quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

HISTÓRIA DO PELOTÃO DE ARTILHARIA-ANTIAÉREA 55

Partida – VERA CRUZ­ 13 JUL 62 – Rocha Conde d’Óbidos
Chegada a Luanda a 23 JUL 62



INSTALAÇÕES DURANTE A VIAGEM
 
As piores instalações do navio foram reservadas aos Pelotões de Artilharia Antiaérea (49, 50, 55 e 56) e pelotões de Morteiros que seguiram no mesmo barco.
O pessoal dos Pelotões AA ficou instalado nos porões da proa, em beliches de madeira, sendo o intervalo de cama a cama sensivelmente de 60 cm. O cheiro pestilento a vomitado e azedo depressa tornou quase impossível a permanência das praças para descansarem, pelo que passaram a dormir junto às piscinas, nos decks da popa, e na proa. De notar que existiam muitos camarotes de 3ª classe vazios!
O mau estar entre as praças que seguiam na proa era geral. Chamada a atenção das entidades responsáveis foi pelas mesmas informado que os Camarotes de 3ª Classe que se encontravam vazios e fechados não podiam ser utilizados. Como a situação disciplinar e moral se agravava e por acordo com o Comandante da Bateria AA 386, Capitão Loureiro dos Santos, as praças do Pelotão AA 55 foram distribuídas pelos Camarotes que eram ocupados pelas praças daquela Bateria. Assim, ficaram, em média, dois elementos do Pel. AA 55 em cada Camarote utilizado pela Bateria AA 386, dormindo o pessoal no chão onde estendia as mantas trazidas do porão.

OCORRÊNCIAS
-Vacinação contra a febre ­amarela na enfermaria de bordo.
-Instrução diária de educação física e palestras, durante a manhã.
-Diversões à noite e durante a tarde, nomeadamente durante a passagem do equador.
-Desembarque do Pel. AA 49, ao largo de Cabinda.
-Embarque de uma Companhia de Caçadores Especiais em Cabinda, por ter terminado a comissão de serviço.
-Permanência de 22 para 23 de Julho, no “Vera Cruz”, já atracado ao Porto de Luanda.
-Desembarque e deslocação para o Campo Militar do Grafanil, em viaturas da Companhia de Transportes. 

ASPECTOS PSICOLÓGICOS
Desde o início da viagem correu o boato que o destino do Pel. AA 55 seria S. Salvador ou Maquela do Zombo. O contacto com os elementos da Companhia de Caçadores Especiais embarcada em Cabinda, de um modo geral, impressionou todas as tropas pelo contraste que se manifestava no porte, na pele tisnada pelo sol, na maneira de usar a boina e o  dólman camuflado de mangas muito arregaçadas e aberto até meio do externo, mostrando o peito queimado. Na realidade pareciam uma tropa diferente.
Começaram as histórias, verdadeiras e não verdadeiras, surgiram boatos. O clima geral era de excitação. Após nove dias de viagem em que o enjoo quase os tinha tornado apáticos, os soldados sentiram a chicotada psicológica causada pelo encontro de amigos, de parentes, de conhecidos, que contavam as suas vivências com mais ou menos verdade; também pela separação dos camaradas que iam ao encontro do desconhecido. Estávamos a, mais ou menos, ano e meio do início dos acontecimentos.
Na manhã do dia 23, Domingo, Luanda surgiu aos olhos, quase incrédulos da Tropa.

Ei-la, finalmente! E por detrás de cada peito, o coração batia em ritmo acelerado Todos se debruçavam para um ou outro bordo do navio. As bagagens amontoavam-se nos decks. Não havia já quem as guardasse ou quem com elas se preocupasse. Era a procura ávida da novidade, um sem número de pequenas ou grandes, de importantes ou irrelevantes perguntas que cada um dirigia a si próprio.LUANDA era o fim de uma etapa difícil; o início de outra! Difícil? Fácil? Quem poderia responder? Faziam-­se conjecturas. É extraordinário como, embora vivendo dentro de um ambiente que pela força das circunstâncias nos compelia a pensar predominantemente no tema da guerra em Angola, podíamos estar tão longe das sensações dominantes durante todo o período anterior!
Alguém do QG da RMA veio a bordo.
Eles estão no segredo dos Deuses, comentava-se!
“­O desembarque será amanhã”,

“­Gozem estas horas, enquanto podem”, disse, depois de umas boas-vindas insípidas e de uma informação que não haveria desfile.Falou também em “GRAFANIL” e em “GACL”. O Primeiro era comparável a uma pradaria com terra vermelha sem água, com umas barracas cónicas, de lona. O segundo constava ser qualquer coisa comparável a um quartel Metropolitano.­ Disputava-­se o privilégio de conseguirmos ficar no tal GACL, ( Grupo de Artilharia de Campanha de Luanda). Lá estaríamos “em casa”. No dia seguinte tudo ficaria definido.
Houve ordem para estabelecimento de “contacto” com a cidade. Os “maçaricos” invadiram o cais, invadiram as ruas, invadiram os cafés, e , sobretudo. Invadiram um edifício estranho de arquitectura estranha, com um poder de atracção excepcional O edifício dos CORREIOS, posta ­restante, guichets de venda de selos, pequeninos “túmulos” que aos mais esclarecidos faziam lembrar a falta de carteiros para distribuição de correspondência ao domicílio e aos outros intrigava e receptáculos onde, a mesma mão depositava, uma a uma, numerados, 10 e mais envelopes fechados! Outros ainda, os mais afoitos, pediam já chamadas telefónicas para o dia seguinte. Tão perto no tempo e tão longe já, no espaço. Todos procuravam já notícias dos seus; todos mandavam já notícias aos SEUS.
E aquela Avenida Paulo Dias de Novais, viu-­se, como que por encanto, cheia de bulício, de figuras caricatas de soldados, sargentos e oficiais, com boinas como tachos na cabeça, de fitilhos quantas vezes caídos sobre a orelha, de camisas de caqui amachucadas e de mangas arregaçadas, umas té ao cotovelo, outras acima ou abaixo, de calções até ao joelho e de meias altas!
Nos bancos da Avenida juntavam-­se grupinhos que conferenciavam.
Do outro lado, os Caçadores Especiais, de fardas camufladas, como que originários de outra massa, espalhavam­-se pelas esplanadas dos cafés onde trocavam impressões com civis já conhecidos e olhavam, talvez com um pouco de compaixão e algum mal estar, a figura ridícula dos que tinham acabado de chegar.
Todos os “maçaricos tinham ouvido falar ou visto imagens do que foram as recepções que a cidade, a população, tinha dispensado às primeiras tropas que desembarcaram e às que se seguiram. Dias antes do desembarque começara a circular entre a tropa o boato que não haveria desfile.
“Não pode ser”, dizia um;
“Já os últimos não desfilaram”­ replicava outro;
“Ainda por cima é Domingo, portanto nada custará à população receber-­nos!”­ Insistia um terceiro.
Todos, do melhor ao pior “militar”, todos que tinham deixado para trás, bem longe, os seus entes queridos, pretendiam ver recompensados os “sacrifícios da separação”, num gesto simples como o acolhimento que lhes fosse reservado pela população. Seria para eles, o testemunho de que eram desejados e de que tinham vindo para a defenderem:
Vê­-los desfilar seria para eles a homenagem simples do reconhecimento da sua presença. Sentir­-se­-ia cada qual um herói potencial e mais tarde, mesmo que alguém agonizasse como corolário de combate, talvez a morte fosse mais “suave” por sentir que não tinha “desaguado” num ambiente amorfo, indiferente, miseravelmente indiferente, pior que hostil!
Era verdade! Não haveria desfile! A TROPA tinha perdido

OS COMANDOS
Também nós tínhamos “perdido”. Quais os nossos destinos? Quando chega ou quem assume o controla e orientação das unidades AA?
Perguntas tão simples e quase ingénuas que tiveram como resposta:
“Não sei”! “Não é comigo”
 

EM ANGOLA
A bagagem de cada um foi­-se escoando para os camiões da Companhia de Transportes estacionados no cais, e após as bagagens avançou o pessoal. Levantados os taipais foi a largada em marcha acelerada para depósito de conteúdos no Campo Militar do GRAFANIL. Alguns armazéns de alvenaria do tipo dos da antiga FNPT(Federação Nacional de Produtores de Trigo), alguns SECTORES de barracas cónicas que podiam totalizar entre 20 e 40 e algumas construções de madeira com balneários improvisados bem algumas latrinas de valas abertas e protecções visuais exteriores com chapas de zinco.
A travessia da cidade foi célere, quase escapando à observação da população que começava a agitar-­se com o início do dia, igual a tantos outros Não houvera desfile! Tampouco para as Unidades de AA havia um GUIÃO para nos individualizar se desfile tivesse havido. É verdade; a unidade mobilizadora R.A.A.F. (Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa­ Queluz) tinha­-nos deixado partir sem que dela levássemos a materialização do seu amparo, do seu carinho de UNIDADE MÃE!
Devia estar pobre o REGIMENTO!
No Cais de Luanda, defronte do navio atracado, vimos uma Companhia ser metida num comboio que chegara de Malange com tropas que iam ser rendidas. As armas e equipamentos foram trocadas entre os militares rendidos, dos primeiros directamente para os últimos! Até a troca de lugares era directa de uns para os outros! Espantosa perspectiva!

