quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

RESGATE DO LUSO

Luso - foto de Armando Monteiro

Passados uns dias após a anterior missão, em Henrique de Carvalho, lá fui repetir a dose. Desta vez ao Luso, província do Moxico.

A UNITA ocupou o Luso depois de uma “guerra” com o MPLA.
Luso, Dezembro de 1975


A FAP tinha, no aeroporto, umas pequenas instalações que estavam em desativação, mas alguns agentes da DGS com respectivas famílias, refugiaram-se nas referidas instalações.
Conclusão: nova missão para executar e como já tinha a experiência, lá fui eu.
Repeti o mesmo sistema. Desta vez fui “confraternizar” com os militares da UNITA.
Nesse dia havia avião da DTA e aproveitámos para ir até à aerogare.
Assisti a cenas desagradáveis. Com a desculpa de procura de armas, abriam as bagagens e sacavam o que podiam. Que fazer? Aguentar…
Pouco depois, a informação: “os caixotes já estão carregados”.
Despedidas…
Dessa vez o regresso consistia em deixar os resgatados membros da DGS em Nova Lisboa.

MPLA/UNITA
Anteriormente já dei a entender o comportamento dos diversos movimentos, bem como a nossa adaptação àqueles comportamentos e dificuldades em os enfrentar de modo o mais pacifico possível. Mas por vezes havia mesmo situações complicadas.
Ainda sei o dia, porque foi a última vez que fui a Sá da Bandeira: 13/05/75. 
Sá da Bandeira em 1972
foto de Vitor Oliveira
Nesse dia, tinha acabado de descolar de Nova Lisboa (nessa altura ainda sob jurisdição da UNITA) rumo a Luanda, com mais uma “carga” de refugiados. Ao entrar em comunicação com Luanda, perguntam-me se tenho possibilidades de ir até Sá da Bandeira fazer uma evacuação de um ferido grave. 
Como tinha excedente de combustível, dei resposta positiva e voltei para trás, até Sá da Bandeira, que estava nas mãos do MPLA. 
Após a aterragem, de imediato apareceram elementos militares do MPLA, querendo saber ao que íamos. 
"Para uma evacuação". Ninguém sabia de nada mas, enquanto se aguardavam esclarecimentos, um dos elementos do MPLA entrou no avião e resolveu revistar os refugiados que transportávamos. Pouco depois ouço um reboliço e ouvia: “mata, mata, mata…” 
O ”rapaz” do MPLA, armado com Kalashnikov, ameaçava matar todos os passageiros por serem da UNITA. 
Perante tal situação disse ao Radiotelegrafista que fosse à Torre e pedisse a alguém superior do MPLA que viesse em nosso socorro. 
O meu papel entretanto, foi convencer o “mpla” a ter calma e a ponderar. Consegui que saísse do avião. Aí argumentei como pude, inventei coisas, elogiei-o, tentei acalmá-lo de todas as formas. 
Continuava com o “mata, mata”…
Pouco depois chega um Jeep com um oficial superior do MPLA, que mesmo de cima da viatura dá uma violenta coronhada no dito “rapaz”, que o estendeu logo. 
De seguida apresentou-me desculpas pelo sucedido, dizendo para regressarmos, para "evitar mais problemas". 
Disse-lhe que tínhamos lá ido para uma evacuação sanitária. Respondeu-me que já não era necessária.
Não sei o que se passou. Descolei.

Por especial deferância do Sr.
Cap. Pil. (Ref) Fernando Moutinho

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

NÃO TE DESPEDES DO RAPAZ ?


-Não te despedes do rapaz?

-Já há muito tempo que ando a despedir-me dele, ouvi em voz morta de angústia.
-Ó homem nem parece teu...
- Mulher, isto é uma vida danada, o outro já na Guiné, agora este de abalada para Angola!
-Foi assim que quiseste, os da D. Ofélia também são gémeos e foi um de cada vez.
-Sim, sim, mas prefiro passar dois anos em sofrimento do que quatro em permanente agonia. Não ia aguentar tanto tempo na incerteza de dias sem sol na alma, nem a falta de notícias durante tantos anos.
-Nossa senhora dos Montes Ermos há-de protegê-los, estou cheia de fé.
-Pois, pois, Nossa Senhora…
Ouvi a porta da rua bater, o som lento das botas a descer as escadas, o ranger do portão que dava para a rua...

