sexta-feira, 24 de junho de 2016

ARMAS NÃO !

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Cartoon do autor
Algo muito característico das missões ONU para o apoio eleitoral, em regiões com situações de “pós-conflito”, é a capacidade de negociação que o pessoal a ONU tem que ter com os VIPs locais.
Em 1992, na missão UNDP para as eleições Angolanas, as “Pessoas Muito Importantes” – VIP – da Cidade de Luena tinham de voar para os vários locais de voto, dando para o efeito no dia anterior essa informação para se fazerem as listas de passageiros. Contudo, no dia do voo, apresentavam-se com os seus guarda-costas, os quais não constavam na lista de passageiros. Para agravar a situação, os elementos de segurança pessoal queriam embarcar com armas ligeiras e granadas. Era necessária muita calma, paciência, e energia extra, para convencer essas entidades que, para embarcar o guarda-costas que não estava na lista, tinha de sair o funcionário eleitoral que estava na lista. Por outro lado, mesmo que a decisão fosse embarcar o guarda-costas, nós nunca iríamos permitir armas a bordo de uma aeronave ao serviço da ONU.
Para nosso espanto, houve casos em que a decisão, à porta do helicóptero, foi de retirar funcionários do processo eleitoral para embarcarem os guarda-costas dos VIP; mas as armas ficaram em Luena.



(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)



Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

A FORÇA AÉREA PORTUGUESA E OS FOGOS FLORESTAIS!


Há vários anos na minha qualidade de Ex. Bombeiro Voluntário (BV), militar aposentado da Força Aérea Portuguesa (FAP), e cidadão contribuinte, venho de forma variada chamando a atenção para a importância de um papel ativo e interventivo da FAP, no combate com meios aéreos aos Fogos Florestais (FF).
Tal decisão como publicamente demonstrado, diminuiria drasticamente os custos decorrentes de aluguer anual de aeronaves, aumentando de forma substantiva as necessárias taxas de operacionalidade.
Outros cidadãos, também contribuintes como eu se têm empenhado de forma diversa, nomeadamente na recolha de assinaturas para que a temática possa subir ao plenário da Assembleia da República (AR), mas até agora, “TUDO COMO DANTES QUARTEL EM ABRANTES».
Este ano e para dar continuidade a anos anteriores lá irão os contribuintes desembolsar mais umas dezenas de milhões de euros para concretizar o já citado aluguer de aeronaves, sendo que a maioria das quais, volta aos países de origem findo o tempo contratualizado. Nessa circunstância, fica o sistema de combate amputado dos seus mais importantes e determinantes meios, as aeronaves.
De salientar que por motivos vários e conhecidos, relativos a temperaturas, não tem sido possível definir com um razoável rigor quando começa e acaba a época dos (FF), arriscando o País ser confrontado com fogos e as aeronaves já cá não estarem.
Face ao que precede torna-se absolutamente incompreensível o facto de Portugal à semelhança de outros Países alguns pertencentes à Comunidade Europeia (CE),não tomar a decisão Política/Militar de alterar a missão da (FAP), criando um departamento sob forma de Esquadra por exemplo, pondo em prática esta missão de interesse público.
Como diz o ditado «ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA,TANTO BATE ATÉ QUE FURA»
Espero ainda ver aeronaves entregues à (FAP),operadas por tripulantes da (FAP),a lançar água mole não para furar, mas para apagar os incêndios.
TENHO ESPERANÇA!

Por:


sexta-feira, 10 de junho de 2016

A VACA NÃO VAI !

