quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O "TURRA"

Foto dos Dragões de Angola

Há quem tenha andado na guerra e não tenha visto um "turra"...eu cumprimentei um com muito gosto...!
Depois da guerra estava em Luanda com uma mulata jeitosa de 18 anos, ela tinha trabalhado no campo de S. Nicolau em Moçâmedes, onde eram colocados antigos guerrilheiros.
Ao soltarem esses guerrilheiros, muitos deles voltaram a Luanda.
E lembravam-se da menina simpática que trabalhava na secretaria.
Depois de um olá, cumprimentei naturalmente um deles...olhou bem para mim e disse:
- Eu te conheço! Lembras-te, lá nos cavalos?
Fiquei um bocado atrapalhado e lá lhe expliquei, que se tinha andado em serviço militar não me tinha oferecido.


Mas lembrei-me das circunstâncias. Numa operação em Agosto de 1971, em que fomos montar uma base de apoio, tinham sido apanhados dois guerrilheiros, ora eu nunca tinha visto um "turra" e aquela era a minha oportunidade e fui lá vê-los.
Estavam algemados e cumprimentei-os, ofereci "macanha", que só um aceitou, o outro olhou-me com ar altivo, como quem diz, escusas de vir práqui com boas maneiras...!
Perguntei se queriam mais alguma coisa e um deles pediu-me água, o que fui buscar e dei-lhe de beber.
Três anos depois, um deles, estava na minha frente a dizer: Eu te conheço!
Lembras-te lá nos cavalos? E retorquiu:
Não tens problema! Não me trataste mal, e falámos um pouco da situação, até que nos afastámos...
O "preto" tinha-me dado uma lição de dignidade, ou o mundo é pequeno...



Por:







Armando Monteiro
Alf.Mil.Transmissões Bat.Caç. 3831

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O DRAMA. O HORROR. O BORREGO.


O Borrego é a mais perigosa manobra da Aviação, que tem traumatizado milhares de passageiros. Esta manobra súbita, normalmente efectuada por um piloto pouco experiente só aparece nas notícias graças à denúncia de alguma celebridade e demonstra a facilidade com que pode acontecer um acidente de Aviação.


Por esta altura, os meus amigos ligados à Aviação deixaram já tudo o que estavam a fazer, e arqueiam as mãos em cima do teclado, incandescentes de raiva, prontos a corrigirem-me. “Como é que este gajo pode ter escrito uma coisa destas?“- Perguntam. Neste momento se pudessem até me davam porrada. Mas antes que perca alguns leitores ou me risquem o carro, deixem-me sossegá-los e dizer que este foi apenas um parágrafo concebido para chamar a vossa atenção. E sobretudo para constatar que este é infelizmente o pensamento generalizado do público, sobretudo aquele que nunca viveu a experiência de um borrego e apenas constrói a sua opinião baseado nas notícias bombásticas e sensacionalistas sempre que se fala sobre Aviação.

Para quem vai pouco ao talho ou ao hipermercado, “borrego” é uma boa carne para fazer um bom ensopado, ou uma boa jardineira de borrego guisada com batata, cebola e tomate. Na escola costumávamos chamar borrego àquele nosso colega com o cabelo esquisito que não era propriamente inteligente ou streetwise. Na Aviação, não me perguntem porquê, porque eu não sei, convencionou-se chamar borrego à manobra em que o piloto está quase a aterrar, mas à última da hora desiste e resolve ganhar de novo altitude, para ir dar a volta e tentar aterrar de novo. Uma definição que faz todo o sentido quando traduzido do termo aeronáutico inglês go-around. Os brasileiros descrevem a mesma manobra como arremeter. Ficámos não sei porquê com o borrego.

Do ponto de vista do passageiro, é compreensível a ansiedade que esta manobra proporciona: Alí estamos nós satisfeitos por estarmos a chegar e por o voo ter corrido bem, e eis que de repente o avião estremece, ficamos colados à cadeira, os motores começam a fazer mais barulho e o solo que tão generosamente se aproximava, começa a ficar mais e mais longe. Toda a gente a olhar uns para os outros, a perguntar e a comentar, e o comandante com a sua voz de piloto com uma calma sinistra e desconfiável a avisar em Inglês que “foi não sei o quê”, mas que está tudo bem. É neste cenário que nasce espontâneamente um sentimento e um nervosismo de quasi-acidente, que uma vez germinado, pouco explicado e deixado à solta em qualquer media sedento de notícias bombásticas, transforma uma manobra corriqueira e normal da aviação, num acidente evitado pela graça do Espírito Santo. “Foi Deus que esteve ali” é um comentário dito por passageiros em lágrimas nos átrios dos aeroportos em directo para a equipa de reportagem enviada ao local, em dias que não dá Bola na televisão.


