sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O "GENERAL MACK, MACK, MACK"

O PROCESSO
Depois de ler o artigo do A. Neves, lembrei-me de tentar explicar, a quem não teve o privilégio, de participar destes eventos, (muito tradicional e quase banal) nas hordas dos Especialistas.
E no que consistia este momento tão delicioso para uns e tão amargo para outros.?
Normalmente este convívio era praticado com vários personagens, diria mais, quantos mais melhor, pois dava azo a grande cavaqueira e brincadeiras entre os intervenientes. 
Basicamente tratava-se de um jogo que tanto podia ser com cerveja, whisky ou outra qualquer bebida que fosse com algum teor alcoólico (dava jeito)...
Então era assim:
Depois de reunido o grupo de “atrevidos (cheguei estar numa mesa de 15 pessoas) mandava-se vir para a mesa a tal bebida escolhida, que era distribuída por todos, normalmente cerveja em garrafa ou “finos”.
O jogo consistia nas seguintes regras que tinha 3 fases.
1º. - O jogador tinha de beber o conteúdo de um copo / garrafa por três fases, cada uma delas obedecendo a um ritual bem definido.
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Quando, no meio de toda a conversa que entretanto ia existindo, alguém se levanta para começar a sua actuação
deveria dizer alto e em bom som; - O "General Mack", vai beber pela 1ª. vez, e pegando pelo copo/ garrafa com apenas dois dedos (o polegar e o indicador) ingere um gole da bebida, bate com o copo ou garrafa uma vez na mesa, faz 1 vénia aos presentes,em sinal de respeito apenas uma vez, e coloca o dedo indicador em cima da mesa.
Neste entretendo, ninguém lhe passava cartão de tão "distraídos que estavam" nas suas conversas, mas, havia sempre um mas...... é que ninguém estava distraído, porque neste ritual  o bebedor apenas podia dizer estas palavras e gestos uma vez, e se por acaso se enganava teria de repetir tudo outra vez, por isso havia sempre alguém atento, e que tentava enganar os bebedores e para isso diziam EX, EX, EX, o que queria dizer que eles se tinham enganado.
Especialmente aos maçaricos caíam que nem patinhos e tentavam dizer que não, não senhor, não se tinham enganado. Erro quase sempre fatal.
Este EX,EX,EX, queria dizer que o melro se tinha enganado, mesmo que tal não tivesse acontecido, mas bastava por exemplo dizer que só tinha dito uma vez general mack para acabar a sua bebida e ter de repetir a dose novamente, pagando ele a rodada para a mesa.
2º. - O "general mack, mack", vai beber pela 2ª. vez.
Pegando no copo ou garrafa com os dedos, polegar, indicador e médio, bebia por dois goles outra porção do líquido, bate duas vezes com o copo/garrafa, findo o qual faz 2 vénias, e colocava os dedos, indicador e médio, duas vezes na mesa.
Claro que neste entretanto a conversa continuava com o pessoal sempre “distraído” à espera de um engano e havia muitos, mesmo entre os veteranos.  

3º. - O "general mack, mack, mack" vai beber pela 3ª. vez.
Pegando o copo/garrafa agora já com mais um dedo (o anelar), bebe por três goles e termina a sua bebida (só agora), bate 3 vezes com o copo/garrafa, na mesa, bate 3
Cena real
vezes com os dedos (indicador, médio e anelar na mesa e faz 3 vénias, e no final tem de dizer, e não se esquece de pôr o filho da puta do dedo (polegar) em cima da mesa.
Assim termina a actuação deste bravo, passando depois a outro “artista”.
Note-se que quando havia um desgraçado, a quem lhe corria mal a prosa, tinha de pagar rodadas para a mesa, até acertar, ou ter de ir chamar o “gregório”. 
Muitos camaradas chegavam a ter bebida em "caixa" durante o mês, graças a este entretém.
Havia gente muito experiente, que também se enganava ou era levado ao engano o que dava um gozo ainda maior, pois estavam convencidos que a eles, não........!!!





quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

OBJECTOS VOADORES NÃO IDENTIFICADOS NO AB4 (OVNIS)

Cine Luena no Luso
Estava de serviço à cifra, não havia nada que fazer, combinei com o operador de serviço ao posto de rádio para que me dobrasse se entretanto viesse serviço que não pudesse esperar, e fui com o pessoal de alerta ao cinema, ver um clássico de Índios e Cowboys.
Enquanto todo o cinema exuberava com a morte dos Índios, nós berrávamos a plenos pulmões com a morte dos Cowboys, estávamos todos entretidos, eis senão quando, o som do filme foi cortado e uma voz roufenha anunciou que: o pessoal de serviço da Força Aérea presente, deveria apresentar-se imediatamente na entrada do cinema.
Toda a gente que pertencia à FAP, veio saber o que se passava para estarem a chamar o pessoal de serviço àquela hora da noite. Entrámos na carrinha onde já estavam outros militares fardados, o que não era bom prenúncio, e depois de apanharmos mais uns quantos de todas as especialidades, zarpámos para o Aeródromo. Aí chegados, tínhamos um sisudo comité de recepcção à nossa espera. Fui direito ao posto de rádio verificar o que se passava e fui informado que à vertical de Henrique de Carvalho, tinham sido avistadas umas luzes coloridas estranhas, que se moviam de forma aleatória e a altura variadas, sem que fosse possível qualquer contacto via rádio, e que, afirmava o controlador de serviço, só poderiam ser OVNIS, (objectos voadores não identificados). Feito o briefing pelo adjunto do Comando, foi lido o conteúdo da mensagem que tinha originado a nossa convocatória, em que Luanda ordenava que um PV-2, armado descolasse para interceptar o que era avistado à vertical de Carvalho, uma vez que os F-84G, não tinham autonomia para descolarem de Luanda, virem à vertical de Carvalho e regressarem a Luanda, por não haverem condições para aterrarem à noite em Carvalho.
Assim... às 23H15 sem radar, sem outro sistema de apoio de voo que não fossem as estrelas, sem outra pista aberta de recurso por perto ou na rota, sem outro meio bélico de 
PV2
intercepção que não fossem as metralhadoras de nariz de um avião com mais de trinta anos de existência, sem ser pressurizado, e que tinha um tecto de operação em novo, abaixo do indicado para a altura máxima a que foram avistadas as estranhas luzes... discutida a inevitabilidade da missão, foi formada uma tripulação de voluntários, armado um avião e perante os protestos dos presentes pela inadequação do meio aéreo para a missão, lá partiram dois pilotos, um mecânico MMA, outro MAEQ, um Navegador, e um OPC, rumo ao desconhecido.
Depois de descolar, recolhi ao posto de rádio para ouvir os reportes, o Vieira, OPCART, falava com o outro controlador de Carvalho, que aparentemente tinha sido instruído por Luanda, para limitar as informações ao facto pela frequência. Entretanto a notícia espalhara-se pela rede, e várias estações não identificadas mandavam “bocas” foleiras ou denunciavam avistamentos múltiplos de luzes, para piorar a situação, já apareciam uns malucos a falarem em línguas assaz estranhas, e a darem os mais absurdas ordens, num caos indescritível, resumindo, o PV-2 chegou à vertical de Carvalho, não viram nada, e acabaram por aterrar sem qualquer contacto credível.
No dia seguinte, veio uma mensagem do Comando da 2ª. Região Aérea, instruindo as chefias de Carvalho e do Scarleste, para que todos os registos fossem apagados e o pessoal de serviço na véspera fosse instruído para não comentar, relatar, ou manter qualquer prova da existência do mesmo, passando o voo efectuado a ser considerado um voo de excepcional de treino nocturno.
Embora sendo o mais conhecido, outros avistamentos estão referenciados, sendo o de Gago Coutinho, a 20 de Março de 1969 o mais trágico, pelo acidente ocorrido com a morte de três militares da FAP, dois pilotos, Alf. Baeta e Ten. Ascensão e o MMA Tavares, no despenhamento de um héli, quando tentavam interceptar umas luzes avistadas também à noite no destacamento.

