sexta-feira, 30 de maio de 2014

SAURIMO CELEBRA ANIVERSÁRIO COM O VERDE DA ESPERANÇA

Entre os muitos progressos que a antiga cidade Henrique de Carvalho hoje Saurimo regista encontra-se a construção e modernização do seu novo aeroporto dando uma nova imagem à capital

Saurimo celebra o 58º aniversário da sua ascensão à categoria de cidade, a 28 de Maio de 1956. Nessa época chamava-se Henrique de Carvalho. A capital da Lunda Sul oferece hoje uma imagem de ordem e arrumação, com as ruas asfaltadas e sinalizadas, iluminação pública, água corrente, escolas e hospitais novos ou reabilitados.
Calumbi Mahuli dos Serviços Comunitários
Calumbi Mahuli, dos Serviços Comunitários, pinta de branco o lancil do passeio que contrasta com o verde dos jardins, as duas cores da  “Cidade Diamante”.
O empenho de Mahuli em manter a cidade limpa e bonita confere-lhe o direito de criticar aqueles que, por desleixo ou mesmo por desaforo, pisam a relva e o pavimento acabado de pintar. Fica triste quando verifica que ainda existem pessoas a deitar o lixo para o chão quanto têm locais próprios para o fazer.
Para ele, os principais ganhos alcançados na cidade e na província são as escolas, que vieram retirar centenas de alunos das precárias condições em que estudavam, em muitos casos à sombra de árvores, para colocá-los em salas confortáveis e com direito a merenda escolar.
Mufuca Mimi, que regressava a casa ao fim de mais uma jornada de trabalho, reclama da “agitação” provocada pelos motociclistas. Para ela, o aumento de motorizadas na cidade levanta preocupações em relação à segurança no trânsito.
Em poucos minutos de conversa, repete várias vezes a expressão “cidade bonita” quando se refere a Saurimo, para cuja limpeza contribui todos os dias, num emprego que lhe permite ajudar o marido taxista, no sustento da casa e na criação dos cinco filhos.
Antes de retomar a caminhada, num passo apressado, pois já é hora de preparar o jantar, realça o asfaltamento das ruas do bairro Txizaínga, onde vive, e o facto de já não ter de ir acarretar água longe de casa, porque já corre nas torneiras.
As jovens Silvana Pina e Augusta Rosa, que fazem venda ambulante de cremes, desodorizantes e produtos de desinfestação, reconhecem a mudança trazida pela expansão das redes de abastecimento de água e electricidade, construção e reabilitação de escolas e centros de saúde nos bairros de Candembe e Passa Bem, onde residem.
Augusta Rosa enaltece as mudanças
Crescimento populacional
Nestes dias que antecedem os festejos da data em que a então vila Henrique de Carvalho foi elevada à categoria de cidade, Saurimo vive um verdadeiro frenesim. Os Serviços Comunitários procedem à poda das árvores e à colocação de placas e letreiros luminosos.
A cidade, que foi a capital da extensa província da Lunda até 1978, quando se procedeu à divisão administrativa que criou as duas Lundas, Norte e Sul, regista um grande crescimento desde a conquista da Paz, em 2002.
Com o fim da guerra também acabou o  isolamento a que Saurimo esteve submetida. Hoje é a porta de entrada para a região leste do país, através da Estrada Nacional 230, e ponto de passagem para o Dundo, Luena e ponto de passagem para a fronteira com a República Democrática do Congo, a partir do município do Luau. Essa condição de placa giratória da região e a retoma das atividades económicas, com destaque para a indústria mineira, a capital da Lunda Sul registou um rápido crescimento populacional. Projectada para 18 mil habitantes, Saurimo tem hoje 200 mil.
Esse aumento da população obrigou o Governo a gizar estratégias para atender às necessidades básicas dos seus habitantes, como a construção de uma barragem, uma nova central térmica e outra de captação e tratamento de água. Foi também necessário aumentar a oferta em termos habitacionais, pelo que as autoridades locais fizeram arruamentos e outras infra-estruturas  nas reservas fundiárias. Também foram estabelecidas normas de construção, de modo a permitir a instalação de infra-estruturas de base.
O Bairro da Juventude, a escassos quatro quilómetros do centro da cidade, tem cem casas habitadas e dezenas de outras em construção, por iniciativa de instituições públicas ou de pessoas singulares. As habitações estão ligadas às redes de saneamento básico, água e electricidade. Todas as ruas estão alfaltadas. Ainda em construção, estão dezenas de habitações no bairro Cawazanga, onde também se construíram os arruamentos. Os proprietários foram informados sobre as normas a seguir para erguerem as suas casas. O grande projecto habitacional é a nova centralidade, localizada junto à Estrada Nacional 180 (Saurimo-Luena) a quatro quilómetros da cidade, cujas obras devem arrancar em breve.
Na zona decorre a construção dos Pavilhões Pró Trabalho, suportados pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, e a Sonangol marca presença com a instalação de bombas de combustíveis.

Ordem no trânsito
A expansão da cidade e o crescimento demográfico aumentaram as necessidades em meios de transporte, pois as distâncias outrora curtas, que podiam ser percorridas a pé, tornaram-se longas. Saurimo viu crescer o número de viaturas e as ruas, antes quase sempre desertas, registam hoje um fluxo de trânsito considerável.
Com a expansão e o crescimento demográfico aumentou a necessidade de meios de transporte a construção e reabilitação de estradas
Com isso, abriu-se um mercado para o serviço de moto-táxis, nem sempre desempenhado por pessoas habilitadas para conduzir uma motorizada. Os moto-taxistas, na sua maioria jovens, são os principais protagonistas dos acidentes de trânsito na cidade.
Na corrida pelo lucro, ignoram as regras de trânsito, pondo em risco a sua vida, a de quem transportam  e dos peões, também estes ainda pouco habituados ao actual frenesim nas artérias da capital da Lunda Sul.
O aumento dos acidentes preocupa as autoridades da província e a governadora Cândida Narcisa entregou ao Comando Provincial da Polícia Nacional, equipamento para a fiscalização e controlo do trânsito na cidade de Saurimo e vias circundantes.
Por estes dias, a movimentação de pessoas é maior devido aos preparativos para as festas do aniversário da cidade e à realização do Censo Geral da População e Habitação, que decorre em todo o país.
Campanhas de limpeza, actividades desportivas, entrega de donativos a instituições de saúde e assistência social e dois espectáculos públicos constam do programa comemorativo, aprovado pela Administração Municipal de Saurimo.
Os festejos mobilizam, além das autoridades provinciais e municipais, outras instituições da sociedade, entre as quais a Igreja.
O arcebispo da arquidiocese da Lunda Sul, D.José Manuel Imbamba, exortou esta semana os munícipes de Saurimo a contribuírem “de forma valiosa e pronta” para o desenvolvimento da cidade. 
“Cada cidadão deve trabalhar de forma honesta, comparticipando no processo de reconstrução, construção, unidade e reconciliação nacional para o bem-estar de todos os munícipes”, afirmou o arcebispo.
D. Manuel Imbamba convidou os habitantes de Saurimo a lançarem iniciativas que ajudem o Governo  a reduzir as taxas de desemprego, erradicação da pobreza e no combate à pobreza nas comunidades.
Além da sede municipal, Saurimo tem duas comunas, Sombo e Mona Quimbundo, que se associam à festa dos 58 anos da “Cidade Diamante”, engalanada com o branco da paz e o verde da esperança num futuro melhor.

