quinta-feira, 30 de março de 2023

AB4 – A BIBLIOTECA, O BIBLIOTECÁRIO E EU (1ª. Parte)

Em primeiro plano o edifício do Comando onde se localizava a biblioteca


AB4 – HENRIQUE DE CARVALHO
Infelizmente a Força Aérea nunca teve uma tradição de gerir com o mínimo de acerto os meios e os homens que dispunha para o funcionamento de todo o sistema, dava mais importância à quantidade de profissionais, expediente que abre caminho a promoções dos sargentos e oficiais que podem estes atingir em maior número o generalato e com menor idade. 
Nos meios aéreos a velhice era galopante, com a falta de sobresselentes e as grandes avarias. 
A Base de Henrique Carvalho não fugia à regra.
As instalações e infraestruturas eram boas, quer ao nível de camaratas, clubes e messes, enfermaria, hangares, pocilga, aviário, carpintaria, capela, etc.
Os aviões existentes não seriam mais do que 25 dos modelos PV2, Dakota, T6 e DO27 e um Beechcraft, mas que ao nível de prontidão não seriam mais do que 15, distribuídos pela Base principal, Aeródromos de Manobra e Recurso. 
Na secção de que fazia parte MELEC de Aviões e Instrumentos, pertenciam 10 sargentos e 11 cabos especialistas numa área de 25 m 2 com prateleiras, bancadas e uma secretária do chefe.
Não podiam estar todos os elementos nem o trabalho dava para 1/3, situação que dava origem a que os homens estavam na maioria pirados. Nas especialidades de MMA, Abastecimento e outros os exageros eram iguais.
No AR Luso com 8 Alouette III só havia um sargento e um cabo-especialista eletricista.
Na especialidade de Operador de Comunicações os nossos camaradas não eram substituídos a tempo e “lerpavam” de 8 a 12 meses, alguns a experimentar a demência.
Como era tradição haverem louvores, víamos às vezes na ordem do dia elogios que eram uma perfeita mentira, redigidos em termos mais ou menos assim.
Com levado sentido de dever, não regateando esforços no trabalho quotidiano, com a manifesta falta de mais profissionais qualificados, conseguiam com sabedoria resolver as tarefas que lhes foram confiadas.
Com tanto tempo livre, era necessário fazer qualquer coisa para não darmos em malucos, mas alguns ficaram com marcas definitivas. Uns jogavam à bola, outros dormiam de tarde, haviam diversos bares abertos a todas as horas.
Eu optei por ler e para tal era assíduo utilizador da biblioteca. Tive também uma ajuda, do 1º.sargento Mota Chefe de Secção, tinha a família em Luanda e mês a mês deslocava-se à Sexta-Feira até Segunda de fim-de-semana a viajar no Nord Atlas. Por motivos que desconheço, mas talvez pela simpatia e respeito que sentíamos um pelo outro e sabendo que tinha alguém à minha espera na capital, indicava-me para meter o pedido à Quinta-Feira, um procedimento sigiloso que me beneficiou e acabei também por ser um privilegiado, e quando tinha dinheiro ficava mais uma semana na praia.

A BIBLIOTECA
Na Biblioteca os mais utilizadores eram o Simão Cabral, o Raimundo, o Jaime Abi, Eu, Vítor Faria (Pilas), Mendes Martins, Sargento Mota e soldados do SG e PA, não me recordo de ver algum oficial.
A moldura de livros era estupenda, os mesmos eram na maioria novos, havia sempre o cuidado de estar ao corrente das novidades e tivemos até direito a best-sellers.
Da OS nº. 239 de 13/10/1971

Eu já tinha o hábito de leitura, observei os grandes autores portugueses, Fernando Namora, Alves Redol, José Cardoso Pires, Eça de Queiroz e outros. Já conhecia alguma coisa de Hemingway, Scott Fitzgerald, Irving Wallace, Leon Uris.
Quis continuar a saborear a obra de Ernest Hemingway. O Raimundo acabou de ler um livro do William Faulkner que se chamava “O mundo não Perdoa”, acabei por ler também e ficar apaixonado pela escrita deste grande escritor Norte-Americano. Depois seguiu-se John dos Passos, Erskine Caldwell e John Steinbeck.
Apenas por um pequeno apontamento, o nosso "Pilas" só gostava de poesia, recitava Cesário Verde e António Boto. Nós riamos!

O BIBLIOTECÁRIO
Este homem, um soldado do SG, parecia que era o único que trabalhava na base. Abria às 8h30, fechava ao meio-dia, reabria às 14h e fechava às 16h30. Era extremamente simpático e informava-nos das novidades. Ele próprio lia muito, nunca tive a curiosidade de saber de onde era originário. Hoje, passados tantos anos considero que foi uma falha minha já que passados mais de 50 anos ainda me lembro do nome de maior parte dos camaradas e desse homem, de quem era amigo, nem o primeiro nome.

ERNEST HEMINGWAY
Este grande senhor que nasceu nos EUA na cidade de Oak Park, Illinois em 1899 pela sua qualidade, irreverência e espírito aventureiro, tornou-se um cidadão do mundo.

Tomei conhecimento da sua obra quando fiz 18 anos. Uma moça ligeiramente mais velha ofereceu-me um livro, que me iria introduzir na leitura deste famoso escritor. Esse livro chamava-se “O Adeus às Armas” cujo o ambiente se passava na Primeira Guerra Mundial onde o autor era condutor de ambulâncias, em Caporetto (Itália) e teve também os primeiros amores e dissabores com uma enfermeira inglesa que iriam continuar o resto da sua vida, até ao seu suicídio em 1961. A minha amiga natural de Cortegaça já tinha concluído o Curso Geral de Comércio e eu o de Montador Eletricista na conhecida Escola Infante D. Henrique, estava a tirar um curso no Porto de dactilografia para ingressar no mercado de trabalho. Conheci-a no Verão anterior quando estive acampado em Esmoriz.
Li na OTA o segundo livro do Hemngway “Por Quem os Sinos Dobram”. A ação passa-se em 1936/39 na Guerra Civil de Espanha, mais propriamente nas montanhas junto a Miranda Del Ebro. Trata-se do quotidiano de um grupo de guerrilheiros republicanos que perpetravam ataques às tropas nacionalistas comandadas pelos Gen. Mola e Franco. Há um relato de uma emboscada a uma coluna de blindados tripulados por mancebos da mesma aldeia, por si só já é terrível, mas na passagem para o cinema teve outra dimensão. No ecrã é realçado o desempenho de um americano das brigadas internacionais (Gary Cooper) que se apaixona por Maria (Ingrid Bergman) filha de um casal de guerrilheiros que liderava o acampamento, Pilar (Katina Paxinou) e o Pablo (Akim Taniroff) um falso que negociava com os dois lados da guerra.
A classe da obra fez-me sentir que devia conhecer mais.
No AB4 a biblioteca tinha 5 a 6 livros do autor e todos da editora Livros do Brasil. Li “O Velho e o Mar” que só tem 120 páginas, mas que é um espanto pela forma de sentir o prazer da vida do Hemingway. Trata-se de uma pescaria em Havana em que o autor sai da baia e vai num caíque com o seu amigo pescador à procura do merlim. Situa-se ao largo da baía e daí se vê somente muito ao longe as luzes da cidade e entre dois dias e uma noite pescaram um grande peixe, amarraram-no à traseira do barco e com muito custo arrastaram-no até terra. Quando chegaram apenas traziam a cabeça, a parte anterior foi comida pelos tubarões.
Em Cuba com Hemingway