NO GRAFANIL
Destino provisório: ÁREA 2
ALOJAMENTOS: Cerca de 40 Barracas cónicas montadas numa área terraplanada de aproximadamente 150 x300m, cercada de arame farpado, para Sargentos e Praças.
Leitos típicos “burros” para oficiais e sargentos e palha no chão nas barracas destinadas à Praças.
Como instalações complementares, um balneário improvisado, cozinha, duas latrinas e dois barracões para armazenamento de material. Ninguém esperava ir para um Campo de Férias mas a primeira impressão geral foi desanimadora. O sol inclemente tornava ainda menos acolhedora aquela terra quente, sem a sombra amiga de uma árvore, às vezes inundada por uma nuvem de poeira avermelhada que se levantava à passagem de viaturas, para se abater vagarosamente sobre tudo que estivesse perto. Pó, pó, secura, falta de água, moscas, mosquitos, ausência de árvores frondosas. Só os imbondeiros, quais estátuas revoltadas pela secura, elevavam os ramos despidos como que a quererem arranhar o Céu e a fazerem-lhe compreender a falta de umas gotas para apagar aquele pó, mas não tanto que o transformasse em lama pegajosa e escorregadia.
A azáfama era grande na Área 2. Grupos de Caçadores Especiais, de regresso, contavam aos vindouros passagens especiais das operações em que tinham participado. A verdade misturava ­se, por vezes, com a fantasia e ambas iam provocando nos recém ­chegados as mais diversas reacções. Por vezes, os troféus davam um cunho mais realista às conversas.
Com a partida dos Caçadores Especiais o bulício e a animação foram diminuindo até quase desaparecerem.
A adaptação às novas condições de vida e ao ambiente foram ocorrendo como habitualmente em todas as circunstâncias. A alimentação ultrapassava em muito os níveis a que as Praças estavam habituadas na Metrópole tendo ocorrido de início apenas algumas perturbações orgânicas de pouca importância. Por outro lado, a inexistência de enxergas ou colchões obrigava a improvisação com recurso à capas impermeáveis camufladas. A falta de conforto resultante de um período prolongado em tais condições, causaria mais tarde, um quase permanente mal­estar. Os abafos de pescoço eram usados para protecção contra a presença incómoda dos mosquitos.
De um modo geral as manhãs eram passadas no Campo lavando ou preparando as fardas, observando as largadas de para-quedistas que normalmente se faziam sobre a Base Aérea 9 (BA9), assistindo ao treino de cães de guerra ou jogando futebol. A tarde, quase sempre, era dedicada a um passeio por Luanda, distante cerca de 8 km, quando se conseguia uma “boleia”. À noite o Cine Mira­ Aço, instalado no próprio Campo e com bilhetes a preços acessíveis, era o ponto de encontro da rapaziada. 
Começaram a ser recebidas no Pelotão as Ordens de Fornecimento dos diversos Materiais que nos seriam atribuídos e, consequentemente, a pouco ­e­ pouco foram sendo amontoados caixotes, pneus, peças, radares, metralhadoras quádruplas, viaturas, etc.
Para obstar à falta de actividade e suas consequências, o Pel. AA 55 passou a ter, quase desde o início da sua permanência na área 2 do Campo Militar do GRAFANIL, 2 horas de ginástica de aplicação Militar e uma de Desporto, todas as manhãs.
Relativamente a material de Intendência apenas possuíamos algumas mantas requisitadas ao Campo Militar.
Dos dois JEEPS orgânicos que seguiram a bordo do VERA CRUZ, destinados ao Pel. AA 55 foi recebido um após várias tentativas junto das entidades responsáveis a quem se justificou a necessidade da sua atribuição para que fosse possível accionar pedidos e tratamento de aspectos burocráticos relacionados com a recepção de materiais e equipamentos junto das várias Chefias e Direcções de material. As requisições de materiais que em princípio deveriam ser satisfeitas alguns dias mais tarde após a entrega dos pedidos nos Serviços respectivos eram elaboradas tomando como base os Q.O. visto não existirem na R.M.A. efectivos militares com características semelhantes, para além dos Pel AA 47 e 48. A inexistência de NEPs (normas de execução permanente) dificultava o processo burocrático levando à anulação de procedimentos e ao cancelamento de requisições com o consequente atraso proveniente da sua repetição e reformulação.
De um modo geral todo o material proveniente da Metrópole e requisitado aos depósitos das chefias da R.M.A. (Região Militar de Angola) foi recebido rapidamente com excepção do material de Intendência.

UM EPISÓDIO QUE PODIA TER OCASIONADO ACIDENTES GRAVES
Tinham, recentemente, rebentado “minas” com alguma frequência para os lados de ZALA. Falava-­se na eventualidade de um ataque ao Campo Militar do GRAFANIL.

Os táxis entravam e saíam do Campo quando transportavam militares fardados, sem que fossem, pela Polícia Militar, revistados os porta ­bagagens. Todos comentavam o procedimento incorrecto, no Campo.
Um soldado de um dos Pel AA que não dispunham ainda de armamento individual distribuído, estava de guarda à Área 2, utilizando para o desempenho da sua função
  a pistola ­metralhadora pertencente a um dos Sargentos do mesmo Pelotão. A sentinela, durante a noite, julgou ver, no capim circundante, sinais luminosos.
Na altura havia um Oficial Dia de serviço, escalado entre os dos Pelotões AA, estando os outros, de um modo geral, a pernoitar no “Muceque de Oficiais” da Avenida dos Combatentes­ tipo arranha­-céus pertencente ao Exército onde normalmente estavam alojados oficiais que se encontrassem sozinhos, em Luanda.
O soldado de guarda deslocou­-se à barraca onde estavam a pernoitar os sargentos do seu Pelotão. Deu conhecimento a um dos presentes, de luzes que tinha visto, e voltou ao seu posto de vigilância após ter sido informado de que devia ter sido vítima de ilusão.
Tendo­-lhe, porém, parecido que, de novo apareciam os sinais luminosos, regressou à barraca dos Sargentos onde, mais uma vez, informou ter visto os perturbadores sinais. Foi-­lhe então dito que disparasse uma rajada na direcção deles. Assim fez! O barulho dos disparos acordou o pessoal que estava na Área, desarmado, por acordar ao som dos tiros e deduzir que estava a ser atacado. Criou-­se o pânico e cada um procurava no negrume da noite abrigo atrás dos objectos que se encontravam mais à mão: Caixotes, Peças, Metralhadoras Quádruplas, viaturas, pedras amontoadasAlguns gritavam que morreriam todos por não terem armas nem munições. Um Sargento ripostava em voz alta que havia muitas armas e munições não faltavam e fazia acompanhar as suas afirmações por rajadas da sua pistola ­metralhadora contra as chapas de zinco que faziam de parede às latrinas da Área. Entretanto, o Oficial de serviço ao Campo informava o Comando do Sector do tiroteio que se ouvia e o Batalhão de Caçadores 88, na Intervenção, foi destacado, com outras unidades, para bater a Zona. Fora tudo motivado por uma precipitação que poderia ter tido sérias consequências. Foram disparados cerca de 350 tiros de P.M. As causas remotas da ocorrência relacionavam-­se com trauma provocado no soldado que se encontrava de guarda, durante exercícios finais de período de recruta, durante uma operação de “eliminação de sentinelas”, em que o mesmo militar foi alvo de tentativa de “eliminação”. Julgo que a partir dessa ocorrência ficou, naturalmente “fragilizado” e isso repercutiu-­se quando desempenhava funções da mesma responsabilidade sob a tensão criada pelos boatos que circulavam no Campo Militar e as aparentes faltas de controlo na segurança. Um dos episódios surpreendentes durante a situação caótica que se viveu depois dos primeiros disparos relacionou­-se com a ordem de formatura de um dos pelotões sob orientação do respectivo Sargento de serviço. Para além dos disparos das PM existentes na Área 2 foram efectuados disparos dos Torreões da Guarda do perímetro exterior do Campo quando sentiram os disparos vindos da direcção da Área 2. No dia seguinte todos os comandantes dos Pel AA foram chamados ao Comando do Campo e instruídos no sentido de apresentarem um auto de averiguações a ser entregue nas 24 horas seguintes.

