domingo, 25 de janeiro de 2009

LESTE DE ANGOLA - CONJUNTOS DO AB4

“LESTE DE ANGOLA” Memórias de um passado saudoso. Situamos esta recordação nos finais de 1971 e princípios de 1972 na cidade de H. de Carvalho, actual Saurimo.


Volto a referir os Açores, B.A.4, Base donde me desloquei para Angola, após treze meses de tirocínio pois, é a aqui que assenta a raiz da minha narrativa. Com conhecimento de um artista em artesanato, solicitei-lhe a construção de uma viola com incrustações em osso de baleia e, com outros ornamentos característicos da ilha Terceira.

Viola com total elaboração manual, de som maravilhoso, e que passados trinta e nove anos, ainda a mantenho na sala de estar – afinada mas, silenciosa… Parti para Angola convicto de que iria aprender, praticar uns acordes e, passar os longos meses (36) com mais uma ocupação… Na camarata e, nas horas livres, dedicava tempo infinito no martelar das cordas porém, o avanço no saber era lento!... Um dia, certo especialista ao tomar conhecimento deste “Donovan”, resolveu convidar-me para o conjunto musical do A.B.4. Faltava um guitarrista e, não havendo mais ninguém naquela ocasião, fui eu o escolhido e convidado. Humildemente referi que era um aprendiz de pouca valia, mas a solicitação foi tamanha que resolvi aceitar -- tendo como Mestre o nosso “Bilinho” – José Abílio Gonçalves Almeida.

Formámos o conjunto, cuja equipa constava do Abílio, Bicker, Álvaro Jesus, eu e, o que me convidou (o do lacinho, penteadinho e com bigodinho). Não recordo o nome desse companheiro musical nem, do conjunto. Fomos uma sombra dos “Vampiros do A.B.4 – Velhinhos de 64”, dos célebres Tomanel Raposo, Jaime Lemos, Carlos Catarro e Mário Mendes. Reuníamos para ensaio numa salinha das comunicações, edifício situado perto da Torre de Controle e, posteriormente, fomos para as instalações onde se guardavam as descargas dos aviões, junto aos estacionamentos dos “Fockers” da DTA/TAAG e do Nord Atlas. Mesmo assim, ainda fizemos diversas actuações na Base e, na cidade. As fotos mostram a actuação no festival “Cacimbo” e, recordo que o nosso conjunto teve o privilégio de abrilhantar o casamento do saudoso Rui Dinis, na esplanada do Hotel “Pereira & Rodrigues”. Consta que havia uns desacordes, provavelmente meus, -- mas, perdoaram-me!... Há peripécias de menor importância contudo, passados tantos anos, dá vontade de reavê-las.
Os elementos do conjunto e, alguém mais, encontravam-se noutro edifício, perto da enfermaria, a “patuscar” e a beber umas “cucas” e “nocais – da loira tropical” quando, de repente, passou na dianteira do “Bilinho” uma das gigantes libelinhas angolanas. Ainda sóbrio, atira a manápula e saca a libelinha, colocando-a numa sandes que, momentos antes, iniciara comer. Trinca a sandes com o novo recheio, olha para nós com expectativa, mastiga lentamente, torna-se pálido, incentivamo-lo prometendo-lhe recompensa “cervejal “ porém, o “home” desistiu… Tinha-se ficado pela primeira trinca… Enfim, bom na música mas, fraco no apetite!
Vão longe estas memórias, mas saudáveis de recordar… Estes são temas para mais alguém prolongar porque, escrever dá saúde à mente. Deixo-vos algumas fotos inseridas na narrativa outras, no álbum de H. Carvalho 

Até breve. Vítor Oliveira – Ocart
Recebido por Mail

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

ENCONTRO COM ADÃO SANTOS "SOVIÉTICO"