Numa das minhas viagens fui a Cuba, percorri os bares onde o Hemingway deixou a patente das bebidas Daiquiri e Mojito, cocktails de referência em todo o mundo. Estive também no quarto onde dizem que o escritor, já meio senil, passou tempos maus.
Li “As Verdes Colinas de Africa”, não está alinhado com a essência e mensagem do autor, é mais uma viagem a explorar os pensamentos filosóficos dos escritores contemporâneos do autor.
“As Neves do Kilimanjaro” e os “Contos de Nick Adams” tratam das suas andanças e vivências, caça na Africa Oriental, mais propriamente Tanzânia e Quênia.
Como todo o intelectual, tinha um propósito, passar por Paris e viver a vida mundana de Montparnasse e Sacre Coeur a exemplo de Cummings, Picasso, Scott Fitzgerald, Amadeo de Souza-Cardoso e muitos outros que ao longo dessa geração foram cultivar as novidades e correntes das artes, aí escreveu “Fiesta” uma grande referência da sua obra.
Hemingway em Pamplona

A paixão por Espanha foi tão grande que contagiou os habitantes de Pamplona. A largada de touros era uma festa local e passou a ter um eco mundial. Existe uma escultura em bronze na praça principal em tamanho real com 4 touros desgovernados. É obrigatório a visita assim como a largada no dia 5 de Julho, San Fermín que não deixa dormir ninguém na noite anterior para assistir a 7 a 10 minutos de largada. A festa tem uma semana, mas no dia 5 é o ponto alto.
A vida amorosa do meu ídolo foi muito concorrida. Casou 4 vezes e teve inúmeros relacionamentos, escreveu dois livros sobre a sua quarta mulher com quem viveu na Suiça, foi um relacionamento tumultuoso que o autor não queria lembrar nem publicar, mas os herdeiros na procura de dinheiro fizeram-no. Fez-me lembrar um caso idêntico com José Saramago, que haviam obras que o escritor não queria que se divulgasse, mas a viúva a interesseira Pilar, esqueceu-se das vontades do defunto.

Fim da primeira parte.

Por: Toneta


quinta-feira, 23 de março de 2023

OS PRIMOS (SAAF)


Durante a guerra colonial, em Angola, as partes beligerantes contavam com apoios vizinhos. No Sul, o exército português tinha o apoio quase incondicional da África do Sul, enquanto o MPLA contava com a Zâmbia.
A ajuda sul-africana tinha várias vertentes. Na Neriquinha víamo-la nos rótulos da ração de combate e de forma intensa na participação da sua força aérea, sempre que uma qualquer operação implicasse o envolvimento de helicópteros.
Mesmo não se estando por dentro dos meandros das negociações ou do pedido de apoio, a ideia que ficava é que não olhavam a meios. Sempre que fosse preciso, uma esquadrilha de Alouette III surgia com os aparelhos que fossem considerados necessários. Nós só entrávamos com o combustível. JP1 era coisa que não faltava na Neriquinha, e a logística militar encarregava-se de não descurar o abastecimento.
Chamávamo-los de “os primos”. Da origem do nome não conheço pormenores. Aliás, penso que o baptismo não foi da autoria da 3441. A designação já vinha de trás e era a forma como todos se referiam aos vizinhos do Sul.
- Prá semana temos cá os primos! Dizia-se sempre que se avizinhava uma operação em maior escala ou a ser levada a cabo em zonas mais afastadas e inacessíveis por terra.
Eram sempre bem-vindos. Traziam animação e quebravam a monotonia doentia do ram-ram estupidificante.
Parqueavam na pista, para lá do arame farpado, obrigando a um reforço adicional das sentinelas com mais dois ou três homens posicionados estrategicamente dia e noite, zelando pela segurança dos aparelhos. Fosse quem fosse o escalonado, barafustava sempre.
- Porra! Calha-me sempre a fava!
Para mim eram dias fantásticos. Perdia a noção do tempo seguindo todos os passos da criteriosa e quase religiosa sequência dos cuidados com a manutenção, autênticos mimos que dispensavam àquelas máquinas extraordinárias.
Deliciava-me a tentar entender como funcionavam. Acessoriamente, desenferrujava o mal sabido inglês escolar.
É claro que isso só acontecia quando eu não participava na operação em curso. Nessa altura apenas os via à chegada, durante o voo e à partida. Não acompanhava o frenesim em terra mas, sendo um dos transportados, dava para ver como manobravam aquelas coisas, para além de desfrutar da sensação de um voo que não se assemelhava ao de qualquer avião. Pairava-se no ar, podia-se voar alto ou baixinho e pousar onde se quisesse. Até dava para ir à caça. Já imaginaram caçar de helicópetro? Normalmente apanhavam-se duas peças que se transportavam dependuradas, uma em cada estribo. Assim garantiam o equilíbrio do voo.
A tripulação era sui generis. Embora simpáticos e de certa forma, compinchas, o seu comportamento denunciava os tiques da realidade política da África do Sul onde então vigorava um regime de apartheide com uma segregação racial levada a sério. A facilidade com que os portugueses conviviam com os negros era coisa estranha para o seu entendimento.
- you do like negros! Indeed.
Esta espécie de desprezo racial ficou demonstrada quando, certa noite, após o jantar, na sequência de um quase ritual alcoólico, ofereceram uma cerveja ao rapaz negro que ajudava na messe. O que a princípio parecia simpatia, não era mais do que uma atitude deliberada de o embebedar. Com a ajuda de um funil que lhe colocaram à força na boca, foram despejando cerveja após cerveja, directamente para a garganta do infeliz. Só a nossa intervenção livrou a horrorizada vítima das mãos dos três militares que o seguravam.
- Just Joking. Justificaram-se no meio das risadas.
A relação destes homens com o álcool era uma das suas imagens de marca. Durante todo o dia e enquanto durasse a sua actividade, nunca ingeriam uma simples gota de álcool. Apenas bebiam refrigerantes desde a gasosa à laranjada, mesmo às refeições, o que nos parecia estranho, já que, sendo o vinho, zurrapa, duas cervejas era o mínimo que qualquer um bebia ao almoço, com a devida excepção de um ou outro abstémico. Mas os Sul-Africanos, nem isso. Nem água bebiam. Apenas laranjadas e coisas assim, revelando a disciplina rígida de quem tinha a responsabilidade de pilotar helicópteros ou fazer a sua manutenção.
Mas, ao fim do dia, arrumados os aparelhos, feita a sua criteriosa manutenção, cobertas com lona todas as suas partes sensíveis e concluídas as tarefas de que estavam incumbidos, recolhiam aos balneários, substituam os fatos-de-macaco camuflados por roupa civil e apareciam um após outro na messe. Faziam-se acompanhar invariavelmente por garrafas de um brandy produzido na África do Sul.
O intragável brandy Richelieu deveria ser a sua bebida preferida. Traziam sempre caixas daquilo e bebiam-no desalmadamente.
Aliás, era impressionante a quantidade de álcool que aqueles odres ingeriam no bocado de noite que mediava entre o fim do jantar e a hora de recolher. Numa autêntica bagunça feita orgia alcoólica, bebiam o Richelieu puro ou misturado com cerveja em proporções iguais. Confesso que nunca pensei que se pudesse misturar brandy com cerveja e menos ainda naquelas quantidades.Tinham técnicas eficazes para se embebedarem depressa e bem. Uma delas era a referida mistura. Outra passava por uma espécie de prova de habilidade e concentração onde também alinhávamos. Um grupo, de seis ou sete, sentava-se à roda de um mesa, cada um com uma garrafa de cerveja vazia. O objectivo era passar a garrafa ao seguinte, recolher a que nos era deixada pelo anterior e passá-la de novo ao seguinte, tudo ao ritmo de uma canção sem letra, comandada pelas batidas do fundo da garrafa na mesa. Importava ter atenção ao ritmo e ao facto de, a cada duas passagens de garrafa, não a largar, voltar atrás e depois à frente e só então largá-la para o seguinte. Quem se enganasse teria de beber uma cerveja.
Claro que, quanto mais nos enganávamos, mais se bebia e quanto mais se bebia mais nos enganávamos, num ciclo vicioso de onde só se saía caindo para o lado.
Por volta da meia-noite estavam todos tão bebidos que chegávamos a duvidar que no dia seguinte os helicópteros levantassem. Uns cambaleavam até à cama e outros eram levados pelos mais resistentes. Mas o facto é que se levantavam cedo, frescos, lúcidos e prontos para a tarefa de transportar tropas para os locais da operação, em segurança e com um sentido de responsabilidade e disciplina notáveis, como se nada tivesse acontecido no dia anterior. É que nem falavam nisso.
Na noite seguinte voltavam ao mesmo, repondo o stock de Richelieu e infligindo baixas significativas no nosso stock de cerveja.