EPISÓDIOS MARCANTES
-29 Agosto 1962­ - Os jornais falam na hipótese de intervenção armada da ONU em ANGOLA.
De tarde fui ao Farol das Lagostas. Estive no Radar com o meu amigo Alferes António Lavadinho. Apanhamos um avião em  voo rasante junto à costa a dobrar a Ponta do Dande. Era um PV2.
Nasce a ideia de apresentarmos ao QG a hipótese de nos instalarmos no Morro da Samba.

-30 Agosto 1962 -  Parece que ia viver um dia diferente. Fui ao GACL. Dois “jactos” F84 iriam “atacar” Luanda seguindo itinerário junto à costa. Fui ao GRAFANIL buscar as PEÇAS pra ir para a Ponta da Ilha e ver qual a reacção dos “agressores”. Não almocei. Pus­-me no Farol, de binóculos assestados mas os “jactos” foram “dar a volta”! No regresso tive como brinde 3 viaturas empanadas.
-1 Setembro 1962  - Comecei a ronda às 0:30 no GRAFANIL. É uma temeridade! Pensei na hipótese de servir de alvo a qualquer atirador emboscado no capim do lado de fora do arame farpado. Aproveitando a contraluz dos faróis transformar-­nos­-ia em patinhos sem pescoço. Nos troços da estrada de ronda mais arenosos pensei qual seria a minha reacção se me fosse atirada uma granada.
Apagar as luzes da viatura e, quer ela caísse atrás ou à frente, acelerar o máximo.
Experimentei. Conclusão: Velocidade máxima 20 km/hr em guinadas constantes da esquerda para a direita. Todos seríamos atingidos. Dou mais uma volta aos 6100 m do perímetro, à velocidade máxima permitida, para “espertar” um pouco e não pensar.
-3 Setembro 1962 - Foi apresentada a proposta da instalação provisória do Pel AA 55 no Morro da Samba. Depararam-­se dificuldades de ordem administrativa e a proposta foi abandonada.-4 Setembro 1962 - O Major Cunha Rodrigues falou vagamente sobre a possível ida do Pel AA 56 para o TOTO. Nós aguardaríamos, por falta de instalações em MAQUELA DO ZOMBO.

ESTADO DE ESPÍRITO
As condições de vida e a longa permanência no GRAFANIL iam, gradualmente abalando o estado de espirito e o moral dos militares. Em Outubro, como houvesse falta de unidades de Infantaria, foi resolvido Superiormente, utilizar os Pel. AA na defesa da rede de Protecção à Cidade de Luanda. Gradualmente íamo-­nos mentalizando para a eventualidade de sermos fraccionados, constituindo no futuro dois Pelotões de Artilharia com funções de Infantaria. Corria o boato que no Quartel General a ideia parecia ser apoiada.
A Bat. AA 386, desde o início da sua presença em Angola estava alojada no GACL.
Os Pel. AA 50 e 56 pediram para se juntarem à Bateria, no GACL.

O Pel. AA 55 continuou no GRAFANIL onde iniciara obras num barracão de Madeira coberto a zinco. Foi o seu primeiro aquartelamento e, sem favor, podia considerar­-se um OÁSIS, dentro do GRAFANIL. Cercado por arame farpado, com Porta de armas e Guarita, com pavimento recoberto por areia trazida da praia da Muxima, na orla marítima. Todo o material estava concentrado dentro da área cercada pela vedação de arame farpado. Além da caserna foram providenciados espaços para : Cantina, Sala de Soldado, Refeitório, Lavandaria, Barbearia, Oficina auto, Parque de viaturas e de Material, Arrecadação, e Quarto para Oficial e Sargento de serviço. Foi obtida  autorização do Comando do Campo Militar para que o Pessoal do Pel. AA 55 comesse em refeitório próprio, sendo a comida transportada da Cozinha da Área 2 para o refeitório do Pelotão. Por comparticipação de todos os elementos foi adquirida uma colecção de 75 copos e 150 pratos em Pirex nos armazéns “Catonho Tonho” em Luanda.
AM 31 Maquela do Zombo
Quando foi determinada a integração do Pel. AA 55 na Rede de Defesa de Luanda foi suspenso o programa de instrução que tinha sido iniciado. Passados 4 meses de comissão nada se sabia acerca do destino final do Pelotão para além da eventual deslocação para a defesa do Aeródromo de Manobra de MAQUELA do ZOMBO. Foi pelo Comando do Pelotão pedida ao QG/RMA a deslocação àquele Aeródromo de Manobra a fim de serem avaliadas as possibilidades de instalação e de se estudar a implantação das armas no terreno. Na sequência desse pedido deslocaram-se a MAQUELA do ZOMBO em avião NORDATLAS, o Comandante da Bat. AA 386, Capitão Loureiro dos Santos, acompanhado do Comandante e adjunto do Pel. AA 55. O Capitão Loureiro dos Santos regressou na mesma aeronave e os dois Oficiais do Pel. AA 55 permaneceram dois dias ficando apresentados no Comando Militar local.
Como apontamento curioso registou-­se um encontro casual pleno de satisfação e alegria com a CART 85 Companhia de Artilharia do RAAF sob o comando do capitão Zuzarte Bastos.
Outro episódio, operacionalmente relevante, durante a presença no Aeródromo de Manobra de MAQUELA do ZOMBO, foi o encontro com Sua Ex.ª o General Comandante da 2ª Região Aérea que se encontrava de visita àquela unidade da FAP em Angola. Efectivamente, quando pelo Comandante do Pel. AA 55 foi pedida a Sua Ex.ª a boa vontade na cedência de um hangar vazio para instalação do Pel. AA caso, no futuro, fosse atribuído à defesa daquele Aeródromo, Sua Ex.ª respondeu que só o poderia fazer, na medida em que o Pel. AA tomasse a seu cargo parte do serviço da Polícia Aérea, com a consequente retirada desse efectivo que, assim libertaria as instalações que ocupava. Foi exposta a Sua EX.ª a impossibilidade do desempenho de tais funções pelo Pel. AA 55 por falta de efectivos, sem especialidades. Foi então colocada por Sua Ex.ª, como alternativa, a Instalação do Pel. AA 55, em barracas cónicas, no terreno defronte do das instalações da FAP, fora do perímetro de arame farpado, manifestando verbalmente que não queria misturas de pessoal da FAP com pessoal do Exército.
De regresso a Luanda foi apresentado Relatório ao Q.G./ R.M.A.
Prevendo-­se a deslocação do Pel. AA 50 para o AB3 no NEGAGE, deslocaram­-se àquele Aeródromo Base os Comandantes da Bat. AA 306, do Pel. AA 55 e o Adjunto do Comandante do Pel. AA 50, Alferes Casal Ribeiro a fim de estudarem a defesa e instalações para material e pessoal no Aeródromo Base. O Comando do Aeródromo ignorou, por completo a missão e a nossa presença. Também nesse dia era esperada no AB3 a visita de Sua EX.ª o General Comandante da 2ª Região Aérea e, talvez por esse motivo, o Exmo. Comandante do AB3 declarou não poder receber-­nos.
De regresso a Luanda foi elaborado mais um Relatório que foi entregue ao Q.G./R.M.A.

AQUARTELAMENTO DO PEL. AA 55 NO GRAFANIL 
O nosso “famoso” aquartelamento localizado na Área 2 do GRAFANIL inaugurou­-se na última quinzena de Novembro, exactamente 3 dias após termos tomadoconhecimento do local onde iríamos desempenhar a nossa missão de Defesa AA.
Não seria no Aeródromo de Manobra de Maquela do Zombo, mas no AERÓDROMO BASE 4, em HENRIQUE de CARVALHO.
Henrique de Carvalho em 1962
À inauguração do aquartelamento assistiram alguns Oficiais da 3ª REP. do Q.G. / R.M.A., O Comandante da Bat. AA 386 e os Comandante e 2º Comandante do Campo Militar do GRAFANIL e COMDEL, tendo os últimos almoçado no Pel. AA 55. Foi uma jornada que ficou bem vincada em todos, não obstante a saudade que sentíamos já por termos de abandonar aquilo que tanto custara a construir com afinco e determinação. Agora os dias no GRAFANIL eram diferentes, bem diferentes daqueles que vivêramos nos primeiros tempos e que, à custa de trabalhos e canseiras modificámos. Já tínhamos o nosso QUARTEL!
Mas nós “queríamos” e tanto bastava para prosseguirmos com determinação, noutras terras ainda desconhecidas de todos nós.

