quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A RECUPERAÇÃO DO DO-27 3342


Estávamos em 1973.
Aquilo que seria uma viagem rotineira de fim do dia, do Cuito Cuanavale para N'Riquinha do DO27 3342, pilotada pelo Alf. Jorge Vinhas, do MMA Portocarrero Macedo e de um passageiro militar do exército, tornou-se numa noite de preocupação para todo o sistema operacional do AB4.
O DO do Vinhas não tinha chegado ao destino.
O "passageiro", Gião, Vinhas e Portocarrero - foto de José Carvalho


Entre a Coutada do Mucusso e N'Riquinha deparam-se com um violento temporal, tendo acabado por ficar sem combustível e por tal facto aterrado na chana sem dificuldades de maior.
Anoitece entretanto, pelo que fica inviabilizada qualquer hipótese de resgate imediato. Resta aos 3 ocupantes passar a noite da melhor forma e aguardar.
Logo pela manhã do dia seguinte, o Alouette III do José Carvalho é o primeiro a chegar ao local.
Segundo as suas palavras: "Estava eu numa operação na Coutada de Mavinga quando pediram para procurar o DO do Vinhas, que não tinha chegado ao destino no dia anterior. Parti com o MMA Gião e ao fim de algum tempo lá encontrámos o DO com o Vinhas, um passageiro do Exército e o mecânico. Mais tarde veio outro helicóptero com combustível e o Capitão Acabado, que voaria o DO dali para fora.
O Gião e eu voltámos para a operação de onde tínhamos saído."
Capitão Acabado na descolagem da chana - foto de José Carvalho

Depois de abastecido e reposicionado levanta voo pilotado pelo Capitão Acabado comandante da Esquadra, em direcção ao destino, N'Riquinha.
Tinha, felizmente, finalizado da melhor forma a denominada "recuperação do Vinhas".
Parte da equipe que participou na recuperação do DO - foto de Fermelindo Rosado

Foram ainda enviados para o local outros meios, nomeadamente T6. Foi também constituída uma equipa técnica para a recuperação do DO.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O P2V5 4704



Aqui com a cauda para Sul em mais um ensaio de motores. Lembro-me do 4704 perfeitamente. 
Era um dos mais voados. 
O 4707 enquanto esteve no hangar marítimo e eu na Base nº.6 nunca de lá saiu. Era a "vaca" onde se iam tirar peças para por nos outros aviões por não haver em armazém. Quando estava quase pronto, a acção repetia-se.
Quando cheguei á Base nº.6 os P2V5 estavam nos hangares da NATO e viajávamos 4 vezes por dia em autocarro até essas instalações para trabalhar. Quando a beneficiação do hangar acabou ao fim de uns largos meses, voltaram á sua casa.
Na Ilha do Sal

Como curiosidade dou a conhecer uma particularidade daqueles tempos. Todos sabem que nessa altura, os P2V5 tinham uma missão contínua para a NATO, que consistia num destacamento de vinte dias na Ilha do Sal em Cabo Verde. A FAP fazia a patrulha marítima do flanco sul do Atlântico norte.
Ora em Cabo Verde o que havia era, nada. 
Assim as tripulações tinham que gerir os seus abastecimentos. No compartimento destinado ás bombas seguiam lado a lado um depósito de combustível e um contentor carregado de couves, batatas, cenouras, bacalhau e o que mais possam imaginar e, que fosse importante para a dieta da rapaziada. O mais curioso era o transporte de água. Imaginem uma fila de garrafões de água ao longo de todo o comprimento do avião. Uma imagem muito engraçada, não registada porque naquele tempo não existiam os meios actuais e era proibido fotografar as aeronaves. Os garrafões eram de vidro forrados a plástico iguais aos do vinho. Era o que havia na altura e era Água da Bela Vista de Setúbal. Carreguei muitos para colaborar embora não fosse da linha da frente.

Qualquer camarada daquele tempo pode confirmar que era mesmo assim.


Por Carlos Gato


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A VISITA DE AMÁLIA RODRIGUES E INAUGURAÇÃO DO CINEMA CHICAPA.