Tudo acabava quando, cumprida a missão, carregavam tudo nos helicópteros e voavam em formação rumo a sul, prometendo voltar. Na operação seguinte voltavam. Alguns eram os mesmos, outros não. Contudo o comportamento não se alterava: refrigerantes durante o dia e excesso de álcool à noite. Até as caixas de Richelieu pareciam as mesmas.

Publicada por Egidio Cardoso no Blog Caçadores 3441
http://angola3441.blogspot.com/2009/10/os-primos.html

quinta-feira, 16 de março de 2023

UMA ESTÓRIA NAS TERRAS DO FIM DO MUNDO - O QUE TIVE DE ATURAR AOS "CARCAMANOS"



Cuito Cuanavale. 
A 24 de Julho de 1969, saímos de Henrique de Carvalho e chegamos ao Cuito Cuanavale, após 4 horas de voo com escala em Cangamba. A pilotar o DO-27, 3430, o tenente Andrade, para uma operação com os helis dos “primos” da África do Sul (SAAF), essa operação envolvia tropas do exército, e pára-quedistas.

O 3430
A 29 deslocamo-nos a Serpa Pinto, e voltamos no mesmo dia. Quando chegamos tinha também chegado um PV-2 que transportava o correio de Henrique Carvalho, foi quando recebi a noticia da morte do meu avô. Com o desgosto, à noite após o jantar, decidi com o meu amigo e camarada Orlando Simões beber uns bagacitos o que deu numa tremenda bebedeira. Na camarata juntamo-nos com os mecânicos dos helicópteros dos “primos” e as pielas deram em que os sul-africanos começaram a provocar e a dizer que os helis deles eram melhores que os nossos T-6 e DOs coisa que eu não gostei.
Um grupo de "primos"

Entretanto viemos para fora sempre a discutir (conversas de bêbados) palavra puxa palavra e as tantas um deles deu-me um soco nos queixos e enfiou-se na camarata onde todos nós dormíamos, tanto pilotos e mecânicos portugueses como sul-africanos. Lá me consegui endireitar e fui atrás dele entrei na camarata onde quase todos dormiam, entrei a vociferar a chamar-lhe todos os nomes do nosso vernáculo. Levantam-se dois “carcamanos” de quase 2 metros de altura, dispostos a “anestesiar-me” para eu sossegar, o Orlando Simões afasta-os, agarra em mim e deita-me na minha cama, que por sinal era junto à porta. Mal consigo “aterrar” vem “carga ao mar” o que fez com que tudo o que eu jantei, que por sinal era feijoada, ficou espalhado junto à porta da camarata, o que fez com que os “primos” e não só, ficassem incomodados com o odor, e abriram a porta fazendo com que o frio e o cacimbo da noite entrasse e eu acabei por pagar as favas.
eu em Cangamba
A 31 voamos para Cangamba onde permanecemos até 4 de Agosto, juntamente com os “primos”, fomos todos dormir na “missão“.
A 2 de Agosto fui no DO-27 com o tenente Andrade, ao Alto Cuito, quando voltamos já não havia espaço para eu dormir na “missão”, então fui obrigado a dormir na prisão do quartel do exército num colchão insuflável, em que tive de o encher várias vezes durante a noite.
A 4 de Agosto voltamos para o Cuito Cuanavale.
Quando ai chegamos verifiquei que a cama que eu ocupava já estava ocupada por outro que por sinal era o nosso camarada Montenegro, entretanto procurei uma cama vaga e encontrei uma de um piloto sul-africano, que se ausentou em missão, e como “quem vai ao mar perde o lugar” fiquei com ela, entretanto o mecânico sul-africano que me tinha dado o soco, nessa noite emborrachou-se e tive que atura-lo, começou a resmungar entre dentes que aquela cama era do Lieutenant, e eu mandei-o levar no ...com o Lieutenant dele. Não é que o “menino” puxa de uma pistola a aponta-me à cabeça, eu que estava a escrever um aerograma para casa, acabei por não saber o que estava a fazer, tinha a esperança de que o Orlando Simões, que estava a dormir na cama em frente à minha, acordasse e fizesse algo para me livrar daquela situação, pois na cama ao lado da dele estava pendurada uma walter dum piloto nosso, mas felizmente o tipo acabou por baixar a arma saiu da camarata e pôs-se aos tiros fora do hangar.
Claro não deixei passar o caso, no dia seguinte informei o tenente Andrade, o que fez com que o “primo” fosse recambiado para a África do Sul.
Provavelmente o Orlando Simões não se recorda destes episódios.

