quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O ALOUETTE III NA FAP


Sud-Aviation SE-3160 Alouette III
A FAP recebeu entre 1963 e 1975 um total de 142 
Alouette III, a numeração foi dividida em três séries, a primeira de 9251 a 9316, segunda de 9332 a 9401 e a terceira de 9412 a 9417.
Aos primeiros 15 Alouette III 
foram atribuídas as matrículas de 9251 a 9265. Transportados desde a fábrica da Sud Aviation, em Marignane, até às Oficinas Gerais de Material Aeronaútico (OGMA), em Alverca, por aviões DC-6A (versão carga) dos Transportes Aéreos Militares (TAM), seguindo  posteriormente para a 2ª Região Aérea (2ª RA), em Angola, sendo colocados na BA9-Luanda Esq.94 e mais tarde no AB4-Henrique de Carvalho na Esq.402 “Saltimbancos”.
Os primeiros três chegaram à BA9 em 27 de maio de 1963.  Os restantes 12 Alouette III chegariam ainda no mesmo mês, sendo transportados à razão de três por avião. Os aparelhos eram acompanhados pelos elementos que anteriormente tinham sido formados neste modelo de aeronave (mecânicos de material aéreo, de rádio e eletricistas, além dos pilotos). 


Na metrópole foram colocados na BA3-Tancos na Esq.33 a duas Esquadrilhas “Os Hippies” e os “Snob” tendo como missão a instrução de pilotos.
Em Novembro de 1965, ocorreu o primeiro voo de Alouette III na Guiné, sendo colocados na BA12-Bissalanca Esq.122 do Grupo Operacional 1201 a duas Esquadrilhas “Lobo Mau” e “Os Canibais”.
A partir de 1967 começaram a operar em Moçambique no AB5-Nacala na Esq.503 “Os Índios” mantendo destacamentos permanentes no AM51 e no AM61 no AB7-Tete na Esq.703 “Os Vampiros”, mantendo destacamentos provisórios em Furancungo e Mutarara e um destacamento na Estima.
Terminada a Guerra do Ultramar os sobreviventes regressaram à Metrópole, sendo colocados na BA3-Tancos e BA6-Montijo, em Novembro de 1978 a FAP, faz uma reestruturação, na BA3-Tancos o Grupo 301 passou a Grupo Operacional 31, com a Esq.111, a ter como missão a instrução a pilotos de aviões bimotores e de helicópteros Alouette III, e a Esq. 552, cuja missão è transporte aéreo tático e apoio aéreo ofensivo.
Na BA6-Montijo è criado o Grupo Operacional 61 com a Esq.551, tendo por missão igual à 552 acrescida do salvamento marítimo, estes equipados com guincho e flutuadores.
Em 1993 os Alouette III das Esquadras da BA3 e BA6 foram reunidos na Esq.552 e foram transferidos para a BA11- Beja.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O ALOUETTE II


SUD-AVIATION SE 3130 ALOUETTE II

Quantidade: 7
Utilizador: Força Aérea
Entrada ao serviço: Janeiro de 1958
Data de abate: 1976

Dados técnicos:
a) Tipo de Aeronave
Helicóptero mono-turbina terrestre, de trem de aterragem quadriciclo fixo ou de patim, rotor de três pás, revestimento metálico, cabina transparente em bolha, destinado a missões de transporte ligeiro.
Tripulação: 1 (piloto).
b) Construtor
Sud-Aviation / França.
c) Motopropulsor
Motor: 1 motor de turbina Turbómeca Artouste II, de 400 hp.
Rotor principal: de três pás;
Rotor de cauda: de duas pás.
d) Dimensões
Diâmetro do rotor principal...10,20 m
Comprimento..........................9,70 m
Altura…………........................2,75 m
Área do círculo rotórico …....28,83 m²
e) Pesos
Peso vazio……………...........825 Kg
Peso máximo......................1.600 Kg
f) Performances
Velocidade máxima …….......180 Km/h
Velocidade de cruzeiro..........170 Km/h
Tecto de serviço ……..........2.300 m
Raio de acção………............ 700 Km
g) Armamento
Sem armamento.
h) Capacidade de transporte
4 passageiros ou o equivalente de carga;
ou duas macas e assistente.

Resumo histórico:
A história dos Alouette II começa com o Sud-Est SE 3101, o primeiro helicóptero totalmente francês. Tratava-se de um monolugar experimental que realizou o primeiro voo em Junho de 1948, propulsionado por um motor alternativo de 85 hp.
Perante os bons resultados obtidos, foi produzido o SE 3110, dois lugares, propulsionado por um motor de 200 hp. Seguiu-se de imediato a versão de três lugares, o SE 3120, a primeira designada de Alouette, que fez o primeiro voo em 31 de Julho de 1952. No ano seguinte estabeleceu um recorde ao voar 13 horas e 56 minutos sem interrupção.

Em 12 de Março de 1955 voou o primeiro dos dois protótipos do SE 3130 Alouette II, propulsionado por um motor de turbina Turboméca Artouste I, de 360 hp. Devido à utilização deste motor, o desenho inicial teve de ser ligeiramente alterado. Foi o primeiro helicóptero propulsionado por motor de turbina.
Três meses após o voo do protótipo, um SE 3130 Alouette II provava as suas excepcionais capacidades, subindo a 8.209 metros, o que foi mais um recorde na sua classe de helicópteros.

O Alouette II mantinha a configuração geral dos helicópteros ligeiros da época, com cabina transparente em feitio de bolha, com quatro lugares, trem de aterragem de patim, motor colocado sobre a fuselagem, sem coberturas, accionando o rotor principal de três pás e o rotor de cauda, de duas pás.
Em 1956 juntaram-se aos dois SE 3130 Alouette II iniciais, mais três de pré-série. Em 2 de Maio de 1957 obtiveram a certificação francesa para operações aéreas.
Foi também em 1957 que a Sud-Est foi absorvida pela Sud-Aviation que, algum tempo depois, produzia em Marselha o Sud-Aviation SA 313B Alouette II, de cinco lugares.

Em 1958 os militares franceses utilizaram 19 Alouette II na Argélia, o que muito contribuiu para que fossem conhecidos em todo o mundo pelo seu bom desempenho.
Em 9 de Junho de 1958 um Alouette II voltou a estabelecer o máximo de altitude para helicópteros de peso entre os 1.000 e os 1.750 Kg, subindo a 10.984 metros.
Foi o primeiro helicóptero de fabrico estrangeiro a conseguir a homologação para operar nos Estados Unidos.

