quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

F-84 EM ANGOLA, MISSÃO NO NATAL DE 1966 A TEIXEIRA DE SOUSA

Na foto podem ver-se os F-84, na placa do AB4 com depósitos ditos pylon



Em Outubro de 1966, eu e outro piloto, experientes, fomos enviados para Luanda para fazer um refrescamento no F-84G para, de seguida, ir reforçar o contingente em Moçambique para fazer frente à Esquadra inglesa durante o bloqueio do Canal de Moçambique. “Farroncas” do tempo do “António”.


Em Luanda voei no F-84 quase 500 h em 2 anos e 3 meses.

Não falarei das missões por não me parecer apropriado mas, há duas histórias que quero contar.
1ª - Viagem a Teixeira de Sousa
Esta aventura tem que se lhe diga.
Pouco depois de chegarmos a Luanda, no Dia de Natal de 1966, estávamos de Alerta eu e o outro piloto que tinha chegado há pouco tempo.
Como não tínhamos família connosco, ficámos de serviço nessa noite.
Contudo, nessa mesma noite, houve um ataque a Teixeira de Sousa, na fronteira Leste de Angola. Num local até aí calmo aparece esta provocação.
Reação: enviar uma parelha de F-84 para patrulhar a zona e mostrar força e capacidade de intervenção...
Claro que fomos nós, os pilotos de Alerta, nomeados para a missão. De referir que nunca tínhamos ido ao Leste, que desconhecíamos totalmente.
Enquanto colocavam depósitos suplementares pylons (a viagem era longa) tentei obter cartas aeronáuticas para preparar a viagem, porque os F-84G estavam confinados no seu dia a dia, a atuar no Norte de Angola, pelo que, só tínhamos as cartas dessa área. A Região Aérea forneceu as outras necessárias.
Após o planeada a missão, descolámos a seguir ao almoço.
O percurso seria: voar em altitude, descer e sobrevoar Henrique Carvalho (Base da Força Aérea) na Lunda, daí continuarmos até Teixeira de Sousa, sobrevoar e aterrar em H. Carvalho.
Fizemos a viagem a 20.000 pés, por cima de nuvens e, de acordo com os nossos cálculos, iniciámos a descida, cerca 20 milhas antes. Devido à distância (julgávamos nós) e à baixa qualidade das ajudas rádio, ainda não se sintonizava o radiofarol HC nem se conseguia falar com a Torre.
Não esquecer que era Dia de Natal…
Saímos das nuvens cerca de 2000 pés acima do terreno e, surpresa: quando devíamos estar a ver a Base – nada. Chamámos – sem resposta.
Estávamos praticamente perdidos mas com combustível. Avistámos uma picada e pouco depois uma povoação que, felizmente, como era costume em Angola, tinha o nome escrito no telhado. Esta povoação estava no mapa, mas a cerca de 50 milhas antes de H. Carvalho. Era esquisito mas nada se poderia fazer nessa altura. Seguimos a picada e… H. Carvalho.
Falámos com a Torre e estavam surpreendidos – não tinham sido avisados da nossa chegada e tinham o radiofarol desligado – era Dia de Natal e não tinham movimento.
Expliquei-lhes a nossa missão pedindo que colocassem os candeeiros de iluminação na pista pois aterraríamos já de noite.
Teixeira de Sousa - 1968 -  Foto de Gininha Martinez Almeida Santos



Sobrevoámos o aeródromo e fomos para Teixeira de Sousa onde demos duas ou três voltas para nos mostrarmos ao inimigo e, ao mesmo tempo, animar as nossas “hostes”. Estava a anoitecer.Começámos o regresso e já perto de HC e às escuras, verifico que não tenho recepção do radio farol.
Incrível! Chamo a Torre e respondem-me, alguém tinha desligado a rádio ajuda.
Enquanto iam ligar o equipamento, continuamos o voo e passados alguns minutos apercebo-me da claridade dos potes utilizados na iluminação, acabando por aterrar em segurança mas já “apertados” em termos de combustível – daria para cerca de 10 minutos. Tempo de voo total 2:55 h.
O problema da Torre deveu-se à mudança de turno, rotina, ser domingo e Natal ninguém ter sido avisado do voo extraordinário. 
Após mais dois voos de soberania na área, regressámos a Luanda no dia 29, tendo corrido tudo normalmente. 
Esta viagem teve vários problemas, alguns impensáveis – Nada se saber em H. Carvalho foi o mais incompreensível. Falta explicar o erro de navegação – descida bastante antes de HC: em Luanda e com calma, tento compreender onde esteve o erro. As duas cartas aeronáuticas fornecidas pela Região Aérea eram de origem americana, fiáveis. Juntei as cartas, refiz os cálculos mas os resultados mantiveram-se. Até que reparei que o erro correspondia a ± 60 milhas náuticas. “Acendeu-se uma luz” - correspondia a 1 grau nos paralelos.Conclusão, as cartas fornecidas não se justapunham - faltava exactamente uma faixa de 60 milhas náuticas de terreno. 
Mais um erro em que me sinto também culpado mas não esperado.