Adão Diogo | Saurimo
Fotografia: Joaquina Munji | Saurimo

sexta-feira, 23 de maio de 2014

“O PROFESSOR de POSTO” ZÉ MANEL

Gago Coutinho
O Zé Manel, era um miúdo de etnia Mambunda, nado e criado em Gago Coutinho, assalariado da Força Aérea desde pequeno, com bilhete de identificação que incluía fotografia, era o responsável pela limpeza dos utensílios e do espaço, que permitiam que comêssemos no hangar em vez de termos que nos sujeitar ao refeitório do Batalhão, era também ele que nos tratava das camas e da roupa.
Era um miúdo calado, bastante educado tendo em atenção o meio em que diariamente trabalhava, e particularmente calmo e paciente com os faxinas do Exército, que na maior parte dos dias resolviam descarregar nele as frustrações, maltratando-o e nalguns casos levando a que a nossa comida sofresse um tratamento nem sempre condigno.
Depois de ter tratado dos seus afazeres, o bom do Zé Manel, pegava na sacola e na mesa onde comíamos fazia os trabalhos de casa que as freiras da missão lhe indicavam, uns dias eram contas, outros um ditado, numa tarde de calmaria, cheguei-me à mesa e curiosamente espreitei o que ele escrevia, era uma redacção em que ele contava que queria ser “professor de posto” como não sabia o que seria tal profissão com nome tão pomposo resolvi perguntar-lhe o que raio de coisa era aquela de “professor de posto”.
Aparentemente, qualquer pessoa com a quarta classe podia ser professor, bastava que frequentasse um curso específico, com duração de um semestre, fizesse um exame com bom aproveitamento, e era-lhe passado um diploma que lhe permitia dar aulas nos locais mais isolados em que existiam crianças suficientes para se formar uma ou mais turmas para aprenderem os rudimentos da escrita e da leitura, e se fosse o caso tirarem a quarta classe e prosseguir os estudos. Segundo ele, era muito difícil tirar a quarta classe e ainda mais o curso de professor, mas era esse o seu sonho. 
No dia seguinte, sem que ele soubesse, desloquei-me à Missão, falei com a Irmã responsável pela escola e ela confirmou o que eu já sabia, o Zé Manel era um miúdo muito esperto, que com um pequeno apoio, poderia chegar a “professor de posto”, manifestei a nossa disponibilidade para o ajudar nos trabalhos e ela garantiu que o propunha ao próximo curso, falei com o pessoal e toda a gente manifestou disponibilidade para o ajudar nas contas e letras, sempre que ele necessitasse.
A Missão
O curso começou, e entre todos fizemos um óptimo trabalho, pois vários destacamentos depois, o Zé Manel apareceu todo contente com a nota do exame final e a aprovação, fizemos uma vaquinha entre todos, comprámos um fato, com camisa e gravata, meias e cuecas, não havia era sapatos para os pés dele, tivemos que pedir ao Secarleste, que intercedesse junto da secção de fardamento de Henrique de Carvalho para que fornecesse umas sapatilhas de tamanho 46, que foram as únicas que conseguimos arranjar para ele não ir descalço, e no dia da entrega dos diplomas lá fomos todos sem excepção, ver a entrega do diploma ao “ Senhor Professor de Posto José Manuel”, depois de passarmos pela DGS, para assinarmos o termo de responsabilidade pelo salvo-conduto, que lhe permitiria viajar entre Gago Coutinho e o futuro posto onde fosse tomar posse como Professor.
A maior dificuldade foi depois escolher o novo assalariado, pois apareceram todos os candengues da sanzala como candidatos ao lugar.

Gago Coutinho 1973
OPC ACO

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A PISTA DO DONDO

AM 32 - Toto, foto de João Sousa 

Fazia a minha primeira comissão em Angola nos PV2. 
Como os DO-27 andavam a ter muitos acidentes, o comandante resolveu colocar alguns pilotos de PV2 a voar também os DO-27. Foi assim que eu, o Pessanha, o Eiró Gomes, o Ferreira Pinto etc, começámos a voar as duas máquinas.
Um dia, estava eu a fazer um destacamento no Toto com o cabo mecânico Palhais quando, por volta das 5 horas da tarde, chegou um pedido de evacuação no Vale do Loge.
A mensagem que o R/T me entregou tinha prioridade zulu, ou seja; tinha que executar a missão ainda que chovessem picaretas. Mas não era o caso. Havia nuvens baixas, mas nada que dificultasse a missão.
Vale do Loge
O Palhais estava a capotar o avião quando eu lhe disse que tínhamos uma evacuação. Tirou a capota que já tinha colocado no motor e lá fomos em direcção ao Vale do Loge. Já previa que parte da viagem seria em vôo nocturno. Não tinha problemas, eu gostava de fazer instrumentos. Até ao Vale do Loge a viagem era curta e fi-la a baixa altitude.
Quando lá cheguei não vi ninguém na pista, o que achei estranho. Fiz duas ou três passagens sobre o quartel e aterrei. Fumei vários cigarros antes que aparecesse alguém. Depois lá vi um jeep vindo na nossa direcção. Lá dentro vi dois militares, mas nenhum deles me pareceu ferido ou doente. Então perguntei:
- Onde é que estão os feridos?
O condutor olhou para mim e disse:
- Não são feridos. É a esposa do nosso capitão que vai ter bebé a Luanda.
Boa, pensei.
Ficámos a aguardar e já a noite caía quando chegou outro jeep com o snr. Capitão, a esposa e um filho pequeno. Cumprimentámo-nos e logo subiram para o avião. Um dos que chegou no primeiro jeep pediu se o podia levar, pois ia para consulta externa em Luanda.
Descolei e subi para seis mil e quinhentos pés. Quando atingi a altitude já a noite era bem escura até porque estava a voar dentro de nuvens. A certa altura principiou a chover e a turbulência ficou moderada. Quando liguei a rádio-bússula a agulha tinha oscilações enormes. Deixei que o tempo passasse, mas não melhorou. A certa altura o Palhais virou-se para mim e disse que lhe cheirava a maresia. Fiquei preocupado. Será que já estava a voar em cima do mar? Pelo tempo de vôo, devia estar a chegar a Quicabo. Mesmo assim, desviei um pouco para a esquerda. Chamei a torre de Luanda e eles responderam. Quando pedi assistência, disseram-me que a radial que estava a aparecer só podia estar errada. Nem falaram qual era a radial. Passado uns minutos deixei de ter contacto com eles. Quando já tinha a certeza de ter passado a zona montanhosa, comecei a descer. Reduzi o motor, a velocidade, meti 15° de flaps e acendi o farol de aterragem. À minha frente via a projeção da luz nas nuvens. A certa altura a luz sumiu e assustei-me. Só depois é que percebi que tinha saído das nuvens. Voltei à linha de vôo. Olhei para a frente e para a direita na esperança de ver as luzes de Luanda ou outras que me pudessem orientar. Nada! Tudo era escuridão completa. 
-Devemos estar em cima do mar. – falou o Palhais.
- Se estivéssemos no mar via a fosforescência dos carneiros lá em baixo.