Durante os largos meses destacado no AB4 a fazer levantamentos topográficos, a certa altura constou-se que a grande fadista Amália Rodrigues iria ser a madrinha na inauguração da sala do novo cinema Chicapa em Henrique Carvalho, entretanto acabado de construir.
Refira-se que o nome Chicapa deriva do grande rio africano que atravessa a região da cidade em direcção ao norte, entrando no rio Cassai que, por sua vez, vai desaguar no rio Zaire.
O alvoroço que esta notícia provocou nos militares, foi saber que a Amália viria de avião militar a partir de Luanda e, forçosamente, a aterragem teria de ser nesta Base, representando assim uma oportunidade única para conhecer pessoalmente a saudosa artista.
No dia 8 de Maio de 1972, aterra no AB4 o avião militar NORATLAS trazendo a bordo a fadista Amália.
Quando o aparelho rolou para a placa de estacionamento já esta estava apinhada de militares, oficiais, sargentos e praças, incluindo o comandante da Base.
A porta da aeronave é aberta e logo surge à saída a figura vestida de negro, sorridente, de braços abertos. Foi o delírio! Os militares entusiasmados convergiram para a Amália, pegaram nela aos ombros e passearam-na durante largos metros! Depois foi um bombardear de fotografias com a artista rodeada por aquela multidão eufórica gritando constantemente vivas à Amália, enquanto ela timidamente, sorrindo sempre, se confundia no meio daquele mar de fardas azuis.
Pela minha parte, com muito custo cheguei junto dela e consegui tocar-lhe na mão que estendia para nos saudar. Por fim, as entidades civis que a esperavam, lá a meteram num dos automóveis e partiram para Henrique Carvalho de baixo de grandes aplausos. 
No dia da inauguração do cinema Chicapa não estive presente mas fiquei radiante e satisfeito por ter conhecido pessoalmente a Amália Rodrigues e logo em plena savana de Angola no centro do continente africano, bem distante da longínqua Metrópole.
Foi a única vez que vi a saudosa Fadista em pessoa.
Um pormenor curioso me surpreendeu: achei a Amália muito pequenina comparada com a sua imagem vista na televisão.

Por:









Agradecemos ao Sr. Major Serafim Esteves, nos ter permitido transcrever este texto do seu livro "As Memórias do Major".

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

ANGOLA, O TEATRO DAS OPERAÇÕES.


A guerra em Angola desenrolou-se em três grandes teatros de operações: Cabinda, o Norte e o Leste. 
O Norte, com a capital em Luanda, pode ser dividido em dois subteatros : as regiões junto à fronteira e os Dembos.
No Leste, podem ser individualizadas as regiões do Nordeste (Henrique de Carvalho, Teixeira de Sousa e Cassai), do Centro (Luso, Lumeje, Cazombo) e Sudeste (Cuando-Cubango). 
Em Cabinda, o clima tropical húmido, a densidade da floresta, as elevadas temperaturas, a humidade e o relevo proporcionaram bons locais de instalação de bases para os guerrilheiros, em especial no Maiombe, dificultando a manobra e a actuação das forças portuguesas. 
No Norte, as temperaturas elevadas, a humidade, o terreno acidentado, que sobe em plataformas, a densidade da vegetação e o caudal dos rios dificultavam os movimentos militares quer apeados, quer em viatura, constituindo bons locais de refúgio para os guerrilheiros. Na época das chuvas, as picadas tornavam-se praticamente intransitáveis. 
No Leste, as amplitudes térmicas, entre as elevadas temperaturas de dia e o frio da noite, provocavam grande desgaste nas tropas. Na época das chuvas, os terreno alagados constituíam um obstáculo à circulação de viaturas. Acresce ainda que, no Leste, tudo é muito longe. 
Uma boa solução foi a de utilizar o cavalo. Ele e o helicóptero permitiam cobrir as grandes distâncias e constituíam uma enorme ameaça para os guerrilheiros. 