OPERAÇÃO “MONTES CLAROS”
A Operação consistiu na deslocação de tropas da ZIN (Zona de Intervenção Norte quase todas de Luanda) para a ZIL (Zona de Intervenção Leste) a fim de reforçar esta zona com efectivos adequados em virtude da hipótese prevista de intervenção armada dos contingentes da ONU estacionados no CONGO, em Angola, hipótese que os Jornais tinham divulgado em 29 de Agosto de 1962. Permito-­me relembrar que entre as tropas das Nações Unidas no Congo encontravam­-se unidades da União Indiana e constava até que existiriam armas marcadas com o escudo português capturadas ao Exército Português quando da Invasão de Goa em 18 de Dezembro de1961.
O início da Operação previsto para 1 de Dezembro foi adiado para 6 do mesmo mês procedendo-­se nessa data ao embarque no N/T NIASSA.
As Unidades embarcadas foram o COMANDO de AGRUPAMENTO 3, a B CAÇ 155, a BART 147 (8,8), a COMPª. ENGENHARIA 355, um DESTACAMENTO de INTENDÊNCIA e os PELOTÕES de AA 55 e 56 (este sem a secção de RADAR que foi destacada para o AMBRIZETE para fiscalização da orla costeira). Na antevéspera da partida houve no Campo Militar do GRAFANIL um princípio de incêndio no motor de uma das FORDSON que foi, felizmente, depressa controlado e partiu­-se o semi­-eixo da mesma viatura que teve que ser adquirido e fabricado no mercado civil por não existir em reserva no Depósito do Serviço de Material.
No dia 4 de Dezembro partiram para NOVA LISBOA, via terrestre, pelo DONDO a secção de RADAR com “Matador” e Radar.
A primeira etapa, viagem marítima, entre LUANDA e LOBITO, não teve história; Por todo o lado, soldados a “granel” usando a expressão utilizada pelo Oficial do Q.G. encarregado da distribuição de alojamentos ao pessoal embarcado. Havia soldados dentro de caixas de viaturas pesadas e alguns mesmo dentro de baleeiras do navio!
Após a chegada ao LOBITO, o grosso das Tropas seguiu em comboio normal em carruagens de passageiros, com armamento e equipamento individual, até ao LUSO.
No comboio do CFB a caminho do Luso
Todas as unidades tinham deixado para trás, no LOBITO, pessoal para recolher e orientar o material descarregado do NIASSA para efectuar o seu acondicionamento em vagões de carga. Uma vez completado o comboio o material embarcado era escoltado pelos efectivos da unidade que tinham ficado para trás, devendo as composições arrancar pela ordem de movimento de acordo com as directrizes recebidas. Do Pel. AA 55 ficaram no LOBITO o comandante do pelotão,2 Sargentos e 20 Praças e como o Oficial do Pel. AA 56 seguiu no comboio de passageiros com destino ao LUSO, ficara, deste pelotão 1 Sargento e 15 Praças.
As únicas unidades que deixaram pessoal para descargas e acondicionamento e escoltas foram os Pel. AA e a BAT. ART 147.
A partida das composições que constituíam os comboios e mercadorias, por alteração da Ordem de Movimento, começou a fazer-­se exactamente por ordem inversa da que tinha ficado inicialmente definida. Também a organização das composições, que deviam agrupar, tanto quanto possível, material de subunidades específicas, passou a fazer­-se aleatoriamente.
Tais alterações tiveram como consequências, para o Pel. AA 55:
a) Ser a última subunidade a sair do LOBITO;
b) Ficar sem rações de reserva para a viagem por ter sido incluída noutra composição um dos vagões com material do Pel. AA. 55, onde as rações tinham sido colocadas.
A viagem começou com más perspectivas: as de alguns dias de fome! Antes da chegada ao CUBAL, uma automotora patrulha veio ter com a composição de vagões.
Contámos a situação ao alferes que nela vinha e este prometeu fazer os possíveis para resolver o problema caso não o conseguíssemos antes de chegar àquela vila.
Entretanto, de todas as estações ou apeadeiros onde a composição parava telefonávamos para a próxima para averiguarmos das possibilidades de comprarmos duas cabras ou ovelhas. Decorreram algumas horas na expectativa de recebermos a nova de que na próxima paragem teríamos os pretendidos animaizinhos. Finalmente no CUBAL, tínhamos à nossa espera duas cabras que nos foram gentilmente oferecidas pela POPULAÇÃO LOCAL a quem tinha sido transmitida a nossa mensagem. Também nos foram oferecidas sandwiches, rebuçados e outras guloseimas. Lembro­-me que a POPULAÇÃO aproveitou o ensejo para lamentar o comportamento de alguns militares que passaram na primeira composição e que invadiram o Comércio Local quando por lá passaram, tendo prosseguido caminho sem liquidarem as dívidas contraídas. Agradecemos as atenções recebidas e prosseguimos viagem. Morto um dos animais e convenientemente preparado, foi cozinhado na fornalha da locomotiva entre duas paragens em apeadeiros. O Menu enganou a fome nesse dia.
À partida do LOBITO tínhamos removido as capotas das viaturas como prevenção contra os incêndios causados pelas faúlhas das locomotivas a lenha. A primeira noite foi fria e foi passou-­se nos bancos das viaturas. Na manhã do segundo dia de viagem chegámos a NOVA LISBOA. Lá encontramos a Secção de RADAR que seguiria para o LUSO na COMPOSIÇÃO seguinte, e lá tomámos o primeiro pequeno ­almoço quente desde a partida do LOBITO. SILVA PORTO foi alcançado ao anoitecer e lá jantámos uma espécie de ensopado à Alentejana que os “DRAGÕES” levaram à estação. Incendiou-­se o algodão transportado num vagão e ajudámos a salvar parte dos fardos. A viagem prosseguiu sem motivos dignos de nota.
Como a fome apertava novamente resolvemos sacrificar a segunda cabra oferecida no CUBAL. Estávamos receosos de o fazer pois o bicho tinha o ventre demasiado grande e era fêmea. Arriscamos mesmo assim e constatamos que os receios eram infundados. Tratava-­se de erva abundante.
Já noite passámos em VILA GENERAL MACHADO e com a entrada nas “CHANAS” desabou sobre nós uma chuva torrencial acompanhada de forte trovoada.
Finalmente, cerca das dez horas da manhã chegámos ao LUSO.
A outra parte do Pelotão que nos tinha precedido com a fracção do Pel. AA 56, ficara alojada na Escola Elementar de Artes e Ofícios, no Largo fronteiro ao Rádio Clube do MOXICO. As instalações eram acanhadas mas com boa vontade tudo se arranjou.
Começámos a descarregar os vagões e a reuni-­lo nas artérias e nos parques adjacentes ao edifício que nos fora destinado. Na cidade estava o B.CAÇ 114 a que pertenceram inicialmente todos os condutores do Pel. AA 55.
Defrontámo-­nos desde o início com um grave problema que se relacionava com a alimentação do pessoal. Havia sido dada ordem para se abonarem 20$00/dia para alimentação às Praças. Cada um que se governasse.O Pelotão não tinha material de intendência onde pudesse confeccionar a alimentação e, talvez por esquecimento, não tinham sido incluídos no Quadro Orgânico, COZINHEIROS.
O sistema adoptado tinha, além de outros, dois inconvenientes de relevância maior:
1. A importância abonada era insuficiente para que individualmente se conseguissem tomar 3 refeições diárias;
2. O dispêndio de valores superiores tinha que ser da responsabilidade dos próprios e isso daria lugar a diversidades de tratamento e até eventualmente de utilização inadequada de dinheiro que não deixaria de ter repercussões de natureza disciplinar
Assim foi decidido que as Praças, Sargentos e Oficiais receberiam o contra-valor do dinheiro em géneros, que seriam adquiridos por administração directa tomando como base os 20$00 individuais, sendo confeccionados no Pelotão usando meios expeditos. Escolheram­-se voluntários para a confecção e improvisaram-­se utensílios a partir de latas e baldes de óleos e valvulinas de viaturas. Por casualidade, constatamos que os géneros adquiridos ao Destacamento de Intendência eram mais caros e menos variados que os que se obtinham directamente do comércio local!