Olhei para a esquerda e, lá bem longe, avistei luzes elétricas. Nem pensei mais. Voltei o avião naquela direção. À medida que me aproximava, o número de luzes aumentava. Só podia ser uma cidade grande. Já mais próximo, vejo o reflexo das luzes na água. O meu cérebro trabalhava a mil, tentando saber que cidade era aquela. Já mais perto, percebi que aquela água só podia ser de um lago. Cada vez mais intrigado, tentei pensar com calma, que era o que me ia faltando. Muitas luzes, um lago perto de Luanda, era o quê? Nada! Não valia a pena dar mais voltas à cabeça. Tinha bastante combustível e pensei que, sobrevoando a cidade alguém poderia ter a idéia de me indicar uma pista. Dei voltas e mais voltas e fui acendendo e apagando o farol de aterragem para chamar a atenção. Tinham passado mais de vinte minutos, quando vejo alguns carros a reunirem-se. 
Disse para o Palhais:
- Estamos safos! Eles vão iluminar-nos a pista.
Barragem de Cambambe
Mais carros se juntaram e começaram a andar. Andaram, andaram e andaram. O tempo ia passando e maus pensamentos começaram a apoderar-se de mim. Sei lá para onde é que eles iam! Podiam até, ir para alguma festa ou outra coisa qualquer. Mas uns minutos depois, os carros começaram a tomar posições de um lado e do outro daquilo que era, concerteza, uma pista. Colocaram-se em diagonal de modo que me permitia ver a pista. Quem os colocou assim sabia o que fazia. Fiz uma passagem baixa para fazer o reconhecimento da pista e voltei a subir para aterrar. Percebi que a pista era de terra e bastante curta. Pedi ao Palhais para avisar os passageiros que íamos aterrar numa pista alternativa, que apertassem bem os cintos e que o snr. Capitão segurasse o filho no colo. Quando já estava em aproximação, vi que, lá em baixo, estavam a acender fogueiras junto à pista. Pior, pensei. Se houvesse um despiste podia ir parar a uma fogueira. Mas não, fiz uma aterragem curta, perfeita. Uma ambulância aproximou-se do avião já parado. Várias civis e alguns militares também se aproximaram. Descemos do avião, fui cumprimentado por várias pessoas e logo que me foi possível perguntei discretamente a um militar:
- Que pista é esta?
- É a pista do Dondo.
Logo todas as minhas dúvidas se desvaneceram! Claro, se ali era a pista do Dondo, o lago que eu sobrevoei durante tanto tempo era a barragem de Cambambe. Foi para lá que nos levaram num dos jeeps.
Um capitão disse-me que o meu comandante queria falar comigo logo que possível e foi a primeira coisa que fiz logo que cheguei às instalações da barragem. Quem me atendeu foi o oficial de dia às operações.
- Oh pá está tudo bem? Tu nem sabes do que te livraste! Está aqui o General Moura dos Santos, que é pai da senhora que evacuaste, e está farto de gritar aqui dentro. Dizia que se lhe matasses a filha, ele te matava a ti. Espera que vou chamar o comandante que está aqui ao lado com o general.
Dava-me vontade de rir! Parece que o snr. General não sabia que, se a filha morresse, eu também estava morto. Falei com o comandante que foi extremamente simpático e pedi para que outro avião fosse ao Dondo no dia seguinte e levasse combustível. Dali fui comer alguma coisa e beber uns whiskys. Dormi que nem um santo naquela noite. No dia seguinte apareceu o Eiró Gomes, infelizmente já falecido num acidente de Nord em Tancos, que deixou o combustível e levou os passageiros.

Com este incidente, ganhei vários amigos: Os dois irmãos Generais Moura dos Santos, a filha de um deles D. Graça Leandro e seu marido cap. Garcia Leandro que encontrei em Timor na minha 1ª.comissão.

Por:





sexta-feira, 9 de maio de 2014

A PACHANCHO (1961)


