nossa Senhora dos Montes Ermos há-de protegê-los, estou cheia de fé.
Pois, pois, Nossa Senhora…
Ouvi a porta bater, o som lento das botas a descer as escadas, o ranger do portão que dava para a rua.
António Júlio, vem comer as sopas, chamou a minha mãe, já estão no sítio.
Entrei na cozinha, a malga fumegante com sopas de café com leite eram fiéis ao local, no parapeito da janela da cozinha, que dava para a restolha. Desde os tempos do liceu que era assim. Dali, via os lameiros verdes onde, depois das aulas, jogávamos à bola. Em cima do aparador, o velho rádio dava som a "aprés toi" na voz de Vicky Leandros, ainda fresca pela vitória alcançada no festival da eurovisão desse ano.
Continuei a vê-lo, baixou ao lameiro do Lima e parou. Voltou o rosto e olhou para a janela durante alguns minutos. Sabia bem que eu estava lá. Não fez qualquer sinal, somente parou a olhar!
Eu sei pai, que não gostavas que os teus filhos te vissem chorar. Só uma vez o fizeste diante de nós. Lembro-me do comício, que a oposição ao regime fez em clandestinidade na serração do Martins Novo. Eu estudante , tu um pai cheio de ideais.
Cantámos o hino nacional e saíram-te umas lágrimas de liberdade.
Sei porque saíste sem despedida, sei que não ias à pesca, sei, que quando o comboio partisse da estação, já estarias de volta a casa.
Continuou a afastar-se, agora em passo mais apressado, atravessou o lameiro da Joana Dias e perdeu-se na lomba da estrada junto à quinta de Rica-Fé.
Era tempo de ir para a estação. A mãe acompanhou-me até ao portão banhada em lágrimas. O carteiro, na pessoa do velho Conhés acabava de anunciar. Correeeiiio!!!
Tirou da sacola um aerograma.
--Cá está mais um ,vem da Guiné!
A ansiedade apoderou-se de ambos, abri e comecei a ler.
O Júlio já foi para Angola?
Os da aviação têm uma vida melhor que nós, tudo há-de correr bem com ele.
Irmão, porque não retardaste um pouco mais as tuas notícias? A emoção quase me fazia perder o comboio.
Aconteceu na Rua Acácio Mariano em Bragança na manhã do dia 6 de Abril de 1972
JC


Jc

quinta-feira, 11 de março de 2021

QUANDO O COMANDANTE SE ESQUECEU DE DITAR AS VÍRGULAS E OS PONTOS !


Hoje vou contar-vos uma história que me aconteceu com o nosso Major Sampaio, 2°. Comandante.
O nosso Major de vez em quando fazia uns ofícios um bocado extensos, e como na altura eu era o Amanuense mais requisitado, lá me caíam nas mãos aquelas obras primas.
Maj. Geraldo Sampaio(em primeiro plano)
Raramente aquilo saía à primeira, porque depois de dactilografado ia para assinatura. Passado pouco tempo já estava de volta, porque o primeiro parágrafo passava para segundo, o quarto para terceiro e o terceiro para quarto eram só setas a encadear os enleios. Eu não dizia nada mas ficava furioso (como devem calcular) mas era sempre assim.Certo dia, veio ele em pessoa, com o oficio na mão para eu o dactilografar de novo. Meto papel na máquina e ele senta-se ao meu lado a ditar pela minuta que trazia riscada, e eu toca de bater à máquina. Quando acabo a primeira folha passo-lha para e mão e meto nova folha para continuar.
Ele começa a ler e diz; mas isto não tem pontos nem vírgulas?! Pois, o meu Comandante não ditou nenhuma!
Bem! Faz lá isto e foi-se embora, eu lá continuei a tarefa.

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quarta-feira, 3 de março de 2021

NATAL EM MALANGE


No final de 1974 estava destacado em Malange, com o Mafaldo.
No dia 31 de Dezembro de 1974, o CMD do Batalhão pediu-nos para fazer uma ronda às companhias. Já não me lembro quem ia mais, mas a máquina ia bem composta. Fui eu, com o transportador, pois a missão não requeria segurança especial, e o canhão ficou em Malange.

Tínhamos feito bons amigos na cidade e estava tudo combinado para o baile de fim-de-ano. No último local em que estivemos, à descolagem, o rotor de cauda começou a vibrar assustadoramente. Máquina no chão! Era preciso voltar a casa - Malange. O tempo estava ameaçador, com chuva e trovoadas.



Consegui contactar o Mafaldo, pelas comunicações do Exército, e lá o convenci a ir recolher-nos. Com o outro MMA, desmontaram o canhão e ele foi sozinho, porque éramos muitos.


Não perdemos o baile!
Na foto, algumas das amizades que fizemos em Malange.


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