ADÃO ALBERTO ALMEIDA SANTOS
OPC (AB4 de 67 a 69) Respondeu ao nosso contacto assim:
Muito bom dia caro Rui Neves. Informo que ainda não tenho e-mail privado.  
Quanto ao Blog, confesso que não tenho acedido, mas tenho apreciado todos os e-mails que me são enviados, contendo fotos de locais onde estive ou passei, fazendo-me relembrar bons tempos. 
Quanto a fotos de Especialistas (especialista não mexe nem que lhe passe um caralho pela boca, a acreditar no Major Tomás) como na generalidade são posteriores a Maio de 69 não me permitem reconhecer ninguém, mas nunca se sabe se a partir delas ainda posso vir a identificar e encontrar alguém que esteve no Leste de Angola. 
O que recebo do Álvaro Barroso, essas sim, recordam-me muitos amigos e companheiros. 
Claro que há fotos de Pilotos que todos nós conhecemos, independentemente de termos estado em Angola em 67, 68, 69, 70, 71, 72 ou 73, e há também o Selvagem vísivel na foto do Camaxilo 73-74 que fazia parte da matilha de cães que me acompanhavam na caça às perdizes com a Remington de 5 tiros e carregada com zagalotes porque não havia chumbo de caça. Cumprimentos e votos de bom ano. Neste momento não tenho comigo uma foto tirada à porta do edifício vísivel na foto, sentado em calções e com uma G-3 nas mãos em 1968, e outra rodeado da matilha em que figurava a célebre Diana que foi morta a tiro um dia à noite porque foi confundida com uma gazela. 
Cumprimentos e bom ano. Almeida Santos (Russo ou Soviético como era conhecido) O/C (ORTRA e OTC) de 13/06/1965 a 13/06/1969


Recebido Por Email
Nota do Editor: O Companheiro Almeida Santos foi convidado a enviar-nos elementos para a rúbrica " Companheiro da Quinzena"
Rui Neves

sábado, 17 de janeiro de 2009

AB4 ÚLTIMOS DIAS

Aqui se ilustra a entrega do AB4 , pelo Batalhão de Cavalaria 8322 , às forças do MPLA em Setembro de 1975 
Apesar de haver duas versões contraditórias sobre o início dos confrontos na Cidade de Henrique de Carvalho, a data mais precisa reporta-se ao dia 12 de Junho de 1975 um pouco depois da meia-noite, embora hajam relatos de que tudo se teria iniciado no dia anterior, dia 11, por volta do início da tarde: … "a Cidade, foi palco de inúmeros e violentos confrontos tendo o seu auge sido atingido no dia 17 de Julho de 1975, onde foi derramado muito sangue por toda a Cidade , tendo Henrique de Carvalho ficado bastante destruída" . 
Entretanto, o AB4 continuava a ser o ponto de refúgio para muitas famílias, que ali procuraram abrigo mal soaram os primeiros tiros isolados pela cidade que culminariam com algumas morteiradas , tendo algumas caído mesmo bem perto do AB4 nessa madrugada… 

[Este é um extracto do livro SORTILÉGIO DA COBRA de Mário Jesus da Silva , da editora ESQUILO ]

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A MINHA IDA PARA HENRIQUE DE CARVALHO

“LESTE DE ANGOLA” Memórias de um passado saudoso. 

Situamos esta recordação no ano de 1972 na cidade de H. de Carvalho, actual Saurimo.

Na minha estadia nos Açores, (1970/1971) e, ao abrigo duma lei decretada nessa altura, resolvi oferecer-me de voluntário para Angola, tendo por regalia a escolha da Província Ultramarina. Longe, por longe e, ganhando mais, desejei ir para Angola e, conhecer África… Sempre tinha ambicionado conhecer África!... 
Quando parti, planeei ocupar o tempo da melhor forma e, tinha como objectivos completar o antigo 7º. Ano, tirar o passaporte (difícil para a época), o Brevet, a carta de condução de automóvel e mota, conhecer Angola, Moçambique (e, se possível, S. Tomé e Príncipe) e, participar noutros eventos ocasionais, tais como; conhecer o povo Quioco e a sua língua, participar num teatro, no conjunto musical da Base, rádio, fazer uns voos com pilotos conhecidos através das savanas Lundanenses, namoriscar, coleccionar borboletas e ágatas desta região, etc. 
Consegui realizar alguns pequenos sonhos e, dentro de determinadas peripécias, vou descrever uma das minhas ocupações nesse “Leste” longínquo pois, sempre acabarei por abordar um ou, outro assunto, ou recordar colegas distantes – acalentando memórias… 
O Capelão da nossa Unidade (AB-4) era um autodidacta em muitas áreas. Dedicou-se a construir uma barragem que se situava na parte traseira da piscina, a Norte da cidade. Aproveitou um pequeno curso de água, estancou-o e, com engenho e arte, montou a aparelhagem própria para produzir energia. Consegui-o, e colocou um carrossel e, outras diversões movidas a energia eléctrica.
Era o passatempo para os jovens indígenas locais e, para alguma da nossa tropa… Recordo ter visitado essas paragens e, junto a esse “parque de diversão” haviam montes com cerca de dois metros de altura, edificados pelas “formigas de asa”.