Na formatura para o almoço de segunda-feira, o oficial de dia anunciou em voz alta:- O presidente da junta de freguesia da Ota, pede-me para vos informar, que está uma bicicleta motorizada no leito do rio Ota, junto à ponte, à entrada da aldeia. Se pertencer a algum de vocês o melhor é ir lá retirá-la. 
- É minha mas podem ficar com ela! – Respondeu peremptório o Manel Bento, algarvio de Tavira e especialista de abastecimento na esquadrilha dos electrónicos.
Durante o almoço Alfredo procurou inteirar-se do que se havia passado com o colega de esquadrilha, para que a motorizada dele tivesse aparecido no rio. Ficou a saber pela voz do próprio Bento, que não fora só em Cheganças que tinha havido confusão entre militares e civis durante o fim-de-semana. Também na aldeia da Ota os ânimos se exaltaram, quando um grupo que integrava o Manel Bento, tentou entrar no baile da paróquia sem pagar. Como já estava toldado pelo vinho, o que não era raro, as coisas deram para o torto e houve mesmo troca de sopapos entre os contendores. Goradas as intenções de entrar no baile, Manel Bento, furioso, montou a velha motoreta com a intenção de regressar à base. Era tal a piela que entre o salão de festas e a ponte, numa distância de pouco mais de duzentos metros, caiu da motorizada por cinco vezes. Como a última foi precisamente em cima da ponte, não esteve com meias medidas e atirou com o chaço ao rio fazendo o resto do percurso a pé.
- Ó Bento, então depois da trabalheira que nos deu ir buscá-la a Vila Franca, atiraste com ela ao rio? – Admirou-se Alfredo.
- Estava bêbado. Mas também não se perdeu grande coisa. – Completou Manel Bento.
A vinda da motorizada do Algarve para a Ota fora mais uma das muitas aventuras em que Alfredo, involuntariamente, participou. Numa sexta-feira, à saída do trabalho nos electrónicos, Bento perguntou ao amigo:
- Alfredo, queres ir amanhã comigo a Vila Franca buscar a minha “Pachancho” que veio de comboio de Tavira?
- Pachancho?! Que raio é isso? – Perguntou Alfredo.
- É uma motorizada.
- Não conheço. É alguma marca nova?
- Já não é nova mas está impecável.
Na tarde do dia seguinte, Sábado, Alfredo e Bento lá foram na camioneta da base para Vila Franca.
Oh surpresa das surpresas! Quando Alfredo viu a motorizada exclamou:
- Isto nem amanhã está na Ota, Bento!
Veio à memória de Alfredo o velho “Cucciolo” do amigo Du Fernandes, da Praia do Bispo. Só que a “Pachancho” estava bem pior.
- Não de preocupes Alfredo, o motor está impecável. Tenho é de ir arranjar uma garrafa de mistura porque o depósito deve estar seco. – Disse Bento.
- Já agora vê se arranjas também uma bomba para encher o pneu da frente.
- Pois é! Está vazio, porra! – Exclamou o amigo já menos entusiasmado.
- Sendo assim o melhor é ir com ela à mão até à primeira estação de serviço. Há uma da Sacor à saída da vila. – Acrescentou Manel Bento.
Atestado o depósito de combustível e depois de cheio o pneu que estava vazio, lá conseguiram pôr o motor a funcionar após várias tentativas.
- Monta, Alfredo. – Convidou Bento enquanto mantinha o motor acelerado para que não se fosse abaixo.
Alfredo sentou-se na grade metálica que servia de assento do pendura e lá partiram deixando um rasto de fumarada e um intenso cheiro a óleo queimado.
- Pára, Bento! Pára! – Gritou Alfredo ainda mal haviam percorrido cem metros.
Alfredo desmontou da motorizada, tirou o blusão e dobrou-o em quatro para servir de almofada.
Motorizada Pachancho
- O assento estava a magoar-me o cagueiro. – Justificou-se Alfredo enquanto se faziam novamente à estrada.
Foi curta a etapa pois ainda antes de chegarem ao Carregado, o pneu de trás furou.
- A câmara de ar deve estar ressequida. – Disse Bento a tentar justificar o contratempo.
- É isso Manel... e o pneu da frente já está outra vez quase vazio.
Bento abriu a pequena caixa cilíndrica pendurada entre o selim e a grade metálica, na esperança de encontrar algum remendo. Apenas continha uma ferrugenta chave de fendas e tiveram outra solução que não fosse procurar ajuda na povoação do Carregado, para onde se dirigiram empurrando a motorizada.
Depois do Carregado ainda se verificaram mais três paragens forçadas o que, feitas bem as contas, dava quase tantos quilómetros a levar a motorizada, como a motorizada a levá-los a eles.
Chegaram à base a altas horas da noite, cansados, esfomeados e sem um tostão pois o pouco dinheiro que levavam foi inteirinho para pagar os remendos.Era esta desgraçada “traquitana” que jazia agora no leito do rio Ota.”
Ota - a ponte

Por:





sexta-feira, 2 de maio de 2014

A PARTICIPAÇÃO DA FAP NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1975)




A preparação para a guerra

Importava, fundamentalmente, intensificar a presença militar. No âmbito aeronáu­tico essa presença era diminuta, por razões da dimensão do Poder Aéreo Nacional na altura.
Na grande reestruturação da Aeronáutica Militar em 1956, onde se passa do con­cei­to de forças aéreas para o conceito de Força Aérea, uma das áreas con­tem­­pla­das dizia respeito à extensão orgânica relativa ao espaço aéreo ultramari­no.
Por força destes diplomas legais, foram criadas as Re­giões Aéreas, uma abran­gendo o território continental, os Arquipélagos dos Açores, da Madeira, de Cabo Verde, e a Guiné; outra que incluia Angola e S. Tomé e Príncipe e outra com sede em Moçambique que incluía, além deste território, os ter­ritórios portugueses da Índia, Macau e Timor. Em cada uma destas Regiões estava prevista a constituição de Bases Aéreas, e outras clas­ses de aeródro­mos, no sentido de garantir uma cobertura total do Império Português, em termos de ju­risdição aérea. Levou ainda algum tempo para que os co­man­dos se organizassem e para que os meios fossem destacados para essas remotas paragens; contudo, estavam criadas as condições legais para uma implemen­ta­ção rápida face ao evoluir da situação.
Em 1957 o Subsecretário de Estado da Aeronáu­tica faz publicar uma Directiva para lança­men­to das infra-estruturas necessárias às operações aéreas nos territórios ul­tra­marinos portugueses, tanto na previsão da operação local como para apoio das aeronaves em trânsito na sua deslocação inter-teatros.
Em 1958 é efectuada uma visita de inspecção para avaliação da situação por uma equipa chefiada pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, e no ano seguinte tem lugar o célebre Exercício Himba.
BA9 - 27-04-1959 - Exercicio HIMBA - Foto ex-OGMA 

