sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

UM BRILHANTE PILOTO MILITAR PORTUGUÊS DE HELICÓPTEROS.


Rui Jofre Soares Dias Ferreira, de seu nome completo, foi um dos melhores pilotos de helicópteros, senão o maior que existiu em Portugal na opinião dos especialistas na matéria.
Em 1969 no Chilombo
Infelizmente já não pertence ao número dos vivos.
Este brilhante piloto militar, natural do distrito de Portalegre, foi Sargento comigo, fez as provas culturais de selecção para o curso de oficiais comigo na Base Aérea n.° 9 em Luanda e foi promovido a alferes e mais tarde a capitão quando eu. Por isso conhecia muito bem o Jofre e éramos amigos.
Foi no Aeródromo do Luso que fiquei a conhecê-lo melhor numa cerimónia em sua honra perante todos os militares da Força Aérea ali destacados, incluindo eu, quando o Jofre foi galardoado com o brevet de ouro entregue por um representante da fábrica francesa de helicópteros, que ali se deslocou de propósito para o efeito, como distinção por ter realizado mais de 1.000 horas de voo sem qualquer acidente ou avaria com este tipo de aeronave.
Recordo perfeitamente esta simples cerimónia mas cheia de significado. O Comandante do Aeródromo era o então capitão piloto aviador Costa Santos, hoje general na reforma que, para comemorar o acto proporcionou-nos um beberete.
Neste Aeródromo tive a oportunidade de voar algumas vezes com o Jofre, particularmente num voo de experiência, sempre arriscado, em que fomos só os dois no helicóptero. O teste foi feito sobre a área das pistas do Aeródromo durante cerca de meia hora e foi de arrepiar. Numa das manobras o aparelho entra pelo topo da pista a alta velocidade em voo rasante e, quando chega a meio, sobe na vertical a grande altura, esmagando-nos as costas contra a cadeira, até perder a velocidade de subida e depois volta a cauda para o Céu e mergulha em direcção ao solo aumentando novamente de velocidade até se endireitar e prosseguir no seu voo normal.
Nunca tive medo de voar mas, daquela vez, embora não me assustasse e confiasse totalmente no piloto, foi arrepiante e a adrenalina subiu ao máximo.
Como referi no início deste texto o Jofre já não vive entre nós. Faleceu aos comandos de um helicóptero civil quando já estava na situação de reserva no posto de capitão. Quero acreditar que o Jofre morreu como desejava: a voar num helicóptero. A vida dele foi sempre voar. Ele e máquina eram um todo.
Assisti pesarosamente ao seu funeral em Constância onde residia e agora ao incluí-lo nas minhas memórias é uma forma de lhe prestar a minha sentida homenagem sincera e amiga. 
Paz à sua alma.
Mas não quero terminar este apontamento sem fazer mais algumas referências a este saudoso piloto militar da Força Aérea Portuguesa.
O Jofre dominava perfeitamente a máquina. Metia e pousava o helicóptero onde mais ninguém o fazia com uma precisão e serenidade arrepiante! Eu próprio tive ocasião de observar isso mesmo, quando, numa tarde, já depois do 25 de Abril, na Base Aérea n.° 3 em Tancos - éramos então os dois tenentes - fui fazer um voo de reconhecimento com ele para levar à prática um exercício de orientação topográfica planeado por mim, onde constava a largada de tropas de helicóptero numa zona parcialmente arborizada nas proximidades da barragem de Castelo de Bode.
Era preciso saber se os pontos de desembarque no terreno que assinalei na carta topográfica permitia a aterragem dos aparelhos.
Durante o reconhecimento verificamos que todos os pontos apresentavam boas condições de aterragem à excepção de um. Ao sobrevoar este local num cruzamento de caminhos praticamente sem movimento, constatámos que estava rodeado de pinheiros altos. Disse para o Jofre não me parecer seguro este local.
Nisto, o aparelho começa a descer na vertical, olho para o rotor principal quase a bater com as pás na rama dos pinheiros, assusto-me e peço ao Jofre para subir. Aterrar ali, não !
Mas o Jofre continuou a descer até aterrar no chão. Olha para mim, sorri, volta a subir na vertical com uma calma impressionante, descontraído e eu aflito ao lado dele a ver a rama dos pinheiros numa dança diabólica sob o efeito do vento produzido pelas pás do rotor do helicóptero.
Na BA3 - Tancos