Texto:Cap(Ref) Fernando Moutinho



Transcrito por especial deferência do site e do Sr. Cap. Fernando Moutinho

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

RÁDIO VOZ DO MPLA


Gago Coutinho, foi pela sua singularidade, o destacamento do AB4 primeiro, e do Secarleste depois, em que o pessoal mais se integrou.
Embora existissem elementos diferenciadores, os pilotos independentemente da patente, comiam na messe de oficiais do Exército, incluindo os furriéis e sargentos, e tinham um alojamento separado. Mas no restante e não era pouco, a relação era de cada um com a sua especialidade, concorrer para o mesmo objectivo, independentemente da qualidade, e operacionalidade do material,potenciando ao máximo o desempenho e intervenção do destacamento no esforço de guerra desenvolvido na sua área de intervenção. Mas proporcionando à sua guarnição, uma relação humana e profissional ímpar, no contexto dos seis outros destacamentos.
Instalações do AR
Vem isto a propósito do tempo de estadia para além das tarefas diárias de cada um, só em Gago Coutinho era possível o OPC Asseiceiro, ensinar morse ao MMA Tomaz, ou ao MELEC Lino, o MMA Tomaz, ensinar o OPC Asseiceiro, a abastecer uma DO, ou T-6, ou o MAEQ, ter como ajudantes outros especialistas, a municiar os T-6, ou a fazer "napalm", ou o MELEC, Lino ensinar os OPC,S a perceberem como identificar uma avaria básica, nos emissores.
Nos tempos livres, eram normais as saídas conjuntas, entres pilotos e especialistas, sem serem necessariamente os mecânicos que os acompanhavam nas missões. Ou no fim de uma das muitas noites de churrascos, falar-se de tudo um pouco, religião, política, mulheres, sexo, ou mesmo do papel de cada um e da sua posição em relação à guerra onde todos estávamos, consciente ou obrigatoriamente metidos. 
Numa dessas noites após um churrasco de “facocheros” a conversa proporcionou uma audição que só um OPC podia concretizar, sintonizei num hamarllund, uma frequência por mim conhecida e lá estava a rádio “Maria Turra” assim lhe chamava por ter como locutora uma mulher e auto-intitular-se a “Rádio Voz do MPLA” depois de uma conversa numa língua que nenhum de nós entendia, veio a locução em Português, e para espanto dos presentes, era um desfilar de ataques a colunas, quartéis e bases aéreas, o abate de aviões, afundamento de navios e destruição de quartéis, com centenas de mortes, e capturas de oficiais e soldados, bem como a libertação de kimbos, vilas e cidades, tudo isto à mistura com insultos, e ofensas à “tropa colonial fascista portuguesa”, bem como tentativas de aliciamento, das populações civis e dos militares na deserção, passagem de informação sobre operações, sistemas de defesa e segurança... 
Após acabar a transmissão, toda a gente confirmou que nem lhe passava pela cabeça que aquilo pudesse ser verdade, e cada um se manifestou quanto ao conteúdo, cimentando com a discussão, a camaradagem que nos unia, e a certeza que tudo aquilo não passava de propaganda, bastava constatar o decréscimo dos pedidos de RVIS e RVIS-ATIR, dos TEVS, ou dos ATAP, para perceber que com a UNITA, confinada ao papel de contra guerrilha, na área das nascentes do Lungué Bungo, a FNLA refugiada na Zâmbia desde Setembro de 1972, e a eliminação do último grupo organizado do MPLA no Leste de Angola, numa mini-siroco em 29 Julho de 1973, não tardaria o fim da guerra, e duma solução mais política que militar...

