quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O VELHINHO C-130 HÉRCULES E O NOVÍSSIMO KC-390


Na sequência da opinião pessoal várias vezes aqui manifestada, o Governo decidiu em 8 de Junho de 2017, avançar para a compra de cinco aeronaves KC-390,com mais uma de opção.
Tal operação, que se adivinhava inadiável, prende-se com o fim de ciclo dos velhinhos e musculados C-130 hércules.
A aquisição do KC-390 contempla também um simulador de voo (FULLFIGHT,SIMULADOR CATD),cuja instalação e operação terá lugar em Portugal.
Esta nova aeronave para além dos sistemas propulsores diferentes do hércules (dois motores Turbofan V 2500), permite configurações de transporte aéreo táctico, lançamento de tropas e cargas, reabastecimento aéreo a outras aeronaves, busca e resgate, tendo sobretudo a valência de combate a fogos florestais.

A decisão governamental prende-se também com a importância estratégica que a indústria aeronáutica representa actualmente no nosso País.
Portugal está envolvido no projecto KC-390 através do CEIIA (desenvolvimento e testes),bem como das unidades da EMBRAER no País, a OGMA em Alverca e as fábricas de Évora, que visam a construção de componentes.
Dentro de três meses o grupo de trabalho constituído para o efeito, apresentará resultados, que naturalmente incluem a sustentação logística, configurações técnicas e operacionais, naturalmente definidas pela Força Aérea Portuguesa.
Em jeito de conclusão e tendo em conta a quase certa utilização da Base Aérea Nº 6 Montijo, como o segundo Aeroporto de Lisboa, acredito que num tempo não muito distante as duas esquadras de transporte ali sediadas a 501 «Os bisontes», a 502 os «Elefantes», regressarão com os C-295, os C-130H e depois com os KC390, ao coração do Ribatejo à antiga BASE AÉREA Nº3 em Tancos.



Tal regresso não constitui qualquer polémica, tendo em conta a existência do Polígono militar de Tancos, onde se encontram estacionadas as melhores e maiores valências das nossas Forças Armadas em cujas missões os meios aéreos são indispensáveis.
Pessoalmente fico confortado, pois nunca consegui compreender como foi possível desactivar em termos aeronáuticos, aquela extraordinária Unidade, que bem conheço e tive o privilégio de servir durante mais de vinte anos.

Por:







(Ten.Coronel na reforma)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O FONSECA

O Fonseca nas mensagens de Natal da RTP, em 1968



Bem, agora trouxeram-me aqui a foto do meu discípulo Fonseca, o rapaz mais inteligente que conheci. 
Quando chegou ao AB4, muito franzino e pequeno, soldado atirador, veio apresentar-se, tive pena dele e arranjei a que fosse o nosso Ordenança. Sabia ler e escrever mal, segunda classe da Primária, no entanto, revelou-se no dia em que se sentou ao lado de um rapaz que estava a estudar para ir a Malange fazer exame, e após umas noitadas ali no Comando, disse que afinal não era difícil essa coisa de estudar. 
O Padre Pereira passou a dar-lhe lições e em dois meses fez a quarta e a admissão ao Liceu, em pouco mais de um ano fez o Segundo e o Quinto, e em Malange, de uns poucos somente passaram dois, ele foi um deles. 
Quando me vim embora já ele tinha trabalho assegurado no escritório do Pereira Rodrigues, que era também o dono do Hotel. 
Era natural de um lugar na zona de Mirandela, viviam de contrabando, e ele costumava dizer que Cristo não passou por ali, nem a pé, nem de bicicleta, só se fosse de burro, porque os burros eram o meio de transporte e não caiam! 
Recordar também é viver!
Somente mais uma do "Fonsequinha", como eu o tratava.
Quando vinha algum soldado para se apresentar, passámos a entregar a tarefa ao Fonseca, que era um espectáculo nas perguntas. Pequeno, com um sorriso matreiro, olhando como quem está inspeccionando a farda e a aparência, começava o interrogatório e nós ficávamos à espreita. 
A parte mais fantástica foi a seguinte: (não sei se alguém se recordará)  a um Soldado da Policia Aérea de seu nome António Olho Azul Rosa, o Fonseca depois de todas as perguntas, todas elas desnecessárias, em silêncio olhou o rapaz, olhou a guia, e sai-se assim: - bem, isto não está conforme, está errado, isto não é uma brincadeira (nós por detrás das portas, ainda não havia balcão, quase que nos mijávamos a rir) e impávido e sereno, continuava a olhar para a guia e para a cara do rapaz, que disse: - foi o que me deram, está ai tudo!
Pois, mas aqui diz Olho Azul Rosa e tu tens os olhos castanhos! Já não aguentámos mais!


