sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O AJAX * - PERCY SLEDGE

O ruído, foi-se instalando espraiando-se em círculos concêntricos ocupando primeiro a placa civil, depois a aerogare, por fim a placa militar e os hangares, penetrando em todos os espaços.
Aerogare do aeródromo do Luso
Não era um ruído normal num destacamento militar, não era o tom, nem o timbre, nem o volume que mais destoavam, era o seu conteúdo, composto pelos risos e gritos nervosos de gargantas muito jovens maioritariamente femininas, o espanto do insólito da situação foi tomando de assalto todos os departamentos da Unidade e finalmente chegou ao interior do posto de rádio.
Passados quarenta anos não consigo precisar o mês e o dia, foi no início de 1973, estava de serviço e encaminhava-me para a placa para apanhar sol e desanuviar a cabeça, depois de mais de quatro horas fechado no espaço limitado do “cofre” assim chamávamos à zona restrita onde se processava o arquivo, registo e tratamento de todo o tráfego de mensagens cifradas, a tentar decifrar uma mensagem que dava sistematicamente um erro indecifrável. 
Era uma situação comum e até desafiante, que por vezes não obrigava à repetição de toda mensagem grupo a grupo, letra a letra, mas existiam excepções como era o caso e desisti de resolver o problema, e enquanto Carvalho não voltasse a transmitir tudo a partir do grupo que dava erro, estava por minha conta.
Assim que saí do interior do “cofre” comecei a ouvir a algazarra, enquanto percorria o estreito corredor até ao hangar, o volume aumentava desmesuradamente, proveniente da zona civil da placa, fui espreitar e para meu espanto dezenas de miúdas do liceu enchiam o espaço em frente do edifício da aerogare numa agitação frenética, perguntei ao pessoal que entretanto se juntara e ninguém sabia o porquê do mulherio e da animação.

Voltei ao posto de rádio e perguntei ao Vieira que era o nosso controlador, se sabia de alguma chegada de algum avião civil fora do normal, ele resolveu perguntar ao controle civil e eles informaram que esperavam um voo particular vindo da Zâmbia para uma escala técnica por avaria.
Era no mínimo estranho, mas desliguei do assunto, mais tarde entrou um dos operadores dizendo que estava um jacto particular na placa com as miúdas todas aos gritos e a desmaiar num ataque geral de histeria que não dava para acreditar, voltei ao hangar e à placa e as coisas não estavam fáceis para os responsáveis pela segurança da placa. 
 

Percy Sledge, em foto
promocional da sua
digressão Africana
Pela instalação sonora começaram entretanto a transmitir uma música bastante conhecida “WHEN A MAN LOVES A WOMAN” quando a porta do avião se abriu e surgiu um sujeito todo vestido de negro, com um chapéu-de-sol branco, cobrindo um outro negro, vestido todo de branco, bota de tacão altíssimo, calça, camisa, colete e gibão e um chapéu de aba larga de feltro “adivinhem a cor”... branco!
As miúdas que não desmaiaram correram em direcção às escadas do avião, dando-se um movimento contrário dos passageiros; pela instalação, cortada a música, avisaram que se não recuassem para os limites de segurança, evacuavam a placa, e o “Sr. PERCY SLEDGE” não saía do avião... Instalado o impasse, perguntei ao Vilhete, que era Guineense se sabia quem era o “AJAX”, mas ele desconhecia a personagem, a minha cultura musical dava para reconhecer os nomes



Capa do Disco igual 
para toda a digressão.
de “OTIS REDING, WILSON PICKETT, JAMES BROWN, RAY CHARLES, AREHTA FRANKLIN” mas deste nunca tinha ouvido falar, e não percebi o porquê do desatino, afinal o homem media para aí um metro e sessenta, era feio como uma noite de trovoada, e devia estar tão pedrado que tinham que o apoiar para andar e nem conseguiria certamente ouvir o mulherio.
Após quarenta minutos, o avião descolou rumo a Luanda, onde o cantor iria actuar, enquanto as miúdas continuavam a gritar e a desmaiar na placa, depois de o avião descolar, cada um voltou ao seu serviço e rapidamente a fugaz passagem do AJAX, qual cometa, passou a fazer parte das histórias pitorescas do aeródromo, só anos mais tarde vim efectivamente a perceber quem era e a importância da distinta personagem, daí ter vários discos dele incluindo o da "tal" digressão Africana.


(* AJAX, personagem da Mitologia Grega e neste caso de um anúncio televisivo dos anos 60, simbolizando um cavaleiro medieval todo de branco montado num cavalo branco, com uma banda sonora que passava a mensagem "o mais poderoso! " como promoção de um detergente com a marca AJAX...)