Diversidade geográfica 

Angola dispõe de grande diversidade de paisagens. Junto à costa, uma planície cuja largura é de cerca de 25 quilómetros ao sul, varia entre os 100 e os 200 quilómetros ao norte, eleva-se, para o interior, por sucessivos patamares. Dois terços do território situam-se à altitude de 1000 - 1300 metros - o Planalto Central. 
O ponto mais alto de Angola é o morro Moco (2620 m), na zona do Huambo, no Planalto Central, onde os altos relevos se orientam no sentido sul-oeste e norte-este: serras do Humbe e do Chilengue. 
De modo geral, o terreno em Angola desce, a partir do paralelo 10° sul, para a bacia do rio Congo, e a este inclina-se para a depressão central da África austral, até ao deserto do Calahari. Em Angola existem vários tipos de climas, devido à extensão do território, à presença da corrente fria de Benguela e à influência das montanhas no interior:
-Equatorial: Cabinda; 
-Tropical húmido: metade norte do planalto central - Dembos; 
-Tropical seco: nas regiões altas do Sul - Huíla; 
-Temperado húmido: nas planícies costeiras do Norte; 
-Semidesértico: no Sul. 
-Estação das chuvas: de Novembro a Abril - elevada pluviosidade e altas temperaturas. 
-Estação seca: Maio a Outubro.
A maior pluviosidade média regista-se nas zonas do Uíje e da Lunda. 
A maior parte dos rios de Angola têm como origem o planalto do Bié e correm em três orientações: para o Atlântico, para o sul-sueste e para norte. 
No Norte, os rios são, de modo geral, de dificil transposição devido à corrente, aos rápidos e às margens cobertas de densa floresta tropical. Na época das chuvas, os caudais aumentam e a situação piora.
- Congo desagua no Soio (Santo António do Zaire) faz fronteira com a República Democrática do Congo, numa extensão de 150 km;
- M'Bridge desagua em Ambrizete e constitui a bacia hidrográfica onde se situam Bembe (Salazar) e Maquela do Zombo;
- Loge desagua no Ambriz e atravessa as zonas dos Dembos, Uije (Carmona) e Negaje;
- Dande desagua a norte de Luanda e atravessa também os Dembos, Úcua, Quibaxe. No Leste, os rios têm, em geral, margens baixas e correm por planícies, transbordando durante a época das chuvas e criando zonas alagadas e pantanosas - as «chanas».
- Cassai atravessa as zonas de Camanongue (Buçaco), Cassai, Luau (Teixeira de Sousa) e serve de fronteira com a República Democrática do Congo, numa extensão de 400 km;
- Luena, um afluente do Zambeze que atravessa a zona de Luena (Luso) e Lumeje, servindo de fronteira à zona da Cameia;
- Lungué-Bungo, outro afluente do Zambeze, que atravessa as regiões de Lucusse e Luvei;
Lungué-Bungo
- Cuando, o rio das Terras do Fim do Mundo, que atravessa as regiões da N'Riquinha e da Luiana e se perde numa zona pantanosa da Namíbia;
- Cuíto, outro rio das Terras do Fim do Mundo, onde a Marinha portuguesa criou uma base naval: Vila Nova da Armada;
Vila Nova da Armada
- Cubango, o terceiro rio que define o distrito do Cuando-Cubango.
Embora não nasça em Angola, deve ser também referido o rio Zambeze, pois atravessa o saliente do Cazombo e recebe vários afluentes de grande interesse militar e económico.
O Zambeze no Cazombo

As bacias hidrográficas destes rios constituem a área de operações do Leste. Foi junto a estes cursos de água e dos seus afluentes que os guerrilheiros instalaram as suas bases e que as populações organizaram o apoio que lhes garantiu a sobrevivência.
As Forças Armadas Portuguesas instalaram no Zambeze e no Cuíto destacamentos da Marinha de Guerra, com embarcações e unidades de fuzileiros.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

UM BRILHANTE PILOTO MILITAR PORTUGUÊS DE HELICÓPTEROS.


