sexta-feira, 30 de setembro de 2016

BA2 OTA - JURAMENTO DE BANDEIRA DA ER 3ª./70 E NOVOS PILOTOS DE HELICÓPTERO DO PH1/69

De braço erguido, os soldados recrutas repetem a fórmula do juramento

JURAMENTO DE BANDEIRA E ENTREGA DE DIPLOMAS
B.A. Nº. 2 – OTA – 18/DEZEMBRO/1970
Juramento de Bandeira da Escola de Recrutas 3/70




Na Base Aérea nº. 2 (Ota), realizou-se no dia 18 de Dezembro de 1970 o juramento de bandeira dos cursos de oficiais e sargentos e de soldados alunos recrutas especialistas.Presidiu à cerimónia o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea interino, general Almeida Viana, com a presença do Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea, general Dias Costa, e dos directores dos Serviços de Pessoal e de Instrução da Força Aérea, brigadeiros Braz de Oliveira e Diogo Neto, e outros oficiais. 
Depois de ter passado revista à guarda de honra, comandada pelo capitão Fausto da Cruz, o general Almeida Viana, acompanhado pelas individualidades presentes, dirigiu-se para a tribuna de honra.
A iniciar as cerimónias, usou da palavra o comandante da Unidade, coronel piloto aviador Jorge Manuel Brochado de Miranda, de cujas palavras arquivamos abaixo algumas passagens.
Em seguida, o alferes Ribeiro Santos dirigiu uma exortação aos soldados recrutas.
Procedeu-se depois ao acto solene do juramento de bandeira, a que se seguiu a entrega de prémios e diplomas. No final as forças em parada, sob o comando do tenente-coronel Vargas, desfilaram em continência perante a tribuna de honra.
As altas individualidades presentes em continência à Bandeira

Ao encerrar as cerimónias os soldados recrutas fizeram demonstrações de manejo de armas a pé firme e em marcha, a que se seguiram demonstrações de treino físico-militar e luta individual”.

ALOCUÇÃO PROFERIDA PELO COMANDANTE DA B.A.2 – CORONEL BROCHADO DE MIRANDA
“Perante nós temos também 301 soldados alunos que se encontram a meio de um curso de formação e 268 outros que já o completaram e vão dentro de instantes receber o respectivo diploma, consagração oficial e pública do seu êxito. Serão em breve lançados nas unidades da Força Aérea onde irão participar de forma mais ou menos activa e directa no esforço nacional de defesa da Pátria.   
Não é todavia por terem terminado um curso e recebido um diploma que estão preparados para tal. Defender a Pátria é algo mais do que repelir pela violência as agressões que contra ela se cometam. É também trabalhar sob todos os aspectos para a engrandecer e fortalecer. Todo aquele que se cultiva e adquire conhecimentos e experiência contribui para essa finalidade.
Há pois que continuar sem desfalecimentos ou limitações em trabalho de aperfeiçoamento permanente tendo sempre presente que, para o militar, tudo o que não for um êxito completo pode constituir um fracasso total.
Compete à BA2 a ingente tarefa de instruir, através de cursos de formação, de promoção ou de sub-especialização, a quase totalidade do pessoal técnico da Força Aérea, dos quadros permanente e não permanente, bem como a preparação final dos pilotos destinados às bases equipadas com aviões de caça.
Por decisão superior aproveita-se este dia para se proceder à distribuição de prémios relativos ao campeonato de tiro da Força Aérea, recentemente realizado, nas três modalidades de pistola de guerra, espingarda de guerra e tiro aos pratos.
A Base Aérea Nº.2 orgulha-se de ter alcançado uma classificação honrosa para o que aliás pertinazmente trabalhou.  
Distribuição de diplomas e prémios








A selecção que a representou nasceu de um aproveitamento final de valores que emergiram após o cumprimento de um programa de tiro anual, que depois receberam o treino suplementar adequado, e não do exclusivo chamamento de atiradores consagrados já do anterior conhecidos.” 