Em vídeo de mensagens de Natal de 1968 no Ex-FAPs do AB4




quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

ZÉ MARIA, O 47 (Um ex-combatente)


Caminha, triste, pelas ruas da cidade grande, solitário, sem rumo.
Olhos postos no chão, como se tivesse medo de encontrar - (quem sabe ?) - algum antigo camarada de armas.Segue, lentamente, embrulhado naquele sobretudo que já fora de cor cinzenta, oferecido naquele Abrigo, onde todas as noites lhe dão uma sopa quente, um pão e fruta. Onde ele come na tal mesa do canto, sempre sozinho, sem falar com ninguém. Onde não ouve ninguém a não ser os seus pensamentos.
Caminha. Sapatos arrastando pelo chão, castigados pelo peso da tristeza e da desilusão. Vai, "enfiado" numas calças demasiado largas para o seu corpo, já franzino. A barba, grande, grisalha, protege-o das noites frias e compridas, tão compridas...
É o ZÉ MARIA. Era o 47 na tropa.
Continua a andar.
E de tudo se lembra:
A sua terrinha, tão longe, onde nasceu, onde foi feliz, e para onde tem vergonha de regressar. Com medo que dele "façam pouco", com medo que o recusem, como aliás, lhe fazem nesta cidade grande, tão grande, onde ninguém conhece ninguém.
Lembra-se da mata, lá em África, dessa mata que ficava tão longe de tudo.
Dos tiros, dos ataques dos "Turras", do medo, da fome e da sede, das febres...
Lembra-se agora daquela negra do Kimbo, a Maria Kivunda, que o fazia feliz, e de tudo o fazia esquecer nas noites em que a chuva batia forte sobre a palhota...
Continua a pensar e a caminhar pelas ruas da cidade grande, dessa cidade que não lhe dá valor nem aos seus antigos camaradas de armas. Estão todos esquecidos.
Essa cidade que rapidamente tudo esqueceu. Agora tudo é tão diferente, todas as pessoas são agora tão diferentes...
Lembra-se do " SANTARÉM", do ANDRADE, do "PILHAS", do "MATOSINHOS", do 550, que regressaram de lá, das matas, enfiados em sacos pretos e com um simples pedaço de cartão amarelado no dedo grande de um dos pés. Com um número, o número de cada um deles.
Um número. Foi o que eles passaram a ser.
Um simples número.
Recorda também o piloto Martins e todos os camaradas que caíram, juntamente com o Héli em que voavam, abatidos na zona dos Dembos.

Caminha. Pensa, pensa, pensa. Sofre.
Como tantos, tantos como ele, é um ignorado por esta Nação que os enviava para lá, e que lhes dizia:
"PARA ANGOLA E EM FORÇA !!! "
Em força!, (pensa)
Que força?
A força de ter deixado seus pais, sozinhos, amanhando a terra dura, sol após sol ?!
A força de ter deixado a sua irmã, grávida do caixeiro viajante que por lá passava de vez em quando, tendo-lhe "enchido " a barriga para depois desaparecer e nunca mais voltar ?!
A força que tantos camaradas tiveram que ter para deixar filhos pequeninos, ou mães viúvas ?!
A força de terem que deixar filhos por criar?!
"Força"! - Diziam "eles", os tais que cá ficavam, sentados em gabinetes cheios de alcatifas mais confortáveis e macias do que o sobretudo que o tapa agora.
Nisto:...
Espera!!!
Que foi isto?!
Alguém passou por ele deixando no ar um perfume bem seu conhecido de outrora...
Sim...O perfume do After Shave que o tal 1º. Sargento lá usava todos os dias!
ZE MARIA vira-se para trás.
Reconhece-o!
É ele! - O 1º. Sargento Serra !!!!
Esse mesmo, que, a ele e aos seus camaradas tornou a vida num inferno, lá em ÁFRICA !!
Aquele vaidoso que até lhes retirava as cartas que vinham no SPM !!
Aquele mesmo a quem o ZE MARIA e os seus camaradas juraram matar um dia.
Lá ia ele, bem vestido, perfumado, bem acompanhado.
ZE MARIA fez ainda um gesto de voltar para trás, para lhe dizer que era o 47, para ajustar contas antigas.Deu ainda três passos, mas... parou.
BÁ !! - Mas, vinganças? Agora? Não !!
ZE MARIA tinha feito as pazes com o passado, consigo mesmo, embora as mágoas nunca o deixem.
Tenta até fazer as pazes com o mundo que o rodeia

Continua a caminhar.
Segue agora por uma rua comprida, larga, cheia de montras já iluminadas com luzes de Natal.
"Está perto este Natal," pensa, melancólico.
"Faltam só algumas semanas "...
Natal, de quando lhe darão, no tal ABRIGO, comida reforçada, onde haverá mais sorrisos a enganar as lágrimas, mais gargalhadas a enganar os choros, mais fingida felicidade a enganar o grito prestes a saltar da boca, da alma, de bem de dentro de cada um dos seus companheiros "SEM ABRIGO".
Ao ZÉ MARIA, o 47, vale-lhe, de vez em quando aquela rameira velha, naquele sótão também velho, onde ele, depois de subir as escadas também de madeira velha e "rabugenta", ali encontra um pouco de carinho, um pouco de aconchego.
Sem pagar.
Sem ter que pagar.