Como passageiro já borreguei algumas vezes. Principalmente no ventoso aeroporto de Birmingham, em que o avião por vezes vai tão de lado, que deveria ter montado de origem rodas de cadeira de escritório. Como piloto lembro-me da primeira vez que borreguei, quando numa aproximação à pista o meu instrutor Mick me perguntou se eu estava a controlar a velocidade de aproximação e eu respondi que sim. Segundos depois, tinha os hangares do lado esquerdo da pista à minha frente, em vez da pista. Acelerei a fundo e iniciei de novo a subida, enquanto levava nas orelhas do Mick. O borrego é simplesmente isto. Abandonar uma aterragem com grandes hipóteses de correr mal , e começar tudo de novo. É como amachucar um desenho que estava mal feito e pegar num papel para desenhar outro. Embora possa acontecer devido a uma emergência, não é em si uma emergência. O que motiva um piloto a fazer um borrego, podem também ser condições estranhas ao voo, como por exemplo a pista estar impedida por outro avião ou por um veículo.

Os modernos aviões comerciais têm até um botão designado de TO/GA (Take-Off/Go Around) que configura rápida e automaticamente a aeronave de modo a optimizar o comportamento dinâmico em caso de borrego, retirando grande parte do workload do piloto durante a manobra. Em modelos que não contam com esta tecnologia, e nomeadamente na restante aviação geral é normalmente usada a mnemónica “5UP” (power up, nose up, gear up, flaps up, speak up)

Por vezes o próprio piloto nem tem voto na matéria, com o borrego a ser ordenado pela torre de controlo, devido a um conflito de gestão de tráfego aéreo.

Mas quando a opção de abandonar a aterragem é do piloto, muitos optam por não fazer o borrego, por pressão profissional ou corporativa. Por vergonha que outros colegas cá em baixo vejam a aterragem e lhe apontem o dedo. Pelo estigma criado pela imprensa e pelo receio de criar uma situação incómoda e stressante para os passageiros. E sobretudo, pondo o dedo na ferida, por causa dos custos associados com mais consumo de combustível e pela pressão em manter horários de chegada. E finalmente pela pressão da gestão dos apertados e dispendiosos slots disponíveis nos movimentados e sobre-lotados aeroportos internacionais.


Por isto tudo, é um privilégio extremo quando estamos a bordo de um avião e de repente a nossa aterragem é abortada. Significa que estamos nas mãos de um piloto extremamente bem preparado e confiante, que põe a segurança dos passageiros acima de qualquer outro imperativo seja ele comercial, corporativo ou logístico. Para mim é o traço que distingue um verdadeiro Aviador, de alguém que não nasceu para isto e mais valia estar a trabalhar numa Padaria. Significa que vamos de certeza chegar sãos e salvos . Para mim e para outros apaixonados da Aviação, significa sobretudo mais uns minutos no Ar a testemunhar na primeira pessoa aquela que é a mais nobre manobra da Aviação. Não tem nada a ver com desgraças, tragédias ou acidentes. É precisamente quando um piloto opta por forçar uma aterragem de qualquer maneira e à pressa, não indo à volta, que corremos perigo e os acidentes acontecem.

Em vez de fixarem o primeiro parágrafo deste texto, gostava que fixassem este último.




Mike Silva. 5 de Novembro de 2017. Fotos por Mike Silva.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

FRATERNIDADE NÃO É PALAVRA VÃ !

Estarmos neste momento aqui, para festejarmos o 43º. Encontro dos Especialistas do AB4, é salutar e saudoso!
As nossas memórias levam-nos para décadas passadas! 
Recuam à nossa partida para um país distante que, provavelmente teria sido o nosso primeiro abandono ao lar acolhedor e único. À separação dos nossos pais, amigos, quiçá namoradas. Uma incógnita rumo a um mundo desconhecido e bravio. 
O nosso companheiro, Piloto Rocha Marques, que nos abandonou precocemente, retratou em versos a sua dor, o seu lamento, a sua saudade…no momento em que sentiu os ares tropicais revoltos daquele país africano que nos recebeu para o combate – Angola! 
Para vivenciar o estado de alma de cada um de nós aquando da nossa chegada, eis os seus versos carregados de desespero e melancolia, recuando ao ano de 1969!...