Pormenor da demonstração da luta corpo-a-corpo



ALOCUÇÃO PROFERIDA PELO ALFERES RIBEIRO DOS SANTOS

Da exortação patriótica proferida pelo alferes Ribeiro dos Santos, transcrevemos algumas passagens:
“Dentro de instantes e frente à gloriosa Bandeira, augusto símbolo da Pátria, dareis por realizado o primeiro passo para a meta que a vós próprios já jurastes atingir: honrar a Pátria que vos viu nascer e honrar a Força Aérea a que pertenceis, com a generosidade e a grandeza que emerge da vossa juventude e do facto de serdes Portugueses.
A vida não é tempo que passa, mas sim obra que fica. Como tal, tem que ter um conteúdo e ser realização tão perfeita quanto possível de um ideal.
Os valores em qualquer profissão erguem altivamente a cabeça para se ufanarem da sua actividade: um grande médico, um bom advogado, um juiz sabedor e íntegro, um engenheiro competente, um agricultor ou um industrial empreendedor, um perfeito militar revelam amor à carreira, denotam orgulho pela sua profissão.
A consciência de serdes um valor positivo, integrado na utilidade social de uma função, eis o que se espera de vós.
Valor, Lealdade e Patriotismo são virtudes de que não vos podeis alhear. 
Não estão connosco os que buscam uma vantagem em vez de um posto desinteressado de combate, os que não sentem em si nem dedicação para servir a Pátria nem disposição para sacrificar-se pelo bem comum.” 



BASE AÉREA Nº. 3 – NOVOS PILOTOS DE HELICÓPTERO



Na Base Aérea nº.3 (Tancos) efectuou-se no dia 15 de Janeiro de 1971 a entrega de “brevets” a 16 novos pilotos de helicópteros, do PH1/69.
Brigadeiro Diogo Neto e Com. da BA3     
Na sala de reuniões do Comando realizou-se uma sessão presidida pelo Director do Serviço de Instrução, brigadeiro Diogo Neto, ladeado pelos 1º e 2º. Comandantes da Unidade, tenentes-coronéis Gomes dos Santos e Orlando Amaral.
Abriu a sessão o comandante da BA3 que agradeceu a presença do Director do Serviço de Instrução e enalteceu o significado do dia para os novos pilotos.
Usou depois da palavra o Comandante da Esquadra 33, capitão Vellez Caldas que pronunciou uma patriótica exortação, terminando por afirmar estar certo de que os novos pilotos continuariam a demonstrar que a juventude portuguesa mantem intactas as qualidades que fizeram de Portugal um país orgulhoso da sua história e serenamente confiante no futuro.
Seguiu-se a cerimónia da colocação dos “brevets” ao peito dos novos pilotos, acto a que procederam os seus instrutores, como é já tradicional na Força Aérea.
A encerrar, o brigadeiro Diogo Neto dirigiu palavras de muito apreço aos novos pilotos, desejando que as suas acções no Ultramar fossem coroadas dos melhores êxitos.
O Comandante da BA3 