O exercício HIMBA consistiu numa operação de transporte aéreo militar para verificar rotas e infra-estruturas, escalas possíveis para o trânsito e opera­ção, e numa demonstração de soberania, de pre­sen­ça militar portuguesa em Á­­fri­­ca; foram envolvidos 14 aviões, desi­gnadamente 6 Skymaster, 2 C-47 Da­­­kota, e 6 PV-2 Harpoon que voaram da Metrópole até Angola, utilizando ae­ró­dromos de escala, ao lon­go da rota oceânica. Em Angola, so­bre­vo­­aram Carmona, Santo António do Zaire, Cabinda, Malange, Henri­que de Carvalho e Lobito; foi realizado um grande festival aéreo em Luanda com desfile aéreo e terrestre, lançamento de tropas pára-que­dis­tas, e exercício de tiro ar-solo real, com a assistência de uma multidão entusiasta e orgulhosa da sua For­ça Aérea. Outros desfiles se realizaram em Sá da Ban­deira e Nova Lisboa. Esta acção teve uma impor­tância fundamen­tal do ponto de vista psicológico, junto da popu­la­ção, para além do teste operacio­nal a que se propun­ha. O exercício deixou no entanto uma marca negativa: um dos C-47 des­penhou-se à saída de Lisboa, na foz do Tejo, tendo falecido os 5 tripulantes e os 6 oficiais que nele seguiam em serviço, constituindo as primeiras bai­­xas da Força Aérea nestas novas campanhas africanas - as causas do acidente nun­ca foram determina­das, estando totalmente fora de hipótese qualquer acção intencional provinda do exte­rior.
A Força Aérea construiu em Angola quinze pistas principais, em Moçambique catorze, na Guiné cinco, para além de grandes ampliações e melhorias nas existentes naquela data e que eram em número reduzido.
As 3 frentes, Angola, Moçambique, Guiné
Para além da estrutura orgânica e da construção das infra-estruturas mínimas que permitiriam a dotação subsequente dos meios, haveria que estudar ou avaliar que tipo de guerra se iria enfrentar e qual deveria ser o sistema de for­­­ças aé­reas mais adequado, dentro das limitações existentes a vá­rios níveis.
Foi assu­mi­do que se iria operar num cenário de supremacia aé­rea, pelo que não foi considerada a questão da defesa aérea e do combate aé­reo. Não foi inicialmente considerada a possibilidade de utilização de armas anti-aéreas pelo inimigo, previsão que não veio a materializar-se, pois é sabi­do que nos três teatros o inimigo desenvolveu uma capacidade significativa nesta área, como iremos referir.
Em todo o caso, foram ainda instalados alguns radares de campanha, na Guiné e em Ango­la, para vigilância meteorológica e para apoio de tráfego, mas relativamente obsoletos e com baixa prontidão. E­xis­tiam ainda radares de artilharia que no caso da Guiné faziam a vigilân­cia do espaço aéreo e transmi­tiam a informação para o centro de operações aéreas.
Um outro prin­cípio adoptado foi de que se tra­ta­va de uma questão interna, não se prevendo operações fora do ter­ritório nacional, nem meios especificamen­te adequados a esse tipo de missão.
À partida esteve fora de questão a aquisição de meios altamen­te sofisticados, devido principalmente às restrições de natureza económica, embora a natureza dos meios não tivesse sido muito diferente da utilizada por outros países ricos em experiências do mesmo tipo.
O sistema de forças planeado no inicio da década de cinquenta no âmbito da aju­da mútua, aprovado pelo Ministro da Defesa, não seria de considerar, justa­mente porque a ajuda para este e­fei­to não seria possível, por razões políticas. Aliàs, esse plano foi abandonado ou reorientado para as necessidades de missão em África.
F-84 na BA9
Por outro lado, foi reconhecido que seria necessária uma força de dissu­a­são credível, com a dimensão apropriada: foi este princípio que levou ao destaca­mento de avi­ões de combate, como foi o caso do avião F-84G para Angola, e poste­riormente para Moçambique, do avião F-86F para a Guiné, entretanto regressado por imposição americana e substituido pelo avião FIAT G-91, também destacado para Moçambi­que, e de aviões de patrulhamento marítimo, como foi o caso do avi­ão P2V5 para Angola e Guiné e do avião PV2 para Angola e posterior­mente para Moçambique. Uma compo­nente muito importante nes­te cenário estratégico era a componente de trans­porte, não só da ligação da Metrópole com os teatros ultramarinos, mas tam­bém da ligação dentro de cada teatro - de início a frota existente de C-54 e DC-6 satisfazia as ne­cessidades para a ligação inter teatros (os C-54 estavam ao serviço desde 1947, fornecidos ao abrigo da ajuda mútua, e que atingiram um total de 16 aeronaves colo­cados na Base Aérea nº 4 nos Açores; os DC-6 foram adquiridos à PANAM em 1961 num total de 10, tendo ficado baseados em Lisboa; tanto os C-54 como os DC-6 viriam a ser abatidos em 1978); depois esta capacidade foi acresci­da com a aquisição de 2 Boeing 707 em 1969 (alienados em 1976) que tiveram uma ex­ploração e­xem­plar re­conhecida a nível internacional; pa­ra as ligações in­trateatro e para o transporte médio foram utiliza­dos os avi­ões Dakota existentes no inventário e foram adquiridos avi­ões Nord­Atlas a França.
Boeing 707 dos TAM
O avião conven­cional de ata­que e de apoio de fogo que teve maior a­pli­cação em todos os teatros foi o avião T-6 armado, adquirido a Fran­ça, a partir da Argélia, e à Alemanha. Para o transporte ligeiro e posto de co­man­do vo­lante foi ini­cialmente utilizado o avião AUSTER, fabricado em Por­tugal, nas OGMA, e posteriormente o DO-27 adquirido na Alemanha. Já na fase final da guerra entraram ao serviço aviões B-26 em Angola. Outros tipos de meios aéreos foram ainda utilizados sem expressão significativa. O meio aéreo mais utili­zado e com maiores sucessos em termos de apoio às opera­ções terrestres foi o helicópetro, em especial o Allouette III (O Allouette 2 teve uma explo­ra­ção operacional pouco significativa, e o SA330 só tardiamente foi adquirido).
Na fase final da guerra foram adquiridos 32 aviões Cesna FTB 337, Super­Sky­master, na versão armada, mas os aviões só foram recebidos em Dezem­bro de 1974. Foram igualmente adquiridos nesse período 24 AVIOCAR CASA 212 para transporte médio e também recebidos já depois da guerra em finais de 1974, princípios de 1975.
Não existia, antes do início da guerra, doutrina aérea específica para este tipo de operações, aplicando-se a doutrina aérea geral em vigor, que foi sendo sucessivamente aditada com especificações pró­prias do emprego do poder aé­­reo nos vários contextos, através de normas de exe­cu­ção permanente pro­mul­ga­­das em cada Teatro, e que, curiosamente, foram convergindo para uma certa uniformidade.
A fonte inicial de recolha de experiências foi a Força Aérea Francesa, em particular os ensinamentos colhidos na guerra da Argélia e também na In­doc­hi­na. Pierre Closterman foi convidado a vir a Portugal em 1960 tendo ti­do vários contactos e profe­ri­do uma conferência na Academia Militar sobre o emprego do Poder Aéreo em guerra subver­siva. A experiência britânica, em particular o conflito na Ma­lá­­sia, considera­do como um caso de sucesso das forças clássicas em guer­ra de guerrilha, foi igualmente estudada e tida em consideração. A fonte tradicional, a Força Aérea Americana, não dispunha à altura nem de experiência específica sobre guerra subversiva nem de doutrina particular sobre esta matéria, como é sabido.
Auster
A primeira acção de subvelação teve lugar em Angola, na Baixa do Cassange em Janeiro de 1961. Tratou-se de uma acção tumultuosa, de afrontamento às autoridades civis e militares, de ameaças à integridade de pessoas e bens. Esta acção foi neutralizada por uma força militar, a 4ª Companhia, e pelos meios aéreos, designadamente aviões Auster e PV2, em cerca de duas sema­nas.
Em Fevereiro dá-se um ataque concertado a vários pontos em Luanda, entre os quais as tentativas de assalto às prisões, à emissora de rádio, ao comando da polícia mó­vel, o as­sa­ssínio de po­lí­cias, e a partir de 15 de Março dá-se o genocídio em várias sanzalas do Nor­deste angolano, onde perderam a vida cerca de se­te mil pessoas, sendo mil de origem europeia.
Se dúvidas existissem quanto à intervenção militar nos territórios ultramarinos, este facto hediondo não deixou margem para a passividade ou para a negociação pacífica. É assim que começam as operações militares que iriam durar até 1975. Com estes actos, toda a hipotéctica negociação pelo diálogo tornou-se cada vez mais longínqua.
A estraté­gia militar orientou-se segundo as seguintes vertentes: des­tru­ir a ca­paci­da­de mi­litar inimiga, isolar o inimigo das populações aliciando-as para a causa por­tuguesa, penalizar ou desestabilizar aquelas que apoiavam o inimi­go, criar condições para o desenvolvimento económico, social e político.

