quinta-feira, 27 de agosto de 2020

MAS NÓS NÃO PODEMOS COMENTAR?! UI! ISSO NUNCA !


É certo que a frase feita "vamos-esperar-pelo-relatório" é muito bonita, soa bem, dá likes e é politicamente correcta. Mas era só o que faltava eu não poder expressar a minha opinião. 
Hoje em dia, temos de pedir desculpa por darmos a nossa opinião sobre qualquer assunto, porque uma opinião deixou de ser um contributo para um debate, e passou a ser uma ameaça para o politicamente correcto.
Não se pode dar uma opinião porque se pode ofender, não se pode dar uma opinião porque não somos especialistas, não se pode dar uma opinião porque não somos pilotos, não se pode dar uma opinião porque o momento não é oportuno.
Só os jornais e as TVs é que podem escrever as enormidades que quiserem. Os jornalistas aborrecidos com a falta da Bola ou da Política ouviram dizer no Café que o avião era velho e vamos embora espalhar a doutrina.
Mas nós não podemos comentar - ui !- Isso nunca!
Entretanto vai avançando internet adentro a opinião institucionalizada de que a causa do acidente do Canadair poderá ter sido motivada pelos "motores velhos". 
A culpa agora é dos motores! 
E logo do motor Wasp, um dos motores mais seguros, usados, testados e produzidos da História da Aviação. Um dos mais eficazes da Segunda Guerra Mundial e protagonista de uma lista imensa de feitos heróicos e históricos.
O mesmo tipo de motor Wasp que equipa o aparelho sinistrado continua a servir aos milhares por todo o Mundo, em semelhantes aparelhos de combate a incêndios, em companhias de transporte aéreo e vigilância, sem contar com inúmeros exemplares históricos recuperados. Existem perto de 200 DC3 a voar em todo o Mundo, sendo o mais " moderno" de 1950.
Existem aviões de combate a incêndios muito mais antigos, com maior capacidade de carga e no activo como o Martin Mars de 1949. Os seus motores são mais escassos e complexos , mais antigos e ele continua a apagar incêndios.
Os Canadairs CL-215 são "velhos"? Não avanço um número concreto (senão vinham aí os Guerrilheiros do Google e comiam-me vivo se eu me enganasse num algarismo) mas só o Canadá tem para cima de 60 ao serviço. Mais outros tantos nos Estados Unidos, e outros tantos nos restantes cinco ou seis países onde o "velho" CL-215 ainda opera.

Se o relatório de investigação realmente confirmar que foi avaria de motor, aconteceu simplesmente porque todas as máquinas são susceptíveis de avariar. Não existem motores "velhos" na aviação certificada. Quando são revistos, são desmontados peça a peça e levam tudo novo. Mesmo que um componente esteja em perfeito estado de funcionamento, chega aquele número de horas e vai para o lixo. Um avião é como uma vassoura com 50 anos, que já levou seis cabos de vassoura e quatro cabeças. Infelizmente, qualquer máquina pode avariar.
A leitura que se faz de afirmações como "O avião era velho" são uma afronta e uma ofensa para a indústria de reparação aeronáutica. E sobretudo, alimentam o conveniente, perigoso e errado lobby de que aviões novinhos em folha estão isentos de acidentes. Tal como um "piloto" me disse uma vez: "isto tem um motor Rotax a quatro tempos novinho, não são aquelas porcarias a dois tempos dos anos 80 em que tu voas. Podemos voar à vontade sobre a floresta..."
Experimentem também ir a uma escola de pilotagem e vejam de que ano são os Cessnas usados para instrução. Pois é. Se calhar são até mais antigos que os "Canadairs velhos".
Não é estar aqui contra os aviões novos. Se os puderem comprar, ou quiserem continuar a alugar helis e aviõezinhos de brinquedo à hora ao preço do ouro, encantado da vida. Mas não ofendam a nossa inteligência a dizer que os acidentes acontecem por causa dos aviões serem velhos. 
Sim, vou também aguardar o relatório da investigação sobre as causas do acidente. Mas entretanto aqui fica a minha opinião. Aceito o debate e as vossas opiniões, mas se quiserem vir com o politicamente correcto, de que não se pode discutir isto porque A, B ou C... vão dar banho ao cão, porque sinceramente, estou-me nas tintas.

Os meus sentimentos à família da vítima neste momento de pesar.


Por Mike Silva