-António Júlio, vem comer, as sopas já estão no sítio.
Entrei na cozinha, a malga fumegante com sopas de café com leite eram fiéis ao local, no parapeito da janela da cozinha que dava para a restolha do Calaia. Desde os tempos do liceu que era assim, dali via os lameiros onde, depois das aulas, jogávamos à bola e por lá também passava o caminho para o rio.
Em cima do aparador, o velho rádio dava som a “tu te reconnaitras” na voz da luso-luxemburguesa Anne Marie David, ainda na moda, pela vitória alcançada no festival da eurovisão desse ano.

Vi-o descer a restolha, cana de pesca na mão direita, rosto a contar os passos, em cadência de desalento. Baixou ao lameiro do Lima e parou. Voltou o rosto e olhou para a janela durante alguns minutos. Sabia bem que eu estava lá, não fez qualquer sinal, simplesmente parou para olhar.
Eu sei pai, que não gostavas que te víssemos chorar. Só uma vez o fizeste diante de nós. Lembro-me do comício ,que a oposição ao regime fez em clandestinidade na serração do Martins Novo. Eu estudante, tu um pai cheio de ideais, cantámos o hino nacional e saíram-te umas lágrimas de Pátria e liberdade.
Sei porque saíste sem despedida, sei que não ias à pesca, sei, que quando o combóio partisse de Bragança, já estarias em casa.
Continuou a afastar-se, agora num passo lento carregado de tristeza e emoção, atravessou o lameiro da Joana Dias e perdeu-se na lomba da estrada junto à quinta de Ricafé.
Era tempo de ir para a estação. A mãe acompanhou-me até ao portão de casa banhada em lágrimas. O carteiro, na pessoa do “velho” Conhés tirava da sacola um aerograma.
-Cá está mais um D. Beatriz, vem da Guiné.
A ansiedade apoderou-se de ambos, com a mão trémula abri e comecei a ler.
O Júlio já foi para Angola? - Os da aviação têm uma vida melhor que nós, tudo há-de correr bem com ele!
Irmão, porque não retardaste um pouco mais as tuas notícias!...

(aconteceu há 45 anos)
Jcorredeira
In”fragmentos de memórias”

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

BA2 OTA - JURAMENTO DE BANDEIRA DA ER 1ª./72 e BREVETAMENTO DO P4/71

JURAMENTO DE BANDEIRA E ENTREGA DE DIPLOMAS
B.A. Nº. 2 – OTA – MAIO/1972
Juramento de Bandeira da Escola de Recrutas 1/72

Presidida pelo Secretário de Estado da Aeronáutica, brigadeiro Pereira do Nascimento, realizou-se na Base Aérea nº. 2, na Ota, a cerimónia do Juramento de Bandeira dos cursos de oficiais milicianos pilotos aviadores, oficiais milicianos técnicos, sargentos milicianos pilotos e soldados alunos especialistas da Escola de Instrução de recrutas 1/72.
Presentes, também, o vice-chefe e o subchefe do Estado Maior da Força Aérea, general Armando Mera e brigadeiro Braz de Oliveira; o Director do Serviço de Instrução, brigadeiro Diogo Neto; O Presidente da Câmara Municipal de Alenquer e muitos oficiais comantes de Unidades da Força Aérea.
Depois de passar revista à guarda de honra, o Secretário de Estado da Aeronáutica e as restantes individualidades presentes dirigiram-se para a tribuna.
A iniciar as cerimónias, usou da palavra o comandante da Base Aérea nº. 2, coronel piloto aviador Brochado de Miranda, cujas palavras que noutro local inserimos.
A preceder o acto de juramento, o comandante do Grupo de Instrução, tenente-coronel Raul Tomás, leu uma exortação dirigida aos soldados cadetes e aos soldados recrutas, que terminou com as seguintes palavras:
“O amor à Pátria é a primeira virtude de um homem civilizado, e para ti, militar, essa virtude é um imperativo de consciência, um princípio indefectível de lealdade, perante a defesa de um povo, das suas instituições e do bem-estar das gerações que se sucedem na eternidade dos tempos.
Glória aos heróis, paz aos mortos e respeito pelos vivos. Que o seu exemplo seja uma estrela que ilumine o caminho de um Portugal eterno, na difícil hora que o Mundo atravessa. E que todos nós, se, marcado pelos chefes responsáveis, vier o dia em que é também necessário marcar atitudes de sacrifício, estejamos com Eles preparados e prontos a actuar respondendo sem hesitação: Presente. Aqui é Portugal.”