As operações aéreas em Angola

Nordatlas no AB3
Por altura dos acontecimentos na Baixa do Cassange, o único aeródromo mi­litar em Angola era o de Luanda, a Base Aérea nº 9. Os meios aéreos aí estacionados eram 11 PV2, 7 aviões de transporte NORDATLAS, 4 aviões ligeiros DO-27, 4 BROUS­SARD e alguns T-6G (des­ti­na­dos ao AB3, como adiante veremos). Nesse mês de Ja­nei­ro de 1961, os aviões PV2 fizeram 38 mis­sões operacio­nais, e idênti­co número em Fe­vereiro, repartidas por acções de ataque inde­pen­dente, ata­que em apoio próxi­mo de forças terrestres e de populações, re­con­he­cimento aéreo e eva­cuação sanitária. Naturalmente, a área de operações era a Baixa do Cassange. Os NORDATLAS efectuaram 19 missões em Janeiro e 34 missões em Fevereiro, em transpor­te de pessoal e de carga.
No final do ano de 1960 tinham sido destacados para Carmona, 4 aviões ligei­ros Auster, utilizados em acções de re­con­hecimen­to visual, posto de con­trolo volante, transporte de carga, eva­­cua­ção sanitária, aterrando em pistas im­pro­visadas. Du­ran­te os aconteci­mentos na baixa do Cassange estas 4 aero­na­ves voaram cer­ca de 200 horas de voo, o que significa que a zona foi so­bre­vo­a­da durante quase todo o perí­odo diurno, detectando movimentos de gru­pos sublevados, orientando as for­ças no terreno de forma muito primária, dada a inexistência de comunica­ções ar/terra, fornecendo ví­ve­res, munições às forças e aos elemen­tos ci­vis si­tia­dos, fazendo as ligações possíveis. Em 6 de Fe­ve­reiro duas destas aero­na­ves são destacadas para Malange em realiza­ção do mesmo tipo de activi­da­de aérea.
AB3 Negage