     VOO SEM REDE…
Alocução do Asp. Alf. Pil. Av. José Manuel Leite de Sá

José Manuel Leite Sá recebendo o brevet
“Torre de Tancos: Tenha atenção ao Hotel 9285, que prossegue com aluno em V.S.”.
“Nabo 85 descola”!
Mais leve que inicialmente, o helicóptero sobe à vertical e, em breve, não é mais que uma mancha, emoldurada de luzes, na noite escura.
Lá dentro, agarrado aos comandos, vai um aluno piloto. Na subida, sente que lhe falta qualquer coisa. Sim, aquele disco monocórdio que o instrutor lhe martelava aos ouvidos, deixou de se ouvir.
Agora, este silêncio pouco habitual fá-lo recordar-se desses conselhos: “Olhe a velocidade!...Olhe o pranchamento!...Meta passo!...Olhe para fora!...Concentre-se!      Descontraia-se!!!”.
Entretanto o voo vai prosseguindo, impecável, os instrumentos “colados”, o aluno quer demonstrar a si próprio que é capaz de manter os parâmetros de voo correctamente. O olhar, ora perscrutando a noite à procura de outros pontos luminosos em movimento, ora fixando os instrumentos e as luzes avisadoras: ele sabe que “há sempre uma emergência desconhecida que espera por si”, mas está completamente seguro, confia no aparelho e na instrução que lhe foi tão cuidadosamente ministrada.
Tem confiança, mas não alimenta excessos perniciosos, usa mas não abusa da sua proficiência na máquina.
Quando tinha o instrutor ao lado, e não respondia imediatamente a qualquer pergunta, pagava “ventoinhas”, agora, por qualquer hesitação pagará um tributo bem mais elevado!
Cada voo é o complemento de uma actividade solidária em que todos, sem discriminação de postos, desempenhando cabalmente as funções que lhe estão confiadas, contribuem para a segurança e bom rendimento da pilotagem.
A disciplina é a mola propulsora de todo este trabalho interdependente onde a capacidade de dirigir e a de obedecer se fundem para a consecução de um fim: a maior rentabilidade do trabalho comum.
E o aluno vai voando, concentrado na sua tarefa, sem esquecer que ele é também um elo dessa cadeia. Se alguma anomalia se verificar durante o voo, deve registá-la no livro, não vá o próximo utente da máquina sofrer algum percalço.
Estas cogitações não impedem contudo, que o voo vá seguindo com a mesma eficiência, mas, numa volta, a velocidade desce ligeiramente, e então, o subconsciente, pressuroso, faz ouvir o tal disco que o instrutor conseguiu gravar ao longo de cada voo: “Olhe a velocidade!...Olhe o pranchamneto !...”
Com suavidade e coordenação absoluta o aluno vai avançando cada vez mais, já sente o voo e, inebriado pelo espectáculo maravilhoso que lhe é dado contemplar, aquela sincronização de movimentos que patenteia em cada manobra, dão-lhe a impressão de ser uma peça, a peça que falta à máquina para voar sozinha!...
Já no final, acende o farol e fá-lo incidir no local de aterragem. Está prestes a tocar, actua com esmero. Lá ao fundo está um instrutor que diz: “aquele é o meu craque”!
E, quando o instrutor mostra confiança no aluno, este faz tudo para não desmerecer dela.
Agora, já depois de tudo desligado, faz a autocrítica do voo e sente-se satisfeito!
O teste aproxima-se e o Cap. Caldas não é nenhuma “pera-doce”. Mas ele está apto a enfrentar todas as situações e o teste não é meta final, é apenas uma barreira que se transpõe, nesta dura maratona que é o dia de um piloto! “

Notas: Recolha de informação na Revista “Mais Alto” nº. 141 – Janeiro 1971

Até breve                                                                                   
O amigo 

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CHEGADA A HENRIQUE DE CARVALHO