As datas tenho a certeza porque fui buscar à minha caderneta de registo do serviço aéreo.















Por: Orlando Coelho

quinta-feira, 9 de março de 2023

F-84 THUNDERJET



O F-84 Thunderjet foi um caça diurno, propulsionado por um único turbojato, produzido pela empresa norte-americana Republic Aviation Corporation.
Projetado durante a fase final da Segunda Guerra Mundial, o Thunderjet, que constituiu, conjuntamente com o seu contemporâneo F-80 Shooting Star, a primeira geração de caças a jato de produção norte-americana, voou pela primeira vez em 1946, mas apenas em 1949, com o modelo F-84D, foi considerado totalmente operacional, tendo atingido a plena maturidade com a sua versão F-84G em 1951.
As limitações das impostas em combate aéreo pelas suas asas retas conduziram ao desenvolvimento de uma versão de asas em flecha o F-84F Thunderstreak do qual surgiria uma versão destinada ao foto-reconhecimento o RF-84F Thunderflash. As versões de asas retas foram largamente usadas na Guerra da Coreia como caças bombardeiros, mas as de asas em flecha não chegaram a tempo de serem implementadas nesse teatro. Apesar disso, foram amplamente produzidas para a USAF e países aliados dos EUA, mantendo-se em serviço em alguns até 1974.

HISTÓRIA
Em 1944, a Republic Aviation começou a trabalhar no projeto "AP-23", pretendendo desenvolver um sucessor para o seu bem sucedido caça P-47 Thunderbolt. Alexander Kartveli liderava a equipa de projeto da aeronave que deveria ser alimentada pelo primeiro turbojato Norte Americano de fluxo axial, o General Electric (GE) TG-180. O projeto preliminar foi aprovado pela USAAF que em novembro de 1945 contratou a Republic Aviation para a construção de três protótipos e uma estrutura para testes estáticos, sob a designação de XP-84. O primeiro XP-84 Thunderjet, como fora denominado, realizou o seu voo inaugural em fevereiro de 1946 na Edwards Air Force Base, na Califórnia.

Os protótipos XP-84 Thunderjet
Embora Kartveli tenha considerado adaptar a fuselagem do P-47 à propulsão jato, a ideia provou ser impraticável, e por isso o XP-84 era um projeto completamente novo que em nada se assemelhava ao Thunderbolt. O aspeto do Thunderjet era basicamente o de um “barril esticado", com uma entrada de ar no nariz, asas retas baixas, uma empenagem convencional, uma canópia de bolha deslizante e trem de aterragem triciclo.
Protótipo XP-84
O XP-84 era equipado por um turbojato General Electric J35-GE-7 (TG-180) com 16.7 kN de empuxo. A asa era suficientemente grossa para permitir acomodar todos os tanques de combustível e por isso não foi colocado nenhum na fuselagem. As superfícies de controlo, acionadas mecanicamente eram convencionais, compostas por flaps, ailerons, elevadores e leme. O trem de aterragem triciclo tinha hastes longas com uma única roda que retraia hidraulicamente para as asa e no caso do trem dianteiro para trás para dentro da fuselagem. A fuselagem dispunha de para choques dorsais à retaguarda para a proteger de embates no solo durante as descolagens, dispunha de um travão aerodinâmico na barriga entre as asas e a parte traseira podia ser removida da restante para permitir a manutenção do motor.
O segundo protótipo voou em agosto de 1946, e em setembro de 1946, fixou o recorde de velocidade nos Estados Unidos de 983 km/h (internacionalmente só abaixo do britânico Gloster Meteor F.4 que atingira os 992 km/h). Este registo não duraria muito tempo devido à rápida evolução doa aviões durante este período.
Várias deficiências, descobertas durante os testes de voo do protótipo inicial conduziram a uma considerável revisão no projeto do terceiro, que surgiu como XP-84A. As alterações aumentaram o peso da aeronave, que por isso foi equipada com um motor turbojato Allison J35-A-15 com 17,8 kN de empuxo, embora o GE se mantivesse como alternativa caso houvesse problemas com o fornecimento de motores Allison (a disponibilidade de motores provaria ser uma questão problemático no programa de desenvolvimento do Thunderjet).

Testes operacionais, do YF-84A ao F-84D
Mesmo antes do voo do primeiro protótipo, em janeiro de 1945, a USAAF apresentara à Republic uma encomenda de 25 aeronaves de pré-produção YP-84A para avaliação em serviço e mais 75 aeronaves de produção P-84B (a encomenda foi posteriormente alterada para 15 YP-84A e 85 P-84B). 
F-84B
Os 15 YP-84A eram semelhantes ao terceiro protótipo, com adição, do armamento composto por seis metralhadoras Browning M2 de 12,7 mm (quatro no nariz acima da entrada de ar e uma na raiz de cada asa), e de tanques de combustível na ponta das asas com capacidade para 872 litros.
Os P-84B, foram equipados com motor de Allison J35-A-15C, armado com metralhadoras Browning M3 com maior cadencia de tiro, um assento de ejeção, suportes retráteis nas asas para oito foguetes HVAR (High Velocity Air Rockets) de 12,7 cm e um suporte retrátil perto da raiz de cada asa para uma bomba de, até 225kg, ou outra carga bélica comparável. Os seriam posteriormente convertidos para este padrão.
Os primeiros P-84B, integraram o 14º Grupo de caças da a partir do verão de 1947, mais ou menos pela altura em que a USAAC se tornou na USAF, que em fevereiro de 1948 dispunha já no seu efetivo de 226 P-84B, entretanto redesignados como F-84B devido à alteração das nomenclaturas da USAF. 
F-84C
Porém o F-84B tornara-se bastante problemático em termos de manutenção (era frequentemente considerado um "pesadelo do mecânico", facto agravado pela falta de sobresselente), de fiabilidade e, contrariamente ao que era usual nas aeronaves Republic, pouco resistente. Tinha sido colocado ao serviço mas considerado inapto para combate.
Em maio de 1948 começara a sair da linha de produção a versão F-84C, similar à versão anterior mas com o sistema elétrico revisto e um motor J35-A-13C, mais confiável. Porém as 191 aeronaves produzidas continuaram a ser consideradas pouco aptas para combate (os F-84B e F-84C passariam até 1954 para a Air National Guard (ANG) que os utilizou na instrução, e 80 iriam para a US Navy para serem convertidos em drones alvo (F-84KX).
F-84D
O F-84D, foi uma tentativa de corrigir rapidamente as piores deficiências do Thunderjet até que o seu redesenho completo pudesse ser colocado em produção, como forma de evitar a ameaça de cancelamento do programa já equacionada pela USAF. Os testes da USAF ao F-84D determinou que era mais satisfatório do que seus antecessores, embora não muito mais. O pesadelo mecânico que era a sua manutenção permanecia, apesar das inúmeras alterações que foram sendo introduzidas ao longo da produção. O F-84D apresentava-se com um motor J35-A-17D mais potente com 22,25 kN de empuxo, um trem de aterragem modificado, com engrenagens totalmente mecânicas, reforço estrutural das asas e fuselagem, aos tanques de combustível da ponta das asas foram adicionadas aletas para reduzir as forças de torção sobre as asas, o tubo de pitot foi deslocado para o nariz, o suporte de bombas da raiz das asa tornou-se fixo, e a canópia foi melhorada permitindo uma libertação rápida tornando o assento ejetável finalmente utilizável.
Os 154 F-84D produzidos foram entregues entre novembro de 1948 a abril de 1949, sendo tolerados pela USAF, que esperava que a versão seguinte o F-84E, tornasse finalmente o Thunderjet totalmente apto para combate. 

