quinta-feira, 26 de abril de 2018

A CRIAÇÃO DA ZML-ZONA MILITAR LESTE E DO COMSECAR-COMANDO DO SECTOR AÉREO LESTE

A cidade do Luso - foto de Gonçalo de Carvalho


Gen. Bettencourt
Em princípios de 1971, face a uma cada vez mais degradada situação na frente leste onde o MPLA progredia em direcção ao planalto central, densamente povoado, foi decidido pelo Comando-Chefe proceder à remodelação de todo o dispositivo, criando a ZML (Zona Militar Leste) com sede no Luso e à frente da qual foi colocado o Gen. Bettencourt Rodrigues com um Estado-Maior de «luxo» por ele escolhido.
Paralelamente, a Força Aérea, para responder às solicitações 
desta nova estrutura, cria o Comando do Sector Aéreo Leste (COMSECAR), também sediado no Luso, na dependência operacional do Comando da Região, sendo o apoio logístico e administrativo garantido pelo AB4-Henrique de Carvalho.
Pouco depois de o ex-oficial de operações ter assumido o comando do aeródromo, começaram a surgir atritos com o comandante do COMSECAR do Luso, com reflexos altamente negativos na rentabilidade dos meios aéreos e, consequentemente, no apoio requerido pelo comandante da ZML.
Os problemas resultantes desta situação, obrigaram-me a visitar com uma certa frequência o Leste onde constatei que as relações entre os dois comandos eram muito tensas com queixas de ambos os lados, a unidade aérea do Luso onde estava estacionada toda a frota ligeira (helicópteros e aviões ligeiros) não correspondia, em termos de organização e disciplina, às exigências da guerra com uma taxa de prontidão preocupantemente baixa. 
No meio de todo este panorama, nada abonador para a Força Aérea, pareciam salvar-se as relações entre o Comandante terrestre e o Comandante aéreo, ouvindo os maiores elogios da parte do Gen. Bettencourt Rodrigues ao interesse demonstrado pelo responsável da Força Aérea em satisfazer as suas necessidades. Fui informado de que não era por menos empenho do Comandante aéreo que algumas missões não chegavam a ser cumpridas por falta de meios. Tive a sensação de que a responsabilidade pela situação era assacada ao Comandante do AB4. 
Depois duma análise profunda de toda aquela problemática, decidi propor ao Comandante da Região a remodelação das estruturas de comando da Força Aérea no Leste de Angola, tendo merecido a sua concordância.
Luso - foto de José Carvalho

Esta intenção levantou uma grande celeuma a todos os níveis de comando, chegando mesmo ao Ministro da Defesa. Mas não cedi nos meus propósitos depois da luz verde do meu Comandante. Com o Gen. Costa Gomes tive uma longa conversa, tendo-se mostrado bastante compreensivo, mas dizendo-me não poder deixar de apoiar o Comandante da ZML. A minha inflexibilidade, perfeitamente fundamentada, conduziu à necessidade de me deslocar a Lisboa para explicar superiormente as razões das alterações de comando no Leste.
Também não percebia os porquês de tanta polémica em torno duma questão que apenas visava uma maior rentabilidade das estruturas aéreas naquele teatro. O Gen. Portugal, ao ser-lhe posto o problema, limitou-se a dizer-me: «Você que arranjou os sarilhos agora vá lá a Lisboa explicá-los ao Secretário de Estado.»
Não me foi difícil explicitar toda a problemática que conduzira àquela situação, na qual não estava em questão a capacidade e empenhamento de pessoas, mas todo um conjunto de factores que inevitavelmente conduziam a uma menor credibilidade da Força Aérea e, o que era mais grave, a uma quebra acentuada na disponibilidade dos meios para satisfazer as necessidades ditadas pela guerra. 
O Secretário de Estado ouviu-me com toda a atenção e, sem fazer perguntas, questionou-me: «Quem é que o Cardoso pensa que dispõe dos atributos adequados para o desempenho dessas funções?»
Cor. Sacchetti
Naturalmente que não me apanhou desprevenido. Dentro dos Coronéis disponíveis na metrópole e que conheciam bem o TO de Angola, o Sacchetti oferecia todas as garantias. Olhou-me e retorquiu:
«Concordo.» Mesmo sem ter falado com ele, sabia que iria aceitar o desafio e responder positivamente às solicitações que lhe iriam ser postas. No fim, a reestruturação limitava-se, na sua essência, a concentrar num único responsável as duas funções: Comandante do AB4 e do COMSECAR Leste.
O então Coronel Sacchetti, acolhido no Luso com uma frieza que considerei excessiva, acabou por fazer jus à sua escolha e foi com grande satisfação que, cerca de um mês mais tarde, numa daquelas reuniões mensais do Comando Chefe, o Gen. Bettencourt Rodrigues afirmava: «Não tinha entendido, e ainda não entendia, a reestruturação que a Força Aérea levara a efeito no Leste, mas com agrado informava que os meios aéreos postos à sua disposição tinham sofrido um acréscimo substancial e, mais importante, era-lhe dado a conhecer, com bastante antecedência, a previsão de prontidão das aeronaves, permitindo-lhe planear a acção terrestre em conformidade.» Não fiquei surpreendido, não só pelo trabalho desenvolvido pelo Cor. Sacchetti que conhecia bastante bem, como também pela frontalidade e isenção do Gen. Bettencourt Rodrigues. 
Foi uma longa batalha que a Força Aérea acabara por vencer acabando por dar os seus frutos.
Foto de Gonçalo de Carvalho