Assim fomos sobrevivendo utilizando ainda como reforço as rações de combate que não haviam sido consumidas durante o trajecto ferroviário e que foram finalmente localizadas e recuperadas. Como o abacaxi era barato passou a entrar nos menus e cedo alguns elementos que de início se mostraram descontentes com a opção tomada, reconheceram as vantagens do mesmo. O ambiente passou a ter o seu quê de pitoresco quando se fizeram comparações, e elas eram frequentes, principalmente à hora das refeições quando nos reuníamos todos, em círculo, à sombra de umas Mangueiras e víamos os camaradas de outras unidades, passarem na rua, às vezes pararem, e espreitarem , seguindo cada qual para seu lado. Evitamos dispersão e, consequentemente os problemas disciplinares. O fogão de tijolos provou ser excelente e as panelas improvisadas fariam inveja a uma boa “prestige” se não se mascarassem tanto Os menús obedeciam a um controlo rígido por parte  da “comissão reguladora” dos CAPITAIS DISPONÍVEIS e embora o FIEL AMIGO aparecesse com mais frequência, não se tornavam monótonos e foram objecto da revelação de “PANTAGRUEIS” em potência.
A Secção de RADAR chegou ao LUSO no dia seguinte ao da composição em que vinha o material do Pelotão. Estivera a aguardar a chegada de guindastes especiais que foram transportados em vagões rebaixados entre os rodados, sem os pneus de tracção instalados, para poderem passar nas Pontes da via férrea entre GENERAL MACHADO e o LUSO. A descarga no LUSO constituiu outro problema porque o guindaste inclinava­-se sobre o RADAR por não aguentar o peso. Foi necessário montar os rodados nos sector rebaixado do vagão e isso impedia que os mesmos pudessem ser movimentados manobrando a lança do rodado da frente devido á ocupação quase total do rebaixamento. A dificuldade torneou-­se utilizando macacos de locomotivas dos C.F.B. (caminhos de ferro de Benguela) que tinham deslocamentos verticais e laterais. Com eles conseguimos deslocar o eixo longitudinal do RADAR em ângulo com o do vagão e vertemos óleo sob os rodados para reduzir o atrito. A tracção foi conseguida por acção do guincho do matador por um lado e tracção do lado e em sentido oposto por cabos de aço ligados a Jeepão. A Operação demorou dois diasum para cada rodado.
Descarregado e reunido o material fiamos aguardando a ORDEM de MARCHA para HENRIQUE DE CARVALHO.
Em 19 de Dezembro a BART 147 (8,8 de Campanha) saiu do LUSO e apenas ficou o Pel. AA 56 que, entretanto, tinha recebido ordens para se instalar e defender o Aeródromo local (AM 44). No dia 20, cerca das 12:00 horas, foi recebido um Rádio do Comando do Sector ordenando a saída do Pel. AA 55 às 04:30 do dia 21, dando assim início à 3ª fase da “OPERAÇÃO MONTES CLAROS”. Nas horas que se seguiram foi impossível contactar camionistas civis para transportarem o material que não coubesse nas viaturas do Pelotão e muito menos para o transporte das Peças e Metralhadoras Quádruplas – poupando deste modo o armamento especial a maus tratos desnecessários.
A BART 147 fez transportar os seus Obuses de 8,8 em viaturas civis libertando-­se desse modo de incidentes e protegendo não só os Obuses como as viaturas que os teriam que rebocar.
As perspectivas da viagem não eram animadoras. Com efeito seguiríamos uma picada de terra na sua quase totalidade, trilhada já por um Comando de Agrupamento (3), um Batalhão (155), uma Bateria de Artilharia (147), uma Companhia de Engenharia (construções) (355) e um Destacamento de Intendência no curto espaço de alguns dias chuvosos. Às colunas militares acresciam dezenas de viaturas civis com cargas oscilando entre as 8 e as 10 Toneladas. 
- A distância a vencer era quase de 300 km,
- O último local de reabastecimento de combustível ficava a cerca de 200km de HENRIQUE de CARVALHO,
- As viaturas que o Pelotão possuía não eram suficientes para os atrelados a rebocar, 
Não havia níveis adequados de sobressalentes no Pelotão nem nos Destacamentos de Manutenção de Material devido á especificidade das viaturas e materiais,
- O Mecânico com que o Pelotão contava tinha sido empregado de Mesa e tinha grande prática deservir... Clientes,- Tínhamos que transportar para além da dotação orgânica de munições a dotação suplementar e todo o material com risco de que se extraviasse,
- Não contávamos com o apoio e a experiência de viaturas e camionistas Civis,
Ponderadas as dificuldades enumeradas adoptaram­-se as decisões seguintes para as contrariarmos:
O Pelotão seguiria na sua quase totalidade à hora prevista constituindo uma Coluna com as seguintes viaturas e atrelados:
2 Jeep ¼ Ton e 2 trelados ¼ Ton;
2 MATADORES e 2 RADARES;
2 BEDFORDS e 2 Peças AA 40 mm;
2 Jeeps ¾ Ton e duas Metralhadoras Quádruplas 20mm;
1 FORDSON e uma Geradora MAWDSLEY’S LISTER.
As viaturas transportariam consigo o material de guerra ligeiro pertencente aos militares que a acompanhavam, as dotações Orgânica e suplementares das munições das armas AA e todo o material que foi possível carregar nas viaturas e atrelados acima enumerados.
O Sargento da Formação e algumas praças constituindo uma Secção de Quartéis ficariam no LUSO aguardando o regresso de viaturas Civis disponíveis seguindo com duas viaturas para transportarem todo o material restante do Pelotão. Fariam a viagem numa FORDSON que rebocava um atrelado de ¾ Ton. Seriam carregadas nas Viaturas civis uma Geradora e um atrelado de cozinha FBP inutilizado durante a carga e descarga do Navio NIASSA por fendas nas caldeiras provocadas pelos cabos de aço dos guindastes. Ultrapassaram a coluna a cerca de 40 km a norte do LUSO, no troço de estrada aceitável. A FORDSON ia a portar­-se brilhantemente e parecia desdenhar das dificuldades que as outras viaturas iam a sentir. Mereceu PALMAS pelo seu comportamento.
O primeiro percalço ocorrera precisamente quando a cerca de 20 km do LUSO ainda no troço aceitável da estrada, após a Ponte metálica do rio LUENA, a estrada continuava com acentuado declive, flectindo primeiro ligeiramente para a esquerda e, cerca de 200 metros depois da ponte, para a direita. No enfiamento da Ponte ficava o traçado da estrada nova, em construção, que estava cortada por valas transversais. Cerca de 100 metros após a Ponte aproximadamente a meio do declive o primeiro MATADOR começou a patinar e descair para a retaguarda.
Foram calçados os rodados do MATADOR e do RADAR que ficou com o rodado dianteiro numa vala de pouca profundidade. Como a estrada estrava obstruída e não dava passagem a mais viaturas em qualquer dos sentidos, foi aberto um trilho do lado esquerdo, na mata, para que o outro MATADOR, depois de desengatado do RADAR, pudesse auxiliar o primeiro que, apesar de ter as correntes antiderrapantes, não conseguia arrancar e tinha o guincho avariado. Felizmente não havia trânsito a circular e apenas ficaram retidas atrás de nós duas GMC da CART 147 que seguiam acompanhadas de uma viatura Civil. Com os dois MATADORES, um dos quais com o guincho operacional, foi possível fazer progredir a Coluna após quase 4 horas de trabalho extenuante. As outras viaturas passaram a fazer o percurso dos 200 metros, isoladamente e de um só lanço, sendo a FORDSON e um dos JEEP ¾ Ton que não tinham tracção às 4 rodas aliviados dos seus atrelados, para o fazerem. A viagem prosseguiu finalmente em andamento moderado, após a reunião da coluna e depois de termos sido ultrapassados pelas viaturas da CART 147, fomos alcançados pela nossa brilhante FORDSON com a secção de Quartéis e as duas viaturas civis contratadas que receberam ordem para se adiantarem à Coluna e alcançarem HENRIQUE de CARVALHO rapidamente para libertarem as viaturas civis logo que possível.
A estrada era péssima, um autêntico lameiro, com sulcos profundos das viaturas pesadas. Os Jeeps 1/4 Ton pareciam andar ao pé­coxinho com o rodado de um dos lados no trilho e o outro no aterro pois de outro modo assentavam os diferenciais e ficavam a patinar. A primeira etapa terminou no BUSSACO, a 60 kms do LUSO.
O balanço do estado das viaturas era o seguinte:
2 Jeeps ¼ Ton, 1 MATADOR, 1 Jeep ¾ Ton, 2 BEDFORD e 1 FORDSON em boas condições de funcionamento, 1 MATADOR com avaria na bomba injectora (causadora de banhos cíclicos de gasóleo queimado ao Chefe da viatura), 1 Jeep ¾ Ton sem tracção à 4 rodas. Os atrelados estavam todos em condições operacionais. Enquanto houve luz o Mecânico procedeu a tentativas de beneficiação da bomba injectora do MATADOR e a algumas revisões em todas as viaturas, tendo substituído a cruzeta universal de um Jeep ¾ Ton, em terreno minado por enormes formigas que o martirizavam com ferroadasDevido a estas inoportunas visitantes cedo se processou o regresso às viaturas onde foi tomada a refeição da noite, constante de rações de combate individuais.