Atingindo a maturidade, F-84E e F-84G
O F-84E, seria otimizado para a função de caça-bombardeiro. A fuselagem seria alongada em 30 centímetros fornecendo um cockpit mais espaçoso (um problema nas versões anteriores) , às asas mais fortes e tanques da ponta das asas melhorados, seria adicionada, a capacidade para transporte de tanques de combustível nos suportes para bombas, provisão para JATO (jet-assisted take-off), que permitia descolagem com cargas maiores. O sistema de mira era composto por um radar de tiro Sperry AN/APG-30 acoplado a um sistema de telemetria A-1CM (inicialmente A-1B) ligado às metralhadoras do avião. Manteve o motor J35-A-17D do F-84D, com o qual podia transportar uma carga bélica externa de 2040 kg. 
F-84E, com dois foguetes ar-terra Tiny Tim
O voo inaugural do primeiro F-84E ocorreu em maio de 1949, tendo sido produzidos um total de 843 aeronaves até julho de 1951. Esta, a primeira versão verdadeiramente operacional do Thunderjet, seria largamente implantada na guerra da Coreia como caça-bombardeiro, e aproximadamente uma centena passaria para outros países da NATO, nomeadamente para o Armee de l'Air francês, sob o programa MDAP (Mutual Defense Assistance Program).
Na Guerra da Coreia, o F-84E demonstrou as limitações impostas pelas suas asas retas no combate aéreo, que o impossibilitavam de ombrear em agilidade e potência os mais recentes caças de asas em flecha, North American F-86 Sabre, e o Russo Mikoyan-Gurevich MiG-15.
Consequentemente, foi relegado para as funções de caça-bombardeiro primário, e apoio próximo, para as quais mostrava excelentes capacidades (até final da guerra realizaria aproximadamente 86 mil missões com um crédito de 60% de sucesso entre os alvos terrestres atacados).
A partir de 1949 a Republic começara a projetar uma versão do F-84 com asas enflechadas com o objetivo de aproximar o desempenho do Thunderjet ao do F-86 Sabre, mas também melhorar as suas capacidades de ataque terrestre. 
Porém o desenvolvimento do F-84F fora manifestamente mais demorado que o previsto e por isso em novembro de 1950 o Tactical Air Command (TAC) solicitou o desenvolvimento de uma versão interina do F-84 Thunderjet capaz de transportar armas nucleares táticas. A variante desenvolvida foi o F-84G, que seria produzida até que o F-84F Thunderstreak entrasse em produção. Porém o F-84G continuaria em produção até julho de 1953 (final da Guerra da Coreia), tornando-se a versão mais produzida do Thunderjet, com 3025 aeronaves.
F-84G
O F-84G diferia do seu antecessor por possuir um motor Allison J35-A-29 mais potente com 24,9 kN de empuxo, capacidade de reabastecimento em voo (originalmente testado no EF-84E), um piloto automático para simplificar o trabalho do piloto em voos mais longos, e introduziu uma canópia emoldurado substituindo a de bolha das variantes anteriores, que tinha demonstrado fragilidades (esta canópia foi adaptada retractivamente aos F-84 anteriores ainda em operação).
O F-84G poderia transportar até 1.815 kg de carga bélica e foi a primeira aeronave da USAF apta para transportar e lançar armas nucleares táticas, no caso a bomba nuclear Mark 7 Thor de 545 kg de 7 a 61 quilotoneladas, usando o sistema de apoio ao bombardeamento a baixas altitudes (LABS - Low Altitude Bombing System), baseado no radar de tiro Sperry AN/APG-30.
Do total de F-84G produzidos 1089 foram para a USAF, SAC (Strategic Air Command) e TAC (Tactical Air Command). Os da USAF seguiram para a Coreia a partir de 1952, e até que as tréguas puseram fim aos combates em julho de 1953, os F-84 realizaram mais de 86000 saídas durantes as quais largaram cerca de dez mil toneladas de bombas e milhares de foguetes, com perca de 335 aeronaves a maior parte vitima de fogo antiaéreo. 
Os restantes 1936 F-84G foram fornecidos aos aliados dos EUA ao abrigo dos MDAP, nomeadamente Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Turquia e Republica da China (Taiwan) e a países não alinhados como o Irão, Tailândia, e Jugoslávia. Portugal seria o último país a abater os seus F-84G ao serviço operacional da sua força aérea, em 1976, depois de os utilizar de forma intensa nas guerras da independência das suas colónias em Africa.
Nos EUA, o F-84G foi abatido ao efectivo do SAC em 1956, mantendo-se por mais uns anos na USAF e TAC, mas no final da década tinham já sido largamente substituídos pelos F-84F Thunderstreak.
Evolução para o F-84F Thunderstreak
YF-84F, prototipo na sua configuração
original (YF-96A)
O F-84F começara a ser desenvolvido a partir de 1949 com o objetivo de, através do uso de asas enflechadas, aproximar o desempenho do Thunderjet ao do F-86 Sabre, melhorando igualmente as suas capacidades de ataque ao solo. 
Por esta altura, os fundos da USAF para o desenvolvimento de novas aeronaves eram bastante limitados, e pensava-se que era possível desenvolver uma aeronave de elevado desempenho usando cerca de 60 por cento dos componentes do Thunderjet reduzindo assim os custos de desenvolvimento.
A construção do único protótipo sancionado pela USAF inicialmente designada por XF-96A devido às extensas alterações relativamente à aeronave de origem, tinha como base a fuselagem do último F-84E (49-2430) de produção. As asas foram inteiramente novas com um angulo de enflechamento de 38,5 graus e um diedro negativo de 3,5 graus. A empenagem foi também enflechada e o motor adotado foi um Allison J35-A-25 capaz de fornecer 23,58 kN de empuxo. A aeronave modificada realizou o voo inaugural em junho de 1950 demonstrando um desempenho prometedor ao atingir uma velocidade de 1115 Km/h a baixa altitude.
F-84F Thunderstreak
Com o recrudescimento da intervenção americana na Coreia o interesse da USAF na nova aeronave aumentou, e esse interesse traduziu-se num contrato de desenvolvimento colocado em julho de 1950, estipulando no entanto o uso de um turbojato mais poderoso, o Wright J65 (uma cópia do motor britânico Armstrong Siddeley Sapphire) capaz de fornecer 32,1 kN de empuxo.Em setembro, a aeronave foi redesignada para F-84F, Thunderstreak, pois a USAF entendia ser mais fácil obter a aprovação do Congresso para uma variante de uma aeronave já existente do que para uma aeronave inteiramente nova. 
No entanto apesar do Thunderstreak ter começado como um derivado do Thunderjet, no final os dois projetos definiram aeronaves substancialmente diferentes. Para além das asas enflechadas, a maior fuselagem com uma tomada de ar para o motor de maiores dimensões o Thunderstreak diferiu do Thunderjet em muitos outros aspetos. Possuía uma canópia de bolha que abria para trás em vez do sistema deslizante do antecessor, um para-brisas com blindagem frontal, dois travões aerodinâmicos laterais perfurados na fuselagem traseira substituíram o único existente na barriga do Thunderjet, à fuselagem foi adicionada uma espinha dorsal como prolongamento do estabilizador vertical e os sistemas de controlo de voo passaram a ser acionados hidraulicamente (Power-boosted flight control systems)
F-84F Thunderstreak, FA Belga
Os primeiros Thunderstreak tinham o motor Curtiss-Wright J65-W-1, substituído pela versão melhorada J65-W-1A, e finalmente pela mais satisfatória versão J65-W-3 ou a versão construída pela Buick J65-B-3, todos com um empuxo de 32,1 kN, mas de fiabilidade crescente. 
O armamento do F-84F, e seu posicionamento era o mesmo do F-84E, seis metralhadoras Browning M3 (quatro no nariz, uma na raiz de cada asa), mas apresentava quatro suportes nas asas com uma capacidade total para 2720 kg.
O Thunderstreak não podia ser equipado com tanques de ponta de asa, mas cada um dos suportes internos podiam transportar um tanque externo de 1705 litros de combustível. Tal como o F-84G, poderia transportar uma arma nuclear tática, e lança-la com recurso ao sistema LABS.
Os Thunderstreak de produção mas tardia passaram a ter as superfícies horizontais da empenagem totalmente moveis em substituição do estabilizadores fixos e lemes de profundidade, numa forma de eliminar a sua tendência para cabrar a alta velocidade. No entanto, haveria sempre limitações nas manobras que poderiam ser realizadas com o F-84F, embora na maturidade, tenha sido considerado um avião resistente e confiável.
Durante o período de produção seriam construídos dois protótipos YF-84J, com os quais se pretendeu adaptar a aeronave aos mais potentes motores XJ73-GE-5 e XJ73-GE-7 de 38.9 kN e 39.7 kN de empuxo, respetivamente, como forma de salvaguarda dos problemas com os J65, que acabariam por ser resolvidos. Estas aeronaves tinham fuselagens mais longas e para acomodar os motores maiores e apresentavam uma distintiva bolha acima da entrada de ar do nariz (semelhante à presente no F-86 Sabre), supostamente para acomodar o radar de tiro.
F-84F Thunderstreak
Até final da produção em 1957 foram construídos 2711 Thunderstreak (2112 pela Republic e 559 pela GM), do quais 1410 foram para a USAF repartidos entre o SAC e o TAC (em 1955 haviam 12 esquadrões de F-84F ao serviço do TAC e 6 ao serviço do SAC). No SAC foram-lhes atribuídas funções de escolta dos bombardeiros estratégicos Convair B-36 do SAC, mas com a substituição destes pelos Boeing B-52, os Thunderstreak do SAC, passaram para o TAC tornando-se sua aeronave predominante a partir de 1955. Não permaneceram muito tempo no TAC sendo aí substituídos até final da década pelos North American F-100 Super Sabre, e transferidos para a ANG onde se mantiveram até 1971, ano em que foram retirados de serviço (neste período em 1961 durante a agitação soviética em Berlin quatro esquadrões de F-84F regressaram provisoriamente para o efetivo da USAF até 1964, regressando nesta data à ANG).
Os restantes 1301 Thunderstreak, foram exportados para países aliados dos EUA ao abrigo de programas de assistência militar (MAP), entre os quais a França, que os utilizou para ataques contra o Egito a partir de bases em Chipre durante a crise do Suez em 1956, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda e Turquia (um F-84F turco seria o único a obter uma vitória em combate aéreo, um Ilyushin Il-28 Beagle iraquiano que invadira o espaço aéreo turco em 16 August 1962).