Chegada do Nord- foto de Anselmo Cardão
Cheguei ao AB4, a 20 de Setembro de 1971, uma Segunda-Feira que nunca irei esquecer, era o fim de uma longa manhã de calor, muito barulho e vários sustos, passada entre os TAM da BA9 e o Nordatlas que me transportara por entre caixas de fruta, peixe dito fresco, sacos de frangos e outras coisas que nem consegui identificar.
O meu ar apreensivo arrancou sorrisos ao meu companheiro de viagem já com mais de meia comissão cumprida, enquanto íamos sustendo a carga a cada movimento mais brusco do avião, quando aterrámos ele ainda me disse: Prepara-te para a recepção pouco amistosa, isto depois de eu ter dito que vinha aumentar o efectivo, e não, render alguém com a a comissão já terminada.
À chegada tínhamos uma turba de especialistas, que passavam revista às guias de marcha, para verificarem qual a nossa situação; se vínhamos render alguém, preencher vagas no quadro, ou aumentar o efectivo, assim que me viram a guia de marcha, passaram a outros e deixaram-me em paz que era o que eu mais desejava.
Comando Operacional - foto de Rui Neves
Peguei nas mochilas e zarpei para o posto de rádio que presumi fosse no edifício com as antenas, tinha de entregar rapidamente a alguém responsável pela cifra, o material classificado de um curso de cifra que frequentara e que transportara desde Lisboa, que me obrigara a ir à "António Maria Cardoso", (para os mais distraídos, a sede da PIDE) onde passei horas fechado numa sala à espera que me dessem um questionário e um documento para assinar, onde por entre outros impropérios “jurava por minha honra defender com a própria vida, não divulgar, ou de qualquer outro modo dar a conhecer o conteúdo do curso que iria fazer ou do material que me fosse entregue para utilizar ou transportar” assim como não me separar do mesmo até o entregar pessoalmente aos responsáveis pelas cifras do Comando da 2ª.Região Aérea e AB4. Era o que transportava numa das mochilas e que me obrigara a andar sob escolta e a ir dormir no BCP21, na semana que levei a instruir o pessoal de Luanda, e que tinha sido motivo de desconfiança de toda a gente por me verem sempre acompanhado de dois PA'S que só me largaram quando entrei no avião.
Percorri o corredor do edifício seguindo o som de transmissões em código Morse, e ao espreitar pelo postigo da porta azul blindada, deparei com um sargento com quem tinha trabalhado no Continente, avancei de peito aberto porta dentro com as “imbambas” às costas e estendi a mão atirando com um ar satisfeito por ver finalmente uma cara conhecida,"então como vão essas arbitragens e essa "Bíblia" (tradução) o jornal desportivo "A Bola"?
O sargento, levantou a cabeça do jornal, olhou pelo canto do olho a cara pouco mais que em pânico dos presentes, e disparou: o nosso cabo vai pegar nas "imbambas" dar meia volta, sair e fechar a porta pedir licença para entrar e apresentar-se como manda o RDM, ou então embrulho-o numa folha azul de 25 linhas e dou-lhe o máximo da minha competência!", levantando o jornal, não sem antes voltar a olhar pelo canto do olho, para confirmar, que toda a gente ouvira o que ele dissera.
O autor á porta do Clube
Imediatamente percebi que dera com os burrinhos na água, o único culpado da situação era eu, nunca deveria ter baixado a guarda e o impacto que sofri foi demolidor, peguei nas imbambas, dei meia volta e saí, fechei a porta, abri o postigo e pedi licença para entrar, pousei tudo no chão e fiz a apresentação regulamentar aguardando em posição de sentido. O sargento olhou os presentes com ar dominador, levantou-se e estendeu-me a mão atirando magnânimo:"Então como está o "Puto"? (tradução) pelo seu tamanho minúsculo, o Continente era assim chamado em Angola, mantive a posição de sentido, e deixei arrefecer-lhe o entusiasmo, passados segundos respondi: Cumpri a obrigatoriedade da apresentação como manda o RDM, os apertos de mão guardo-os para os amigos, e afinal enganei-me, pois não vejo aqui ninguém digno desse nome, se não deseja mais nada gostaria de ser dispensado para efectuar a entrega do material de cifra que transporto e da guia de marcha na secretaria do pessoal. O sargento baixou a mão com uma cara de poucos amigos, mas não havia volta a dar, eu tinha feito o que regulamentarmente me era exigido, mas com este gesto irrefletido, acabara de me incompatibilizar definitiva e irremediavelmente com as chefias, o que me conduziria a uma luta solitária incerta, que só acabaria no dia em que saí de Carvalho para Luanda vinte e oito meses e meio depois.