Por:
OPC ACO

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

RESGATE EM HENRIQUE DE CARVALHO



A certa altura, consoante instruções políticas já depois do 25 de abril, ficou definido que o controlo da Base de Henrique Carvalho seria entregue ao MPLA.
Em consequência, a Base mantendo o nosso pessoal para a desativação, acolheu um grupo de militares daquela força.
Mas, na ocorrência de lutas e perseguições com pessoal de outros Movimentos, um número de cerca de 70 pessoas da FLNA fugiu e refugiou-se na Base.
O pessoal da Força Aérea perante o dilema, escondeu-os num pequeno hangar, onde se dizia estarem as bagagens e caixotes do pessoal de regresso à Metrópole, lançando entretanto um apelo aos comandos em Luanda, para resolução rápida do problema. No mínimo que poderia suceder, se esses elementos fossem descobertos pelo MPLA, seria a sua eliminação.
Um Nord teria que ir a Henrique de Carvalho tentar retirar os refugiados.
Mais uma vez me ofereci. Por sinal tinha visto pouco tempo antes o filme “Raide a Entebbe” que narrava algo parecido e me inspirou.
No briefing da missão estudámos a situação e resolvemos atuar sempre na máxima descontração, para não alertar os “MPLAs” e dividirmos as tarefas, a saber:
Eu, convidaria os “MPLAs” para irmos até ao bar e assim mantê-los longe da ação. O radiotelegrafista iria tratar do Plano de Voo, e o 2º Piloto e o Mecânico ficariam a orientar a carga das “bagagens”.

Após a aterragem, levámos o avião para perto do referido hangar e aguardámos um pouco, até aparecerem os elementos do “MPLAs”.
Iniciámos a “psico”: “Viva camarada comandante, tudo bem? … Blá-blá, blá-blá... viemos buscar os caixotes do pessoal que está a regressar. Enquanto se trata da carga, convido-os a acompanharem-me até ao bar”. Depois viro-me, para os outros membros da tripulação, e peço: "Depois avisem-nos quando estiver pronto".
E lá levei os “camaradas” comigo.
Daí a algum tempo chegou a informação que estava tudo pronto.
Lá regressámos em amena cavaqueira, despedimo-nos junto ao avião e… "até breve".
Descolámos para o Negage para entregar os refugiados (entaipados pelos caixotes como disfarce) na sua área política.
Os amigos “MPLAs” nem cheiraram o que na realidade se passou.

Texto: Cap. (Ref) Fernando Moutinho
Transcrito por especial deferência do site e do Sr. Cap. Fernando Moutinho

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A “ESCOLA DE CONDUÇÃO” DO CAZOMBO


Cazombo em 1972 - foto de Manuel Ribeiro da Silva




No meu primeiro destacamento no Cazombo, fui com o Mangas, um Angolano que era completamente louco, substituir julgo que o Sousa de Fafe, e o Albuquerque, operadores que já estavam à bastante tempo de seca.
Rua principal
Logo na minha primeira saída “turística” pela “cidade” deparei-me com uma pick-up Chevrolet, modelo dos anos sessenta, de um azul desbotado pelo tempo e abandono, em muito mau estado de conservação, sem vidros e sem rodas, implantada em cima de uma série de troncos, mas o que me despertou ainda mais a atenção, é que tinha o motor a trabalhar ruidosamente, com dois homens dentro um civil e um militar do Exército, que estavam aparentemente a efectuar manobras como se a viatura estivesse em movimento, especialmente o militar que estava sentado no lugar do condutor, virava o volante a um lado e ao outro, metia mudanças e fazia sinais indicadores de mudança de direcção com os braços. Perguntei ao Mangas, se sabia o que faziam aqueles dois “abelharucos” sentados dentro de uma relíquia daquelas todos contentes como se aquilo fosse normal...
O Mangas na sua sabedoria de mais velho e Angolano, sentenciou: o militar está a receber uma aula de condução. Olhei para ele espantado, mal o conhecia, era o meu primeiro destacamento, e aquilo, parecia-me no mínimo uma grande “tanga”, retorqui... espera lá, queres-me convencer, que aquilo é um veículo de instrução onde se aprende a conduzir e se tira a carta, em cima de troncos... é pois, inscreves-te, pagas, dás umas aulas, depois vem o examinador do Luso, antes que ele chegue dão-te as perguntas, decoras tudo, arranjas um envelope com o “abono” para lhe entregares durante o almoço, e depois é só aguardar pela carta.
Depois daquela explicação, passei a andar com mais atenção sempre que saía da cerca do Aeródromo, não fosse ter algum mau encontro com os “encartados” com um método de instrução tão científico... também para um sítio que nem tinha estradas, para que era preciso ter carta?
1971 - foto de Fernando Dias do BCaç.4212