Finda a leitura da exortação procedeu-se ao acto do juramento, cuja fórmula foi lida pelo tenente-coronel Raul Tomás.
Seguiu-se a entrega de diplomas e prémios feita pelo Secretário de Estado da Aeronáutica e pelos vice-chefe e subchefe do Estado Maior da Força Aérea, finda a qual se realizaram demonstrações de manejo de arma a pé firme e em marcha.
Antes do desfile perante a tribuna que se encerraram as cerimónias, a Banda de Música da Força Aérea, sob a direcção do capitão Silvério de Campos, exibiu-se em alguns números que irá apresentar em Agosto próximo no Festival de Bandas Militares dos países da NATO, na Alemanha, em representação de Portugal.

ALOCUÇÃO PROFERIDA PELO COMANDANTE DA UNIDADE

Estamos uma vez mais preparados para recolher palavras solenes e admirar posturas altivas e aprumadas de um grupo de rapazes que voluntariamente se decidiu a prestar serviço na Força Aérea.
A instrução militar básica que receberam nas últimas semanas culmina hoje com as formalidades que acabamos de iniciar e que se destaca o acto do Juramento de Bandeira.
A repetição periódica de tantas idênticas cerimónias, enquadradas no mesmo cenário, pode sugerir o desvanecimento do seu alto significado. Mas só aparentemente, pois que o soldado recruta que hoje está no centro das nossas atenções tem o direito de considerar esta cerimónia como maior que todas as outras e até de a considerar única. É que esta é uma hora chave na vida de cada um. Uma hora de transição: de adolescente com quem se vinha usando de benevolência complacente para homem consciente e responsável.
Dentro de momentos estará perante todos vós a Bandeira Nacional, emblema sagrado, expressão máxima da alma de um povo livre e soberano, eloquente síntese de feitos heroicos e símbolo de esperança e de inquebrantável tenacidade e coragem.
É perante esta Bandeira que o soldado recruta vai em consciência afirmar a sua dedicação à Pátria e às suas instituições e comprometer-se a lutar por uma causa que a todos sobreleva e que é a defesa do património físico e moral da Nação.

A sua participação na luta traduzir-se-á, não tanto pela intervenção directa em acções de combate, mas, principalmente e para já, buscando a cultura geral e técnica que conduza ao aperfeiçoamento individual e de que resulte aptidão e eficiência na produção de trabalho útil; opondo-se com a verdade a argumentos especiosos desmoralizadores; contrariando a apatia, o desânimo, a descrença; colaborando com entusiasmo e com fervor patriótico.
Em resumo e usando palavras do Papa Paulo VI, o soldado deve dar à vida da Nação a que pertence “a energia, a fidelidade e o patriotismo de que o serviço militar é escola nobre e severa”.