Continua a caminhar.
A tropa, sempre a tropa, os camaradas mortos em combate, sempre a povoarem-lhe a cabeça!!!
As recordações daquela guerra que deu em nada, a não ser o envelhecimento precoce de cada um deles, vidas alteradas, e mortes, tantas mortes.
"Para quê ?!"
"Para quê ?! "
"Porquê ?!"
Tapa-se agora melhor no velho sobretudo.
O ABRIGO está já ali à sua frente.
Entra, e como sempre dirige-se à tal mesa, a do canto.
Já o espera um prato de sopa quente, um pão, uma maçã, e a solidão.
Senta-se.
Olhos na comida, pensamentos longe: 
Na sua aldeia.
E em ÁFRICA.
Nessa ÁFRICA que lhe roubou a juventude.
E, nesta Nação que se esqueceu dele.
Dele de tantos, tantos, tantos...

Sai do ABRIGO.
Já é noite "fechada".
Está frio. Aconchega-se ainda mais no sobretudo que já fora de cor cinzenta.
Vai agora com passo apressado, pois não vê chegada a hora de retornar ao "seu recanto", naquele vão de escadas e onde o espera o seu melhor amigo, o "PIROLITO", desejando do dono uma simples festa no pelo, ou um mimo, guardado como sempre no bolso fundo daquele sobretudo pesado, e outrora, cinzento.
O tal mimo que o 47 guarda para o "PIROLITO", o seu único amigo.
Como sempre.

Conto de minha autoria(de ficção ?), dedicado a todos os Ex.Combatentes da Guerra do Ultramar.
O ZÉ MARIA, 0 Nº 47, podia ser qualquer um de nós.
E, na verdade, quantos ZÉs MARIAs, quantos 47s, anónimos, não andarão por aí? Esquecidos ?

Conto inédito, a editar em livro um dia.
Autor: AHV ESGAIO - FAP - 551/67
Comissão em ANGOLA  69-71.




sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

CADA ESPECIALIDADE, CADA TAREFA…

Em dia de serviço no AB4 - foto de Fernando Bastos


A minha, lembrar-se-ão os especialistas de meteorologia, era recolher dados no abrigo
foto de Afonso Palma
“dos 
termómetros”, fazer e transmitir observações do tempo, e passar as sinopses para os mapas, para depois se definirem as isóbaras.
De 3 em 3 horas, lá íamos nós, de dia ou de noite, (com bom tempo ou borrasca de gritar), anotar diligentemente os vários termómetroshigrómetro, pluviómetro, e mais não sei quantos “ómetros”.
Não sei como é que não adoeci, a ir de bicicleta até ao abrigo meteorológico lá longe junto à pista, em pleno inverno, 2 ou 3 graus às vezes, e debaixo de cargas de água. 
Depois de voltar de Angola colocaram-me primeiro nas Lajes e por fim, de volta à BA6-Montijo (já lá tinha estado em 69 e 70).
Das Lajes, BA4, retenho várias memórias.
- O trabalho na secção de meteorologia, lado a lado com um meteorologista civil e outro americano. Os companheiros "borda d'agua" americanos tinham muitas vezes os pé colocados na mesa do estirador, e uma caneca de café, uma verdadeira "água de lavar loiça", ou uma coca-cola (que ainda não havia em Portugal...o Toino de Santa Comba, não deixava!)
- O meu olhar embasbacado, na primeira vez que lá vi aterrar um gigante C5 Galaxy, é verdadeiramente monstruoso, custa a acreditar que aquilo voe.
BA4 Lajes - foto Ufo

- Aquando da crise de 73, e da ponte aérea americana para o médio Oriente, (Guerra do Yom Kippur) a placa da BA4, nas Lages, habitualmente uma enorme e pacata superfície com meia dúzia de aviões, encheu-se de aviões de combate F-16 e de grandes jactos de abastecimento de combustível em vôo C-135, basicamente um Boeing 707 adaptado (como eram abastecedoras dos F-16, nós chamávamos-lhes as "vacas leiteiras"), o movimento de aterragem e descolagem era muito intenso, e viveu-se ali um ambiente tenso e nervoso de pré-guerra. .

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