Luso, 1973
Por:
OPC ACO


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

REPÓRTER FOTOGRÁFICO

E mais uma vez na procura de temas relacionados com a FAP por este pequeno Portugal.
As fotos são o nosso cartão de visita para quem vê um Blog de recordações e, veio ter ás nossas mãos mais uma foto muito interessante que, para alguns, será uma recordação e para outros o orgulho de terem pertencido a um grupo tão grande, a FAP.
GDACI Esquadra 13 - Seia Edifício do Comando
Enviado por João Saraiva

Assim espero que os nossos companheiros continuem à procura de monumentos, placas, azulejos, e outros relacionados com a FAP.
Desejamos que tenham um bom fim-de-semana na companhia do vossos familiares.
Recebam um especial abraço dos editores e especialistas do AB4.
P´los Editores
Rui Neves

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

CHEGADA A LUANDA

Luanda, 23 de Março de 1970, pelas 06h00.
Aquele avião de carga ( DC6 ) de que não me recordo a matricula, tinha acabado de aterrar em terra africana, Angola.
Ao abrirem a porta, uma lufada de ar quente fez-me quase de imediato transpirar.
Quando saímos de Portugal (puto) fazia frio, por isso vínhamos, penso que todos, mais ou menos agasalhados por isso, lá estávamos eu de farda amarela, todo bem-parecido com camisa de manga comprida, gravata e dólmen a condizer. Até parecíamos todos, (os Especialistas) gente importante. Realmente a nossa farda era bonita, chamava a atenção e isso enchia-nos de orgulho e vaidade poder usá-la, mas aquele momento preferia ter apenas uma camisa de manga curta, sem mais nada por cima...teria sido agradável.Tal como todos, desci a escada, e pisei solo de Angola (já pela 2ª.vez), já lá tinha estado muitos anos atrás, com os meus pais, vindos de Moçambique. Era ainda um miúdo com apenas dez anos, na minha primeira passagem, mas o cheiro, aquele cheiro característico da terra africana, senti quase de imediato, como se nunca de África tivesse saído. Esta coisa de sentir o cheiro da terra, que contamos tanta vez, a tantos que nunca lá estiveram e não acreditam, é verdade, sente-se mesmo os cheiros, os sons, os sentidos ficam mais apurados.
Entretanto lá nos meteram no autocarro da Base, e fomos para aquela que seria a minha 1ª. experiência de homem livre e preso ao mesmo tempo, aquela que seria a minha casa durante alguns dias, BA9.
Chegado à Base fui apresentar-me à Esquadra de Pessoal. Lá disseram-me que o processo de colocação levava pelo menos uma semana, pelo que estaria livre, mas tendo de apresentar-me sempre na Base (E.P.) todos os dias, para quaisquer notícias sobre a minha colocação.
Depois de me ter sido dado local de alojamento, a primeira coisa que fiz foi tomar banho.
Ainda não tinha chegado ao quarto e já estava outra vez, com o corpo pegajoso tal era o grau de humidade. Cheguei a deitar-me em lençóis molhados, tal era o desconforto do corpo naquele ambiente. Apenas se estava bem num ambiente com ar condicionado caso do nosso clube.
Logo nesse primeiro dia, fui abordado por vários camaradas da especialidade, tentando convencer-me que o “bom” era ficar Luanda. Houve alguns “especiais “que me tentavam com a Esquadra 94. Que era a melhor de Angola, blá.. blá ..blá.. e eu sem ter qualquer  voto na matéria, (lá os ia ouvindo ) e bem que  gostaria, pois parecia-me que seria bom ficar por ali.
Cidade bonita com uma bela baía, muitas esplanadas, sol, praia e muitas miúdas giras, pretas, mulatas, brancas. Claro que logo por isso, era suficiente para ficar apaixonado e acreditar que ali é que eu estaria bem.

Neste entretantos de boa vida vi algumas coisas que me chamaram a atenção de forma muito particular e ao mesmo tempo intrigante. Há imagens que não nos saem da memória e estas são algumas delas.
Certo dia vejo um Especialista dirigir-se para a Porta d Armas, com o “ar" mais desmazelado que já vira, pelo que fiquei na expectativa do que se iria passar quando a sentinela o visse.
Já tinha visto por várias vezes que todos os que saiam da base, quase se apresentavam à sentinela de serviço, este cumprimenta-os, e depois saíam. Até o Comandante, quando fardado, vi sair do carro, o que me surpreendeu muito tal atitude, pois para mim tal era impensável nas outras bases por onde andei.
Voltando ao Especialista, tomei atenção ao seu porte “aéreo” e não queria acreditar no estava a ver. Boné com a pala quase a meio da cabeça, (à reguila), os sapatos a fazerem flap,..flap,..flap,.. ou seja, as solas estavam partidas ou descoladas e um deles, na biqueira tinha um arame de frenar a segurar a sola.
Na maior das calmas aproxima-se da Porta d’Armas passa pela mesma sem que alguém, o sentinela PA o tivesse “visto”.
Não dava para acreditar!
Claro que fiz conversa disto com uns tantos camaradas, mostrando-lhes o quanto incrédulo estava e sem perceber o porquê daquele procedimento.
A resposta veio curta e seca;  ó pá, era um “gajo” do AB4 de certeza. É tudo pessoal “cacimbado”, não ligam nenhum a isto, é pessoal que não “bate “certo....
Depois desta informação fiz tudo para ficar na BA9.
No dia 27 de Março apenas quatro dias de estar em Luanda, tive guia de marcha......
AB4 em Henrique de Carvalho.

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