Apesar das suas pequenas dimensões, era ideal para missões de ligação, observação, ambulância e treino. As versões militares – com motores de 400 e 530 hp – chegaram a ser equipadas com mísseis ou torpedos.
A produção dos Alouette II terminou em 1975, com mais de 1.300 helicópteros construídos, utilizados por 126 operadores civis e militares de 46 países.
Junho de 1957, 1º. Curso de AL II  - Alegria, Bragança, Queiroz, Mesnard, Vale, Gonçalves e Almeida; Aniceto, Vilela e F. Sanz - foto de Fernando Sanz


Percurso em Portugal:
Os sete helicópteros Sud-Aviation SE 3130 Alouette II da Força Aérea Portuguesa foram recebidos em 1958 e, com data de 21 de Janeiro, aumentados à carga da BA6-Base Aérea N°.6, no Montijo. Mais tarde foram transferidos para a BA3-Base Aérea N°.3, em Tancos, destinados à instrução de pilotos, exclusivamente ministrada por pilotos-instrutores portugueses.
É provável que um Alouette II tenha operado na BA4-Base Aérea Nº.4, Ilha Terceira, Açores, para avaliação das suas capacidades para operar naquela região.

A FAP atribuiu-lhes as matrículas de 9201 a 9207. A correspondência entre a numeração da FAP e os números de construção, entre parêntesis, era a seguinte: 9201 (1082), 9202 (1107), 9203 (1108), 9204 (1738), 9205 (1739), 9206 (1740) e 9207 (1754). Os três primeiros estavam equipados com rodas e os restantes com patim.

A Guerra do Ultramar tornou necessária a sua presença em África.
Assim, em 1961 foram transferidos para a 2ª. Região Aérea, Angola, onde operaram a partir da BA9-Base Aérea Nº. 9, Luanda, e do AB3-Aeródromo Base N°.3, Negage. Notabilizaram-se nas missões de evacuação sanitária, transportando os evacuados em duas macas cobertas com lona, instalados no exterior da fuselagem, uma de cada lado.

As reduzidas capacidades operacionais dos Alouette II levaram à sua substituição por helicópteros com melhores capacidades operacionais.
Em 1963, os Alouette III começaram a operar em Angola. Assim, os Alouette II foram transferidos para a Guiné, onde começaram a operar a partir de Novembro de 1963. Foram atribuídos à BA12-Bissalanca, onde se notabilizaram nas missões de evacuação sanitária. Realizaram também as primeiras missões de colocação de tropas em locais de combate, transportando os Comandos, as tropas especiais do Exército Português.

Em Janeiro de 1966 os Alouette II são transferidos para a 3ª. Região Aérea, Moçambique, e colocados no AB5-Aeródromo Base N°.5, Nacala. Começaram a ser montados em Fevereiro e realizaram o primeiro voo operacional em Moçambique, em 3 de Março de 1965, numa missão de evacuação sanitária na região de Mueda.
Novamente as suas limitações mostraram que eram aeronaves inadequadas para operar em regiões de altitudes significativas e, simultaneamente, cobrir extensas áreas, como era o caso dos sectores de Vila Cabral, Marrupa e Mueda, no norte de Moçambique. Por isto, foram substituídos pelos Alouette III durante o segundo semestre de 1967, tendo regressado à BA3, Tancos.
Voltaram às missões de instrução de pilotos, integrados na Esquadra 33, que passou a ser a única a operar Alouette II.

A primeira baixa da frota deu-se em 17 de Junho de 1960, causada por um acidente no Aeroporto da Portela, que provocou a destruição do 9201. Em 6 de Fevereiro de 1963 ficou destruído o 9204, num acidente ocorrido em Luanda. Em 26 de Março de 1964, na Guiné, um acidente destruiu o 9202, provocando a morte dos seus dois tripulantes.
O 9205 sofreu um grave acidente no Arrepiado em 13 de Março de 1969, do qual não foi recuperado.


Os SE 3130 Alouette II estavam inteiramente pintados em verde-azeitona. Ostentavam a Cruz de Cristo, sobre círculo branco, em ambos os lados da fuselagem, bem como os números de matrícula, a branco, sob a porta da cabina. Foram retirados de serviço em 1976.

Para que não se estabeleçam dúvidas em relação à quantidade de Alouette II que operaram na FAP, convém referir que em 1984 chegaram a Portugal, vindos da Alemanha, 11 helicópteros SA 313B Alouette II, que nunca fizeram parte do efectivo da FAP, embora tenham recebido as matrículas de 9208 a 9218. Os SA 313B com os números 9208 a 9211 foram destinados à GNR-Guarda Nacional Republicana que, não dispondo de instalações adequadas nem de técnicos habilitados, estacionavam no AT1-Aeródromo de Trânsito N°.1, no Aeroporto de Lisboa, sendo mantidos e operados por pessoal da FAP.

Encontravam-se inteiramente pintados de branco, com as letras GNR pintadas a verde nos locais onde os helicópteros da FAP ostentavam as insígnias militares. A numeração encontrava-se sob as portas laterais, em algarismos verdes.

Operaram durante pouco tempo. Postos à venda, foram adquiridos por uma empresa nacional de aviação, que os vendeu para França.
Os outros SA 313B Alouette II com a numeração de 9212 a 9218 foram armazenados nas OGMA com tratamento anti-corrosão.
Os números 9212 a 9215 foram depois vendidos a uma empresa francesa que, ao que se julga, os utilizou como fonte de sobressalentes para helicópteros Lama, a versão civil dos Alouette II, muito utilizados em África.
O Museu do Ar recebeu três destas aeronaves: 9216 (número de construção 1638), 9217 (1640) e 9218 (1267).