Henrique de Carvalho 20/09/1971
OPC ACO

domingo, 4 de setembro de 2016

JONAS SAVIMBI



ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Durante a campanha aérea da ONU para as Primeiras Eleições Livres em Angola (1992), os dias passaram num carrossel de aterragens e descolagens. A ONU geriu e levou a bom porto a maior operação aérea jamais organizada de suporte a atos eleitorais supervisionados por aquela organização. Algo que, na altura, parecia ser um passo maior que a perna, só foi possível devido ao empenho dos dez oficiais da Força Aérea Portuguesa, destacados para Angola para ajudarem na gestão daquela atividade aérea. Os elementos da FAP fizeram parte de uma grande equipa com 25.000 pessoas, angolanas e estrangeiras, que de alguma forma participaram para o sucesso daquele ato eleitoral, dos quais constavam cerca de 800 observadores internacionais.
Por razões de segurança, durante os dois dias em que decorreram as eleições legislativas Angolanas, 29 e 30 de Setembro de 1992, o Governo Angolano interditou o espaço aéreo a voos internacionais e encerrou as fronteiras terrestres, marítimas e fluviais.
Os Angolanos votaram em massa, ultrapassando as previsões mais otimistas, com 92% dos eleitores inscritos (4 milhões e 400 mil pessoas) a exercerem pela primeira vez o dever de voto. O número surpreendeu, já que se admitia uma taxa de abstenção na casa dos 20% a 30%. Os angolanos escolhiam entre 19 partidos, quem os iria governar.
No dia 01 de Outubro, depois do ato eleitoral, era a loucura total em Luena. Todas aquelas urnas de voto tinham de ser rapidamente retiradas dos vários locais e trazidas para a capital do Moxico, de onde seguiriam de imediato para Luanda em C-130. O que havia levado semanas a montar, levava agora horas a desmontar.
Segundo os acordos de Bicesse, que travaram o conflito entre a UNITA e o MPLA e abriram espaço ao ato eleitoral, os resultados eleitorais só deveriam ser formalmente anunciados no dia 08 de Outubro. Contudo, a comunicação social divulgou-os conforme se ia sabendo os resultados parciais. 
No dia 3 de Outubro, Jonas Savimbi (então líder da UNITA) dirigiu uma «Mensagem à Nação», na qual expressava que não aceitava os resultados das eleições, por ter havido fraude. A violência escalou consideravelmente e o PNUD de Luena decidiu ativar o plano de evacuação que tinha elaborado. Luanda parecia continuar no controlo das forças governamentais, sendo a melhor saída para uma evacuação internacional. Decidiu-se voar para Luanda no dia 05 de Outubro. Entretanto, na capital do País, a situação de segurança estava a degradar-se de dia para dia. Após tratar de toda a burocracia da ONU, os militares portugueses receberam instruções para sair imediatamente de Luanda e regressar a Portugal no dia 08 de Outubro. Partiríamos nessa mesma tarde, num voo comercial que estava, obviamente, lotado, ao ponto de não haver catering para todos os passageiros. Cerca de 20 minutos após a descolagem de Luanda, o comandante de bordo utilizou o sistema de som para fazer um pequeno anúncio:
- “Senhoras e senhores passageiros, informamos que, por motivos de segurança, o Aeroporto Internacional de Luanda acabou de fechar a todo o tráfego aéreo, sem data anunciada para reabrir.”
Tínhamos conseguido sair de Luanda ”In Extremis”!
Quando, na tarde do dia seguinte desembarcámos em Lisboa, veio a notícia:
Os oficiais da UNITA abandonaram as (unificadas) Forças Armadas Angolanas e regressavam às suas anteriores posições. Tinha recomeçado a guerra civil Angolana. O governo português estava agora preocupado com a segurança dos nossos cidadãos que residiam em Angola. A Força Aérea preparou os seus (na altura) paraquedistas e os C-130, para retirarem os portugueses que estivessem em Angola e quisessem sair.
No início do mês de novembro de 1992, as Forças Armadas Portuguesas lançaram a “Operação Repatriamento”, com o objetivo de retirar de Angola os cidadãos portugueses que ali não desejassem permanecer. As Tropas Paraquedistas Portuguesas não tiveram de atuar, mas as aeronaves da FAP evacuaram de Angola cerca de 2 500 portugueses. O conflito interno Angolano assumia agora uma violência redobrada, inflamado por novas desconfianças e ódios.
A Guerra Civil Angolana só viria a finalizar com a morte em combate de Jonas Savimbi, num local muito próximo de Luena, no ano de 2002. O povo Angolano sofreu um conflito fratricida, durante 27 anos, com uma ligeira interrupção de “paz podre” para se fazerem eleições em 1992.

A experiência angariada naquela missão das Nações Unidas seria, décadas mais tarde, primordial na resolução de problemas numas outras eleições, igualmente problemáticas. Mas isso será matéria para uma outra “Estória de Missão ao serviço da ONU”.


(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)



Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

sábado, 3 de setembro de 2016

AS MEMÓRIAS DE UM LUENA













 A JANGADA DO LUNGUÉ BUNGO

Era um estrutura flutuante, composta por quatro fiadas de tambores, de largura e uns dez de comprido, daqueles que eram utilizados no armazenamento e transporte de combustíveis, gasóleo, gasolina e petróleo, de duzentos litros, ligados uns aos outros por uns cabos de aço, e presos, por baixo de uma estrutura de madeira grossa, que recebia a camioneta de tonelagem até dois mil quilos ou, dois Land rover, de caixa aberta. Era uma estrutura bem estudada, uma autêntica obra prima da nossa engenharia.
Este conjunto estava preso, nas suas duas extremidades do seu comprimento, a dois cabos de aço com duas roldanas nas pontas, para facilitar a sua deslocação, que por sua vez, estavam enfiadas num outro cabo de aço, mais grosso, preso às duas margens do rio, onde existiam duas enormes roldanas, uma de cada lado, que a puxavam para a margem pretendida, tarefa essa que estava a cargo de dois nativos.
Caso a jangada estivesse no lado contrário, ela teria que ser puxada para aquela e, isso obrigava a que outros dois nativos, atravessassem o rio numa canoa, para o lado pretendido. Estes quatro executantes, vivam num quimbo ali próximo, situado na sua margem direita e executavam o serviço a troca, creio eu,  de uns cem escudos. A avaliar pelo cumprimento da vara utilizada na condução da canoa, o rio era mesmo muito fundo e correntoso e a outra margem não se via.
Era por esta via que se alcançava o posto administrativo do Lutuai e, também, se podia fazê-lo pela via do Lucusse, e, uns quilómetros logo a seguir ao destacamento dos fuzileiros, junto à ponte sobre este mesmo rio, virava-se à direita para Cassamba (velha) e, mesmo à entrada desta, voltava-se, novamente à direita, andava-se para trás.
Ponte de Lungué Bungo e destacamento dos Fuzileiros