No dia 22 a marcha iniciou­-se de manhã cedo, acentuando-­se ainda mais o mau estado da estrada devido à chuva que caiu ininterruptamente durante a noite. O contratempo seguinte sucedeu quando a barra cilíndrica de engate do olhal da clavija da FORDSON partiu. Como era oca reforçamos o seu interior com o braço do trem de rodagem de uma Metralhadora Quádrupla.
Frequentemente a estrada não era mais o que um lago de águas estagnados por ter resultado do alargamento de picadas onde motoniveladoras escavaram terrenos abaixo dos níveis das matas adjacentes, com eventuais escoadouros em áreas de declives. A progressão tinha que se fazer cautelosamente devido à existência de valas e buracos invisíveis sob o manto espelhado dos lençóis de água que escondiam as armadilhas. Não obstante os cuidados recomendados um dos Jeep ¾ Ton caiu num buraco de tal dimensão que a água inundou a caixa e a cabine e provocou ao bater na ventoinha, a ruptura circular do radiador.
Gastaram­-se 4 sabonetes LUX para o consertar provisoriamente. A FORDSON, nesses troços tinha que progredir muito vagarosamente para que a água não molhasse o distribuidor, engenhosamente localizado sob o radiador, a um nível muito baixo e de difícil acesso. Finalmente foi necessário remover as flechas laterais das Peças de 40 mm e os pratos dos parafusos de nivelamento, quando, em virtude da profundidade dos trilhos, se verificou o desaparecimento de um deles, (posteriormente encontrado) por vir literalmente a “lavrar” como charrua o aterro central da estrada.
Ao entardecer foi alcançada a povoação de DALA, a 98 kms do LUSO, termo da 2ª etapa.
O estado das viaturas era idêntico ao que se verificara no fim da primeira etapa com o agravamento da situação do Jeep ¾ Ton com ruptura no radiador e da FORDSON depois da reparação da barra de reboque. A geradora tinha a capa de protecção quase desfeita e a armação partida por falta de molas pois o diferencial era solidário com o estrado de apoio numa estrutura rígida inadequada às condições do trajecto percorrido. Procurou-­se soldar o radiador do Jeep ¾ Ton, foram revistas e beneficiadas as restantes viaturas e atrelados e procedeu­-se ao reabastecimento dos depósitos e o aprovisionamento com mais 600 litros para reserva já que os consumos eram variáveis em função do estado da via. Nessa noite realizou­-se uma caçada que se traduziu no abate de 3 cabras guardadas como reserva para a CEIA da VÉSPERA de NATAL como complemento das batatas e BACALHAU que tinham já sido adquiridos no LUSO. Entretanto e até que a data chegasse íamos recorrendo à rações de combate individuais. Pelo ritmo da progressão não restavam dúvidas que a VÉSPERA de NATAL seria passada na estrada.
Por informações colhidas junto da população do DALA fomos informados da existência de uma PICADA abandonada há anos chamada da CAZÔA, que se encontrava em muito boas condições de conservação e que poderia ser utilizada pela coluna com mais rendimento do que a da estrada normal já trilhada pelas unidades anteriores que haviam sentido dificuldades na travessia da famosa “baixa das Batatas” localizada alguns kms a seguir ao DALA. O percurso pela picada da CAZÔA era cerca de 40 kms mais extenso e entroncava com a estrada normal ao km 105 mas havia dúvidas se alguns pontões permitiriam a passagem de MATADORES e RADAR.
Às 05:00 do dia 23 saí no meu Jeep ¼ Ton pela estrada principal até o Km 105 e regressei pela picada da CAZÔA para fazer o reconhecimento do estado da picada no sentido HENRIQUE DE CARVALHO - LUSO para utilização do percurso que oferecesse melhores condições de circulação para viaturas, material e atrelados.
A "baixa das batatas" 6 anos depois
Logo após a saída do DALA existia uma Ponte sobre o Rio CHIUMBE a que se seguia um declive muito íngreme em estado caótico com o piso transformado e autêntico lamaçal. Sendo previsíveis as dificuldades de transposição fez-­se a progressão por lanços de duas viaturas e um atrelado funcionando uma das viaturas como potencial “reboque” da outra a que estava ligada por um cabo de aço ou guincho. Regressado da missão de reconhecimento pela picada da CAZÔA cerca das 16:00 apenas encontrei junto do entroncamento com a via principal onde a coluna devia ter aguardado o meu regresso, uma viatura, a FORDSON, com um semieixo partido. A Coluna encontrava­-se já na “baixa das batatas” local fatídico onde os camionistas Civis costumavam “acampar” sempre que as chuvas impediam o progresso na estrada por falta de aderência dos pneus ao piso. Aproveitavam para recuperar forças e cozinhar algo acompanhado de batatas. A FORDSON seria rebocada por uma das viaturas a fim de poder reintegrar-­se na coluna.
Quando da paragem no DALA, atendendo à lentidão da progressão e ao facto de ninguém receber correspondência desde 6 de Dezembro e ainda à proximidade do dia 24 foi decidido que me adiantaria à Coluna no sentido de procurar atingir Henrique de Carvalho para recolher a correspondência que lá se encontrasse e também as OFERTAS do NATAL do SOLDADO, de modo a que pudéssemos efectuar a sua distribuição na noite MÁGICA da VÉSPERA DE NATAL.
Combinámos o reencontro algures no trajecto principal onde quer que fosse e onde certamente estacionaríamos para celebrar da maneira possível, a Noite da Consoada. Na madrugada de 24, utilizando a picada da CAZÔA, segui para HENRIQUE DE CARVALHO. Recolhi a correspondência e as ofertas do Natal do Soldado no Comando de Agrupamento 3 e após contacto com a Secção de Quartéis que havia chegado bem, regressei pela estrada no sentido Henrique de Carvalho – Luso, ao encontro da coluna. A partida de H.C. foi ao entardecer e após 30 kms de percurso a noite tinha caído. Ao km 60 a sul de H.C. havia uma serração perto da qual a estrada bifurcava em dois ramos que se reuniam cerca de 4 km mais à frente. À medida que os quilómetros iam sendo galgados maior era a ansiedade do reencontro com a coluna. Quando passámos o Km 105 mais estranho se tornou a demora no reencontro. Talvez tivesse surgido algum contratempo na baixa das batatas. Não havia trilhos dos rodados das BEDFORDS ou das PEÇAS mas restava a hipótese de eventual regresso da coluna ao DALA. Não cruzáramos com qualquer outra viatura em sentido contrário. Eram cerca das 6:00 horas do dia 25 de Dezembro quando chegámos ao DALA e constatámos que nos tínhamos desencontrado. Iniciou­-se o regresso no sentido inverso, agora pela picada da CAZÔA e a cerca de 110 kms o Jeep começou a falhar com avaria mecânica no carburador. Enquanto se procedia à reparação da avaria escutámos o barulho característico dos motores das BEDFORDS do lado da estrada principal. Dois dos militares que seguiam comigo no Jeep foram a corta mato e, por sorte alcançaram a última viatura da coluna do Pelotão AA 56 que saíra do LUSO por ter recebido nova missão no DUNDO. Foi o barulho típico dos motores das BEDFORDS que nos ALERTOU. O regresso a HENRIQUE DE CARVALHO fez-­se a partir daí com o Jeep rebocado por uma viatura Civil integrada na Coluna do Pel. AA 56.
A chegada a Henrique de Carvalho deu­-se cerca das 21:00 horas do dia 25 de Dezembro. A Coluna do Pel. AA 55 tinha chegado às 17:00 e encontrava­-se já no local onde mais tarde ficaria localizado o AQUARTELAMENTO.
BALANÇO TRÁGICO DA TERCEIRA FASE DA “OPERAÇÃO MONTES CLAROS” para o Pel. AA 55:
1 MATADOR,­ 1 BEDFORD, ­1 FORDSON e 1 JEEP 3/4 Ton, encontravam­-se em condições normais de funcionamento; das restantes 6 viaturas, um JEEP ¼ tinha avaria no carburador, outro tinha o motor “gripado”, uma FORDSON tinha o semieixo e a barra do atrelado partidos, um JEEP ¾ Ton tinha o radiador incapaz e um rodado sem tracção, uma BEDFORD tinha o radiador incapaz e um MATADOR tinha avaria na bomba injectora.
Tínhamos gasto três dias e meio para transpor os cerca de 300 kms que separavam o LUSO de HENRIQUE de CARVALHO. Terminada a “OPERAÇÃO MONTES CLAROS” no DIA de NATAL de 1962, seguir­se­-lhe-ia outra a iremos chamar “OPERAÇÃO SOBREVIVÊNCIA”.