Também realizou Teatro. Cederam-lhe o salão recreativo da cidade, situado numa avenida perpendicular á Capela. Era na mesma avenida onde moravam os sogros do 1º. Sargento Carvalho, o qual foi assassinado por meliantes negros - tendo como causa, o negócio de diamantes. Velei o seu corpo na Capela – ex-libris da cidade. Participei numa das muitas peças em que o tal Capelão encenou e, fazia de “ponto”. Numa dessa peças, participaram o nosso amigo Rui Neves e, outros companheiros do Serviço Geral assim como, civis.
Fizemos uma representação na cidade e outra, na Base – no Hangar onde se davam as sessões de cinema. Aqui, lembro-me do filme “A lagoa Azul”!...
Há algum tempo atrás, deparei-me com uma senhora que realiza os encontros anuais da população civil de Saurimo e, por coincidência, também ela participou numa dessas peças teatrais. Contou ela, que namoriscou um “especialista” porém, perdeu-lhe o rasto por todas estas décadas já passadas… Para vossas lembranças junto, remeto-lhes algumas fotos com anotações. 


Até breve.
Vitor Oliveira 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

RÁDIO FAROL

Naturais abastecendo de água no rádio farol
No dia ”não sei quantos” (só sei que era 6ª feira) de Março de 1971, aterrei na pista do AB4, no Leste de Angola, após uma permanência em Luanda de alguns dias, á espera de avião. 
Após as apresentações da praxe, fui de imediato enfiado dentro de um jeep e transportado até ao rádio farol. Uma vez aí, foi-me dito que era ali que eu passaria a fazer serviço de escala, sendo o meu próximo serviço já no Domingo seguinte. 
Foi-me feita uma explicação sumária do que tinha a fazer, mas sem grandes pormenores já que, segundo o meu cicerone, um electricista velhinho de quem já não lembro o nome, “os pretos tratavam de tudo”. Esse mesmo cicerone fez questão de me chamar a atenção, para as marcas de balas existentes na madeira do tecto, e que segundo ele, tinha sido uma rajada de metralhadora, disparada na última vez que o rádio farol tinha sido atacado. 
No Domingo seguinte, às 9h00 da manhã, lá vai o meu bom do Raimundo para o rádio farol, mais encolhido que nem um rato dentro de uma ratoeira. O dia até que nem se passou mal; aquilo era tudo novo para mim, e como pude verificar “os pretos (putos) tratavam de tudo”, punham o gerador a trabalhar, paravam o gerador, metiam gasóleo, tiravam os bidões vazios, metiam os cheios, enfim, a mim restava-me vê-los trabalhar. 
E o dia passou-se e chegou a noite. 
Os putos desapareceram e eu, de acordo com as ordens recebidas, telefonei para a torre a saber se ainda havia aviões no ar. Como a resposta foi negativa tive de parar o gerador, e ai fiquei eu, sozinho, algures no Leste de Angola, cercado de mata e de capim, e alumiado apenas pela luz bruxuleante de um candeeiro a “pitrólio”, tentando ler qualquer coisa para ajudar a passar o tempo, já que deitar e dormir era coisa que estava fora de questão. 
No sótão do casebre vivia uma colónia de morcegos, que logo que se pôs o sol, entrou em actividade, fazendo uma enorme barulheira, entrando e saindo pelos buracos que davam acesso ao mesmo, e também ratazanas que entravam para dentro do edifício e roubavam tudo o que apanhavam. 
Passado algum tempo comecei a ouvir uma grande “batucada”, o que à partida deveria ser uma boa experiência, pois tratava-se da primeira batucada genuína que eu ouvia em África. Mas a mim, aquela batucada soava-me a “tambores de guerra” e só serviu para aumentar o meu medo. Não sei quanto tempo durou a festa, só sei que depois do batuque terminar, comecei a ouvir barulhos na parte exterior do edifício. Falas e risos de gente que andava no exterior. O meu coração parecia não caber dentro da respectiva caixa. Sentado numa cadeira de fórmica, com a metralhadora FBP enclavinhada nas mãos, olhava para o tecto e via as marcas de balas a assinalar “a última vez que o rádio farol foi atacado”. 
- Estou perdido, é hoje que eu morro aqui, pensava eu com os meu botões. Mas o pior ainda estava para vir. Os meus visitantes, acharam maneira de se empoleirar nuns portões velhos de ferro que estavam encostados à parede na parte de trás do edifício e, como o edifício tinha na parte superior, uma abertura a todo o comprimento, preenchido com ripas de madeira em cruz, para ventilação, puseram-se a acender fósforos e a deitá-los para dentro de casa. Sentado na minha cadeira, eu via os seus olhos e os seus dentes brilharem à luz dos fósforos que iam acendendo. 
Depois, tal como chegaram, partiram, e eu fiquei ali toda a noite, sentado na cadeirinha, à espera que se fizesse de dia. 
Quando cheguei ao aeródromo e contei o sucedido, todos se riram de mim, e foi então que me disseram que aquilo era uma praxe que os pretos faziam sempre que chegava um maçarico ao rádio farol. Pensei então que eles eram muito corajosos e tinham tido muita sorte, pois eu estive muito tentado a por o dedo no gatilho. 
Depois deste incidente nunca mais tive problemas no rádio farol. Eram 24 horas passadas no meio do capim, convivendo com os naturais que vinham pedir água ou gasóleo, com pouco mais que nada para fazer, o que nos dava bastante tempo para a leitura, para por a correspondência em dia e também para a reflexão. 