P.S. Uns anos depois do 25 de Abril, a Direcção Geral de Viação, mandou recolher todas as cartas tiradas nas Ex-Províncias Ultramarinas, para efectuar a uniformatização de todas as Licenças de condução, nas do Moxico, veio-se a constatar que na sua maior parte eram simplesmente falsas, pois os “examinadores” limitavam-se a enviar licenças de condução que não tinham qualquer registo legal, não tendo elas qualquer validade.

Por:
OPC ACO

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

DESASTRE AÉREO EM SERPA PINTO


O último voo do bimotor CR-LJQ – Quatro vidas por um fio
A EVOLUÇÃO DOS MEIOS aeronáuticos está hoje na escala cimeira do Espaço Português, Na verdade, só na Província operam mais de duas centenas e meia de aviões particulares, conglobando várias potências e marcas diversas.
E compreende-se que assim seja. Efetivamente num território de grandes espaços vazios e onde as distâncias a cobrir são enormes, o tempo, que nos nossos dias conta cada vez mais e vale sempre mais dinheiro, só pode desafiar-se com o recurso da aviação.
Não deve por isso estranhar-se que, de quando em vez, se verifiquem determinados acidentes, que aliás, nos últimos tempos, estão a registar-se com certa assiduidade. Estar-se-á em presença da chamada lei das percentagens:- isto é, tantos mais acidentes ocorrerão quanto maior for o número e grau de utilização das aeronaves.

O CASO DAS TERRAS DO FIM DO MUNDO
NO DISTR1TO DO CUANDO-CUBANGO, é naturalmente inestimável o papel desempenhado pelos meios aéreos. E do acidente que ora passamos a relatar, fica-nos uma certeza muito importante: - é a de que há controle efectivo das unidades a voar. Com efeito, a Imprensa só muito tarde se reportou ao acontecimento. Todavia, em Serpa Pinto, vivia-se com muita emoção o desenrolar dos factos. E os meios de aeronáutica civil estavam atentos, ao desaparecimento do CESSNA, havendo de colaboração com o respectivo Governador do Distrito, Major Branco Ló, que sobrevoou o local do acidente e acompanhou o estado dos feridos, desencadeando uma autêntica campanha de buscas que acabou por dar, felizmente, os resultados que seriam de esperar.

DESAPARECEU UM AVIÃO!
UM CESSNA 336 DA " TASA " tripulado por António Cabrita Sousa, natural de Albufeira (Algarve), de 45 anos de idade, casado, brevetado há oito anos, efectuava a viagem de regresso a Serpa Pinto, procedente do Baixo Longa.
Um temporal levantado muito rapidamente obrigou a consecutivos desvios que não resultaram. Esgotado o combustível, o bimotor logo principiou a perder altitude e a queda foi inevitável.
Calmo, obedecendo a todas as regras de navegação, só o piloto sabia, naquele momento, o que se estava a passar. Os três passageiros ignoravam todo o drama que António Cabrita vivia.
As possibilidades de contacto-rádio, devido ao mau tempo, não eram nenhumas.
... E o avião precipitou-se.