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Cartoon do autor
Todos os dias, com o aproximar do pôr-do-sol acabava a atividade aérea e eu ia para as reuniões de coordenação, com a Comissão Eleitoral de Luena. O objetivo daquelas reuniões tardias era de reportar aquilo que se tinha feito no dia vigente, bem como de coordenar as atividades dos vários sectores para o dia seguinte. No caso da campanha aérea, discutia-se quem é que necessitava de voar e para onde eram os voos. Tentava-se conciliar a escassez de recursos com a satisfação das várias entidades políticas, muitas vezes com intenções antagónicas entre elas. Não era uma tarefa fácil, porque continuava a haver escaramuças e confrontos armados entre as fações na corrida eleitoral. Após chegar-se a acordo, faziam-se as listas das necessidades de passageiros e carga para cada meio aéreo, com as respetivas horas de embarque.
Começava então a parte mais delicada dessas reuniões – o ajustamento das necessidades à capacidade dos meios aéreos. Para cada distância a voar tinha de haver uma certa quantidade de combustível. O peso desse combustível retirava pessoas e carga das aeronaves. Isto nem sempre era entendido pelos participantes nessas reuniões, que acabavam por viciar a informação na tentativa de atingir as suas intenções. 
Por absoluto desconhecimento ou devido a intenções escusas, a qualidade de informação que nos era cedida era invariavelmente má. Quase nada do que nos era dito pelos vários representantes das entidades politico-eleitorais, batia certo com o que se verificava no dia dos voos. As identificações das listas de passageiros nunca estavam corretas, requerendo negociações de última hora à porta da aeronave. Outro tipo de situação, a roçar o hilariante, eram os valores que nos davam do peso estimado da carga. Eu fazia sempre questão de recordar a capacidade de um MI-17:
- “Meus senhores, nós não vamos retirar combustível ao voo. Vocês podem carregar um total de 4500 Kg, ou 22 pessoas só com bagagem de mão.”
 Mas os pesos que a Comissão Eleitoral nos cedia estavam invariavelmente errados e o conceito de “bagagem de mão” era muito flexível naquelas paragens. A solução era embarcar as pessoas e a carga prevista, tendo depois o piloto de fazer um pequeno teste de descolagem vertical na placa. Se a capacidade de sustentação do MI-17 não estivesse à altura das exigências, ia-se retirando carga até se atingir o poder de sustentação desejado. 
Hilariante contado agora, …, arrepiante vivido na altura!
Por vezes tínhamos de fazer mais de um voo para o mesmo destino, com consequências negativas na gestão do combustível disponível.




(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)




Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

PASSAGEM BAIXA

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Cartoon do autor
Como eu era o gestor da atividade aérea de Luena, sempre que havia dúvidas na missão eu tinha de embarcar e resolver assuntos relativos à distribuição do material para o ato eleitoral. Alguns dos destinos eram pequenas aldeias – denominadas Comunas – perdidas algures na Província do Moxico, que não constavam em mapa nenhum. 
Um belo dia, tivemos de ir a um lugar para entregar boletins de voto e urnas para o evento que se aproximava. Foi muito difícil encontrar essa comuna, porque a sua localização não constava nos mapas que possuíamos.
Quando finalmente descobrimos o local, percebemos que a aldeia não era mais que uma congregação de várias cubatas feitas de madeira e palha. O piloto identificou um bom lugar para aterrar o nosso grande helicóptero russo MI-17, e fez uma aproximação lenta concentrado no largo central do aldeamento. O sítio não era espaçoso, pelo que a tripulação estava muito atenta ao procedimento e ninguém estava a prestar atenção aos arredores. Essa era a minha tarefa, na janela traseira, em bolha, do helicóptero. De repente, ficámos envoltos em muita poeira, paus e pilhas de palha voando em redor do MI-17. O piloto perdeu o contacto visual com o terreno e chamou-me através do intercomunicador, perguntando o que estava acontecendo.
Eu limitei-me a responder:” Checkyoursix” (olha às tuas 6 horas)"
Uma fraseologia aeronáutica da Segunda Guerra Mundial que significa "olhar para trás”
Tínhamos destruído tudo à nossa passagem. Podia-se identificar o rumo da nossa aproximação pela quantidade de telhados de colmo destruídos pelo downwash do rotor do helicóptero.
No chão, a população estava muito irritada, com a gente gesticulando de forma hostil. Nós avaliamos a situação e entendeu-se que não havia nenhuma maneira para aterrar naquele local, sem colocar em risco a segurança da população, e a nossa própria segurança após aterrarmos.
Abortámos a missão e regressámos a Luena. O relatório da missão passou a constar:
"missão abortada por razões de segurança".
Aquela pequena comuna não votou em 1992.



(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)




Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.