quinta-feira, 17 de novembro de 2022

NORTH AMERICAN T-6 TEXAN










North American T-6 Texan (também designado Harvard, Yale, T-Bird, Mosquito, ou simplesmente T-6 ou SNJ) foi um avião de instrução criado durante o final da década de 1930, posteriormente construído em grande número e utilizado por mais de 55 forças aéreas de países de todo o mundo até meados da década de 1970. Foram construídas 15.495 unidades de T-6 em diversas versões pela North American Aviation e por empresas não Americanas sob licença nomeadamente a canadiana Canadian Car & Foundry (outras fontes indicam números de produção de 17.096 unidades, 20.110, ou 21.342 considerando neste caso todas as variantes derivadas do NA-16). Embora construído para instrução básica o T-6 acabaria por desempenhar funções de combate, nomeadamente missões contrainsurgência (COIN) em alguns conflitos regionais na segunda metade do Seculo XX, depois de participar ativamente nos três últimos grandes conflitos do Século, Segunda Guerra Mundial, Guerra da Coreia e Guerra do Vietename. Apesar disto o T-6 Texan é conhecido fundamentalmente per ter sido um excelente avião de instrução responsável pela formação de centenas de milhares de pilotos ao longo de cinco décadas.

HISTÓRIA
Origem
A origem do T-6 remonta aos primeiros anos da década de 1930, quando a General Aviation Corporation, projectou, um pequeno mono-motor de asa baixa com dois postos de pilotagem em tandem, sem cobertura e trem de aterragem fixo, destinado à instrução de pilotos, que designou por GA-16 (algumas fontes referem que GA-16 terá sido a primeira designação do projeto, outras no entanto referem a ausência de documentação que suporte essa ideia afirmando que toda a documentação, se refere ao projeto como NA-16)
NA-16 na sua configuração original,abril,
1935
A General Aviation Corporation era uma empresa com antecedentes na Atlantic Aircraft Corporation criada nos anos de 1920 por Anthony Fokker, mais tarde Fokker Aircraft Company of America que se tornaria subsidiária da General Motors Corporation que em 1929 adquiriu 40% da companhia. Em 1931 Fokker terminou a sua associação com a GMC e esta tornou a companhia como sua subsidiária para a aviação tornando-a em 1931 na General Aviation Corporation, que em 1934 daria lugar à North American Aviation, Inc.
Fontes referem que o NA-16 terá sido projetado por iniciativa própria da North American (ainda General Aviation Corporation) antecipando as necessidades do mercado norte-americano e de exportação, outras, no entanto, referem que terá sido projetado, especificamente responder ao concurso de 1934 da USAAF para uma aeronave de instrução básica.
Certo é que o projeto foi liderado por James H. “Dutch” Kindelberger e por Jonh Leland “Lee” Atwood, ambos recrutados da Douglas Aircraft Company onde tinham estado envolvidos no projeto do DC-1, e que de Dezembro de 1934 a Abril de 1935 o NA-16 passou de um esboço de projeto a um protótipo para teste de voo.
NA-16, na sua configuração definitiva
apresentado 
em junho de 1935
no aerodromo Wright
O NA-16 tornou-se o primeiro da família de monomotores, monoplanos de asa baixa, com dois lugares em tandem, que viriam a ser conhecidos por T-6 Texan, embora adquirissem muitas outras designações, consoante a variante, o local de produção ou o país onde operavam.
As variantes iniciais podiam ter os cockpits abertos (o protótipo e a NA-22), ou sob uma única canópia tipo estufa que podia ou não possuir uma posição para uma arma traseira, operada pelo segundo tripulante. A fuselagem era, inicialmente construída a partir de tubos de aço com revestimento de coberta de tecido, mas posteriormente passou a ser construída numa estrutura monocoque de alumínio. As primeiras versões possuíam um trem de aterragem fixo mas rapidamente foi implementado um trem retrátil montada numa seção alargada do centro da asa (que poderia ou não ter tanques de combustível integrados).