Um dia escrevi lá este poema: 
Rádio farol, desterro e solidão! 
E o barulho de um motor roncando. 
E quando à noite, os ratos vão ratando… 
O resto é silêncio e escuridão. 
As pretas que vêem pedir água, 
Chegam à porta,…. 
Falam em Quiôco, 
Na minha face há um sorriso louco, 
Mas cá no fundo, somente existe a mágoa. 
Mágoa pelo velho negro, que à tardinha, 
Sai do capim, como uma cobra esguia. 
E a medo vem para mim, falando de mansinho 
-“Moio, branco bom, mi dá gasóleo p’rá minha mentolia”. 
Mágoa também por mim, aqui perdido…. 
Algures no Leste de Angola sem ter fim. 
Mágoa sim, por mim, aqui perdido! 
No meio de uma guerra sem sentido. 
Raimundo á conversa com habitantes da sanzala próxima do rádio farol


Texto e Poesia de: Filipe Raimundo

sábado, 3 de janeiro de 2009

NOITE DE CAÇA NO CAMAXILO

Algum pessoal do Camaxilo...e o Unimog
Talvez e por força das circunstâncias eu tenha sido um dos elementos que mais tempo de destacamento tive enquanto estive no Leste.

Não direi que fui mesmo aquele que mais tempo permaneceu no Camaxilo, por exemplo, porque também houve alguém que lá esteve seguramente muito tempo. Estou a referir-me ao meu amigo Fonseca MELEC que foi um veterano do AM42. Tive ainda o prazer de conviver com ele no Camaxilo, sendo mesmo aquele que me guiou para reconhecimento da área e me iniciou nas artes sanzalinas! Ele acabaria de regressar ao AB4 após aquela longa estadia no AM ficando eu então ainda por lá algum tempo mais .
Nalguns escritos, pois o local a isso se prestava, fui escrevendo algumas crónicas e reparo agora, após reactivar as memórias que estive exactamente: 11 meses no Camaxilo, 6 meses no Cazombo, com 13 de Henrique de Carvalho, sendo que destes 13 meses alguma parte fosse repartida entre o Luso, Cuito, e Teixeira de Sousa, de onde mantenho ainda um excelente quadro batido a cobre, que por lá me ofertaram, quando na campanha anti-cólera.
Também e segundo alguns rabiscos de ocasião me fazem vir à lembrança uma das composições do quadro de pessoal no Camaxilo que era assim: 1 Oficial , 1 Sargento, 1 ENF, 1 OMET, 1 MELEC e 1 OPCOM, 1 MRAD , 2 Cabos e 12 Soldados PA , 1 SG Condutor e 2 Cozinheiros Civis.
Como recordar é viver, não poderia deixar de passar em claro um episódio que só não teve consequências trágicas porque seguramente a sorte esteve no nosso lado. 
Uma daquelas noites como já houveram tantas outras atrás, estava decidido empreendermos mais uma caçada nocturna. Era hábito nos AM´s este tipo de “divagação”, que alguma carne nos trazia. 
Geralmente a caçada iniciava-se com a saída do AM logo após o jantar e reunida toda a equipa com verificação do equipamento e lá íamos com o Soldado Pato [SG] a conduzir aquele Hunimog que tão bem conhecia aqueles sinuosos caminhos. 
O destino era a Chana do leão. Havia quem dissesse que o homem é só mesmo um grão de nada no meio da chana.
Um pensador da época de nome Sekulu dizia mesmo num dos seus escritos :
Não andes em círculos ou espiral, o tempo avança! Avança sempre como espada recta crescendo.
É uma chana sem fim o tempo, sem floresta para cercá-lo e como todas as chanas tem vento vestindo brisa ou garro alevantando calemas de muxitos.
Pois era assim mesmo … e foi esse o nosso destino nessa noite.