A presença entre nós de Sua Excelência o Secretário de Estado da Aeronáutica, a quem saúdo em meu nome e de todo o pessoal que presta serviço na BA2, seria sempre um acontecimento de relevo pelo que significa de interesse pelo nossa actividade e de incentivo ao nosso esforço. No dia de hoje é todavia mais do que isso, pois terá projecção incisiva no espírito de cada recruta.
Também nos é particularmente grata a comparência a este acto de outras altas entidades oficiais, civis e militares, responsáveis por vários níveis de direcção ou chefia, a quem igualmente saúdo e afirmo a nossa muita satisfação pela honra de os receber nesta casa.
São bem-vindos os pais, outros familiares e demais convidados dos soldados que juram Bandeira. Além do colorido e calor humano com que enriquecem a cerimónia, serão também testemunhas válidas de um Juramento cuja quebra equivaleria à desonra de quem o profere. Jamais o soldado recruta poderá esquecer que os seus entes mais queridos e amigos mais dedicados o ouviram pronunciar a fórmula categórica que o vincula a mais amplas responsabilidades que vão desde o engrandecer a Pátria pelo seu trabalho profícuo até oferecer a vida na defesa dos seus direitos sagrados e honrosa sobrevivência.
Integrada também nesta cerimónia, temos ainda a oportunidade de proceder à entrega de diplomas a soldados alunos que completaram cursos de várias especialidades e de prémios aos que mais se distinguiram, em actividades de cultura intelectual e física-militar.
Quanto aos primeiros, a satisfação de terem completado o seu curso supera bem as canseiras e preocupações com que ultrapassaram as dificuldades que porventura tenham encontrado.
Nas Unidades onde serão colocados, primeiro na Metrópole e depois no Ultramar, vão aplicar os conhecimentos adquiridos, embora não possam esquecer que o muito que já sabem é só uma base de partida.
A estabilização dos conhecimentos adquiridos e a integração de mais ricos elementos virão com a prática, seguindo o conselho e a orientação daqueles que mais sabem, mas não deixando, todavia, perder o hábito de folhear os compêndios da ciência e da técnica, a fim de ascenderem continuadamente a um nível de cultura mais elevado.
De facto só é verdadeiramente um militar aquele que assume uma atitude mental permanente orientada no sentido do aperfeiçoamento de forma a que quando chegue a sua vez de desempenhar cargos de responsabilidade – e esse tempo chegará, na vida militar ou civil – seja idóneo para ocupar o seu lugar com dignidade.
Quanto àqueles que se distinguiram já e recebem hoje, por intermédio de um simbólico prémio, a manifestação da nossa simpatia e admiração, nada mais há a dizer-lhes senão que continuem, pois nos parece terem encontrado o verdadeiro caminho de bem servir e Grei e a si próprios.



Notas: Recolha de informação na Revista “Mais Alto” nº. 157 – MAIO DE 1972
           


Até breve                                                                                   
O amigo



domingo, 7 de janeiro de 2018

RECUPERAÇÃO DO ALOUETTE III 9306

O Puma estacionado na chana - foto de Roberto Firth Alves

Dia 5 de Janeiro do ano de 1973.
Tínhamos descolado do Ar-Luso, no SA-330 Puma, 9511, com destino ao Lutembo, com a missão de tentar resgatar o Alouette 9306, pilotado pelo Alf. Pil José Folgado, que ao ter sido atingido num pé, pelo fogo inimigo, aterrou de emergência na chana. 
Ainda estava com o pensamento do dia e noite anterior, em que o nosso Comandante da Esquadra 402 Saltimbancos, Cap. Pil Custódio Santana, fora atingido violentamente pelo fogo do IN, e aterrou na chana, com o MMA João Dias, que ia como apontador do canhão, e termos andado toda a noite, à procura do pessoal da FAP, pelas Repúblicas, restaurantes, bares, para os levar ao hospital militar para fazerem a doação de sangue, que era necessário, face à operação que estava a decorrer, na tentativa de lhe salvar a vida.
Com estes pensamentos vivos, e já a pensar no que ia encontrar na chana aterrámos no Lutembo, com cerca de 01:50 de vôo.
Mudei a ferramenta e tudo o que levava para o Alouette III, n°.9365 pilotado pelo Ten. Mário Jordão, e com o Sar. Pil. José Ramos, lá seguimos para a chana num vôo de 00:15m, onde avistei os dois Alouette III.
Aterrámos, retirei tudo o que levava, e fiquei com o Sar. Pil Ramos na chana, o Ten. Pil Jordão descolou e manteve-se por ali no ar a baixa altura, não fossemos atacados pelo inimigo, embora tivéssemos a protecção da 37ª. Companhia de Comandos. Chegámos junto ao helicóptero do Folgado, estando mais à frente o Alouette aterrado de lado com o canhão a apontar para o céu, do Cap.Santana e do MMA Dias.
Alouette do Cap. Santana e o do Alf. Folgado - fotos de Manuel Cura e António Nabais
Comecei a verificar os estragos, que eram muitos, mais de 180 perfurações de impactos directo.
Os buracos das pás tinham tal dimensão que cabia lá a minha mão fechada, feitos por armas antiaéreas, segundo informação do pessoal da 37ª.CC.
Depósitos de combustível e do óleo perfurados em várias zonas, BTP com dois apoios partidos, e carenagens destruídas.
Comecei a pensar que era uma missão impossível, retirar o Alouette da chana, e chegar ao Lutembo.
Mas lá meti mãos à obra e comecei a introduzir desperdício nos buracos das pás e com fita adesiva lá os tapei todos.
A chuva continuava a cair copiosamente, não estivéssemos no Leste de Angola.
Remendei como pude o depósito do óleo e combustível para levarem o suficiente para chegarmos ao Lutembo.
Com o fio de frenar lá amarrei os dois suportes partidos da BTP, o melhor que pude, bem como algumas carenagens.
Fiz o abastecimento de combustível e óleo e não apareceram sinais de fuga.
Tomamos o nosso lugar, o Ramos iniciou os procedimentos de marcha do motor, a turbina arrancou e com o seu silvo característico estabilizou sem problemas, mas já se notavam as vibrações.
Com o inicio da descolagem as vibrações aumentaram e começamos a ter a sensação que o Alouette se desintegrava. Num vôo de 00:15 m, demorámos 00:30 m, sempre com a sensação que não chegávamos ao Lutembo tal as vibrações que se avolumavam, mas lá aterrámos junto ao quartel e não na pista. Sempre acompanhados pelo Ten. Jordão no outro Alouette.
Quartel do Lutembo - foto de Militão Candeias