A travessia fazia-se em cerca de uma, arrepiante, meia hora. Sentia-se um enorme alívio quando se alcançava a outra margem. Cheguei a atravessá-la de noite e, também, cheguei a ouvir relatos de acidentes ali ocorridos, com a perda de viaturas, carga e algumas vidas.
Da última vez que a utilizei, pouco tempo depois do vinte e cinco de abril, quando ainda tudo andava atordoado, os tambores, tinham sido substituídos por uma enorme banheira de ferro mas, os métodos de funcionamento, continuavam os mesmos, situação, um tanto ou quanto parecida com aquela que então se vivia.

A CONSTRUÇÃO DE UMA CUBATA

Até aos meus quinze anitos, vivi muito de perto com as populações da etnia ganguela. Julgo ter conhecido muitos dos seus hábitos e costumes e assimilado, muitos deles. É um pouco desse conhecimento que eu pretendo aqui transmitir-vos. O que irão fazer com ele ou, que utilidade vos irá prestar, no vosso dia a dia, não sei, mas olhem que isto poderá enriquecer a vossa cultura geral.
Ora muito bem, a estrutura base, era constituída por pequenos troncos/mutondos, com o diâmetro aproximado de dez centímetros e com uma altura de um homem, na linguagem nativa, isto é, cerca de dois metros de altura. Estes mutondos eram aguçados numa das extremidades, para facilitar o seu enterramento no solo. Ficavam distânciados uns dos outros, cerca de dez a quinze centímetros, em forma circular, rectangular ou em quadrado, consoante os desejos do seu proprietário ou o seu estatuto social.
Eram depois ligados uns aos outros, por dentro e por fora, através de uns ramos esgaçados ao meio e atados com londovis, um atilho extraído de um arbusto rasteiro a que davam o nome de bissapa, de alto a baixo, com intervalos, entre eles, de cerca dez centímetros.
Depois, os intervalos deixados nesta estrutura, eram preenchidos com uma argamassa, de terra vermelha, misturada com capim e água e, por fim, alisada e algumas até eram caiadas.

A maioria destas cubatas eram de uma única divisão, com uma entrada. As maiores, com três divisões, mantinha a porta a meio e uma janelita em cada divisão. Não convinha terem muitas janelas ou portas, por causa do frio.
Mas, esta mesma estrutura podia ser mais económica, isto é, dispensar a ligação interior e ser revestida, exteriormente, por pequenos molhos de capim, a exemplo do tecto, como a seguir tentarei explicar.
Quanto ao tecto, seguia as mesmas regras, apenas com ligações exteriores, aonde seriam atados os pequenos molhos de capim, com uma técnica muito própria e, essa cobertura começava cá por baixo, a toda a volta da cubata e ia subindo, em forma de sucalcos, evitando desta forma a entrada da chuva e do vento. Estes telhados eram, como todos nós sabemos, em forma cónica ou triangulares, a exemplo das nossas casas.
Todos os materiais ali aplicados, provinham da mãe natureza. Eram construções verdadeiramente ecológicas. Tinham uma duração de vida considerável, aguentavam bem o mau tempo e só o fogo ou uma forte tempestade, as derrubava.

OS CAMUSSEQUELES OU BOCHIMANES

Eram uma tribo que não tinha poiso certo. Vagueava por todo o sertão angolano, em zonas áridas, nharas/chanas e pelos países vizinhos do Botswana, SWA, Zâmbia e Africa do Sul.
Viviam daquilo que a floresta lhes proporcionava, principalmente do mel, ratos, raizes e frutos silvestres.