Quando daqui saímos informo o Jofre que este ponto fica anulado por não reunir as condições de segurança aérea necessárias. E disse mais: a responsabilidade desta decisão é minha. Sou o mentor e o responsável por este exercício. Tu foste capaz de meter ali o aparelho, mas os outros teus colegas pilotos podem não o fazer e daí ser arriscado tentar.
O Jofre acatou a minha decisão e o assunto ficou encerrado.
Para terminar não resisto a descrever mais algumas façanhas deste piloto que me foram contadas por mecânicos que o acompanhavam em serviço de voo.
Nas operações de guerra em pleno mato africano, durante uma missão, detectou um terrorista numa picada (trilho, caminho) a fugir com uma arma na mão. Voa sobre ele, põe o helicóptero no chão deixando-o a trabalhar, sai e corre atrás do turra. Este sentindo-se perseguido, foge a sete pés mas larga a arma. Como não conseguisse apanhar o homem o Jofre agarra na arma, volta para o aparelho e descolou.
De outra vez o Jofre estava destacado no Aeródromo de Manobra n.° 95 em Cabinda, quando uma companhia de bailado da Metrópole foi fazer um espectáculo no teatro da cidade não só para militares como para a população civil.
A meio do espectáculo durante a noite, aparece o Jofre com um pequeno grupo de colegas amigos, que tinham andado nos copos, a querer entrar também. Como tivessem sido impedidos devido aos indícios da borracheira, voltaram para o Aeródromo.
Só que o Jofre não se dá por vencido. Mete-se sozinho dentro do helicóptero, voa para Cabinda durante a noite e vai colocar-se a sobrevoar o edifício do teatro, provocando uma barulheira infernal que lançou o pânico na assistência e acabou com o espectáculo.
Esta pequena amostra do que atrás fica relatado revela, sem margem para dúvida, as excelentes qualidades de piloto de helicóptero que foi o Capitão Piloto Rui Jofre Soares Dias Ferreira.


Por:









Agradecemos ao Sr. Major Serafim Esteves, nos ter permitido transcrever este texto do seu livro "As Memórias do Major".

5 comentários:

  1. Não conheci pessoalmente este Piloto mas,de nome e reputação conheci e gosto do que vou sabendo.Agradeço. Bom Ano de 2019.

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  2. De uma outra geração e não fui ao Ultramar, mas em Tancos, BA3 tive o previlégio de poder voar com ele, até barragem de Castelo de Bode onde fiz alguns ginchos.
    Paz à sua alma.

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  3. Privei bons tempos com o Amigo Jofre em Constância, um homem com H grande, amigo do amigo, amigo da sua família, pessoa que tinha sempre novos projetos tal como a criação de um clube na vila, hoje o Clube Estrela Verde de Constância do qual fui um dos sócios fundadores também.
    Um grande Homem.
    Paz a sua alma

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  4. João Leitão Rodrigues03 setembro, 2022

    Estive com o Jofre em Angola 69/71 Fez uma evacuação onde estive com um ferido 18 horas com uma fratura e uma amputação ! No texto estou numa foto com o Jofre -Ganhamos grande amizade para o futuro !Hoje não "permitirei" que desviem uma recordação que ele me deu quando regressei !

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  5. Em 1984 e 1985 voei com o "THE BEST OF THE BESTS" por 3 vezes e guardo na memória cada um dos segundos que passei com ele no ar. Só mesmo estando ali consegue perceber que a sintonia homem-máquina tem extremos inimagináveis.

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