Após uma caçada até bastante boa, tínhamos já na altura 6 cabras, decidimos então empreender o caminho de regresso. Presto aqui homenagem a um excelente atirador, e amigo, que tínhamos no AM, nessa altura, e que era conhecido pelo dezoito, porque o seu número mecanográfico era 18/71,1.º Cabo PA. Militar de estatura baixa corpo franzino mas de G3 raro era o animal que lhe escapava. Eu, era nessa noite, como em quase todas as outras, o farolinador de serviço, arte que “herdei” do Fonseca [MELEC]. A arte de farolinar devia estar bem associada ao atirador de serviço, pois e para quem não sabe, tínhamos de “puxar” o animal para o mais perto possível de nós até estar ao alcance do tiro, pois ir ao seu encontro quase sempre originaria a fuga do animal.
Lembro que apenas os olhos se distinguiam na noite e só mesmo por estes nós sabíamos que tipo de animal era.
Não é fácil andar de noite, nem de dia, na chana disso tenho eu experiência própria pelas muitas noites perdidas, quer na chana da Cameia quer na do Leão. Perdermo-nos é a coisa mais fácil de acontecer, porque no constante ziguezaguear perdemos a noção dos caminhos.
Era madrugada cerrada, nessa noite não conseguíamos dar com o caminho de regresso. O Pato atravessava por entre mata com e sem trilhos, até que caímos numa vala. O radiador furou e ficamos por ali tentando arranjar maneira de o reparar. Lá conseguimos um reparo de ocasião e iniciámos a marcha. 
Estávamos perdidos. O dia nascia e continuávamos perdidos. Mais um dia de caminhos entre o ir e voltar e nada. Mais uma noite a aproximar-se e nós sem rasto de volta. Mais um dia mais percursos. Foi já na 3ª. noite que sem darmos conta estávamos numa sanzala completamente isolada no mato. 
A nossa situação foi explicada, graças ao Pato que sendo oriundo de África falava e entendia alguns dialectos. Nessa noite ficamos por ali mas sempre despertos e alertas, o caso não era para menos. 
No outro dia e já com as indicações dadas fomos ao caminho andamos todo o dia e já de madruga a dentro avistamos um clarão na noite, que nos pareceu ser do AM. 
Era mesmo, pois algumas horas depois estávamos a chegar a casa. 
Vínhamos famintos mas por incrível que pareça o Alferes Silva, que na altura comandava o destacamento, não nos deixou comer, alegando que não acreditava que nos tivéssemos perdido, já que quer eu quer o Pato devíamos conhecer bem os caminhos tantas as viagens que já havíamos feito até à chana.
Ficámos em “branco” e sem carne, que tinha sido dada na sanzala, afinal teria servido para trocar pela informação do caminho para o AM. 
Aqui, e já depois de analisar-mos tudo que havíamos passado, uma pergunta. Como sabiam aqueles estranhos na sanzala qual exactamente o caminho para o AM ? 
A resposta foi dada uns dias depois. Estávamos no Posto de Transmissões e na rádio uma notícia de uma emissora ocasional local dava conta do aparecimento de um veículo, perdido, com militares em determinada hora e local. Falavam de nós. Diziam na noticia que estivemos num Posto de Abastecimento Local [ PAL] e que não nos fizeram mal algum porque nos tinham a nós os da Força Aérea por pacíficos, ao contrário do pessoal do exército que eles consideravam muito mais perigosos e nada amistosos.
E…este foi mais um rabisco no meu Álbum de Recordações do AM42 .

Virgilio Oliveira [ENF]