Joaquim Ferreira

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

SITUAÇÕES QUE NOS MARCARAM



Bem, olhando um pouco mais a foto, não consigo dizer quem será o Neno, eu pessoalmente tinha uma boa amizade com o ele, fomos de férias para o Puto juntos, o Neno era um chamado extrovertido, filho de boas famílias, mas depois adaptou-se ao normal da "maralha".
Pois como ia dizendo, após a tragédia da caçada do Cazombo, em que todos os avisaram para não se deslocarem pela noite, houve sete feridos, um dos quais, um bom rapaz "atirador" natural da Covilhã, António Estaline de Almeida Ramos, (costumávamos brincar com ele acerca do nome), o tal que andou quase 40 Km perdido, com uma bala na coxa que nunca acedeu a tirar, mas, pelo que sei e não estava longe do acontecido, foi ele o salvador daquilo tudo. 
Quando foi dado o alarme e pedido socorro, não puderam contar com o apoio do médico (não foi o Dr. Penela), que estava com uma bebedeira na cidade, e essa foi a causa da sua transferência, pois o Neno e os outros esperaram 16 horas para serem socorridos.
Depois de serem socorridos no Hospital do Cazombo, o Neno e três dos outros feridos mais graves, foram evacuados para Luanda. 
Devido ao estado de infecção e à gangrena subsequente, amputaram-lhe o braço à altura do cotovelo. Por azar para ele, enquanto estava no Hospital apanhou icterícia, o que o levou a mais um mês ali. 
Quando voltou ao AB4, eu fui esperá-lo, e para o animar, fomos beber uma cerveja, é a primeira vez que falo nisto, e quando o Neno levantou o braço direito (coto) para pegar a cerveja, fugi pela porta fora a chorar, e foi ele que me veio confortar.
Puta de vida!



quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A AERO TOURADA

Avro 504K da Escola de Aviação Militar
Não. Não é o nome de uma nova companhia aérea, como se poderia depreender do prefixo "aero", mas se as coisas tivessem corrido um pouco melhor talvez pudéssemos estar agora às voltas com uma nova modalidade. Desportiva ou cultural, consoante o gosto de cada um.
Confusos? Então aqui vai.
Gostam de tourada? Muito? Pouco? Nem por isso?
O tema não podia vir mais a propósito no momento em que se discute se as corridas de toiros devem ou não acabar em Portugal. Como sempre acontece, há muito quem seja a favor mas também há muito quem seja contra. Tenho opinião, mas este não é seguramente o espaço para a manifestar. Excepto se ...
Adivinharam. Excepto se for uma tourada aérea.
Tourada quê???
Aérea, leram bem. Somos um povo de inovadores e era o que mais faltava se não fôssemos capazes de inovar ntambém numa das nossas seculares tradições. Tourada aérea, sim senhor. Passo a contar como foi.
Era uma manhã fria de Dezembro, corria o ano da graça de 1926. O jovem Carlos Bleck, recentemente brevetado como piloto civil, acabara de ser contactado por um seu amigo da Aviação Militar que tinha um proposta irresistível para lhe fazer: juntos iriam ser os primeiros "aerotoureiros do mundo".
-"Aero quê???"
-"Aero toureiros", respondeu o amigo militar
-"Mas...em que consiste esta tourada?", perguntou Bleck
-"Muito simples. Vamos para o ar num dos Avro 504K da Escola de Aviação Militar, tu à frente no lugar do observador e eu atrás no lugar do piloto. Dirigimo-nos ao Mouchão do Tejo* à procura de um touro e quando o encontrarmos apontamos directamente ao bicho. Numa primeira fase ele fica estático a olhar para o aparelho mas quando nos aproximarmos a baixa altitude vira-nos as costas e começa a fugir. Nessa altura a velocidade do touro é quase idêntica à do avião e então tu aproveitas para disparar a farpa através do mecanismo que vamos instalar na fuselagem. A farpa não tem ferro, irá apenas tocar no dorso do animal. Concordas?
Quem não concordaria. Dois "maçaricos" com meia dúzia de horas de voo cada um julgavam-se já, como ainda hoje acontece, grandes ases da aviação. É a fase mais perigosa da carreira de qualquer piloto; não sabe nada de nada mas acha que sabe tudo de tudo e depois estatela-se em grande estilo. Já vimos este filme muitas vezes.
Ora acontece que os nossos amigos se bem o pensaram melhor o fizeram e no dia combinado descolaram de Alverca com destino ao Mouchão do Tejo, que ficava quase em frente. Por "precaução" decidiram descer sobre as águas calmas do rio para dois ou três metros de altitude que manteriam até encontrarem o "alvo". Depois era só segui-lo e lançar a farpa no momento apropriado. Nada mais fácil.
O problema é que o inexperiente aviador, o militar, calculou mal a altitude ou deixou-se enganar pelo efeito de espelho das águas calmas do Tejo e bateu violentamente com o trem de aterragem no rio. O Avro mergulhou de "focinho" e ficou submerso com Carlos Bleck lá dentro, inanimado. O amigo militar teve a presença de espírito suficiente para mergulhar e trazer à superfície o seu companheiro de aventura e entregá-lo nas mãos de dois pescadores que entretanto vieram socorrer os valentes "toureiros". Estes, vendo Bleck inanimado, pegaram-lhe pelos pés e viraram-no de pernas para o ar de forma a que o infeliz expelisse os vários litros de água que entretanto tinha engolido. Assim aconteceu e passados alguns minutos Carlos Bleck estava pronto para outra. Ou a precisar de uma grande sova, como mais tarde o próprio admitiu.
Esta história faz parte da biografia de Carlos Bleck, o histórico pioneiro da aviação portuguesa cuja biografia terminei recentemente. Lá para 2021, se o Covid permitir, teremos livro.


* O Mouchão do Tejo é uma pequena ilha situada no meio do rio ali para os lados de Alhandra.

Por Comandante José Correia Guedes




quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O MEU ÚLTIMO VOO POR TERRAS ANGOLANAS



Em tempos extremamente conturbados do chamado “Verão Quente de 1975” por cá, por África, mais propriamente por Angola em pleno êxodo dos ditos retornados e das desavenças político militares dos Movimentos de Libertação de Angola, MPLA, FNLA e UNITA que já se vinham flagelando no após “Acordos de Alvor”, primeiro em Malange, depois em Henrique de Carvalho e escaramuças também em Nova Lisboa e luta pela hegemonia de Luanda com o beneplácito de certos actores do MFA por Angola.

As Forças Armadas Portuguesas por Angola, depois de firmada a antecipação da data de independência para 11 de Novembro de 1975, viam-se em Setembro desse referido ano numa autêntica insegurança e muitas dúvidas se nos punham como militares no terreno, dadas as ordens e contra-ordens emanadas de Lisboa sobre o seu real papel no contexto em que por lá se vivia.


Assim neste ambiente, na manhã do dia 26 de Setembro de 1975, há exactamente 45 anos, realizei sem saber quando parti para essa missão, o meu último voo por terras Angolanas no Nord nº. 6413 em voos de ida e volta a Cabinda “LU-CA-LU”.
Voámos logo de manhã a partir de Luanda, recebendo das tripulações do Boeing 707 da FAP que tinha acabado de chegar a Luanda vindo de Lisboa, os Jornais vespertinos de 25 de Agosto, com as notícias da Metrópole. Seguimos rumo ao Norte pela linha de costa, passando Santo António do Zaire e cruzando o Rio Congo, lá nos dirigimos para o Enclave de Cabinda, onde ocorriam à época as exímias explorações petrolíferas ao largo. Aterrados em Cabinda a rapaziada do Exército retirou a carga a eles dirigida e depois fomos à Cidade...tenho dúvidas a tão longos anos, se dessa vez por lá almoçámos ou se apenas passamos algumas horas no Aeródromo de Manobra Nº. 95 da BA9.


