quinta-feira, 4 de abril de 2024

AB4-FERNANDO SOUSA (TIÇÃO)


“Colisão em voo matou cinco camaradas” Sorte dupla. Fiz duas comissões, mas acabei por assistir ao 25 de Abril quando vim de férias à metrópole. Com isso terei escapado a esse acidente.

Parti para Moçambique a 17 de Janeiro de 1972.
A minha missão era fazer a manutenção dos aviões.
A chegada à Base AB7 de Tete marcou-me: o cenário era de guerra. A base era importante, porque dava apoio ao Exército e estava toda vedada. Os T6, aviões a hélice, saiam em missão para defender Cabora Bassa. Aquelas aeronaves e os Fiat eram protegidos por uma parede de bidões, cheios de areia. Era a sua protecção contra os ataques com bombas e morteiros. Enquanto lá estive não houve qualquer ataque, mas o mesmo já não posso dizer dos acidentes. Registaram-se duas baixas com um DO27 (um modelo de Dornier). Era um avião de passageiros, de transporte de correio e de alguma carga. Um camarada, com funções iguais às minhas, morreu no avião, com o piloto, num acidente no mato.
O meu período de permanência em Tete foi encurtado, porque meti os papéis para o curso de sargentos e vim para a Metrópole frequentá-lo, na Ota, em Setembro de 1972. Tirei depois em Alverca, nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, um curso de manutenção de helicópteros Alouette III.
Em Outubro do ano seguinte segui para o Luso, destacamento do AB4, em Angola. A responsabilidade era outra. Fui fazer a manutenção dos helicópteros que largavam as tropas especiais: pára-quedistas e comandos. Partíamos às 04h30 e, geralmente, íamos em grupos de seis ou sete helicópteros, com cinco militares cada um, e só um deles tinha um canhão. Os mecânicos andavam armados com pistolas, porque as espingardas G3 não davam jeito. Apanhámos alguns sustos, devido a avarias durante os voos. 
 Chegámos a encontrar neles furos sem saber como aconteceram. Eram buracos de tiros de espingarda. Os pilotos ensinavam-nos as coisas básicas para, em caso de emergência, sabermos aguentar os helicópteros e pousá-los.
Como o aeródromo de recurso do Luso, que pertencia à base de Henrique Carvalho (AB4) era pequeno, os sargentos ficavam na cidade. Eu partilhava a casa com o furriel Gambóias, que cantava fado, e com o furriel Pinheiro, que tocava viola. Fizemos lá uma ‘república’ e começámos a ensaiar e a cantar para os civis. O fado preenchia-lhes a alma.
Gambóias e Pinheiro nas violas.


A 17 de Fevereiro de 1974, num voo para o Cazombo para fazer um transporte de tropas, no meu helicóptero acendeu-se uma luz avisadora de falta de pressão de óleo. Se tal fosse uma realidade, só teríamos um minuto para aterrar, porque depois a aeronave ficaria descontrolada. Eu e o piloto éramos os únicos ocupantes e só pensámos em aterrar depressa, mas não havia sítio, porque estávamos por cima de árvores.

Na aflição não contámos o tempo, mas apercebemo-nos de que se tinha esgotado e ainda estávamos a sobrevoar a área para pousar, o que fizemos pouco depois. Afinal, não era um problema mecânico. Era um mau contacto eléctrico que fazia accionar a luz. Felizmente que ia com um piloto experiente, que conseguiu manter a calma. Mas eu já me tinha despedido da família naquela altura, a pensar no pior.
Nunca mais me esqueci desse dia. A casualidade, ou sorte, fez com que no dia em que eu estava à espera de um avião que me levasse a Luanda para vir um mês de férias para a Metrópole, no final de Março de 1974, não tenha presenciado ou estado envolvido num acidente entre dois helicópteros que matou cinco camaradas. Um deles andava numa das nossas habituais operações, mas teve de parar por causa de uma avaria, pousando no solo, enquanto os outros que o acompanhavam andavam em círculo para vigiar a área. Só que dois Alouette chocaram no ar e morreram o comandante capitão Baptista, responsável do aeródromo de recurso do Luso, o alferes Moutinho e os três tripulantes, cabos especialistas.
Fiquei horrorizado com a notícia. Se eu não estivesse para vir à Metrópole teria feito parte da operação como mecânico.
O acidente não cancelou a minha viagem e acabei por viver o 25 de Abril de 1974.
Quando regressei a Angola, o pessoal estava ávido de notícias sobre o que se tinha passado.
Com a Revolução, acabaram as operações, passado pouco tempo, e só voávamos para fazer contactos com as tropas de Savimbi. Acabei a comissão mais cedo e em Novembro voltei para casa.
PERFIL
Nome: Fernando Sousa. Comissão: Moçambique/Angola (1972/74) Bases: AB7 e AB4
Actualidade: ENTRE A MECÂNICA E A POLÍTICA Fernando Manuel Gonçalves de Sousa é natural de São Pedro, em Óbidos. Fez o curso industrial e tem o 11.º ano incompleto. Aos 17 anos foi desenhador de moldes, na Rol, nas Caldas da Rainha. Após a tropa trabalhou cinco anos na empresa Bento da Silva, como mecânico de automóveis. No início da década de 80 lançou-se por conta própria como desenhador de construção civil. Hoje gere o gabinete de projectos e consultoria de engenharia Ábaco Verde, nas Caldas da Rainha, e tem uma loja de ginjinha, em Óbidos, concelho onde já foi vereador na câmara municipal.

Correio da Manhã – A Minha Guerra de 20.12.09

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