Para missões de reconhecimento, RF-84F Thunderflash
Satisfeita por ter obtido o satisfatório F-84F Thunderstreak a USAF decidiu utiliza-lo como aeronave de reconhecimento em substituição do envelhecido Lockheed RF-80 Shooting Star. Como a função requeria um nariz solido para alojar o equipamento de reconhecimento seria necessário implementar modificações significativas na fuselagem frontal da aeronave. 
RF-84F Thunderflash
O segundo protótipo YF-84F fora realmente concluído com entradas de ar na raiz de cada asa, deixando o nariz com uma cobertura sólida. Porém, verificou-se que as entradas reduziam o impulso da aeronave, e por isso não foram adotadas para a produção do F-84F. Este fator não tinha muita importância numa aeronave de reconhecimento desarmado e por isso a solução foi implementada no único protótipo YRF-84F (51-1828), designado por Thunderflash, que realizou o voo inaugural em fevereiro de 1952. Tinha entradas de ar de forma triangular na raiz das asas onde foram também acomodadas quatro metralhadoras Browning M3 de 12,7mm, um nariz ampliado para acomodar câmaras, e uma canópia deslizante reforçada e foram instaladas cercas duplas nas asas para controlo da camada limite e obter maior estabilidade da aeronave.
O nariz acomodava seis câmaras uma para a frente, uma vertical, e duas de cada lado, os suportes nas asas foram mantidos para foguetes sinalizadores ou tanques externos de combustível, e, em produção, foi adicionada um spoiler à parte superior de cada asa para aumentar a taxa de rotação. As aeronaves de produção adotaram um motor Wright J65-W-7 com 34,7 kN de empuxo.
Até janeiro de 1958 foram produzidos 715 RF-84F Thunderflash, a maioria dos quais para o SAC e TAC da USAF e cerca de 386 tenham sido exportados para países aliados dos EUA. Permaneceram ao serviço da USAF até à década de 1960 e até à década seguinte nos países europeus.