Regressámos a Luanda, à BA9 umas horas depois, transportando mais umas dezenas de pessoas com destino à ponte aérea de retorno de nacionais a Portugal, realizando os procedimentos habituais de deixar o avião limpo e reabastecido para uma próxima missão.
Eis senão quando, o camarada José António Silva, também MMA da 3ª.73 que esteve também comigo no AB4 e que viemos no dia 30 de Junho de 75 via Nova Lisboa em parelha de T-6 para a BA9, a gritar, exclamando: “estás na lista de embarque para amanhã, para regressares à Metrópole”...a tão saborosa notícia que diariamente desejávamos aconteceu. Nesses difíceis dias de Setembro, uma semana antes, uma nossa tripulação e avião Nord da Esquadra 92 da BA9 tinha sido retida em Tchamutete por elementos da UNITA. Por vezes à tardinha ao entrar da noite, na placa ao abastecermos os Nord chegados de missões éramos “agraciados” pelo “espetáculo” das tracejantes sobre os Bairros adjacentes à pista da BA9 e Aeroporto.
NOTA FINAL: Por vezes e em muitos documentos, nomeadamente oficiais se indica que a Guerra Colonial/Ultramarina decorreu de 1961 a 1974, algo extremamente incorrecto pois como muitos dos que por lá andámos, depois de 25 de Abril de 1974, Camaradas houve que por lá perderam a vida, alvejados pelo inimigo...à sua memória aqui deixo alguns de que tive conhecimento, já em 1975: JOSÉ LUÍS GAIÃO MONTEIRO, 1ºCb MMA, BA9 (DO-27), Caxito - sobrevoo de reconhecimento durante a tarde, tiro vindo do solo, durante refrega entre FAPLA e ELNA - 27.07.1975 cbt; 1974: JOSÉ CARLOS RAIMUNDO DOS SANTOS, Alf. ml. PilAv. e MANUEL ÂNGELO DE MATOS PAIVA, 1ºCb MMA, BA9 (AL-III 9367), Vaco - a oriente da serra Muabi / Belize, missão op - atingido por rajadas MPLA, 12.06.1974 cbt. CARLOS MANUEL RAMOS PAIS, 1ºCb MARME, AB 7 (AL-III helicanhão Esq703), Luenha - ZOT sul Mazoé, missão op apont. helicanhão, ating cabeça tiro IN, 02-05-1974 cbt. SÓ PARA REFERIR OS QUE MORRERAM EM cbtCombate (mais outros 26 pela FAP pelos três Teatros de Operações, deram a Vida pela Pátria no após 25ABR74 até à Independência da Colónias).
Às Suas Memórias, 45 anos passados, Paz às Suas Almas e que Descansem em Paz... Jovens como todos nós que por lá andámos nesse período da Nossa História.

Por: Manuel Vieira


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

BREVES APONTAMENTOS BIOGRÁFICOS DE 4 MILITARES DA FAP, QUE SERVIRAM A INSTITUIÇÃO COM VALOR E HEROICIDADE.



GEN. DIOGO NETO 
Manuel Diogo Neto. Este oficial é porventura o homem que mais se dedicou a causa da FAP e pelo seu espirito de servir deve ser considerado um herói nacional. 
Esteve em todas as frentes de batalha, desde 1961 a 1974 e concluiu 3 missões nos 3 palcos sempre na posição de chefia. 
Nasceu na capital em 1924 cursou Aeronáutica na Escola do Exército. Depois de passar por BA4, BA3, BA2 foi colocado na BA9 em Dezembro de 1960 já como Ten. Coronel. Foi o principal interveniente da defesa da população de MUCABA nos primeiros dias da guerra em Angola, juntamente com outros notáveis como Maj. Silva Cardoso e Cap. Ervedosa, teve também a sorte a seu lado, pois conseguiu suster e repelir o avanço das hordas terroristas que se preparavam para a chacina da população na igreja local, numa breve abertura do nevoeiro pormenor que fez a diferença. 
Esteve em Moçambique em 1967. Em Agosto de 1968 foi comandar a BA 12 em Bissau. 
Em Fevereiro de 1971 conheci-o em Monte Real, já era Brigadeiro Director do Serviço de Instrução, no dia que o cabo piloto Ângelo fez explodir 9 aeronaves em Tancos. Foi presidir a um Briefing alargado de chefias militares na manhã da explosão. 
Em 1972 regressou a Moçambique onde foi Chefe do Estado Maior da FAP. Com 48 anos ainda voava em FIAT G 91. Teve um acidente sem consequências no AM de Estima em que aterrou fora da pista isto é: “foi ás couves.”
Foi Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de 29-04-1974 a 30-09-1974.
Não pactuou com os desmandos do PREC e solicitou a passagem a reserva em 30 de Setembro de 1974. Foi considerado o pai dos Especialistas. Foi ele que decretou a passagem á reserva de especialistas com contrato de 6 anos, bastava ter concluída uma comissão no ultramar. 

GEN. KRUS ABECASSIS 
José Duarte Krus Abecassis, foi um militar brilhante mas inconformado, granjeou um grande número de amigos e inimigos. Defendia a ética militar, as aptidões técnicas e o comportamento profissional eram condições que deveriam privilegiar as carreiras individuais militares. 
Entrou no 1º. curso da Academia da Aeronáutica, foi brevetado em Sintra e seguiu para os Açores depois de tirar o curso de Caças na OTA. Integrou o grupo de militares que foram cursar os SKYMASTER nos Estados Unidos e pelo meio foi qualificado em B17 avião que FAP nunca possuiu. 
Em 1952 funda a esquadrilha dos TAM e depois de passar pelo comando operacional da esquadrilha de caças da OTA ainda foi responsável pelos TAM na India em 1957. Em 1959 integrou a 1ª. esquadrilha dos F86G e T33 na BA5. Até 1963 esteve no Montijo responsável pelos Transportes Aéreos Militares. Defendia que os TAMs embora sedeados na BA6 tinham uma representatividade e uma autonomia própria e fez com que comprasse mais uma pequena guerra com o comandante da base e oficiais superiores. 
Em 1963 foi fundar as FAV na 2ª. Região Aérea em colaboração com diversos Aeroclubes existentes, nasceu assim a frota dos Austers.  Em 1965 foi comandante da zona aérea de Cabo Verde e Guiné. 1968 foi comandante da BA6 e em 1969, como Brigadeiro, foi nomeado director do Serviço de Instrução. Em 1970 foi nomeado para Nampula para exercer o posto de 2º. comandante de 3ª. Região Aérea, mas o seu arqui inimigo Gen. Telo Polleri "sossegou-o" em Lourenço Marques. Pediu a passagem a reserva em 1971 e foi-lhe concedida. A FAP graduou-o, posteriormente na reserva em Maj. General.