Desde meados de 1960 que vinha sendo construido o aeródromo do Negage, situado a cerca de 150 milhas a Nordeste de Luanda. Em 7 de Fe­vereiro de 1961 tem aqui lugar a primeira aterragem de um Auster e de um NORD, embora as instalações do aeródromo, particularmente o quartel, só tivessem ficado conclui­das em Se­tem­bro desse ano. Este aeródromo militar, já legal­men­te constitui­do do an­terior, tinha recebido a designação de AB3.
Como já referimos, em 15 de Março de 1961 tem início uma ofensiva brutal, por parte de vagas hu­manas armadas de catanas e canhangulos, contra povoa­ções e fazendas de agricultores, nos distritos do Zaire, Uige e Cuanza Nor­te, em especial Quiba­xe, Vista Alegre, Aldeia Viçosa, Quitexe, Quicabo, No­va Caipemba, Nam­bu­an­gon­go, Zalala, Quibala, Bessa Monteiro, Madimba, Canda, M’bridge, Bu­e­la e outras. Os rebeldes mataram milhares de pessoas, todas civis, inclu­in­do mais de um milhar de brancos. Muitos destes locais foram ocupados pe­los atacantes, com fuga da população residente. Noutros locais a popula­ção­ conseguiu re­sis­tir e ficar, constituindo autênticos redutos permanente­men­te ameaçados, sem possibilidade de fuga e tentando so­bre­vi­ver. Esta ac­ção cri­ou pânico em toda a região, o que originou um ê­xo­do qua­­se com­pleto dos re­si­dentes, mes­mo daqueles que ainda não tinham sido ameaçados.
Aviões ligeiros, civis e militares, procederam ao transporte das pessoas apavoradas em fuga, concentrando-as no aeródromo do Negage, donde se procedeu a uma ponte aérea para Luanda de cerca de 3.500 pessoas, essencialmente com aviões NordAtlas.
Em 16 de Março chega a Luanda, via aérea, a primeira companhia de pára-que­­distas. O dispo­si­ti­vo terrestre é reforçado com forças provindas da Metró­po­le e são lança­das operações de grande envergadura nas zonas afectadas.
Nestas operações de cerco e recuperação de posi­ções, como foi o caso da ope­­­ra­ção Pedra Verde, da operação de assalto a Nam­­buan­­gon­go, e das opera­ções na serra da Canda e em Sacandica partici­pa­ram as unidades aéreas da Base Aérea nº 9 em Lu­anda, e do Aeródromo Base nº 3 no Negage.
PV2 Harpon
A Esquadra de PV2 (ESQ 91) efectuou 56 missões operacionais em Março e 88 em Abril, com uma média mensal de 60 horas de voo por piloto atribuído. A Esquadra de NORD (ESQ 92) executou 92 missões em Março e 103 mis­sões em Abril, com uma média mensal de 45 horas por piloto atribuido.
Este esforço de voo iria au­mentar num crescendo até Novembro de 1961 - os PV2 vo­aram cerca de 3.000 horas nesse ano, e o número mensal de mis­sões foi-se aproxi­mando da centena (em Julho); os NORD voaram no mes­mo período 2.600 horas (até ao final do ano trans­portaram cerca de 29.000 passageiros e cerca de três mil e quinhentas toneladas de carga).
Na última quinzena de Março chegaram ao aeródromo do Negage, voando de Luanda, 4 aviões T-6G armados, que já dis­pun­­ham de equipamento rádio para o con­tacto com as forças de superfície, em frequência modulada.
DO 27 e T6
Estes números foram aumentando progressivamente e no final do ano já se en­­contravam neste aeródomo base 15 T-6G e 9 DO-27. No mês de Março os a­vi­ões T-6 executaram 22 missões operacionais, 72 em Abril e 103 em Maio (valor mais elevado do ano) sendo a maior parte em acções de reconhecimento armado. Foram executa­das 11 acções de apoio aéreo próximo em A­bril e 25 em Maio. Os aviões DO-27, que em Abril e Maio eram apenas 4, efectua­ram 96 missões em Abril e 161 em Maio, com uma média de cerca de 50 ho­ras/piloto atribuido/mês; em Abril os pilotos de DO-27 eram 13, em Julho 18 e em Novembro 22. A frota de T-6G efectuou até final do ano de 1961, 1.867 horas de voo, e a frota de DO 27 efectuou 3.254 horas de voo no to­­tal desse ano. Todos os pilotos colocados no Aeródromo Base esta­vam qua­li­ficados em mais do que uma aeronave, para suportar este esforço de voo a que a Unidade era solicitada, em situação de emergência. Estes núme­ros dão-nos uma ideia do progresso da dotação de meios neste Aeródromo Base; naturalmente que, ao mesmo tempo que estes meios aéreos e respecti­vo pessoal de operação e manutenção iam che­gan­do à Unidade, iam-se esta­be­­le­cen­do os fluxos logísticos necessários à sua sustentação.
Em Agosto de 1961 entram em cena dois outros tipos de meios aéreos: o F-84G in­te­grado na ES­QU­ADRA 93 e o helicóptero AL II na Esquadrilha de Trans­por­te e Reconhecimento, constituindo-se depois a ESQUADRA 94, am­­bas da Base Aérea nº 9.
Municiamento de F-84 na BA9
O avião F-84G, cedido ao abrigo da ajuda mú­tua, que tin­ha sido abatido ao in­­ven­tá­rio da Força Aérea, na Metrópole, em 1961, iria ser apro­veitado para missões de reconhecimento na fronteira Norte, para in­ter­cepção de eventuais reabastecimentos das forças rebeldes, e detecção de corredores de infiltração, para missões de interdição ou ataque in­dependente, para apoio de fogo às forças de superfície. Para além das me­­­­tral­hadoras de .50 polega­das, internas, dis­punha de esta­ções externas on­de po­de­riam ser suspensos di­ver­­sos tipos de ar­mamento, co­mo foguetes de 2.75 e de 5 polegadas, bombas de 50 e de 200 quilos e de 250, 500 e 750 libras. No final de Agosto já esta­vam pron­­tos 5 aviões (transportados via marítima de Lis­boa, com mon­ta­gem em Lu­anda), com 7 pilotos atribuídos que exe­cu­taram no total 44 acções nes­­se mês; no mês seguinte este va­­lor passou para 139 acções, sen­do 66 de a­poio próximo, 14 de reconhe­cimento, 8 de patrulhamento da fron­teira Nor­te, 29 de ataque independente e 22 de outra natureza, como por exemplo, voos de teste, de demons­tra­ção, de treino ou de pre­sen­ça. A partir de Outubro ficaram pron­tos 11 aviões. De sublinhar que a taxa de prontidão da frota foi de 80% em Agosto, 77% em Setembro, 66% em Outubro, 82% em No­vembro e 90% em Dezembro de 1961, números que impressionam para uma frota previa­mente “extinta” por ter atingido o fim do seu ciclo normal de vida.
Fundamental­mente, a ES­QUA­DRA 93 constituia-se como elemento dissua­sor importante, não só no plano interno como no plano internacional, para além da acção directa rele­vante, dado o seu poder de fogo. Quando estalou a guer­ra em Angola surgiu a notícia de que estariam disponíveis para oferecerem os seus serviços à guerrilha, aviadores estrangeiros que, com pequenas aeronaves po­de­riam atacar objectivos de grande importância, escapando-se incólumes pa­ra santuários próximos, em países vizinhos - como não exis­tiam meios de de­fe­sa aérea, designadamente meios de cobertura radar e in­ter­cep­­to­­res, e como tais aviões não necessitariam de grandes infraestruturas para ope­rar, pode­riam constituir-se como armas poderosas, em especial con­tra o Poder Aéreo. Es­ta notícia não se veio a confirmar em Angola, mas o a­vi­ão F-84 pode­ria ter sido o meio mais adequado para se opôr, em certa medi­da, a esta ame­a­ça.
Uma das primeiras preocupações da Força Aérea foi a de estabele­cer um pla­­­­no de comunicações. Estabeleceu-se um serviço fixo em grafia, SSB, que ligava o Comando da Região Aérea com NEGAGE, MAQUELA, CABIN­DA e TOTO, e um serviço móvel de Aeronáutica em HF que ligava os pos­tos acima referidos com algumas aeronaves que dispunham deste tipo de re­­ceptores; nos aeródromos foram mon­­ta­das as torres de controlo a operar na banda do VHF. Todas as aerona­ves, à ex­cepção do F-84, do NORD e do C-54, foram equipadas com VHF/FM para con­tacto com as forças de superfície. As únicas ajudas rádio à navegação eram radio faróis instalados nas bases principais. Foi instalado um radar em Negage, relativamente obsoleto.
A actividade aérea neste período continuou no ritmo já referido, não só na participação nestas operações mas também em acções de presença e de apoio logístico a militares e civis noutras áreas de Angola. Fora das zonas onde ain­da não existia presença de forças militares portuguesas, a Força Aérea actuava de forma independente, sem necessidade de coordenar a sua acção, dentro da estratégia definida a nível superior, quer através do reconhecimen­to e patrulhamento, quer por acções de ataque quando os objectivos se consi­de­ra­vam importantes.
A declaração de estabilidade em finais de Setembro de 1961 não significou obviamente o fim das operações militares. O regime político classificou a par­­­tir de então as operações como operações de polícia, por razões de estratégia política internacional, mas na realidade elas foram operações de guerra, na forma de guerrilha. Como se referiu, só o Norte da Província foi atingido por esta onda de violência, que era dirigida a partir do Congo.
A diferença fundamental na situação militar foi na forma de actuação das for­­­­ças rebeldes: na primeira fase, entre Março e Setembro, traduziu-se por mas­­­sa­­­cres de civis, com ar­mas brancas e canhangulos, em que as forças re­bel­des se movi­men­ta­vam em terreno descoberto contra as populações e forças militares, em grandes massas humanas fanatizadas. Era relativamente fá­cil detectar as movimentações destas hordas pelo reconhecimento aéreo, ou detectar sinais suspeitos de ataque iminente, as­sim como era possível con­ter o seu avanço com acções aéreas de fogo, inti­mi­datórias. Na fase que se se­guiu o inimigo dissimula-se na mata e actua por emboscada às colunas mi­li­tares, por acções de flagelação contra os quartéis, sendo muito mais difícil a sua detecção; as forças inimigas em presença passam a ter um carácter mili­tar, com preparação política e técnica, e começam a utilizar arma­mento ter­res­tre mais sofisticado - em vez das catanas e canhangulos, passsaram a ter armas automáticas, minas e morteiros, deixando de atacar as populações pa­ra atacarem as nossas forças, segundo a técnica do bate e foge, infiltrando-se na mata, difícil de penetrar pelas forças militares convencionais. Contudo, têm ou­tro tipo de difi­culdades: a aderência da população, muito alheada da motiva­ção ideo­ló­gica ou política, que na sua maioria quer paz, e a necessi­da­de de se rea­bas­tecerem do outro lado da fronteira criando corredores de infiltração com um mínimo de pontos fi­xos ou rotas determinadas indispen­sá­veis, mas detectáveis.
Conforme se referiu, as acções aéreas eram muito orientadas para o reconheci­mento visual, para o reconhecimento armado, para o ataque contra peque­nos alvos muito bem localizados e acerca dos quais se dispunha de informa­ção quanto à existência de guerrilheiros, para o apoio fogo directo às forças ter­res­tres, para além das acções de apoio logístico em benefício das forças militares e de civis. De realçar as missões de assalto com helicópteros, a partir da chegada dos ALIII, e tropas especi­ais, com apoio de fogo dado pelo T-6, pelo PV2, pelo F-84, e pelo heli­can­hão (tiro lateral com canhão de 20 mm). A acção de pistagem foi tam­bém executada com helicópteros e pára-quedistas, que consistia na descober­ta e seguimento de trilhos ao longo das infiltrantes do Norte, e que conduzia à detecção, aprisionamento ou ata­que de grupos guerrilheiros em acções de reabastecimento.
BA9 - Luanda
Em Angola existiu apenas uma base aérea, a BA nº 9, durante todo o período da guerra até 1975. Existiam dois aeródromos-base, um em Negage, o AB nº 3, constituido logo em 1961, como vimos, outro em Henrique de Car­valho, o AB nº 4, guarnecido mais tarde. Foi legalmente constituído um ter­cei­ro, o AB nº 10 em Ser­pa Pin­to, mas que nunca teve actividade significativa. Para além destas infraestruturas principais existiam ainda aeródromos de manobra (AM) e aeródromos de re­curso. Dependente da BA 9 existia o AM 95 em Cabinda; do AB 3 dependiam os AM 31 em Ma­­­que­la do Zombo, AM 32 no Toto, AM 33 em Malange; do AB 4 de­pendiam o AM 41 em Por­tu­gália, o AM 42 no Ca­­maxilo, o AM 43 no Ca­zom­bo e o AM 44 no Luso. Os aeródro­mos de re­curso eram os da N’Riquin­ha, do Cui­to Canavale, de Gago Coutinho, Cacolo e Tei­xeira de Sousa, entre outros.
AB4 - Henrique de Carvalho
A partir dos tempos tumultuosos do ano de 1961, as operações militares em Angola entraram numa fase de rotina, na Zona de Intervenção Norte, no sentido em que assumiram uma caracterização própria da guerrilha, com controlo do território por parte das nossas forças.
Surgiram entretanto outros movimentos, o MPLA e a UNITA, e o movimento inicial UPA evo­luiu para FNLA. Por razões de natureza política, as forças destes movi­mentos deslocaram-se para leste, cerca de cinco anos de­pois das operações iniciais no Norte, o que forçou à criação da Zona de Inter­­ven­ção Les­te (ZIL) que abrangia os distritos da Lunda e do Moxico. A partir de 1966 as forças portuguesas passaram a confrontar os três movimentos nesta ZIL, o que obrigou a um redirecionamento do esforço. O AB 4 foi reforçado com 6 PV2, dos quais 2 estavam destacados em permanência no Luso, e em 1968 já dispõe de 1 avião Bechcraft 45, de 11 T-6G e 11 DO27 que voavam cerca de 300 horas por mês, no total.
Alouette III estacionados no Luso

