quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A MINHA OPÇÃO POR ANGOLA


Memórias de um passado saudoso

Situamos esta recordação no ano de 1972 na cidade de H. de Carvalho, actual Saurimo.
Na minha estadia nos Açores, 1970/1971 e, ao abrigo duma lei decretada nessa altura, resolvi oferecer-me de voluntário para Angola, tendo por regalia a escolha da Província Ultramarina.
Longe, por longe e, ganhando mais, desejei ir para Angola e, conhecer África…
Sempre tinha ambicionado conhecer África!...
Quando parti, planeei ocupar o tempo da melhor forma e, tinha como objectivos completar o antigo 7º. Ano, tirar o passaporte (difícil para a época), o brevet, a carta de condução de automóvel e mota, conhecer Angola, Moçambique (e, se possível, S. Tomé e Príncipe) e, participar noutros eventos ocasionais, tais como; conhecer o povo Quioco e a sua língua, participar num teatro, no conjunto musical da Base, rádio, fazer uns voos com pilotos conhecidos através das savanas Lundanenses, namoriscar, coleccionar borboletas e ágatas desta região, etc.
Consegui realizar alguns pequenos sonhos e, dentro de determinadas peripécias, vou descrever uma das minhas ocupações nesse “Leste” longínquo pois, sempre acabarei por abordar um ou, outro assunto, ou recordar colegas distantes – acalentando memórias…
Armando Vaz, o Capelão da nossa Unidade (AB4) era um autodidacta em muitas áreas. Dedicou-se a construir uma barragem que se situava na parte traseira da piscina, a Norte da cidade. Aproveitou um pequeno curso de água, estancou-o e, com engenho e arte, montou a aparelhagem própria para produzir energia. Consegui-o, e colocou um carrossel e, outras diversões movidas a energia eléctrica. Era o passatempo para os jovens indígenas locais e, para alguma da nossa tropa…
Recordo ter visitado essas paragens e, junto a esse “parque de diversão” haviam montes com cerca de dois metros de altura, edificados pelas “formigas de asa”.
Também realizou Teatro.
Cederam-lhe o salão recreativo da cidade, situado numa avenida perpendicular á Capela. Era na mesma avenida onde moravam os sogros do 1º. Sargento Carvalho, o qual foi assassinado por meliantes negros - tendo como causa, o negócio de diamantes.
Velei o seu corpo na Capela – ex-libris da cidade.
Participei numa das muitas peças que o Capelão encenou e, fazia de “ponto”. Numa dessa peças, participaram outros companheiros,  assim como civis.
Há algum tempo atrás, deparei-me com uma Senhora que realiza confraternizações anuais da população civil de Saurimo e, por coincidência, também ela participou numa dessas peças teatrais. Contou ela, que namoriscou um “especialista” porém, perdeu-lhe o rasto por todas estas décadas já passadas…
Para vossas lembranças junto, remeto-lhes algumas fotos com anotações.




Até breve.
Vitor Oliveira


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

DA RAÍNHA GINGA...AO PRESIDENTE CRAVEIRO


Angola, 1954.
O Presidente Craveiro Lopes está de visita a Angola.
Foram trinta e seis dias muito cansativos , que nos levaram aos sítios mais afastados e recônditos daquele imenso território. Houve vários mas breves encontros com populações nativas cada uma com seus costumes e língua próprios. O entendimento só era possível através de intérpretes das mais variadas origens : funcionários administrativos, comerciantes da zona, um ou outro oriundo do mesmo povo ou missionários com longa permanência na Região.
O caso a que me reporto, aconteceu no Leste, na Província do Moxico, cuja capital é Luso. Terras de Ganguelas e Luxases. Não sei exactamente em que local terá sido montado um grande palanque onde foram recebidos a Raínha N’hacatole, dos Luxases descendente da Raínha Ginga luzindo os seus trajes tradicionais, e o Rei dos Ganguelas, um homem alto e forte, mas sem nada que o inculcasse como Rei, trajava camisa e calça de caqui, tipo militar. Mas naquele palanque não havia nada onde fosse possível sentar.
Raínha N'ginga
Presidente e comitiva, todos estavam de pé. Mas esta pobreza de meios, parecia radicar em algo passado muitos anos antes. Recuemos pois, trezentos anos. Estamos em meados do Século XVl l.
O Governador João Correia de Souza recebeu no Palácio, em solene audiência, a Raínha N’ginga N’bandi (Ginga) e a sua comitiva constituída pelas mais importantes mulheres do seu reino. Num grande Salão do Palácio, rodeado de toda a sua Corte, Sua Excelência ocupava um opulento cadeirão senhorial em atitude Majestática que manteve à entrada de N'ginga N'bandi. Olhando em volta, a Raínha, não vendo sombra de cadeira, escabelo ou coxim em que pudesse sentar-se, mandou que uma das suas súbditas se pusesse "de gatas" e sentou-se sobre as suas costas
.
Em 1621, o exército da Raínha veio a derrotar o do Governador. Em 1681 morre a Raínha Ginga, católica, batipzada com o nome de Ana de Souza.
Raínha N’hacatole
Saltemos de novo trezentos anos, mas agora em sentido inverso.
Estamos de novo com o Presidente Craveiro Lopes, a Raínha KangaN’hetol e o Rei dos Ganguelas. O primeiro discurso coube ao Governador do Moxico, Dr Ramos de Sousa, angolano de origem cabo verdiana, usando de um tom de voz forte mas empostado como o dos actores de outros tempos.
A Raínha insistiu com o Rei dos Ganguelas para que falasse em primeiro lugar.
Logo se verá porquê.
O discurso foi tão longo quanto o protocolo e o intérprete o permitiram, rematando com a oferta de um boi ao Presidente Craveiro Lopes. O Chefe de Estado agradeceu a oferta, mas na impossibilidade de a transportar no avião, deixava o boi para que pudesse ser consumido numa grande festa do Povo Ganguela. Nos mesmos moldes falou a N’hacatole, mas terminando com um sorriso "malandro" e com dois dedos em riste, ofereceu dois bois. A gargalhada foi geral...ou quase. Não se riu o Rei dos Ganguelas que se terá sentido diminuído, e o Presidente
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Aliás nunca o vi rir em toda a viajem . Mas bem faria em soltar umas boas gargalhadas de vez em quando.
É que fazem tão Bem à Alma !. . .
Não desejaria acabar esta história num tom pessimista, mas...não teria Presidente boas razões para não rir ?. . . .


Por: João Silva Blog Roxa Xenaider