Publicou um extenso livro, em dois volumes, designado de Bordo de Ataque sobre a sua passagem na FAP. 
Retrata uma vida que viveu e sofreu pela causa. Faz uma ampla avaliação dos maus pilotos que conspurcavam a FAP a quem designa de “pelicanos “ que como é sabido é uma ave desajeitada que voa mal. Estes pelicanos eram alguns daqueles que tinham uns paisinhos com influência e amizades, passavam sem problemas nas rigorosas inspecções e criaram carapaças para se defenderem e subir na hierarquia. Eu conheci um com 1.60m de altura talvez 50kg e chegou a general e tinha pena de não poder pilotar os Dakotas, pois não chegava aos pedais. Quem seria? 

GEN. SILVA CARDOSO 
António da Silva Cardoso. Conheci este militar já comandante da BA9 em 1972 pela pior das razões. Num jantar foi servido um peixe grelhado que me pareceu cachucho com batata cozida, que estava com fraco aspecto e nem sequer o provei. Fui de seguida á cidade e quando cheguei por volta dos 22 horas havia um grande rebuliço, saída de ambulâncias, enfim o caos. Fiquei a saber que 29 homens foram envenenados por comida estragada, muitos deles ficaram a soro e sujeitos a lavagens de estômago. O responsável da messe era precisamente o comandante. Já era tradição, os responsáveis das messes "granjeavam" mais uns trocos, que na BA9 dado o número de homens é já uma fortuna. 
Silva Cardoso, já o referi em diversos artigos neste Blog, foi um militar garboso e responsável pela vinda dos 8 PV2 a voar do Montijo até Luanda. Participou na defesa de Mucaba, juntamente com Diogo Neto, Ervedosa e outros. Não sei quando passou a general e foi nomeado Alto Comissário em Angola e Governador Interino, de Janeiro a Agosto de 1975, tendo sido sucedido por Ernesto Macedo e Leonel Cardoso, o último governador geral, que acabou por entregar o poder ao MPLA. 


Tem um livro épico, "Angola, Anatomia de uma Tragédia" composto por duas partes a primeira dá a conhecer os acontecimentos militares de 1960 a 1974 e a segunda trata dos diálogos com os movimentos de libertação e os acordos que nunca cumpriram. 
Escreveu ao todo dois livros. Um em que já referi escrito de forma soberba e outro eminentemente politico "25 de Abril - A Revolução da Perfídia", que não gostei. Parecia que não queria perder o comboio do PREC. 

COR. SOARES DE MOURA 
Augusto Cândido Pinto Coelho Soares de Moura. Este pioneiro da aviação em Angola não chegou a General por incompatibilidade com o sistema e solicitou a passagem á reserva nos finais dos anos sessenta, optando pela carreira pública onde foi responsável por uma entidade que controlava e geria a extração de madeiras de Cabinda. 
Foi o primeiro Comandante do AB3 no Negage em Fevereiro de 1961 e levou para “o mato“ a família dando o exemplo a outros militares que o copiaram. Foi um homem muito respeitado e prestigiado pelo seu valor ético e profissional. 


Era natural de Penafiel na freguesia de Novelas. Após abandonar a FAP dedicou-se à escrita, à investigação da história local e ao ensino. Na sua quinta da Lama, em Lodares, dedicou-se á agricultura. Ele próprio vendia os produtos que colhia, na feira semanal do Concelho. Era um homem simples. Nem os seus conterrâneos sabiam que estavam a conviver com um herói. 
Escreveu dois livros: um ficou anónimo na família e o seu filho, apesar de solicitado, não o facultou. O outro não se coaduna com as habituais crónicas ou histórias de guerra, foi redigido mais ao estilo de novela a que lhe chamou "O Segundo Aviso", pois trata-se da relação de uma namorada do tempo do liceu, com uma personalidade turbulenta, que pediu ao nosso Soares de Moura para casar, ele declinou, e ela o fez com um concorrente, um militar oficial comando açoriano. Mas á socapa ele foi espreitar o enlace na Igreja do Marquês no Porto. Voltaram a encontrar-se de forma semi-clandestina em Lisboa e Luanda até que desapareceu de vez e foi para os Açores. 
A incompatibilidade manifestada pelo sistema foi comum a outros oficiais por exemplo, Galvão de Melo, Krus Abecassis ou Carlos Acabado sentiram como eu a decadência da organização da FAP, a extrema vaidade e mordomias dos oficiais pilotos superiores vindos da academia e daí a sua falência operacional. 

OBS: 
Para a elaboração destes pequenos apontamentos bibliográficos socorri-me do trabalho do nosso A. Neves editor do Blog, e dos livros e conhecimentos do ao tempo também cabo especialista Adriano Rui, o nosso "Dr.Seca", que possui uma biblioteca invejável e rara da nossa passagem em África



Toneta, Novembro de 2020


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O VOO DE SUA EXCELÊNCIA


Salazar não era dado a modernices e muito menos a coisas que envolvessem máquinas. Detestava. Era, ao que consta, homem da caneta e do papel, matérias em que dava cartas. Em sentido figurado, obviamente.
Mas um dia teve que ser.
Era a TAP. Em 1945 Sua Excelência tinha dado ordens ao director do Secretariado da Aeronáutica Civil, Humberto Delgado, para criar os Transportes Aéreos Portugueses, mas vinte anos tinham passado e SEXA nunca tinha entrado num avião.
Também já tinha liquidado as pretensões aeronáuticas de D. Manuel de Mello e Carlos Bleck que, imagine-se, pouco tempo antes e à revelia de Sua Excelência decidiram formar uma companhia de aviação privada a que deram o nome de CTA, Companhia de Transportes Aéreos. Matou a CTA à nascença por interposto director do SAC. Tudo isto sem nunca ter posto os pés num avião.