Protótipos e conceitos experimentais, XP-91 Thunderceptor, XF-84H Thunderscreech, e RF-84K Thunderflash
Os dois protótipos XF-91,
com diferentes configurações
Durante todo este período a Republic desenvolveu dois outros protótipos baseados no F-84, aplicando conceitos algo exóticos. Em maio de 1949 voou o primeiro de dois protótipos XP-91 Thunderceptor, que pretendia dar resposta a um requerimento de finais de 1945 para um intercetor de alta velocidade e alta altitude. Foi efetivamente a primeira aeronave de asas enflechadas da Republic, com semelhanças ao posterior XP-84F mas de maiores dimensões. Tinha uma motorização híbrida, com um motor J47-GE-3 de 23.1 kN de empuxo e quatro motores de foguete de combustível liquido Reaction Motors XLRII-RM-9 (também usados no Bell X-1). 
Também a asa tinha uma configuração muito incomum. Tinha um enflechamento de 35 graus, mais larga e mais espessa na ponta do que na raiz (a ideia era que esta configuração poderia proporcionar boa movimentação a baixa velocidade), podia ser girada para obter um ângulo de ataque maior nas descolagens e aterragens, e tinha slats na ponta para reduzir a velocidade de aterragem. Os conjuntos de trem de aterragem principais, com rodas em tandem, não se encaixam na asa interna, mas retraíam para a asa externa (mais espessa). O armamento previsto eram quatro canhões de 20 milímetros, mas que nunca foram realmente instalados, pois o projeto seria abandonado a favor do que viria a ser o Convair F-102 Delta Dagger.
XF-84H Thunderscreech
Outra experiência excêntrica, no início dos anos 1950, resultou do interesse da USAF e US Navy em testar o uso de turbopropulsores em caças para obter um potencial maior alcance e decolagens mais curtas com cargas mais pesadas que o permitido pelos caças a jato existentes. Uma equipa da Republic liderada por Joseph Freeman apresentou um projeto experimental baseado no Thunderstreak, com o qual obteve um contrato da USAF para a construção de dois protótipos com a designação XF-84H Thunderscreech. O primeiro realizou o voo inaugural em julho de 1955, alimentado por um turbopropulsor Allison XT40-A-1 de 5,850 cv que movimentava uma hélice de três pás da Aeroproducts com um diâmetro de 3,66 metros. Apresentava uma empenagem enflechada característica, com as superfícies horizontais no topo do estabilizador vertical, uma aleta triangular dorsal atrás do cockpit para ajudar na anulação do forte torque gerado pela hélice supersónica.
XF-84H em voo
O XF-84H demonstrou uma grande aceleração, mas também de imediato a sua impraticabilidade como aeronave de combate. Era inadequado devido ao tempo de aquecimento de 30 minutos do motor, mas demonstrava outros inúmeros problemas, como as fortes vibrações e elevado ruído (podia ouvir-se a mais de 60 km de distancia), e as frequentes falhas mecânicas da engrenagem da hélice. 
Ao contrário das hélices convencionais que giram a velocidades subsónicas, as pás da hélice do XF-84H giravam a velocidades supersónicas produzindo um contínuo estrondo sónico, e uma onda de choque capaz de derrubar um homem a uma centena de metros de distância.
Os protótipos voaram um total de 12 voos de teste em Edwards, acumulando apenas 6 horas e 40 minutos de tempo de voo. A aeronave era tão difícil e desagradável de voar que um dos pilotos da Republic (Lin Hendrix) se recusou a voar nela uma segunda vez, e a própria de Edwards AFB viu a sua atividade severamente afetada durante os testes recebendo também inúmeras queixas. 
EF-84D do Projecto Tip-Tow
acoplados pelas asas ao EB-29A
O programa de teste não avançou para alem da fase de testes do fabricante, consequentemente nenhum piloto de teste da USAF voaram no XF-84H, cujo conceito provara ter problemas insuperáveis.
Embora o Guinness Book of Records tenha registrado o XF-84H como o avião a hélice mais rápido já construído, como tendo atingido uma velocidade máxima de 1.003 km/h, durante os ensaios, esta alegação é inconsistente com os dados do Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos, que lhe atribui uma velocidade máxima de 840 km/h, tornando-o o mais rápido avião monomotor a hélice até 1989, quando o Rare Bear, um Grumman F8F Bearcat altamente modificado atingiu 850 km/h.
Maior sucesso parece ter tido o projeto FICON (Fighter Conveyor) conduzido pela USAF (na sequência do fracasso do programa Tip-Tow) na primeira metade da década de 1950, e que envolvia bombardeiros Convair B-36 Peacemaker modificados (GRB-36D) aeronaves de reconhecimento RF-84K, Thunderflash modificados para acoplarem na baía de bombas do GRB-36D. O objetivo primário do projeto era alargar o alcance dos voos de reconhecimento, juntando ao raio de ação dos B-36 as capacidades de reconhecimento do Thunderflash. O GRB-36D transportava o RF-84K até as proximidades do objetivo, que nessa altura se desconectava do avião-mãe, executava o seu voo de reconhecimento sobre o objetivo e regressava, acoplando de novo ao Peacemaker para regressarem à base. O sucesso dos testes conduziu à conversão de dez GRB-36D e 25 RF-84K, operaram ainda que e forma limitada entre 1955 e 1956, para o SAC (Strategic Air Command).
RF-84K num teste de lançamento de
um Convair GRB-36,
no ambito do programa FICON
Embora o conceito FICON fosse taticamente sonante, os voos operacionais demonstraram que a sua implementação operacional era extremamente difícil. As manobras de acoplagem e desacoplagem do Thunderflash eram um desafio só ao alcance de experientes pilotos e sob condições ideais. Em combate ou em condições climáticas adversas ou por pilotos menos experientes, as manobras revelaram-se difíceis e vários RF-84K foram danificados ao tentá-las. Além disso, acoplado ao bombardeiros o RF-84K com tanques externos de 1700 litros, encontrava-se perigosamente perto do solo durante a descolagem e aterragem, o que aumentava os riscos de acidentes. Todas estas limitações e o advento do Lockheed U-2 conduziram ao cancelamento do programa em 1956.