AS  BUSCAS
ÀS SEIS HORAS DA MANHÃ do dia quatro iniciaram-se as buscas de salvamento nelas tendo colaborado cinco aviões civis, três da FAP e um helicóptero. Por volta das oito horas o avião desaparecido foi localizado imobilizado, a cerca de 60 quilômetros de Serpa Pinto, por um avião particular tripulado por João António Gonçalves Teixeira, que viu dois dos três passageiros do bimotor CR-LJQ que procuravam socorros, tendo feito uma fogueira com a qual foi possível conhecer a posição do avião sinistrado.

OS SOCORROS
DUAS HORAS DEPOIS DE ter sido localizado "Cessna", uma viatura da PSP chegava ao local. Dois agentes desta prestimosa corporação atravessaram, a nado, o rio Cuebe. Pouco depois fizeram evacuar dois feridos.
Dado o acesso ser extremamente difícil para salvar os dois restantes feridos foi necessária a colaboração de um helicóptero da FAP que também teve trabalho arriscado não obstante o seu poder de mobilidade.
Foi necessário abrir uma clareira na mata com auxílio de um homem pendurado pela cintura e de uma serra eléctrica para cortar ramos de árvores.
Transportado de helicóptero, António Cabrita, chegou a Serpa Pinto. O seu colega de infortúnio fora de carro. No Hospital daquela cidade verificou-se que o piloto tinha fractura exposta na perna esquerda, clavícula partida, pulsos feridos e várias escoriações pelo corpo e na cabeça.

LOUVOR MERECIDO!
SEM DUVIDA QUE TODOS OS interventores nas buscas efectuadas merecem um elogio pela sua abnegação, sangue frio e eficiência. Também a população anónima justifica um aceno de simpatia pois pode dizer-se que Serpa Pinto esteve toda no Hospital a aguardar o regresso dos "desaparecidos”. Mas há, efectivamente, um louvor nosso para a colaboração imediata do Governo do Distrito, da FAP, da PSP e os pilotos particulares que depois de localizarem o bimotor sinistrado efectuaram, até final da operação de salvamento, voos em círculo, constantes, sobre o local do acidente.
Esses voos tinham por objectivo não perderem de vista o local e darem conforto moral aos feridos que, com a presença dos aviões sobre as suas cabeças, tinham a garantia de estarem a ser salvos.
Dado o estado de saúde do piloto António Cabrita este veio, acompanhado de sua esposa, D. Benvinda Fonseca, para Luanda, tendo sido internado numa Casa de Saúde, onde foi submetido a intervenção cirúrgica.
A reportagem de "SEMANA ILUSTRADA" procurou-o e ouviu-o no leito onde se encontra a restabelecer-se. Ao lado, sua esposa, que simpaticamente nos acolheu.
O TECTO ESTAVA COMPLETAMENTE FECHADO E NÃO TINHA POSSIBIDADES DE REGRESSAR AO PONTO DE PARTIDA.
ANTONIO CABRITA, O PILOTO que lutou com a morte e venceu-a, fala para os feitores desta Revista. Depois de confirmar que eram quatro os ocupantes do "Cessna—336", o nosso interlocutor fez questão em que, por nosso intermédio, fosse dirigido um muito obrigado ao furriel do Exército que jamais o abandonou e transportou às costas mais de 50 metros, e que, ao serem lançadas garrafas térmicas contendo líquidos diversos para mitigar a sede de ambos, o furriel (cujo nome ignora) apanhou uma que caiu a cerca de 70 metros e levou-lhe para que fosse ele o primeiro a beber. Só depois, o "furriel desconhecido" levou a garrafa à boca,
Magnífico exemplo de solidariedade!