Algo teria que ser feito.
Assim, quando o Presidente do Conselho foi convidado para discursar no 40º aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926, em Braga, um dos seus assessores (na altura não tinham um nome tão chique) sugeriu que fizesse a viagem até ao Porto de avião. Era coisa pouca, cerca de uma hora, e o povo iria gostar de saber que Sua Excelência confiava na TAP e nos aviões em geral.
Salazar hesitou. Achava que isso de voar era com os pássaros e olhava com desconfiança para aquelas máquinas barulhentas que de vez em quando caiam do Céu aos trambolhões. Tinha razão. Naquela altura a segurança de voo ainda deixava muito a desejar. Era preciso ponderar os prós e os contras.
Mas lá o convenceram.


Assim, a 25 de Maio de 1966, Sua Excelência embarcou em Lisboa num Super Constellation da TAP que o levaria até ao aeroporto de Pedras Rubras, no Porto. Fazia-se acompanhar pelo Presidente da TAP, engº Vaz Pinto, não fosse alguma coisa correr mal com o serviço.
Aos comandos do CS-TLF (matrícula do avião) estava o Cte Rodrigues Mano, um veterano com larga experiência de voo que tinha integrado o grupo conhecido como "Os Onze de Inglaterra", como eram conhecidos os primeiros pilotos da TAP formados em 1945 na companhia inglesa BOAC.
A viagem decorreu sem sobressaltos, mas tal não foi suficiente para convencer Sua Excelência que, pouco após a aterragem, fez questão de ir ao cockpit dizer ao Cte Mano que "não tinha gostado". Não deu explicações nem ninguém se atreveu a pedi-las, mas o facto de ter regressado a Lisboa de comboio foi por demais eloquente.


Assim aconteceu a primeira e única viagem aérea de António de Oliveira Salazar, principal responsável pela criação da TAP e liquidação de toda e qualquer espécie de concorrência.
Hoje parece absurdo mas na altura era assim que as coisas funcionavam. Sua Excelência decidia e ninguém fazia perguntas. Os que faziam (Carlos Bleck foi um deles) raramente tinham grande futuro no mundo dos negócios.




Por Comandante José Correia Guedes








quinta-feira, 12 de novembro de 2020

DEDICO, À NOVA MODA DOS ACÉFALOS.


Em 1973, quando da minha presença em Angola como piloto militar, já manifestava tendências "racistas".
Eu e centenas de colegas meus, podemos mostrar milhares de fotografias como esta e muito mais sugestivas de "racismo" .
Todas as semanas, eu voava para várias povoações no interior leste de Angola, para abastecer de comida e guloseimas estas crianças. Era assim em todo o lado onde havia militares portugueses.
Esses mesmos, a quem vós chamais de peste grisalha e que deram parte do seu sangue e vida, para que hoje vós possais ladrar em liberdade. Em boa verdade, os vossos avós!
Eram estas as nossas manifestações anti racistas, sem ruído e violência.
A outra guerra? Podemos falar dela quando quiserem.
É só marcar a reunião, que eu esclareço-vos.
Se é que tendes o cérebro limpo de drogas, para entender!...
Fedelhos de merda!

(Júlio Corredeira)


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

EMBARQUE PARA ANGOLA E AS MESSES...SEMPRE O VELHO PROBLEMA.

Boeing 707 na placa do AB4


As situações que vou relatar ocorreram em 1974 no AB4 Aeródromo Base nº.4 - Henrique de Carvalho - Angola.
Depois de um voo de cerca de nove horas no Boeing 707 da FAP, aterrei na BA9-Luanda, no dia 30 de Maio de 1974 , após a Revolução dos cravos ! Durante a espera para o embarque rumo á Guerra decorriam no Aeroporto, protegido pelos Soldados Paraquedistas, manifestações de Jovens, a maioria estudantes, que gritavam: nem mais um soldado para o Ultramar! Fim à guerra! 
Toda esta situação atrasou o voo, alguns militares fugiram, incluindo PAs, depois, de os manifestantes terem arrombado a rede! Os Paras nada faziam, não porque fosse uma tarefa perigosa, ou difícil, mas, porque não queriam, e tal como eu, até estavam a gostar, como é óbvio! Eu estava encostado a um carro. Estava triste, muito triste, desanimado. Não só por ir para a Guerra, para o desconhecido, que ficava a mais de uma dezena de milhares de quilómetros, mas, principalmente, porque estava só! No meio de centenas de pessoas, eu, estava só. E sentia-me só! Sem ter as pessoas a quem mais amava para me despedir! Então apercebendo-se do meu estado de espírito chegaram junto de mim duas lindas moças, estudantes universitárias, que repararam que eu estava visivelmente abatido, só, e triste, tentaram dar-me ânimo, e conseguiram! Ficámos um bocado na conversa e uma das jovens, ofereceu-me uma foto e ofereceu-se para ser minha madrinha de guerra!
Quando houve ordem para embarcar, já tinha alguém para me despedir! Assim fiz! Despedi-me das novas amigas, e seguidamente dirigi-me para o avião. Fui o primeiro a embarcar! Ouvia muito barulho na placa de embarque, mas não me incomodava! Quando os outros militares começaram a entrar no avião já eu dormitava!

No dia da chegada à BA9
Chegado ao Aeroporto de Luanda, abrem-se as portas do avião, para o desembarque, e lembro-me perfeitamente, da sensação que tive! Senti a garganta a queimar de tanto calor, um calor insuportável como nunca tinha sentido! Esqueci as regras, a disciplina, e despi o blusão, tirei a gravata, arregacei as mangas e desatei a correr para uma dessas maquinas de água fresca e ali fiquei a lavar a cara e a beber aquela água quase gelada! A visão que me ficou gravada na memória, foi ver muitos militares PAs, em tronco nu, bastante queimados do sol, de picareta e pá na mão a abrir valas a poucos metros da vedação da BA9!
Permaneci na Base mais de uma semana, sem nada para fazer, comia bem pois a ementa era boa, mas dormia mal, pois o calor era intolerável. Andava bastante inquieto, porque não sabia o que fazia ali, e não me diziam nada.
Até ao dia em que os altifalantes anunciaram, para formar. Foi então que eu e os camaradas que viajaram comigo, soubemos, que tínhamos estado á espera, dos “meninos” que tinham fugido e que afinal de nada lhes valeu! Nesse mesmo dia um NordAtlas levou-nos para a AB4 em Henrique de Carvalho! 
Ainda o dia não tinha chegado ao fim, e já o meu conterrâneo Sargento Carloto tinha alterado o meu estado de espírito, de sóbrio, para meio embriagado! 