Quando saímos do helicóptero, parecia que tínhamos nervoso miudinho tal o efeito das vibrações no nosso corpo.
Completamente encharcados lá fomos beber umas "bejecas" no bar do exército.
Mais tarde chegaram as pás, BTP, depósitos e outro material, o Alouette foi reparado e levado para o Ar Luso.
Missão difícil, mas com o dever cumprido, este trabalho foi agraciado com um louvor, mas essa é outra história para ser escrita outro dia.
Esta é uma breve historia do Sarg.MMA Franklin Santos.
E com a participação do Sarg.PIL José Ramos.

Escrito por:



quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

EVACUAÇÕES EXÓTICAS

Gonçalo de Carvalho na pista do Alto Cuito
Duas evacuações exóticas
Às voltas com as minhas memórias como piloto da Força Aérea (Fur.Mil.Pil.), lembrei-me de um episódio relacionado com o Alto Cuíto. 
Certo dia, estava de passagem pelo Luso, recebi instruções para me meter num DO-27 e ir ao Alto Cuíto fazer a evacuação urgente de um ferido.




As condições atmosféricas não eram as melhores, o tempo estava muito coberto, mas mesmo assim meti-me a caminho acompanhado, como habitualmente, por um mecânico.
Durante a viagem a nebulosidade foi aumentando e às tantas vejo-me no meio de nuvens e completamente perdido, sem saber qual a minha posição. Aqueles aviões não estavam preparados para fazer navegação por instrumentos e, além disso, não existiam ajudas rádio que nos valessem.
Fiz 180º e meti um determinado rumo para norte, guiando-me pelos instrumentos, até chegar à linha-férrea do Caminho-de-ferro de Benguela. Depois fui até ao Luso e, sem ali aterrar, voltei a apontar ao rumo do Alto Cuíto. Desta vez cheguei ao destino e aterrei sem problemas.
Então foi a surpresa!
Na pista, à espera do DO, estava um soldado que me disse ser ele o ferido! Tinha sido atingido por um tiro acidental num dedo! Pensei para mim (não sei se o disse em voz alta a alguém na altura) "mas que raio de urgência é esta para uma evacuação"!
E pronto...lá levei o "ferido" para o Luso, numa viagem sem incidentes.

Estas situações aconteciam por vezes.
Um dia, por exemplo, saio de Gago Coutinho para uma evacuação urgente de Ninda. A distância é curta...em meia hora estava lá e... para grande espanto meu, à beira da pista, sentado numa mala, estava um soldado à espera. 
Gonçalo de Carvalho em Ninda

Ele era o "evacuado urgente"...que depois me disse que só queria ir para Gago Coutinho depressa para apanhar o Noratlas para poder chegar a Luanda a tempo de ir de férias ao "puto" (o termo saudosista com que nos referíamos a Portugal continental), e que o capitão da companhia lhe tinha feito o favor de permitir o envio de um rádio a pedir a evacuação.
Enfim...são histórias de tempos que já lá vão.

P.S. - “Puto” Em linguagem “calão” designava o Portugal europeu à beira mar plantado.