Dezembro de 1973, Gago Coutinho
OPC ACO

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O PROJECTOR

 Lembrava-se pelo menos de 3
O Jorge, com o filho de tenra idade sentado ao seu colo, via uma fotografia que tinha descoberto na Internet, num site dedicado ao AB4 (Aeródromo Base Nº. 4). Estavam vários especialistas da FAP em pose fotográfica e ele reconhecia e lembrava-se pelo menos de 3 dos 9.
- Quem é, pai? – pergunta-lhe o petiz, estranhando não conhecer ninguém, habituado que estava a ver fotos do pai, da mãe, do mano, dos avós… mas quem diabo seriam aquelas pessoas, que nunca tinha visto? – pensou para com ele.
- Pai, quem é? - Repetiu. Que coisa esquisita. O pai, em vez de estar a olhar para a fotografia, estava a olhar para a parede da sala. Parecia que dormia, mas com os olhos abertos.
Mas o Jorge não dormia, recordava. Recordava situações e pessoas de há mais de 30 anos. Oh, como distinguia os dois rios serpenteando no meio do arvoredo cerrado, como observava as sanzalas com as centenas de cubatas. E a cidade. Cidade, sim, que era como estava escrita que era: a cidade de Henrique de Carvalho, no leste de Angola, no primeiro ano da década de 70.
Bem, vista da Nordatlas, não era grande. Era pequena.
Quatro ou cinco ruas. Isto era visto do avião, claro. Que, de certeza, quando lá chegasse, era muito maior. Afinal, era a capital do distrito do Saurimo.
Apareceu, de repente, a pista, rodeada de ervas de 3 metros de altura a que chamavam capim. O pesado trem de aterragem do avião tocou a pista e tocou também o seu coração. Um baque estranho e surdo, feito de arrepios e calores, percorreu-lhe longamente o corpo. Seria do calor húmido, próprio do clima africano? Ou seria da sensação nunca antes sentida de ter chegado às entranhas de África?
À medida que o avião diminuía a velocidade na pista até se imobilizar, um carro de bombeiros acompanhou-o sempre.
A chegada do “barriga de ginguba"
Mais ao longe, grupos de malta eufórica com a chegada do “barriga de ginguba” (nome dado ao Nordatlas, pela sua invulgar envergadura), que significava, semanalmente, entre outras coisas, maçaricos para a rendição (que na Força Aérea era feita individualmente), aerogramas dos pais, mulheres, namoradas e amigos, comida fresca de Luanda e novidades do “puto” (ou seja, da metrópole, quer dizer, lá de Portugal).
- Pai, ò pai, quem é? – gritava o filho, já desesperado.
- Ó Jorge, não ouves o menino? Adormeceste? – vociferou a mulher, da cozinha.
- O quê? Sim, está bem – despertou. 
Mas o que ele queria mesmo era voltar a perder-se no projector imaginário da parede, onde corria o filme a cores da sua passagem por Angola. E ele queria revivê-lo ali e agora. Acendeu a TV no canal Panda e o filho sossegou.
E a parede mostrou-lhe mais e mais. Mostrou-lhe o 1º. Natal passado em Henrique de Carvalho (hoje Saurimo), cujo lema era “Não sabe ser rendido nem dobrado”, escassos dois meses após ter saído do “puto”, em que queria esquecer e embebedar-se e não conseguiu. Misturou vinho com saudade, vodka com lágrimas, cerveja com recordações, gin com olhos verdes, martini com desgosto, whisky com cabelos longos até à cintura, aguardente com lágrimas de mãe, ginja com pele de galinha de pai. Tudo que conseguiu foi uma valente dor de cabeça, mas embebedar-se, que era o objectivo, não. Realmente, quem manda mesmo é a cabeça…
Cazombo
E o projector continuou. Nos dias secos, em que o que custa mais são os primeiros 6 meses e os últimos 18. A primeira ida para um destacamento, o Cazombo, onde chegou a ser por alguns dias o 2º. comandante e no posto de rádio e de cifra, em que era o único rei e senhor. 
Viu na parede, a cara de espanto do tenente-coronel do exército quando foi mandado sair do centro de cifra, onde, após a visita ao posto de rádio, teimou em entrar. Era uma área considerada secreta e só o operador de comunicações e o comandante do destacamento podiam entrar. Um saudoso sorriso enigmático aflorou aos seus lábios, deixando ver, já, algumas rugas.
Clube
No bar de especialistas, num domingo soalheiro, a meio da tarde, o enfermeiro Silva metia cuidadosamente uma nota de 20 escudos entre as duas folhas de uma carta, que acabara de escrever.
– Qué que tás a fazer? – questionou o Esteves.
- A mandar dinheiro numa carta, não vês? – disse, com ar altivo.
- Então recebes dinheiro e depois mandas? Tás cacimbado ou quê? – tornou.
- Ná, nunca estive tão bem. É para a mãe da minha noiva – disse, com aparente à vontade.
- Para a mãe da tua noiva? Que se passa? Este tipo tá maluco…
- Não estou, não. Soube através de um amigo que ela me anda a enganar – mediu bem as palavras que, via-se, o estavam a magoar. 
- Namoramos há 3 anos e íamos casar quando eu voltasse, daqui a 6 meses – pronunciou, já com a voz a tremer - Este dinheiro é para a mãe dela lhe entregar, para pagar o tempo em que estivemos juntos – e um Homem chora, sim senhor e chora mesmo, compulsivamente e sem medo e sem vergonha.
M. João na torre
A torre de comunicações, com os seus 140 degraus, onde o esperava o amigo M. João. Com o Jorge, subiam Nocais fresquinhas e o chouriço acabado de receber do “puto” (“vá, filho, para não te esqueceres do gosto das nossas coisas”).
Recordava, no meio de dois golos de cerveja, as conversas que tinham sobre tudo o que se passava à sua volta e, claro, sobre as namoradas que tinham deixado lá. E como ele lhe ensinara algumas palavras do dialecto local. Tentou lembrar-se, mas só lhe apareceram “moyo” e “euá, chindelo”. Deu-lhe alguns preciosos conselhos e emprestou-lhe vezes sem conta a "kinga" para ele se deslocar mais rapidamente.
M. João e a "kinga"