Para quem não conhece, existia em Angola, umas abelhas mais pequenas do que as normais, que fabricavam o seu mel, não em colmeias mas, nos buracos feitos pelos roedores e era deste que eles se alimentavam.
Eram de baixa estatura, de cor acastanhada, com os olhitos tipo chinocas e falavam aos estalitos, mas também falavam outros dialectos. 
Como bons conhecedores da floresta, eram exímios caçadores, viciados em liamba e, excelentes guias.
O nosso exército utilizava-os com muita frequência, na zona leste, na perseguição dos então "turras".
Não conviviam com as outras etnias e, eram mesmo discriminados.
Eram bons fregueses do meu velhote e, convivi muito com eles, curioso de aprender a sua linguagem.

A CONSTRUÇÃO DE UM MUQUIXE

A sua base começava na cabecinha, tipo capacete, feito de pequenos e leves ramos, ainda verdes, para melhor serem trabalhados e não se partirem. Eram ligados entre si por londovis.
A partir daqui, ao capacete eram adicionadas outras formas, tudo feito com pequenos e verdes ramos, pelo motivo já apontado e ainda por causa do seu peso. Das formas podiam nascer um cone, do tipo, unicorne, que tinha a designação de tchicunza, com dois ou quatro arcos, em forma de lua ou, simplesmente, o capacete.
Muquixe em cerimónia da Mucanda
Depois, esta estrutura era toda revistida e ajustada com uma espécie de sarapilheira, também conhecida por tchilondos, que era extraída de uma árvore e toda ela cozida à mão, de forma a obter as formas pretendidas. O interior do capacete também era bem revestido para não magoar e era preso por baixo do queixo. O rosto era todo revestido de cera derretida para lhe dar realce à cavidade dos olhos e da boca e, depois, pintado de cor branca, preta, vermelha, às pintas, às riscas, em pequenos círculos, com barros extraídos da margem ou do próprio rio. Eram mesmo muito bonitos, cheguei a dominava a sua construção e alguns deles, chegaram mesmo a ser exibidos em público.
A par disto, todo o corpo era revestido com uma espécie de renda artesanal, muito bem trabalhada, onde sobressaiam as cores preta, vermelha e branca.
À cintura levavam uma espécie de saiote, feito de sisal, com duas ou mais voltas e, nos tornozelos, uma espécie de guizos.
Ao som do batuque e, em movimentos ritmados e cincronizados das ancas, das pernas e dos pés, o artista, rodeado de mulheres, batendo palmas cantando e gritando, dava vida ao saiote e, levantava poeira.
Estas danças tinham vários interveniente, em simultâneo e a festa durava todo o dia. Também eram revesados. Poderão imaginar o esforço dispendido pelos artistas.
Isto acontecia, normalmente, no fim da mucanda que, no próximo artigo, irei abordar.
Eu era mesmo muito entendido nesta arte, se lá tenho ficado, tinha o meu futuro assegurado.

A CONSTRUÇÃO DA MUCANDA

Começo por vos confessar que nunca entrei em nenhuma e, o que vos vou descrever, é um testemunho de um dos nossos colaboradores, mais conhecidos por serventes, que a frequentava.  Era um local onde apenas os circuncisados tinham acesso, algo afastado dos quimbos e, normalmente, à beira de um curso de água, todo ele cercado e revestido com capim, para o tornar mais acolhedor, com umas palhotas para albergar os responsáveis e acompanhantes, todos eles lungas/homens. As crianças circuncisadas dormiam ao relento, à volta da fogueira, despojadas das suas roupas, ficavam todas nuas.
O termo MUCANDA, também quer dizer, carta/escrita.
Rapazes da Mucanda