“Quando a noite veste de sombras o mundo
E o silêncio me desperta a solidão
Verto lágrimas e o meu sofrer é profundo
Põe-me louco de saudade o coração.

Quando penso que lá longe ela me espera,
Ansiando pelo dia da chegada,
Grito a Deus, que minha alma desespera,
Grito a Deus, mas o silêncio não diz nada.

Quando os pássaros saudando a madrugada
Me despertam para a guerra uma vez mais
Sinto o peso desta vida amargurada
Sinto ódio às minhas "asas" infernais.

Oh ! Henrique de Carvalho, meu desterro,
Que por dois anos me farás teu prisioneiro,
Se eu morrer quero bem longe o meu enterro,
Quero ser da paz eterno companheiro.”

Finalizada a guerra, com a desmobilização total, cada companheiro refez a sua vida repartida pelos quatro cantos do Mundo.
Ano, após ano, tem-se dado uma reaproximação constante em convívios anuais com muitos dos Especialistas e outros companheiros do AB4. Trocam-se mensagens, contam-se estórias, avivam-se memórias e renasce a lembrança em cada pormenor da nossa estadia em terras de luta e em que saímos ilesos. 
Afinal, nem tudo de mau se colheu nas savanas da Lunda, do Moxico e do Cuando-Cubango, enfim, do Leste Angolano.
Os maus momentos passados enraizaram uma amizade entre nós…que perdura e aumenta a cada dia que passa, até que a chama se extinga! 
Curioso este sentimento, a amizade, rija como diamante, que é expressa num soneto carregado de aproximação. Enfim, um chamamento à pura união de companheiros de Alma.
Versos dum poeta presente entre nós… 

VOZES AMIGAS
Ouço as vozes tão perto e tão distantes,
Que me chegam repletas de amizade,
A despertar em mim uma saudade 
Cujo pungir eu não sentira antes.

Batem os corações mais anelantes
Que aliviam minha alma em ansiedade,
E suavizam a dura soledade
Em noites preguiçosas, fatigantes.

E pra além da distância no espaço
Acompanha-me sempre o vosso abraço 
Referto de calor e simpatia.

Ó amigos, que amo e compreendo!
Também eu, tantas vezes, vos relembro
Em horas de tristeza e alegria.

Chegámos ao presente!...Com representantes da nossa querida Angola, de Saurimo, nosso ex-AB4, actual Base Aérea de Saurimo, da Força Aérea Nacional de Angola.

Com extrema alegria e surpreendente espanto, eis-nos na presença dos nossos convidados especiais e únicos, até à presente data: os Srs. Comandante da Base Aérea de Saurimo Coronel João Armando Pinto e o Major Ovídio Kalipe, legítimos representantes da Força Aérea Angolana.


Cruza-se o passado com o presente. Os inimigos de outrora, (nós e eles) dão as mãos. Palmilham-se quilómetros, atravessam-se continentes e mostram-se imagens actuais e ainda bem vivas nas nossas mentes. A saudade daqueles lugares que para nós inicialmente eram medonhos, sublimou, eternizou-se e reapareceu bem-vinda. Dão-nos vida estas lembranças!... 
E…para selar esta alocução, termino com paz e amor…na expectativa de podermos, um dia, visitar o tal lugar distante que há muitos anos temíamos. 

A saudade, o ausente, a dor longínqua e o amor presente:
Em versos de Fernando Pessoa

“Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errónea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.”


Por:



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O ACIDENTE DO DAKOTA 6169

Foto de José Carvalho

Em 31/3/1973, o Dakota 6169, quando procedia ao transporte de paraquedistas, teve de efectuar uma aterragem de emergência na chana do Alto Cuito, leste de Angola.
A tripulação: Saraiva-OPC, Caps. Acabado
e Salema-PIL e Francisco Silva-MMA
Francisco Silva, mecânico e membro da tripulação, descreve-nos o acidente:
Após a descolagem, do Alto Cuito, virámos à esquerda para tomar a rota de Cangamba. Ao iniciar a subida e após a primeira redução de potência dos motores olhei para o motor da direita medida que se tomava após descolagem e verifiquei, que vibrava muito com pressões a descer e temperaturas a subir. Fiz sinal ao Cap. Acabado que ia aos comandos e disse que o motor estava a gripar, ainda íamos a pouca altitude, o falecido Cap. Salema (Comandante de Bordo) perguntou-me da gravidade, eu disse que não tínhamos outra solução senão embandeirar o motor foi o que fizemos. Com autorização do Cap. Salema iniciei as medidas de emergência para aquela situação (parece que as trazia num papel à frente). Embandeirei o motor direito e potência no esquerdo, só que, era do conhecimento, que o 6169 tinha um problema de equilíbrio, não se aguentava só com um motor situação descrita no relatório das OGMA da última revisão. Bem à portuguesa ninguém ligou nenhuma e o avião foi dado como operacional na esperança que Deus havia de estar sempre connosco.
Aconteceu o que ninguém esperava, o avião não se aguentou só com um motor, começamos a perder altitude e aí sim foi sorte termos saído do monte e entrarmos na Chana. Fizemos todos os procedimentos para aterragem de emergência, modéstia à parte não falhou nada, foi tudo utilizado ao pormenor, apontamos direitinho para a Chana e toca a colocar o bichinho no chão, só que quando tocamos no chão ele fez uma volta de 180 graus, só posso atribuir para o facto da pá do hélice do motor esquerdo estar na posição vertical baixa. 
Foto de José Carvalho