Após a chegada do Major Corbal, iniciou-se de imediato um trabalho de grande profundidade, visando uma maior rentabilidade de todas as unidades aéreas da 2ª. RA.
Em estreita ligação com os 
comandos das Bases, foram fixadas as taxas de exploração desejáveis para satisfação das solicitações operacionais e estabelecidos os parâmetros-base para cálculo dos módulos de pessoal para garantir essa actividade.
Surpreendentemente, chegou-se à conclusão de que a 
Região dispunha de pessoal, quanto necessário, em todas as especialidades para atingir os objectivos desejados. Era tudo uma questão de «arrumação» que, embora não tivesse sido do agrado de alguns, acabou por justificar as medidas tomadas. 

Cap.Santana
Acabara-se, definitivamente, a mais que velha e gasta justificação do «não há pessoal». No Leste, o novo comandante, conseguindo taxas de produtividade que ultrapassaram de longe as previsões mais optimistas, apenas se limitou a pedir-me um homem para comandar a unidade de helicópteros Alouette III.
Tratava-se, em concreto, do Cap. Custódio Santana, um profissional muito acima da média nos múltiplos aspectos em que poderia ser avaliado. Mas o Santana estava colocado em Luanda na BA9, não lhe competindo, muito longe disso, ser atirado para o Leste. Não podia deixar de satisfazer o pedido do Sacchetti que eu também fora buscar
T.Cor.Sacchetti na despedida do Brig.
Bettencourt 
do comando da ZML
à metrópole. Falei por duas vezes com o Santana no meu gabinete. Não foi fácil convencê-lo porque os seus argumentos eram absolutamente válidos mas, invocando o alto 
interesse do serviço, acabou por aceitar sem ter
de recorrer à nomeação oficial que na vida militar é norma mas que, por vezes, contribui para uma menor motivação do pessoal e, consequentemente, uma quebra de rendimento.
Deixei de me preocupar com o Leste onde, para além das nossas forças, se dispunha ainda de um destacamento de helicópteros AIouette III sul-africanos. Estava sediado no Cuito-Cuanavale, sendo a sua actividade circunscrita, em exclusivo, ao transporte táctico das nossas forças não estando previsto qualquer envolvimento em combate.


Texto Cor.Silva Cardoso CEM-COMRA2
No seu livro Angola, Anatomia de uma Tragédia.
Fotos do Álbum de fotos do Blog

quinta-feira, 19 de abril de 2018

JIMMY HEDGES


Este senhor, Jimmy Hedges, aterrou na pista do AB4, em Fevereiro de 1963, quando eu estava em Henrique de Carvalho. Era o comandante do DC3 "Moineau Flyer II" do Presidente Moises Tschombé. 
Foi por mim convencido a voltar ao local donde veio depois de eu ter tido conhecimento, que deixara no local donde viera armamento e munições, que seriam usados contra nós se deixados para trás. 
Concordou em voltar atrás e voltou carregado com o referido material de guerra. 
Aterraram na pista de laterite, que convergia com a nova pista asfaltada, que andava a ser concluída pelas infra-estruturas da FAP. 
Dentre o armamento recuperado vieram pistolas metralhadoras Sterling inglesas de carregador curvo lateral, Berettas de dois gatilhos, lança Roquets Italianos de trajectóias rectilíneas de cerca de 1 km que fomos testar no terreno , e até Mausers Egipcias. 
Os vários aviões T6 / Dove / Cessna / PV1, que se dirigiram a Henrique de Carvalho foram autorizados a aterrar pelo comandante do 3º. Agrupamento Brigadeiro Peixoto da Silva, estando no aquartelamento do Pel AA 55, junto a mim, o Chefe do Estado Maior do Com. Agrupamento III Major António Hermínio de Sousa Monteny depois de ter sido alertado da aproximação das aeronaves, detectadas pelo radar AN/TPS1D do Pelotão. Este radar tinha vindo por terra de Luanda até Nova Lisboa e num vagão rebaixado de Nova Lisboa até ao Luso e novamente por terra nos rodados próprios rebocado por matador na picada que ligava o Luso a Henrique de Carvalho e passava pelo Dala. 
"Charles"
Entre os "Pilotos e pessoal que acompanhava a turma ao serviço dos Katangueses" vinha um suposto mercenário de nome "Charles", que tive oportunidade de fotografar tal como o Jimmy Hedges, pois a foto acima exibida foi tirada por mim. 
Em fins de 1975, quando saí de Nova Lisboa e me dirigi a Sá da Bandeira para obter salvo conduto que me permitisse abandonar Angola, depois de o meu passaporte ter sido retido pelo MPLA, em Luanda e emitido pelo Commander du Toit, que identificou a foto que lhe mostrei do "CHARLES" como do Brigadier Retief, Oficial que estivera em 1963 entre os mercenários Katangueses ao serviço das forças armadas Sul Africanas. 