Rui Jofre Soares Dias Ferreira, de seu nome completo, foi um dos melhores pilotos de helicópteros, senão o maior que existiu em Portugal na opinião dos especialistas na matéria.
Em 1969 no Chilombo
Infelizmente já não pertence ao número dos vivos.
Este brilhante piloto militar, natural do distrito de Portalegre, foi Sargento comigo, fez as provas culturais de selecção para o curso de oficiais comigo na Base Aérea n.° 9 em Luanda e foi promovido a alferes e mais tarde a capitão quando eu. Por isso conhecia muito bem o Jofre e éramos amigos.
Foi no Aeródromo do Luso que fiquei a conhecê-lo melhor numa cerimónia em sua honra perante todos os militares da Força Aérea ali destacados, incluindo eu, quando o Jofre foi galardoado com o brevet de ouro entregue por um representante da fábrica francesa de helicópteros, que ali se deslocou de propósito para o efeito, como distinção por ter realizado mais de 1.000 horas de voo sem qualquer acidente ou avaria com este tipo de aeronave.
Recordo perfeitamente esta simples cerimónia mas cheia de significado. O Comandante do Aeródromo era o então capitão piloto aviador Costa Santos, hoje general na reforma que, para comemorar o acto proporcionou-nos um beberete.
Neste Aeródromo tive a oportunidade de voar algumas vezes com o Jofre, particularmente num voo de experiência, sempre arriscado, em que fomos só os dois no helicóptero. O teste foi feito sobre a área das pistas do Aeródromo durante cerca de meia hora e foi de arrepiar. Numa das manobras o aparelho entra pelo topo da pista a alta velocidade em voo rasante e, quando chega a meio, sobe na vertical a grande altura, esmagando-nos as costas contra a cadeira, até perder a velocidade de subida e depois volta a cauda para o Céu e mergulha em direcção ao solo aumentando novamente de velocidade até se endireitar e prosseguir no seu voo normal.
Nunca tive medo de voar mas, daquela vez, embora não me assustasse e confiasse totalmente no piloto, foi arrepiante e a adrenalina subiu ao máximo.
Como referi no início deste texto o Jofre já não vive entre nós. Faleceu aos comandos de um helicóptero civil quando já estava na situação de reserva no posto de capitão. Quero acreditar que o Jofre morreu como desejava: a voar num helicóptero. A vida dele foi sempre voar. Ele e máquina eram um todo.
Assisti pesarosamente ao seu funeral em Constância onde residia e agora ao incluí-lo nas minhas memórias é uma forma de lhe prestar a minha sentida homenagem sincera e amiga. 
Paz à sua alma.
Mas não quero terminar este apontamento sem fazer mais algumas referências a este saudoso piloto militar da Força Aérea Portuguesa.
O Jofre dominava perfeitamente a máquina. Metia e pousava o helicóptero onde mais ninguém o fazia com uma precisão e serenidade arrepiante! Eu próprio tive ocasião de observar isso mesmo, quando, numa tarde, já depois do 25 de Abril, na Base Aérea n.° 3 em Tancos - éramos então os dois tenentes - fui fazer um voo de reconhecimento com ele para levar à prática um exercício de orientação topográfica planeado por mim, onde constava a largada de tropas de helicóptero numa zona parcialmente arborizada nas proximidades da barragem de Castelo de Bode.
Era preciso saber se os pontos de desembarque no terreno que assinalei na carta topográfica permitia a aterragem dos aparelhos.
Durante o reconhecimento verificamos que todos os pontos apresentavam boas condições de aterragem à excepção de um. Ao sobrevoar este local num cruzamento de caminhos praticamente sem movimento, constatámos que estava rodeado de pinheiros altos. Disse para o Jofre não me parecer seguro este local.
Nisto, o aparelho começa a descer na vertical, olho para o rotor principal quase a bater com as pás na rama dos pinheiros, assusto-me e peço ao Jofre para subir. Aterrar ali, não !
Mas o Jofre continuou a descer até aterrar no chão. Olha para mim, sorri, volta a subir na vertical com uma calma impressionante, descontraído e eu aflito ao lado dele a ver a rama dos pinheiros numa dança diabólica sob o efeito do vento produzido pelas pás do rotor do helicóptero.
Na BA3 - Tancos

Quando daqui saímos informo o Jofre que este ponto fica anulado por não reunir as condições de segurança aérea necessárias. E disse mais: a responsabilidade desta decisão é minha. Sou o mentor e o responsável por este exercício. Tu foste capaz de meter ali o aparelho, mas os outros teus colegas pilotos podem não o fazer e daí ser arriscado tentar.
O Jofre acatou a minha decisão e o assunto ficou encerrado.
Para terminar não resisto a descrever mais algumas façanhas deste piloto que me foram contadas por mecânicos que o acompanhavam em serviço de voo.
Nas operações de guerra em pleno mato africano, durante uma missão, detectou um terrorista numa picada (trilho, caminho) a fugir com uma arma na mão. Voa sobre ele, põe o helicóptero no chão deixando-o a trabalhar, sai e corre atrás do turra. Este sentindo-se perseguido, foge a sete pés mas larga a arma. Como não conseguisse apanhar o homem o Jofre agarra na arma, volta para o aparelho e descolou.
De outra vez o Jofre estava destacado no Aeródromo de Manobra n.° 95 em Cabinda, quando uma companhia de bailado da Metrópole foi fazer um espectáculo no teatro da cidade não só para militares como para a população civil.
A meio do espectáculo durante a noite, aparece o Jofre com um pequeno grupo de colegas amigos, que tinham andado nos copos, a querer entrar também. Como tivessem sido impedidos devido aos indícios da borracheira, voltaram para o Aeródromo.
Só que o Jofre não se dá por vencido. Mete-se sozinho dentro do helicóptero, voa para Cabinda durante a noite e vai colocar-se a sobrevoar o edifício do teatro, provocando uma barulheira infernal que lançou o pânico na assistência e acabou com o espectáculo.
Esta pequena amostra do que atrás fica relatado revela, sem margem para dúvida, as excelentes qualidades de piloto de helicóptero que foi o Capitão Piloto Rui Jofre Soares Dias Ferreira.


Por:









Agradecemos ao Sr. Major Serafim Esteves, nos ter permitido transcrever este texto do seu livro "As Memórias do Major".