O acto propriamente dito, o corte do kinhunga, do tapa chamas, como eles gostavam de falar, ou do prepúcio, era executado a sangue frio, sem qualquer anestesia, com uma navalha bem afiada, manejada por um homem experiente nestas lides. Os garotos eram segurados pelos adultos. O enfermeiro só era chamado, em casos de infecção.
No final de alguns meses, com a ferida já cicatrizada, era organizada uma festa de arromba, com batucadas e a dança de muquixes que durava todo o dia. No final deste evento, aquelas instalações eram destruídas pelo fogo.
Depois deste acto, as crianças eram consideradas adultas e, a casa que então partilhavam com os pais, deixava de nela poder entrar e, por isso, no decurso desta estadia, era-lhe construida uma cubata.
Mas as mulheres, também, tinham a sua mucanda. Quando à rapariguinha lhe vinha a sua primeira menstruação, ela era desflorada e, o método, segundo contavam, era também violento e consistia na introdução na sua vagina um pau afiado na ponta, ao contrário do que ainda hoje acontece na Guiné em que lhes é extraído o clitóris.
Sofria também um retiro de alguns dias do seu ambiente familiar e também,  se tornava adulta com moradia própria.
Custa-me a acreditar que este acto, tenha alguma coisa a ver com a impossibilidade de estas crianças ou jovens , serem desvergindadas, de forma natural, pelos seus pares, por estes possuirem um grande pénis que não se alterava com a excitação.
Na nossa linguagem vernácula, quer ele estivesse teso ou murcho, o tamanho era sempre o mesmo.
Mas era isto se servia de explicação para tal violência.

Fiquem bem e móioué.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CUMULONIMBUS AFRICANOS



ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Durante o mês de setembro de 1992 ocorreram algumas tempestades tropicais, no centro de Angola, as quais eram bastante perigosas para a aviação. Recordo estar na placa e ouvir no rádio a torre de Luena informar que iria aterrar uma aeronave em emergência. Era um pequeno avião de passageiros, com um motor em cada asa e a fuselagem ao centro. O Beechcraft C-90 GT, conhecido no meio aeronáutico como o menor dos turbo-hélices da família King Air, estava em sérias dificuldades para conseguir chegar a Luena. Pouco tempo depois do reporte, o piloto conseguiu aterrar e conduziu o King Air para a placa, tendo vindo estacionar na zona normalmente utilizada pela ONU. Desloquei-me ao aparelho em questão para ver se podíamos auxiliar em alguma coisa. Ao ver a aeronave assaltou-me a imagem que Beechcraft tinha andado à bulha com um leão. Ou melhor, com um bando de leões, tal era a quantidade de arranhões profundos e amolgadelas na chaparia; antenas arrancadas à fuselagem; hélices ratadas; vidros rachados; lemes e ailerons amachucados; luzes de navegação e faróis de aterragem partidos; e até a faixa de borracha preta, que revestia o anticongelante no bordo de ataque das asas, estava feita em tiras e pendia em franjas. Mas aquilo que mais impressionava era o tremendo abalroamento no nariz pontiagudo da fuselagem. Dir-se-ia que alguém tinha dado um valente murro no nariz do Beechcraft, transformando o que era côncavo em convexo.
- “Já estava a ficar aflito” - disse o piloto-comandante ao sair do avião – “ fiquei sem a antena de GPS, não sabia onde estava, e o nível de combustível nos depósitos  estava a ficar francamente baixo. Segui um rio afluente do Zambeze voando para Noroeste na esperança que fosse o Luena. Correu bem, mas apanhei um susto. ”
O copiloto estava francamente enervado e quase não falava. Quando saiu do avião meteu os calços nas rodas e foi fumar um cigarro para longe.
- “Mas o que é que vos aconteceu para ficarem com o avião neste estado? – Perguntei curioso enquanto examinava a borracha protetora do sistema anticongelante feita em tiras.
- “A Sudeste daqui há uma parede de Cúmulo-nimbos. São incrivelmente altos, mais de 45.000 pés, não tínhamos capacidade de passar por cima. Tentámos atravessá-los na perpendicular mas, pouco depois de entrarmos nas nuvens, parecia que tínhamos batido contra uma parede de gelo. Não se via nada para fora; só relâmpagos e bolas de gelo a baterem no avião com uma grande força. Perdemos potência; ficámos sem GPS; não tínhamos informação de velocidade nem de altitude. Ainda bem que vínhamos sozinhos porque se trouxesse passageiros teria sido o pânico abordo.”
Aeroporto de Luena 
Ofereci a nossa hospitalidade e os meios de comunicação que tínhamos disponíveis para o piloto contactar a sua organização. Abasteceu com o combustível do aeródromo e, antes do final do dia, voltou a descolar rumo a Luanda. Ficou-nos a lição de que a mãe natureza continua a reinar e em África, havia CumulonimbusAfricanus!


(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)





Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.