Gostei da Base, gostei do reencontro com camaradas de curso,  gostei dos militares que já lá estavam em comissão, foi tirada uma foto para mais tarde recordar! Enfim gostei da Base! A Base era calma, tudo decorria com normalidade. Só haviam um problema. Um grande problema! Era o Refeitório e a alimentação! 
Os refeitórios, o dos Praças e PA à esquerda, os outros eram dos Especialistas, Oficiais e Sargentos
O refeitório era um barraco feito de tábuas mal colocadas onde o pó, o frio e a chuva entravam por todos os lados, o chão escorregava de tanta gordura! 
Enquanto uns comiam, outros esperavam a sua vez ao sol, ou á chuva, e enquanto esperávamos iam passando por nós ovos estrelados em cima de tampas de bidons, que por sua vez eram transportados em carros de mão, e á medida que iam avançando levantavam uma nuvem de pó, que se depositava em cima dos alimentos, enfim, éramos tratados como porcos !

E o mais grave era que passávamos por um refeitório novinho, acabado de construir, apetrechado de toda a maquinaria moderna (para a época) e que nunca tinha servido, nem se sabia quando iríamos comer dentro dele! 
Cap.Várzea (camisa escura)
no Natal de 1974
O nosso Capitão, António Várzea, era um Oficial Paraquedista competentíssimo, um ser humano extraordinário, compreensivo, solidário, e acima de tudo um grande amigo! Era o nosso segundo Pai! Podia-mos contar com ele para tudo! Todos os dias antes do pequeno almoço ele nos dava conselhos. Perguntava como estavam as coisas, quais os problemas com que nos deparávamos, enfim, ali eram expostos todos os problemas, incluindo novas táticas de combate e apresentação de algumas armas novas! Seguia-se a ginástica, banho e pequeno almoço. Esta “seca“ era diária, mas só para quem não estava de serviço! 

As Messes...sempre o velho problema! (Gamanço) 
Não é uma situação nova no historial da Base, nem de outras unidades, o "orientanço" nas messes. 
A messe era um problema abordado quase todos os dias! 
As queixas sobre a quantidade e a qualidade da comida, era transversal a todos! E nós estávamos a ficar fartos de olhar para dentro do refeitório novo e vê-lo todo apetrechado, e irmos comer uma “Travìa" á Barraca
Os novos refeitórios ao fundo