E foi assim que aconteceu aquilo que poderia ter roubado a vida a 29 pessoas, e hoje não estaria aqui a relatar estes factos.
Quero aqui fazer uma referência aos pilotos Cap. José Salema (falecido) e Cap. Carlos Acabado pela elevada experiência, capacidade e sangue frio demonstrado, de outra forma não sei não...!
Foto de José Carvalho

Resta acrescentar para concluir, que foi deslocada de Henrique de Carvalho uma equipa que procedeu à retirada dos motores, finda esta operação o avião foi detonado.


Por:

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

COMO O TEMPO PASSA!


Fez no passado dia 20 de Julho quarenta e seis anos que um jovem como eu, depois de renunciar aos estudos, e após adequada formação na Força Aérea Portuguesa (FAP) como voluntário, partia para a 3ª Região Aérea Moçambique.
Mal passada a noite no Depósito de Adidos no Lumiar, consegui encontrar um bom caixote dentro de um DOUGLAS DC6,que não mais larguei e ocupei, durante os três dias que demorou a viagem entre Lisboa e Lourenço Marques.
Para vos poupar e sintetizar, não irei falar das peripécias da viagem naquele carregueiro a pistom, que haveria de levar-me até à bonita cidade de Lourenço Marques. 
Ali fiquei oito dias aguardando colocação, tendo sido privilegiado com a simpatia e albergue dos pais de um companheiro de escola, hoje meu cunhado. 
Chegada a colocação lá rumei a Tete a bordo do velho DC3 o tal Dakota que toda a gente conhece.
Fui colocado na Esquadra de Helicópteros 703 os «VAMPIROS».
Naquele tempo e na sequência da operação «NÓ GÓRDIO» que o General Kaúlza de Arriaga planeou, os guerrilheiros da Frelimo acossados no Planalto dos Macondes, direccionaram as actividades de guerrilha para o distrito de Tete, até porque estava em curso a construção da maior barragem da África Austral, Cabora Bassa, qual baluarte do Estado Novo, e que naturalmente a FRELIMO queria impedir.
A Esquadra de Helicópteros AL III os «Vampiros”, cumpriam a partir de Tete e outros aeródromos, inúmeras e variadas missões resultantes naturalmente das capacidades desta aeronave. Com a mudança estratégica da FRELIMO, o Distrito de Tete passou pois a ser uma zona de influencia acentuada dos guerrilheiros, obrigando a alterações estratégicas das nossas forças.
Cito algumas das missões que através dessa generosa máquina AL III ali cumpríamos:
- Visualização aérea das movimentações do inimigo (IN)
- Transporte de géneros e correio
- Colocação de tropas, vulgo héli-assalto
- Evacuações sanitárias a partir das zonas de combate
- Ações armadas nas zonas do (IN)
Tudo isto e é muito, era concretizado por jovens que voluntariamente decidiram servir a Pátria nas fileiras da (FAP)
Muitos dos nossos melhores por lá ficaram!
Quanto a mim e passados quarenta e seis anos como inicialmente referi, já velho e cansado, ainda tenho o privilégio daqueles que quando quiserem, podem contar a história, falando de factos e atos que não cabem neste depoimento.
Contra tudo o que estava previsto, acabei por servir a (FAP) durante trinta e seis anos a quem jamais deixarei de agradecer, tudo o que em mim investiu, em termos de qualificações e cidadania.
OBRIGADO À FORÇA AÉREA PORTUGUESA A QUE TENHO ORGULHO DE PERTENCER!

Por:










(Ten.Coronel na reforma)