A frota de helicópetros Allouette III, que havia chegado em 1963, atingiu em 1972 o seu valor máximo de 29 unidades que efectuavam cerca de 4.500 horas de voo por ano, sempre organicamente atribuida à BA9, mas com desta­ca­men­tos por várias bases do teatro de operações, em acções de transporte de assalto, de apoio de fogo e de evacuação sanitária.
Em 1970 chegam ao teatro de operações 5 helicópteros SA-330, PUMA, in­te­grados na ESQUADRA 94 mas a operar no Leste; no ano seguinte a frota é reforçada com mais 1 helicópetro deste tipo. Até fins de 1973 efectu­aram em média cerca de 1.200 horas de voo por ano. Estes helicópetros esti­ve­ram des­ta­cados em Moçambique, no AB 7, num total de 3 em 1973 e de 5 em 1974.
Puma SA-330

Entre 1963 e 1966 esteve destacado na BA 9 para patrulhamento, um avião P2V5 que efectuou 1.064 ho­­ras de voo em 508 missões no primeiro ano, 1.083 horas de voo em 162 missões no ano seguinte, e 200 horas de voo e 39 missões no último ano de destacamento.
No início das operações aéreas esteve destacado em Angola um avião Skymas­ter com a missão primária de lançamento de pára-quedistas e transporte geral dentro do teatro. Para além destas missões executou voos de reconheci­men­to na fronteira norte para detecção de infiltrações, ao longo dos rios Zai­re e Cuando. Ao final de poucos meses regressou à Metrópole para a execu­ção das missões de transporte inter-teatros.
Para além da reorientação do esforço com o surgimento da guerra a Leste, o dis­positivo altera-se ligeiramente, com maior activação dos aeródromos já men­cionados, com a introdução da frota de B-26, em número de 4 aeronaves, em Outubro de 1972, e com o abate dos aviões F-84 em Novembro seguinte.
AM 44 - Luso

O Aerodromo de Manobra do Luso passa a ser o centro das operações aéreas, com PV2, T-6, DO27 e ALL III, ali estacionados ou baseados no AB 4.
As operações assumiram um carácter de rotina e as forças armadas portuguesas procuravam desarticular o dispositivo inimigo, que sofria muitas dificul­da­des no terreno, de vária ordem - a primeira das quais terá sido a falta de união entre os três movimentos. A batalha pelo desenvolvimento continuava em toda a Província, agora que estavam atingidas as condições de segurança ne­ces­sá­rias.

Tenente-general PilAv António de Jesus Bispo
Revista Militar
Fotos do Clube de Especialistas do AB4