Creio que foi no mês de Junho, ou Julho de 74, que foi resolvido o problema da barraca e o refeitório novo, teve que abrir! Todos pensávamos que agora no refeitório novo íamos comer bem, pois condições já tínhamos! E de facto ao principio assim foi. Era notória a melhoria da ementa! Talvez porque o refeitório era muito visitado e exibido a várias entidades! Mas, depressa passou a boa onda, e voltámos a comer pouco e mal confecionado! Já não havia razão para se comer mal! 
O tema foi abordado muito seriamente numa das “secas“ do Capitão Várzea! E foi decidido enviar um Cabo da PA fazer de espião para descobrir o que afinal se passava…?! 
O problema que se punha, era, que voluntários para enfrentar dois Sargentos e um Tenente, era candidatar-se a levar uma porrada! Como ninguém se voluntariou, o Capitão resolveu tirar á sorte com uns fósforos, e quem tirasse o fósforo partido ia para a Messe, tentar resolver o problema! E agora adivinhem a quem calhou o fósforo partido? A mim evidentemente! 
Fui! Sem medo! Se me dessem uma porrada, porreiro! Se não dessem óptimo! Não tinha nada a perder! Eu  ia decidido a descobrir o que se passava! 
A ementa não era variada, e era pobrezinha. Num dia típico, serviam-se duas, ou três batatinhas cozidas, com um rabinho de peixe, que tinha mais espinhas do que carne; outras vezes havia um pouquito de arroz, e um bocadinho de frango ” deficiente”, pois não tinham peitos, nem pernas, pão para acompanhar e, de sobremesa uma rodela de abacaxi da agropecuária, ou ás vezes laranja. Este novo refeitório era composto por uma grande câmara frigorifica, um escritório, um WC, uma grande cozinha, bem apetrechada, uma copa com todas as máquinas necessárias, um salão enormíssimo, que funcionava em regime de self-service. Havia uma divisão que separava os Cabos Especialistas e os Sargentos do resto do pessoal, entrávamos e saíamos todos pela mesma porta, comíamos todos do mesmo comer e convivíamos todos muito bem! Ao fundo, quando os tabuleiros já estavam servidos, havia uma mesa e um apontador de quem já tinha comido, para controlar as refeições e que apontava o número, ou o nome da pessoa que passava com o tabuleiro! Havia em frente á cozinha uma porta que dava acesso direto para a messe dos oficiais! 
Estávamos numa Base onde os abastecimentos não faltavam, sabia-se que havia uma verba predestinada por pessoa para alimentar as tropas...então por que raio para além de fraca qualidade, a comida na messe dos Praças e Sargentos continuava a escassear? 
Para descobrir isso, lá estava eu, o 1º. Cabo PA Silva, era uma tarefa complicada! Mas eu tinha tempo! 
Quando me apresentei ao Tenente que geria as messes, apenas o Capitão Várzea e alguns outros cabos da PA conheciam a minha verdadeira missão: descobrir se havia marosca na cozinha! 
O Tenente e os dois Sargentos, que geriam a cozinha e as messes não viram com bons olhos aquela intrusão e ao início criou-se um ambiente algo tenso. Passada uma semana sem nada que fazer, fiz-me chateado e interpelei o Tenente, para que me desse uma tarefa. O Tenente perguntou-me se sabia ler (?), ao que desconfiado, respondi que não sabia ler muito bem mas dava para me desenrascar!. O Tenente deu-me então o que fazer: copiar as ementas, que eram rotativas, só levavam novas datas, sendo que nessas ementas constava a quantidade de alimentos que supostamente eram gastos por dia: - xis quilos de cebola, xis litros de azeite, xis quilos de carne, etc. etc. 
Passado algum tempo, já mais integrado, continuei a passar as ementas e recebi nova tarefa: passar os géneros alimentares da câmara frigorífica ao cozinheiro, um civil de Amarante. Ora foi precisamente esta combinação de tarefas que me permitiu perceber que havia mesmo marosca: o cozinheiro pedia determinada quantidade de alimentos mas as ementas davam a ideia de que se gastava o dobro! A diferença mantinha-se na câmara frigorífica e a questão era: para onde iria? Analisei, e reparei que o cozinheiro pedia sempre só metade da ementa que lhe era entregue. 
Já sabendo o que se passava, só me faltava saber quem se andava a “encher” com a nossa comida. 
Duvidei do cozinheiro, e do Zé um outro civil que trabalhava na copa. Então a partir daí, quando regressavam á Cidade passaram a ser revistados na Porta de Armas e nunca se encontrou nada! Portanto restavam três pessoas! O tenente que era esperto, percebeu que o cerco estava a apertar, e sem mais nem menos, entregou-me as chaves das câmaras frigorificas! Eu, pensei, (já te denuncias-te)! Queres-me entalar porque eu tenho as chaves que dão acesso aos alimentos! Fui ver o que havia dentro das câmaras e fiquei abismado com tanto porco, presuntos, queijos, azeite, enfim, havia ali muito de tudo e bom! 
Durante muito tempo, todos os momentos livres que tinha, ou que propositadamente arranjava forma para ter, fechava-me no WC, que tinha uma janela virada para o escritório, para as portas das câmaras frigorificas, e para o cais de cargas e descargas! Passei muitas horas fechado naquela casa de banho, mas, compensou! 
Um dia, depois de servido o almoço, os faxinas andavam a fazer a limpeza e eu fui para o esconderijo! Chega o Tenente no seu Ford Anglia cinzento, e estaciona junto ás portas das câmaras frigorificas, sai do seu carrinho, puxa de um monte de chaves e dirige-se para a porta da câmara frigorifica. O meu coração desatou a acelerar que nem um tractor, palpitava acelerado, e eu só pensava…é agora, é agora que te apanho, meu grande gatuno! O Tenente entra, passado pouco tempo sai com metade de um porco, volta a entrar e sai com vários lombos de porco, presuntos, e continuou, foi carne, foi queijos, foi azeite, encheu o porta bagagens do carro de tudo o que quis e lhe apeteceu! Trancou o carro, sempre olhando para todo o lado! Eu baixei-me e aliviado pensei: Já cá cantas! Esperei que ele saísse dali, o que não demorou muito. Ele foi até á cozinha, olhando para as panelas, onde o cozinheiro estava fazendo o jantar pois ele saía da Base ás cinco horas e tinha que deixar o jantar feito. Açorda, “as nossas migas de pão no Alentejo”: era o jantar com joaquinzinhos fritos! Fritos de manhã e colocados no frio ,para serem comidos ao jantar! Ficavam mesmo óptimos junto com a açorda toda espapaçada! 
Era altura de agir! Peguei na “kinga“ (bicicleta), dirigi-me ao Capitão Várzea, de seguida à Porta de Armas e pedi dois PAs ao Cabo da Guarda que era o Spinola. Os elementos da PA, puseram-se a vigiar o veículo discretamente. A ordem era: não deixar sair aquele carro, nada mais! E o Capitão Várzea deu-me ordem para que "armasse a barraca" e deixasse o resto por sua conta. Armar barraca?! Mas como?! O que fazer? Como o jantar não tinha jeito nenhum, e ninguém comeu bem e muitos reclamaram. O clima estava propicio para armar barraca…Os faxinas reclamando, preparavam-se para jantar e eu pensava… Então perguntei-lhes: vocês querem comer isto, ou comer um bom bife grelhado? Olharam uns para os outros e perguntaram: e onde estão os bifes? No Frigorifico! Respondi eu! Então e o Tenente ? Isso é assunto meu OK?!                                 E assim se deu inicio á "barraca"! Peguei nas chaves que o Tenente me tinha dado (com segunda intenção) fui á câmara e cortei oito grandes bifes de lombo de porco. Ligo a placa grelhadora que era enorme, e eles todos á minha volta meio receosos, meio contentes! O cheirinho delicioso, daqueles bifes suculentos depressa começou a dirigir-se para a Messe dos Oficiais, pois a porta ficava mesmo em frente. Este aroma delicioso depressa trouxe o Oficial de Dia, que era o Alferes Pimenta. Que pergunta: então por aqui comesse bem, não há um bifinho para mim? Eu respondi: vai já sair ! E fui buscar mais um bife! Eles á espera e eu grelhando e servindo os bifes! Claro, que se o aroma trouxe o Oficial de Dia também veio atrás o nosso Tenente! O homem entra, inspira fundo, como que a certificar-se se era verdade o que estava a ver e grita: para quem são esses brutos bifes? Ao que eu calmamente respondo: para quem os quiser comer! Também quer um? Vou dar-te uma porrada! Grita ele. E eu respondo faça favor, 1º. Cabo PA 214/73 Silva. E continuei a grelhar! Então o homem passou-se, desatou numa berraria, ao mesmo tempo que esgatanhava a cabeça a coçar-se e gritava: Pimenta prende este Cabo, senão prendo-o eu, gritava possuído! Eu saltei por cima do balcão, onde se colocavam os pratos já servidos, dirigi-me ao Tenente e olhos nos olhos, perguntei-lhe? Tem coragem para me prender, seu gatuno?
Foi o descalabro total! 

O confronto que se seguiu atraiu o Capitão Várzea que fingiu de nada saber, o Sr.  Major 2º. Comandante da Base, pediu satisfações sobre o desacato e também sobre o churrasco. Eu delicadamente e seguindo todas as normas de disciplina contei o que se passava e pedi ao Sr. Major para mandar abrir o porta bagagens do Ford Anglia, para horror do Tenente, que começou por dizer que não tinha sido nada importante e que me perdoava, tentando assim ver se desviava a atenção do carro e do que lá continha no porta bagagens...tudo roubado
Resultado: para horror crescente do Tenente, após a denúncia do que se passava, houve uma procissão de gente graduada que se dirigiu ao seu carro - que estava vigiado por dois elementos da PA - e, perante os protestos do gatuno, o Major mandou abrir o porta-bagagens. No interior, qual gruta de Ali Babá, estavam preciosos tesouros ultramarinos, alimentos em quantidade e qualidade, mas subtraídos à alimentação do pessoal da Base! 
O "31" eu e a "Raquel"
Desconhece-se o desfecho da história para o Tenente,  sabe-se apenas que terá sido chamado ao Comando, nunca mais foi visto e - o mais importante - dali em diante passou a comer-se à "grande e à francesa" no AB4! 

Felizmente, nem todos os prevaricadores escaparam impunes...mas graças à PA, que como polícias que eram, entre outras missões tinham também entre os seus deveres...apanhar ladrões, este foi! 
Para finalizar, o número do Tenente - 31 - foi dado como nome a um cão filho do nosso "camarada" de quatro patas, de nome "Chapaça"  !


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