Por:

quinta-feira, 12 de abril de 2018

O "ARRUMADOR" DE CABINDA !

AM 95 - Cabinda




Esta fez-me lembrar em Cabinda, no AM 95, em que nós Especialistas de qualquer especialidade, éramos também escalonados para receber os aviões.
Ora, certo dia, foi escalonado o Capelini para ir para a pista, receber um Dakota. Lá vai ele, aflito, sem perceber nada daquilo, não sem antes a malta lhe ter dado umas instruções muito rápidas de como seriam os gestos com os braços para direccionar correctamente o referido avião.
Bem, que aconteceu? O Capelini vai para a pista receber o Dakota, (e a malta a ver, ao longe), o avião aterrou, vem pela pista até aos hangares, e aí, o Capelini, começou a fazer uns gestos estranhos e malucos com os braços, pensando assim, (talvez), estar correcto. Mas era ver a cara dele de atrapalhado, às duas por três, para dirigir o avião para o local correcto, conforme lhe tinha sido indicado.
Que fez ele, a seguir? Em vez de estar parado e dar as respectivas instruções, começou a correr à frente do avião, fazendo gestos para a cabine para o seguirem. 
Resultado: o avião bate com a ponta de uma das asas na lateral do hangar, aquela coisa partiu-se e era ver o Capelini, a tentar fugir, a esconder-se atrás das camaratas.
O fim foi óbvio: chamado ao tal tenente que comandava o AM naquele altura, ("o tal, super simpático e super eficiente"), o Capelini acabou o seu destacamento no 95 mais cedo que o previsto, sendo recambiado para Luanda.
Mas, não levou nada na folha e dessa safou-se (de mais uma das muitas que ele teve na FAP). 
Mais tarde, na vida civil, foi ao Banco onde eu trabalhava levantar um cheque. Era chefe de vendas de aparelhos electrodomésticos na zona centro do país. E, em breves palavras e cumprimentos, a rir, lá recordámos o tal caso da asa do avião partida.
Nunca mais o vi.


Autor: AHV Esgaio

quinta-feira, 5 de abril de 2018

ACIDENTE DE TEIXEIRA DE SOUSA

Teixeira de Sousa em 1970, foto de Gonçalo de Carvalho

Memórias da minha guerra :
Este episódio que vos vou relatar, aconteceu fará este ano 49 anos, em Vila Teixeira de Sousa, hoje Luau - Moxico - Angola, junto à piscina, um local de lazer onde aos domingos e feriados se juntava a fina-flor desta vila, que aqui passavam o dia fazendo o seu pic-nic, conversando, nadando, estendendo-se ao sol, enfim era um dos costumes das gentes desta terra, e onde também não faltavam muitos militares incluindo eu, que também nesta piscina dei muitos mergulhos, braçadas e me estendi ao comprido na toalha. toalha essa que por acaso ainda hoje tenho de recordação.
Foto de Gonçalo de Carvalho
Continuando, era o dia 5 de Outubro de 1969, umas quatro horas da tarde, levantaram voo da pista desta vila dois bombardeiros T6 pertencentes ao AM do Cazombo e que tinham vindo até aqui em missão de reconhecimento, tendo almoçado em Teixeira de Sousa e aqui estado em convívio com amigos até à hora de partir. 
Levantaram voo, e como era feriado, foram dar uma volta pelos ares em cima da Piscina, fazendo umas piruetas para o pessoal que ali estava, e foi aqui que num voo rasante, mal calculado, um dos bombardeiros o 1792 embateu com uma das asas num dos alguns altos eucaliptos ali existentes, caindo de seguida, provocando a morte do cabo de manutenção de aeronaves Carlos Fialho, tendo sobrevivido o piloto António Sousa, mas com grande grau de queimaduras. 
Imagens do acidente do 1792, fotos de Orlando Coelho

Recordo o corpo do militar morto, carbonizado, com umas dimensões diminutas só não estando carbonizado a zona do abdómen.
Isto aconteceu a 5/10/69 em Vila Teixeira de Sousa - Angola , local onde eu tinha chegado à dois meses e pouco, 28/7/69. 

Publicado no grupo Teixeira de Sousa, do FB
Por Manuel Simões.