quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O MAJOR TOMÁS E O ALUNO LARILAS !



Estava de Sargento de Dia à EI (Esquadra de Instruendos), 69/70, quando o 1º.Sarg. Garcia, chefe da Secretaria me diz que sabia dum aluno OPCART, o nº.11, algarvio, andava metido com larilas e que andava constantemente baldado, pois tinha cunhas muito grandes e safava-se sempre.
Havia um gajo, que respondia por ele e era preciso caçá-lo. Calculem, que até os instrutores e monitores não davam as faltas do marmanjo Caço o gajo, que respondia por ele e fiquei a saber da história toda. Este, estava a ser bem pago, o outro andava com a dispensa dele, mas já estava desenfiado há 7 dias com o fim de semana. Até parecia impossível!!! Na segunda-feira de manhã, saio de serviço e vou à Formação entregar o relatório do serviço, as faltas e dizer ao Garcia o que se passava. Manda-me fazer a participação para o Comandante da Formação dar seguimento (Cap. Evaristo), e diz-me: Olegário, já livrámos a nossa responsabilidade, metemos os ditos cujos na virilha dos gajos do GITE, que têm de se justificar, mas espera pela resposta que até estala! Estava a almoçar quando recebo uma chamada do Ministério da Marinha, com um Comandante qualquer, a dizer-me que o nosso Almirante tal, alentejano (pensava eu, que no Alentejo não havia larilas!), queria falar comigo e queria saber a hora ideal para tal. Disse-lhe, que podia ser depois do almoço, já lixado sem saber o que se passava para ter a tal honra. O homenzinho até já sabia o meu nome, que tinha filhos pequenos, etc., que estava no início da carreira. Parecia uma conversa em família, e lá para as tantas diz-me que era para eu tirar a participação, porque o dito 11 estava com ele, e tinha adoecido, e não sei mais o quê, uma aldrabice. Respondi, que a dita já estava nos meus superiores e que só eles podiam fazer algo, tendo o senhorzinho quase me ameaçado com delicadeza. Cerca das 19 horas, aparece um bruto Mercedes da Marinha a deixar o 11 na Base.

No dia seguinte havia um jogo de andebol entre oficiais e sargentos, tendo o Major Tomás por casualidade...passado junto da Messe de Sargentos e dado uma boleia ao Olegário para irmos para as aulas!!! No meio da conversa acerca do jogo diz-me: Ah! Já me esquecia, esqueça a história do 11 que depois falamos. No mesmo dia deu duas carecadas e corte de dispensas a dois alunos de comunicações, porque não vinham na formatura. Fui falar com ele perguntar-lhe que moral era aquela, e que sendo assim seguia com a minha participação. Cale-se, ou então vai de imediato para África para o pior sítio que eles lhe vão arranjar e o seu futuro na FAP acaba aqui!
Turma OPCART da 1ª. de 1969
Dias mais tarde foi ter comigo à sala de aulas, chama-me cá fora e diz-me: Não calcula no que estava metido e só para sua informação deve calar-se e não contar a ninguém mas até do Gabinete do CEMFA recebi um telefonema. Digo-lhe isto porque tenho consideração por si e não volte a ir ter comigo com a chantagem para eu tirar o castigo aos seus alunos porque eu também cumpro ordens.

Por: Olegário Silva, Sarg. Chefe OPC

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A MINHA HOMENAGEM AO GENERAL LUÍS ARAÚJO, RECORDO O DIA EM QUE NOS CONHECEMOS EM MUEDA