Falavam sobre temas filosóficos, pois então; mas também sobre o primeiro Martinho, que tinha pedido para levar umas coisitas para a mulher, que vivia em Lisboa. E de como o viam, meses depois, andando cabisbaixo, com a mão esquerda atrás das costas e a direita enfiando cigarro atrás de cigarro na boca sôfrega de nicotina e de algo que lhe minorasse a dor.
- Isto é uma vida do camandro, ò Jorge. Não chega a netos, pá – era uma das frases que proferia mais frequentemente, naquele conturbado período. 
Tempos depois, falou-se que tinha sido encontrado com uma corda à volta do pescoço.
Esse não mandou dinheiro dentro duma carta…
Não pôde continuar. A parede começou a tremer. Seria um tremor de terra? Ou o vizinho de cima a dançar? E deu com ele a cantarolar o hino de Henrique de Carvalho (escrito em 1969 por Rocha Marques, piloto aviador e recuperado pelo Mendanha Arriscado). 
Primeiro em surdina, depois cada vez mais alto, como que deixando sair um misto de raiva e saudade, de pressão e de carinho pelos tempos passados e que, hoje, têm um sabor esquisito na boca e uma recordação difícil de definir.
Só conseguiu chegar a meio.

“Quando penso que lá longe ela me espera” já não foi cantado, foi chorado. Primeiro com muitas e grossas lágrimas escorrendo pela cara, depois num choro cada vez mais salgado e ardente.
Quando a noite veste de sombras o mundo
E o silêncio me desperta a solidão
Verto lágrimas e o meu sofrer é profundo
Põe-me louco de saudade o coração.
Quando penso que lá longe ela me espera,
Ansiando pelo dia da chegada,
Grito a Deus, que minha alma desespera,
Grito a Deus, mas o silêncio não diz nada.
Quando os pássaros saudando a madrugada
Me despertam para a guerra uma vez mais
Sinto o peso desta vida amargurada
Sinto ódio às minhas "asas" infernais.
Oh ! Henrique de Carvalho, meu desterro,
Que por dois anos me farás teu prisioneiro,
Se eu morrer quero bem longe o meu enterro,
Quero ser da paz eterno companheiro.