PERGUNTAS E RESPOSTAS
— Há quanto tempo reside em Serpa Pinto?
— Há três meses que eu e minha mulher fomos para lá.
— Quando foi brevetado e quantas horas de voo tem até ao momento?
— Fui brevetado em Luanda há oito anos. Tenho mais de mil horas de voo.
— Conhece bem a rota que seguia nesta sua última viagem?
— Perfeitamente.
— Causas do desastre?
— Foi o temporal. O "tecto" estava muito baixo e não oferecia possibilidades de perfuração pelo que tive de obter uma alternante de 80 quilómetros da rota, próximo do Bucho, que fica distanciado desta cidade cerca de 70 quilómetros.
— ... E qual era a rota?
— Baixo Longa — Serpa Pinto.
— E o tempo de voo?
— Quatro horas e meia.
— Não tinha possibilidades de regressar ao último ponto de partida?
— Não tinha porque estava tudo completamente fechado.
— Qual é a autonomia da aeronave?
— Seis horas e meia.
— A que horas descolou de Serpa Pinto?
— As oito da manha para Vila Nova da Armada; tempo de voo: uma hora e cinco minutos; Vila Nova da Armada-M’pupa; tempo de voo: 50 minutos; regresso a V. Nova da Armada-Baixo Longa e Serpa Pinto, onde não chegámos.
— A que horas se deu o desastre?
— Cerca das 15 horas de sexta-feira. Só fomos localizados por volta das oito horas da manhã de domingo.
— Portanto...
—- ... isso mesmo!... estivemos todo aquele tempo ali na mata, à chuva, ao vento, com sede e fome. Passaram por nós manadas de corpulentos animais, entre outros de menor porte, embora não menos "sociáveis", que, felizmente, não nos viram ou não nos ligaram a importância necessária para investir.

DEIXEI QUE A SORTE ME DESSE AS MÃOS...
— É evidente que teve a percepção do que ia acontecer. Como reagiu e qual foi o comportamento dos passageiros?
— Já com os motores parados tentei aterrar numa chana que divisei não muito longe. No entanto acabei por perdê-la porque a neblina "fechou" completamente. Deixei que a sorte me, desse as mãos e nos ajudasse. Não larguei o "manche" do avião enquanto este não se imobilizou totalmente. Quanto aos passageiros... mantiveram-se todos calmos. Só mais tarde se aperceberam do acidente.
— Como aterrou?
— "Atirei" com o avião sobre a cúpula das árvores de grande porte para amortecer a queda. Ao fim de 50 metros o bimotor estava imobilizado. Então tentei sair. Verifiquei que era impossível fazê-lo só pelos meus próprios meios. Vi que tinha uma perna partida, várias escoriações pelo corpo. Tentei abandonar o avião para irmos — eu e os passageiros — para um sítio onde a nossa presença fosse mais visível afim de facilitar as buscas mas era utopia. Não podia mexer-me. Foi então que dois dos passageiros tomaram essa iniciativa enquanto um outro — o furriel desconhecido — não me abandonou. E, apesar da chuva e do traumatismo psicológico do acidente, ele ainda conseguiu levar-me às suas costas cerca de 50 metros. Mas as minhas dores já eram tantas que tivemos de ficar ali mesmo.
Após uma pausa prosseguiu:
— Pedi ao meu companheiro que fizesse uma boa fogueira com caixas de cartão e madeira seca, que estavam no avião, pois estava tudo molhado e não se podia atear fogo fosse ao que fosse.
E a fogueira era um meio para alertar os socorristas.
— Recorda-se a que horas chegou a Luanda?
A esposa intervém para rectificar, uma vez que Cabrita Sousa não estava efectivamente certo desse pormenor. É ela que nos diz: Seriam dez e meia. Pouco mais talvez, mas não seriam ainda 11 horas.
— A que horas foi operado?
— Eram duas horas da tarde. Os médicos não estavam na Casa de Saúde. Era domingo, dia de folga. Mas assim que foram alertados vieram com a urgência que o caso requeria. O médico assistente da "TASA" foi incansável. O analista também. Estou-lhes muito reconhecido.

JÁ TENHO SAUDADES
— Quando estiver completamente restabelecido volta a voar?
— Olha-nos. Puxa um pouco o lençol para cima e, com um sorriso nos lábios, disse:
— Se volto!... Já tenho saudades!...

O acidente aéreo ocorreu em Março de 1964, quando se procedia ao voo inaugural da TASA - Transportes Aéreos do Sul de Angola.

Reportagem de Adulcino Silva, Semana Ilustrada.