OPERAÇÃO SOBREVIVÊNCIA (OpSob)
A OpSob compõe-­se de três fases distintas: - FISICA - ADMINISTRATIVA - OPERACIONAL

SOBREVIVÊNCIA FÍSICA
ALOJAMENTO / AQUARTELAMENTO

Por ordem de Sª. Exª o Brigadeiro comandante da ZIL (Zona de Intervenção Leste) a Companhia de Engª. 355 iniciou em Dezembro de 1962 a construção de uma caserna de 18x6 m do tipo que estava a ser utilizado na construção de aquartelamentos provisórios na R.M.A. (Região Militar de Angola) com paredes de tábuas de madeira sobreposta e telhados de chapa zincada.Devido a outros encargos prévios e à dispersão do pessoal da Companhia de Engenharia a progressão das obras era lenta.
Junto ao topo da pista velha de “laterite” que terminava na pista do AB4 do lado norte, em acabamento, existia próximo da extremidade SW uma Aerogare do tipo “telheiro”, em alvenaria, com pilares suportando a placa na frontaria e uma parede contínua de suporte na parte posterior ligeiramente mais baixa. Entre os pilares existia um muro com cerca de um metro de altura encimado por tubo pintado a vermelho. O telheiro tinha cerca de 9x3 m e duas entradas no muro, pela frente e pela parte lateral sul sendo o seu alinhamento longitudinal sensivelmente Norte­Sul.
A parte da frente dava para uma espécie de jardim que se prolongava até ao que poderia designar-­se por placa de estacionamento, em “laterite” (óxido de ferro).
Para as traseiras desta pequena construção de alvenaria estendia-­se um parque de estacionamento para viaturas, também pavimentado com laterite e de formato rectangular com cerca de 25x 50 m. 
Foi neste rectângulo que se concentraram o pessoal e o material do Pelotão após a sua chegada. As munições (cunhetes) e os carregadores das metralhadoras quádruplas ,bem como o material ligeiro, colectivo e de secretaria foi arrecadado sob o telheiro da Aerogare. O restante material que não pode ser lá recolhido foi colocado no solo e coberto com capas enceradas emprestadas pelos camionistas Civis. Por sorte , do material atribuído ao Pelotão constavam 40 panos de individuais de tenda e acessórios que permitiram a construção de tendas provisórias junto às sebes do parque de estacionamento, ficando assim alojado todo o pessoal, em condições precárias por um período de aproximadamente 3 meses. Parte do Material, precisamente o que pertencia à guarnição das armas Antiaéreas cedo foi instalado junto delas, no dispositivo que se montou. As formigas depressa deram com as malas e bagagens pessoais e logo começaram a destruir-­lhes forros e revestimentos, tendo feito o mesmo aos casquilhos das válvulas sobressalentes do radar. 
ALIMENTAÇÃO
No campo alimentar a situação era, infelizmente, pior que a que o Pelotão vivera no LUSO. Com efeito , grande quantidade de Rações de combate tinham sido trazidas para a Zona na antecipação da eventualidade de necessidades futuras e como se tornava necessário consumi­-las eram obrigatórias dois dias por semana e nos dias remanescentes as refeições tinham que ser confeccionadas à base de produtos desidratados (batata, cenoura, dobradinha, hortaliça), arroz , feijão e chouriço. Do lado oposto da picada defronte do parque de estacionamento /bivaque foi construído um telheiro com duas chapas de zinco e 4 barrotes, debaixo do qual se improvisou um fogão a lenha. Os géneros eram armazenados no atrelado ¾ Ton tapado com panos de tenda e capas impermeáveis. O problema da água era, porém extremamente importante e constituiu sério problema. Com efeito, tornava­-se necessária a deslocação do pessoal ao rio MANGUEGE, afluente do CHICAPA, distante cerca de 6 km do bivaque para que o pessoal pudesse banhar-­se, o que era imperativo, e a água daquele rio apresentava um elevado grau de inquinação que, mesmo fervida, era considerada imprópria para consumo. O transporte em BIDONS tipo NATO era pouco prático e , dado o estado lamentável das viaturas, seria de esperar que dentro de pouco tempo, houvesse maiores problemas dada a frequência
de deslocações. Exposto o problema ao Comando do Sector foi o mesmo apresentado superiormente tendo cerca de 8 meses mais tarde sido atribuído um atrelado tanque de água com capacidade para 1000 L numa altura em que quase já não era necessário. Entretanto a Companhia de Engenharia nº 355 cedeu ao Pel. AA 55 um atrelado tanque seu, com capacidade para 1000L, por empréstimo.
SANIDADE
As instalações deficientes, a alimentação com base em produtos desidratados, e a água inquinada, cedo começaram a ter repercussões no estado sanitário de tal modo que chegaram a ir ao Posto de Socorros do Comando de Sector 10 praças com sintomas de gripe, paludismo e outras perturbações orgânicas, nomeadamente intestinais. Será fácil imaginar o que foram esses três meses passados em plena época das chuvas nas condições referidas.
Algumas vezes Sª. Exª. o Brigadeiro Peixoto da Silva, à data Comandante da Z.I.L. dignou­-se visitar­nos, sozinho ou acompanhado pelo seu C:E.M. (Chefe de Estado Maior) Major do CEM António Hermínio de Sousa Monteny ou Oficial de Reabastecimentos e a sua palavra AMIGA tantas vezes fez recobrar em todos o ânimo necessário ao prosseguimento do empreendimento eu tínhamos pela frente.
Findo este período terminou a subfase da Sobrevivência Física.
SOBREVIVÊNCIA ADMINISTRATIVA
Desde a chegada à R.M.A. o Pelotão ficara na dependência do Comando do Campo Militar do Grafanil, para efeitos de alojamento e alimentação do pessoal e do Grupo de Artilharia de Campanha de Luanda (GACL), para todos os outros efeitos administrativos, nomeadamente cargas. Durante a estadia em Luanda os problemas Administrativos eram de fácil resolução porque quando surgia alguma dificuldade o Sargento da Formação deslocava­-se ao Conselho Administrativo (C.A.) do GACL e lá procurava a resolução da mesma, quando a sua pouca experiência de então não lhe permitia resolvê­-la de imediato. As Importâncias ou valores para pagamentos dos vencimentos e prés eram sacadas ao C.A. por “cédula”. Prevendo-­se dificuldades para a prestação de contas no mês de Dezembro, quando da saída de Luanda foi levantada uma “cédula” correspondente ao dobro do valor habitual. Estava estipulado pelo C.A. que a prestação de contas fosse feita por forma a dar entrada até ao dia 5 do mês seguinte àquele a que dizia respeito. Devido às condições vividas Pelo pelotão entre os dias 7 e 25 de Dezembro não foi possível apresentar a prestação de contas até à data estipulada, tendo , no entanto sido feita no dia 8 de Janeiro de 1963 ou seja 3 dias após a data prevista. Entretanto e não obstante as circunstâncias facilmente imagináveis pela descrição feita da estabilidade do Pelotão, foi recebida do C.A. do GACL uma nota com conhecimento a algumas subunidades em que, a respeito da falha de remessa da documentação devida, se afirmava que “tal procedimento demonstra menos interesse no cumprimento de ordens superiormente emanadas”­ frase infeliz que bem poderia ter sido evitada e que nas circunstâncias especiais em que foi recebida e lida deu origem imediatamente a uma nota explicativa, com conhecimento às subunidades visadas em que se destacava o princípio de que os assuntos de ordem OPERACIONAL tinham PRIORIDADE sobre os assuntos de ordem ADMINISTRATIVA; elencava as condições em que se desenrolara a vida do Pelotão, nomeadamente do fraccionamento físico da unidade em locais distintos, impeditivo, por si só de cumprimento de prazos “normais”; afirmava ainda que a frase contida na nota não passava de uma precipitação motivada pela falta de conhecimento das circunstâncias que implicaram o atraso, tanto mais que o comportamento do Pel. AA 55 até à data tinha sido exemplar e de molde a contrariar a afirmação. Essa nota do Pelotão teve como consequência uma confidencial de Sª. Exª. o Major de Artilharia Carvalho Costa , então Comandante do GACL a Sª. Exª. o Brigadeiro Peixoto da Silva, Comandante da Z.I.L. em que o Oficial superior citado dizia considerar as afirmações feitas na nota do Pel. AA 55 como falta de respeito pelas hierarquias superiores e como tal puníveis, pelo que, por não ter competência disciplinar necessária, solicitava do Comandante da Z.I.L. a necessária acção. Fui chamado ao gabinete do Comandante da Z.I.L. que me informou do conteúdo do documento e tendo considerado o pedido “inoportuno”. Fui então alertado pelo Oficial General em causa que de futuro evitasse problemas dessa índole e informado que “certas verdades não se podem dizer”! Talvez como resultado destas divergências surgidas no início da permanência na Z.I.L., O C.A. do GACL começou a devolver sistematicamente toda a documentação da prestação de contas do Pel. AA 55 quando qualquer dos documentos não se encontrava em ordem, em vez de devolver esse ou esses documentos com indicação das anomalias encontradas.

Recordo que tendo sido pedida à Repartição competente, salvo erro Chefia do serviço de Contabilidade e Administração um manual de escrituração militar e/ou vencimento. A Informação recebida foi de que não se julgava necessário o fornecimento do manual por os prés e vencimentos serem processados pelo C.A..!