AM51 - Mueda
Hoje 5/12/2023 durante a missa das exéquias pela morte do meu camarada, companheiro e meu grande amigo, Luís Araújo, na tranquilidade e no silêncio da igreja, revi e recordei o dia em que nos conhecemos nos idos de 1972 em Mueda, Moçambique, em tempo de guerra.
O General Luís Araújo, Luís para os amigos, para lá das suas excelsas qualidades de militar e líder, para lá de ser um experiente piloto dos helicópteros Alouette III, era um notável contador de histórias. Um dia ainda durante os anos 80, depois de um jantar de amigos durante os anos que ambos fomos professores no saudoso IAEFA (Instituto de Altos Estudos da Força Aérea), bem bebidos e melhor comidos, o Luís com toda a sua bonomia resolveu contar a história do dia em que nos conhecemos. Como uma pequena homenagem, vou escrevê-la como ele a dissecou nas suas palavras.
Poucas semanas depois de ter chegado a Nampula fui enviado pelo comandante da esquadra 503 “Índios” para o meu primeiro destacamento no AM-51 em Mueda.
- Araújo pode chegar aqui ao meu gabinete, grita-me o capitão Estevinho.
Convida-me a sentar e calmamente diz-me.
- Araújo amanhã você vai de manhã para Mueda no Nordatlas, que sai daqui às 09h00, transmite-me.
Continuando as suas diretivas diz-me tranquilamente.
- Chegas lá cima agarras-te ao alferes Cruz, ele é um dos mais certinhos dos meus pilotos e o mais experiente, ele vai-te ensinar a combater no cenário da guerra no Planalto dos Macondes. Você vai gostar dele, acrescenta com um sorriso de confiança.
No dia seguinte depois do voo matinal entre Nampula e Mueda lá chego ao aeródromo de Mueda. Muitas histórias me tinham contado sobre aquele inferno, as histórias absolutamente loucas dos pilotos de Mueda eram já uma imagem de marca no imaginário de todos os militares no Planalto dos Macondes, interiormente pensava que eram manifestamente um exagero. Contudo ao descer as escadas do Nordatlas, verifiquei que efetivamente era pior do que tinha imaginado, uma placa cheia de aviões e helicópteros e o Nordatlas estacionado no meio da placa, pois não havia espaço para mais. O aspeto era deprimente, rodeado de arame farpado, era mesmo um lugar de guerra.

Ainda meio aturdido da primeira impressão de Mueda, que não foi manifestamente a melhor, aquilo era pior do que tinha imaginado nos meus piores pesadelos, questiono um sargento mecânico que ia a passar.
- Senhor sargento onde posso encontrar o alferes Cruz dos helicópteros.
- Senhor tenente o alferes Cruz foi fazer uma missão e deve estar a aterrar.
- Obrigado, respondo-lhe.
Passados alguns minutos ouço o barulho característico dos alouette III, aquele som de liberdade que sempre me impressionou desde o meu primeiro voo naquele fabuloso helicóptero. Rapidamente os dois pilotos saem dos helicópteros e dirigem-se em passo tranquilo para as operações, questiono um dos mecânicos.
- Nosso cabo, qual daqueles pilotos é o alferes Cruz?
- Senhor tenente, o Cruz é o que traz o lenço azul atado à cabeça, responde-me educadamente
O que vejo deixa-me completamente espantado, o aspeto é de um verdadeiro guerreiro, fato de voo impecável, barba, com um ar simpático, lenço de seda atado à volta do cabelo, qual Índio, numa mão o capacete e na outra mão a famosa Kalashnikov e o que me deixou mais intrigado um arco e flexas pendurado junto à sua arma de defesa.
Caminho vagarosamente pela placa em direção aos dois pilotos, olho mais especificamente para o tal alferes Cruz que caminha vagarosamente na minha direção, conforme se aproxima, olha para mim com um sorriso calmo e maroto, preparo-me para lhe dirigir a palavra, mas ele foi mais rápido que um raio, a cerca de dois a três metros de mim, olha-me com aquele sorriso e grita.
- Ó checa estás f**dido, bem-vindo a Mueda terra da guerra.
Quase em simultâneo envolve-me num forte abraço e sempre com aquele sorrido que irradiava confiança, uma enorme tranquilidade e claro também uma dose de loucura.
Aquele abraço de boas-vindas fez-me sentir a entrar num novo mundo onde sabia por outros camaradas ainda na metrópole, que era um mundo, onde a camaradagem e a coesão do grupo eram sublimes. Ao caminhar-mos os três em direção às operações senti um arrepio ao pensar nas palavras do capitão Estevinho sobre o alferes Cruz no dia anterior “se este é o mais certinho, imagino como serão os outros”
José Bento, Enf. Paraquedista e Luis Araújo
A noite no bar dos pilotos foi algo especial para mim, sentia-se no ar uma enorme alegria de todos os pilotos, a amizade e camaradagem eram bem evidentes e especialmente o alferes Cruz que me foi introduzindo naquele novo universo, sentia que estava a ser recebido e aceite no grupo.
Depois da noite caótica e animada no bar, fui finalmente para o meu quarto, onde no silêncio da noite, tive uma certeza, tinha ganho um amigo e não me enganei. Passados tantos anos continuamos tão próximos e tão amigos como naquele meu primeiro dia de Mueda, ficou para sempre marcado na minha memória. Por: Gen. Alfredo Cruz