EM PORTUGAL
O F-84 Thunderjet entrou ao serviço da Força Aérea Portuguesa em janeiro de 1953, quando foram entregues as primeiras 25 aeronaves da versão F-84G adquiridas em estado novo. Foram integradas na recém-formada Esquadra 20 e colocados na Base Aérea Nº 2 na Ota, formando a primeira unidade operacional de aviões de combate a jato em Portugal. No ano seguinte, com a chegada de outras unidades provenientes dos excedentes de países aliados, foi criada a Esquadra 21, ficando ambas enquadradas no Grupo Operacional 201, do qual fazia parte uma terceira esquadra, esta composta unicamente por aviões de treino avançado Lockheed T-33A. 
F-84G da FA Portuguesa, década de 1950
No total, até 1958 a FAP recebeu 125 F-84G Thunderjet, embora seja possível terem sido recebidos mais alguns, que não se tornaram operacionais nem receberam matrículas, servindo para fornecimento de peças sobressalentes.
Integrados nas Forças da NATO, tinham como missão primária a defesa do espaço aéreo nacional e tendo em vista a preparação para o desempenho da missão, as Esquadras empenharam-se em rigorosos programas de treino operacional, praticando voos de navegação em formação a baixa altitude, voo sem visibilidade, acrobacia aérea, tiro ar-solo com metralhadoras, foguetes e bombas e ainda treino de combate aéreo o que, para além das manobras de combate, incluía fogo real de metralhadoras para um alvo rebocado por um avião do mesmo tipo.
A partir de 1958, os F-84G começaram a ser substituídos na função de defesa aérea pelos F-86 Sabre, passando os Thunderjet a serem utilizados sobretudo na função de ataque ao solo e apoio aéreo próximo, até 1974, ano em que foram abatidos ao efetivo da FAP
Durante o período em que estiveram ao seu serviço, os F-84G tiveram um significativo protagonismo, na operação da recém-criada Força Aérea Portuguesa.
F-84G da FA Portuguesa, BA9, Luanda
O terceiro aniversário da FAP foi marcado por um lamentável acidente, talvez o maior (em numero de aeronaves envolvidas) acidente com aviões militares da história. Em 1 de Julho de 1955 oito F-84G, de uma formação de 12 aeronaves que tinham como missão sobrevoar algumas cidades durante as comemorações do terceiro aniversário da Força Aérea como ramo independente, colidiram com a Serra de Carvalho, em Vila Nova de Poiares, perto de Coimbra, em condições meteorológicas desfavoráveis, vitimando os respetivos pilotos.
Em 1956 uma formação de oito F-84G, com pilotos das duas esquadras, voou da BA2 da Ota para a BA4 nos Açores, regressando sem problemas. Posteriormente ainda em 1956, outros oito repetiram a viagem aos Açores, para participaram no exercício “Estorninho”. Os Açores situavam-se no limite da autonomia dos aviões, pelo que os mesmos foram assistidos por bimotores Locheed PV-2 Harpoon. Ainda que todos os aviões tenham regressado à sem problemas, alguns pilotos referiram que, tanto à ida como no regresso, aterraram com combustível para poucos minutos de voo.
Esquadrilha de F-84G sobre a Ponte Salazar
 em construção
Com o início das ações armadas em Angola, foi enviado para Luanda, por via marítima, um destacamento de F-84G em 25 de julho de 1961, constituindo a Esquadra 93, a operar na Base Aérea Nº 9, sob comando do então major Costa Gomes. Após a montagem no destino iniciaram os voos a partir de 19 de agosto do mesmo ano operando até 1973. Por um breve período alguns dos F-84G, da Esquadra 93, foram estacionados na Base Aérea Nº 10 na Beira, em Moçambique, com a finalidade de proteger o seu porto de mar, devido à enorme instabilidade provocada pelo processo de independência da antiga Rodésia. 
Até 1973 a Esquadra 93 tinha perdido 10 aviões em acidentes ou incidentes. Nesse ano só dispunha de cinco aeronaves em condições de operar. Quando a Guerra do Ultramar terminou, em 1974, os poucos que ainda se mantinham operacionais foram definitivamente abatidos.
Da totalidade de 125 F-84G existentes na FAP, foram perdidas 30 aeronaves em acidentes ou incidentes, tanto em Portugal como no Ultramar.
F-84G, FAP, Patrulha Acrobática Dragões
Os F-84G protagonizaram também as primeiras esquadrilhas acrobáticas portuguesas. A primeira surgiu por iniciativa dos pilotos da Esquadra 20, e teve o seu grande momento quando atuou pela primeira vez além-fronteiras, com os seus F-84G no "Festival Aéreo Internacional de Madrid", no ano de 1954. Por questões de rivalidade, a Esquadra 21 decidira criar a sua própria esquadrilha, e, por sugestão do comandante da Base Aérea Nº 2, as duas esquadrilhas fundiram-se, originando assim aquela que é considerada (erradamente) a primeira formação de acrobacia em Portugal, de seu nome "Os Dragões de Portugal" ou simplesmente "Os Dragões". Atuou pela primeira vez a 30 de novembro de 1954, durante a visita oficial do presidente da Grécia, mas em 1958 os pilotos foram transferidos para a Esquadra 51 para pilotar os F-86 Sabre, ditando assim o fim da formação. 
Um novo grupo, denominado "São Jorge", foi então formado por iniciativa da Esquadra 21, cujas aeronaves envergavam uma pintura considerada à época espetacular, dois terços posteriores da fuselagem a preto e um terço inferior em vermelho vivo, na cauda a bandeira portuguesa e o número de cauda a branco. Este grupo sobreviveu durante pouco tempo e também não ficou conhecido do grande público. 
Exibição da patrulha acrobatica S.Jorge
Em 1967, em Angola, foi formada com F-84G da Esquadra 93 da Base Aérea n° 9 uma patrulha acrobática, apelidada de “Os Magníficos", exibindo-se na própria cidade, Luanda, bem como em Nova Lisboa, atual Huambo, e outros locais. 
Atualmente vários F-84G do antigo efetivo da FAP, encontram-se em museus ou exposições estáticas. Dois estão em pedestal na porta de armas do Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea, na Ota onde quatro outros (dois outros pertencem ao Museu do Ar), estão armazenados e um encontra-se no museu aeronáutico situado no Château de Savigny-lès-Beaune em França. Um dos F-84G pertencente ao Museu do Ar, foi sujeito a restauro no Aérodromo de Manobra N.º 1, em Maceda, Ovar, concluído em junho de 2016, passando a aeronave a integrar a coleção exposta naquele polo do Museu.

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