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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

BA2 OTA - DIA DA BASE - COMEMORAÇÃO DO 31º.ANIVERSÁRIO

Comandante da Base, Cor, Brochado Miranda durante a cerimónia




















DIA DA BASE AÉREA Nº. 2
20 de Abril de 1971 – 31º. Aniversário da sua Fundação

A Base Aérea nº. 2 (Ota), comemorou no passado dia 20 de Abril o 31º. Aniversário da sua fundação, com as seguintes cerimónias:
Missa na capela da Unidade por intenção do pessoal militar e civil já falecido, a que se seguiu formatura geral, perante a qual o capitão piloto navegador Vítor Manuel Dias dos Santos proferiu uma alocução alusiva ao significado do dia.
Seguiu-se a transmissão das funções de “Porte Bandeira” (tenente TOCC José Gonçalves Leitão Cerdeira), “Escolta” (2º. Sargento OMET João Fernando Veloso, 2º. Sargento ORTRA Joaquim Barradas Anselmo e 1º. Cabo MMA João Gualberto da Silva Coelho) e “Porta Guião” (2º. Sargento MMT Orlando Pacheco Simão).
Procedeu-se depois à imposição de condecorações concedidas a alguns militares que actualmente prestam serviço na BA 2.
Medalha de prata de serviços distintos – capitão TOCART Belmiro Martins da Silveira, capitão TMMA Manuel Alves dos Santos e tenente TOCC José Gonçalves Leitão Cerdeira.
Medalha de ouro de comportamento exemplar – capitão SG Florêncio Ferraz.
Medalha de prata de comportamento exemplar – 1º. Sargento ORTRA Vasco da Piedade Arzileiro, 1º. Sargento MRAD Joaquim José Cabrita Ramos, 1º. Sargento MRADAR Valdemar Borges Igreja e 1º. Sargento MELEC. Manuel João.
As cerimónias terminaram com o desfile das forças em parada.
O capitão Vítor Manuel Dias dos Santos proferindo a sua palestra subordinada ao
Cap. Vitor M. Santos
tema “BA 2 – 31 anos de existência”, de que transcrevemos abaixo uma parte.
“Tem-se ouvido muitas vezes afirmar que o militar só se emancipa e tem direitos à admiração dos seus concidadãos, numa palavra, só se torna grande no “Campo da Honra”, entendido como campo de batalha, ao enfrentar o inimigo.
Não é inteiramente verdade!
O “Campo da Honra” é o lugar onde cada cidadão desempenha a sua tarefa, engrandecendo-se a si próprio, produzindo o seu melhor, seja qual for o grau de possibilidades de que for dotado.
Depois, se tiver que acontecer dialogar com o inimigo, de arma na mão, o militar não tem mais que continuar a cumprir, agora num nível de actuação que as circunstâncias lhe impõem como consumação de todo o seu saber, de todo o seu engenho, de toda a sua vontade de vencer derivada de convicções enraizadas e permanentes de amor-pátrio, sentindo profundamente o que defende e porque o defende.
Quero dizer com isto que o militar não pode estar à espera de se realizar como homem e como cidadão, apenas se lhe for dado passar pelos transes do baptismo de fogo.
Realiza-se já, quando estiver física, mental, moral e tecnicamente preparado para entrar em combate, em defesa de legítimos e sagrados direitos ameaçados ou violados seja onde for e nas circunstâncias mais adversas.
Condecorados 
É a este campo de acção que a Base Aérea nº. 2 se tem devotado. Realizar verdadeiros homens!
A despeito do furor crítico em minimizar o que somos, o que temos e o que fazemos, o que parece ser uma característica negativa do povo Lusíada, a História nega pelos factos consumados a aparente intenção desse matraquear de maledicência.
Na realidade, a Nação Portuguesa, enfrentando desde sempre incomensuráveis tarefas, desproporcionadas para o número de habitantes e meios materiais que possui, leva o português a uma constante percepção de ingentes e inevitáveis dificuldades que o tornam atreito a um desejo ansioso e subconsciente de ter que se fazer mais e melhor, se se quiser manter intacto o imponente edifício histórico concebido e constantemente ameaçado.
Na Base Aérea nº. 2 não se foge à regra. Mas a preocupação pelo muito que há para fazer, não pode obscurecer o trabalho realizado e desmentir as potencialidades que possuímos.
Aliás, vão sempre aparecendo, em constante enfiada, personagens activas, impetuosas e de visão larga, daquelas que decidem superiormente dos acontecimentos.
Em 1960, por razões de conjuntura político-militar exigem remodelações imediatas e a Base da Ota deixa de ser uma Base Operacional, para se converter numa Unidade de Instrução.
Ao mesmo tempo que é extinto o Grupo Operacional cria-se um Grupo de Instrução Complementar de Pilotagem e Navegação que engloba duas Esquadras:
- A Esquadra de Instrução Complementar de Pilotagem de Aviões Pesados, equipada com bimotores “Dakota” e “Expeditor”, que em 1964 é transferida para a Base Aérea nº. 4.
- A Esquadra de Instrução Complementar de Pilotagem de aviões de caça, equipada com os conhecidos “T-33” e regressada de Tancos onde actuara desde 1957.
- E ainda uma Esquadrilha de Ligação e Transporte que, a partir de 1963, além da sua missão usual, garantiu treino de voo aos Cadetes da Academia Militar, por intermédio de instrução básica efectuada em avião “Chipmunk”.
Não me permite o tempo disponível traçar alguns comentários pertinentes acerca da
Cap.Florêncio Ferraz recebe
a medalha de ouro
importância e responsabilidades deste Grupo de Instrução a quem competia aperfeiçoar a técnica incipiente de pilotos elementares e refrescar ou melhorar pilotos já feitos, para os lançar conscientes e especializados nas esquadras operacionais de transporte de longo curso e caça de reacção, além de permitir os primeiros passos aos futuros oficiais oriundos da Academia, futuras cabeças de comando e chefia na Força Aérea. 
É reminiscência desse grupo, a Esquadra de Instrução Complementar de Pilotagem de Aviões de Caça, que ainda hoje temos a sorte de manter e que, no seu ininterrupto e persistente labor, proporcionou instrução, durante o 2º. Quinquénio da década de 70, a 8 alunos distribuídos por 29 cursos de tipos diferentes, tendo executado 8.166 horas de voo.
Na mesma altura é criado o Grupo de Instrução de Técnicos e Especialistas, a principal escola técnica da Força Aérea, única em determinados sectores.
O GITE, desde a sua efectiva partida para uma produção contínua e organizada (1961), realizou, até Março de 1971, 471 cursos de Formação, Promoção e Subespecialização.
Durante a década de 70, passaram pelas aulas do GITE, 14.680 alunos e, já no ano que decorre, (1971) assiste-se ali a um verdadeiro formigueiro de 860 alunos debruçados sobre as mais variadas disciplinas teóricas e práticas. 171 instrutores e monitores, uns exclusivos do GITE, outros acumulando na Base com diferentes serviços, são responsáveis pelo preenchimento de 87.360 horas de instrução anual.
Realizam-se na Base Aérea nº. 2 anualmente:
- 1 recruta de pessoal destinado aos cursos de Formação de Oficiais técnicos e a pilotos com um efectivo de 150 homens.
- e 3 escolas de recruta, num total de 1.200 homens que consomem 12.000 horas de válida instrução teórica e prática e que, após o Juramento de Bandeira, serão canalizados para os vários cursos de formação de cabos especialistas.
O que a estatística, na sua frieza numérica e síntese demasiado para o tempo de que dispomos, não consegue descrever e humanizar é o esforço contínuo do Comando, da Administração e Corpo docente, a sua luta contra o tempo, o dispêndio de energias na tentativa de se conseguirem melhores métodos didácticos e actualização da literatura impressa, em busca de maior rentabilidade.
E não será desajustado apontar, recordando com simpatia e admiração a aplicação até ao sacrifício daqueles que lutam nas três frentes de combate, que também na BA2 a exiguidade dos meios postos à disposição do GITE, da EICPAC e inclusivamente das restantes sub-Unidades que apoiam  as missões primárias, implica um nunca acabar de ansiedades que originam técnicas de excepção em arte, engenho e aplicação aturada que roubam o sono, repouso e paz de espírito.
Instruir, educar, amoldar pessoal que operará processos e equipamentos de vanguarda, impostos por uma Força Aérea altamente especializada e complexa, em constante crise de crescimento e desde 1961 empregue em operações reais de guerra, é uma tarefa que não pode levar-se a cabo sob o estigma de mediocridade.
A BA2 tem portanto agora a nobre função de exercitar inteligências, doutrinar vontades e armar os futuros elementos da Força Aérea da ética e do nível técnico capazes de possibilitar o emprego dos meios aéreos na certeza da obtenção do êxito.
Na guerra de sobrevivência em que estamos empenhados, uma má orientação da instrução, seria investimento certo para o estiolamento das estruturas, seguido de perto pela paralisação geral da acção.
A BA2 possui o conhecimento exacto das suas responsabilidades actuais e comporta-se, aliás como sempre, CUMPRINDO ALÉM DO DEVER!”

 Notas: Recolha de informação na Revista “Mais Alto” nº. 144 – Abril 1971
           

Até breve                                                                                   
O amigo