Escrito no AB4-Aeródromo Base nº.4.
Henrique de Carvalho-Angola em 1969
Por:

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

MONGU NA ZÂMBIA....DE N'RIQUINHA !

Dia de Nord em Neriquinha

   
Neriquinha não se passava nada de quinze em quinze dias, periocidade que mediava entre cada chegada do Noratlas, “quando o tempo o permitia”, que nos abastecia de frescos, bebidas e o tão esperado correio.
Nesses intervalos “sofridos”, havia que inventar alguma coisa que fazer para pura e simplesmente não se estupidificar irreversivelmente. Como os contactos com Carvalho eram efectuados maioritariamente com a torre de controlo, pela escassez de serviço que justificasse incomodar o posto de rádio, entretinha-me a fazer “relé” (servir de intermediário/retransmissor, entre estações terrestres, ar terra, ou terra ar, entre postos fixos e aviões) ou a tentar contactos com outras estações da FAP fora da nossa rede, com as de Moçambique, (estávamos mais perto em linha recta da Beira que de Luanda) ou com as do Negage, ou de Luanda.
Nessa busca incessante de mais potência para chegar mais longe, tive como aliado um MRAD, julgo que se chamava Lino, que tinha uma forma “sui generis”, (traduzindo) do seu próprio género, (traduzindo) não sei onde raio é que ele aprendeu aquilo... que consistia em pousar uma lâmpada fluorescente em cima do emissor, sem estar ligada a nada, e ir ajustando a potência de saída deste, até a lâmpada atingir o máximo da luminosidade, devido ao enorme campo eletromagnético gerado pelo emissor, (técnica que transportei comigo para todos os destacamentos seguintes). Assim, tornou-se banal levantar-me de madrugada e conseguir primeiro contacto com com a Beira, Tete, ou Lourenço Marques do que com o Negage, ou Luanda, mas o que me dava mesmo mais gozo, era interferir nas comunicações de uma pista Zambiana num terra chamada Mongu, ou coisa semelhante, logo do outro lado da fronteira.
Sempre que ouvia algum avião com indicativo começado por 9J, civil, ou militar chamar pela estação, 
respondia e torpedeava todas as instruções possíveis, sistematicamente o controlador de serviço mandava o avião mudar de canal e frequência.
Mas semanas de inactividade, tinham-me proporcionado a possibilidade de catalogar todos os canais e frequências por eles utilizados, aliás julgo que a origem do seu material tinha a mesma que o nosso, pois as bandas e canais dos nossos emissores, coincidiam quase na totalidade com as frequências utilizadas por eles, era evidente que eles sabiam que eu emitia do exterior da Zâmbia e mais que uma vez fui ameaçado que, ou abandonava as frequências, ou quando me localizassem me largavam um bomba em cima, nessas alturas abandonava o Inglês, e utilizava o Português mais vernáculo para os insultar e para que não houvesse dúvidas que nada me faria desistir. Afinal a Zâmbia não tinha relações com Portugal e dava abrigo e armava o MPLA, e era de lá que eles vinham atacar-nos, por isso o que eu fazia era não só legítimo, como justificável.

Mas o mais secreto projecto e que mais me deu gozo foi uma noite cerca das quatro da manhã, após semanas de muitas tentativas falhadas, e após conseguir falar primeiro com o Sal, depois com Bissau, e finalmente chamar a Portela, e perante a incredibilidade do controlador de serviço, que nunca tinha ouvido falar em Neriquinha, dar-lhe o número do telefone do meu amigo “macanudo” Soares na Golegã, para que ele lhe telefonasse a dizer que eu estava bem, mas saudoso, e que me escutasse em onda curta durante uns dias nos 26 MHZ, e após alguns dias de tentativas falhadas, finalmente durante uns breves minutos conseguimos contacto e falámos incrédulos até que o sinal se perdeu.
Panorâmica de Neriquinha
Quando finalmente acabou o meu desterro em Neriquinha, tinha um caderno com indicativos, frequências e contactos confirmados nas duas costas de África, na Macaronésia, e na Europa, para além de dezenas de contactos com civis no interior da Província.

Por:
JFM A