Variantes iniciais
NA-18, depois da apresentação o NA-16 foi
modificado 
com uma maior canopia com
provisao  para uma arma e 
provisao
para duas armas no capo do motor
O NA-16 fez seu primeiro voo em abril de 1935, em Dundalk, com registro civil X-2080 e após testes de voo posteriores a USAAC considerou-o a melhor aeronave apresentada no aeródromo Wright não apenas como aeronave de instrução mas com hipóteses de, com algumas modificações, se tornar numa aeronave de combate. Modificado, o protótipo tornou-se no NA-18, com os cockpits em tandem cobertos com uma canópia tipo estufa com aberturas deslizantes individuais, trem de aterragem fixo, e um motor radial Pratt & Whitney R-1340 Wasp de 660cv
Esta aeronave foi posteriormente vendida á Argentina, mas no final de 1935, a USAAC adotou-a como aeronave de instrução contratando à North American 42 unidades sob a designação de BT-9 equipadas com motor Wright R-975 Whirlwind . Com a segurança que esta encomenda deu, a empresa mudou-se para a Inglewood, Califórnia, a partir de onde daria resposta às encomendas seguintes produzindo diversas variantes em resposta aos pedidos da USAAC, US Navy e de países estrangeiros incluindo Reino Unido, França (após a capitulação de França as aeronaves encomendadas, a maioria delas com o escape alongado acima da raiz da asa de estibordo seriam desviadas para o Canadá, onde passariam a ser designadas por Yale), Canada, Suécia (produzido localmente como SK-14, com motores italianos Piaggio), Austrália e mesmo Japão (a variante da marinha japonesa, produzida localmente, era designada por Kyushu K10W, incorporava várias modificações locais, principalmente na cabine, seção traseira da fuselagem e empenagem vertical, e era equipada com motor Kotobuki que movia uma hélice de madeira).
BT-9A em Langley
Á USAAC foram posteriormente fornecidas 40 unidades da versão BT-9A armada com duas metralhadoras de 7.62 mm na capota do motor (estas aeronaves foram mais tarde redesignadas por BC-1B), 117 unidades BT-9B (NA-23), uma versão melhorada da versão inicial desarmada, 97 BT-9C (NA-41) equipados com melhores equipamentos.
A US Navy encomendaria 40 unidades adaptadas para instrução sob a designação de NJ-1 (NA-28) e posteriormente mais 61 unidades NJ-2 com um motor diferente.
Na realidade, enquanto que a US Navy pretendia um avião de instrução simples, com trem de aterragem fixo, o USAAC tinha em vista um avião de trem de aterragem retráctil, que combinasse o treino básico com atividades operacionais, devendo estar dotado de equipamentos de radiocomunicações, instrumentos de navegação e prever a hipótese de instalação de armamento.
O novo desenvolvimento originaria entretanto o NA-26 que ganharia o concurso para o fornecimento de 180 aeronaves à USAAC (United States Army Air Corps ) em 1937, como BC-1 (Basic Combat Training).
SNJ-1
Estas aeronaves incorporavam alterações no perfil das asas, com tanques integrados, modificações da fuselagem e revestimento, um novo motor de maiores dimensões Pratt & Whitney R-1340-47 Wasp que operava uma hélice de Hamilton de passo variável, e um sistema hidráulico, introduzido para operar as superfícies móveis de controlo e o novo trem de aterragem retrátil (uma exigência da USAAC face aos trens fixos dos BT-9).
A USAAC recebeu 177 unidades BC-1 das quais cerca de 30 unidades seriam posteriormente modificadas para instrução de voo por instrumentos sendo designadas por BC-1I.
A introdução de uma nova fuselagem semi-monocoque totalmente metálica desenvolvida para o design NA-58, originou a versão BC-1B, da qual seriam produzidas 93 unidades para a USAAC.
Em 1940, a US Navy, reconhecendo o interesse do trem de aterragem retráctil, encomendou 270 aviões de um novo modelo básico, para equipar 13 Esquadras da Reserva Aérea Naval (NAR). Os aviões, semelhantes aos BC-1, foram designados por SNJ-1 e SNJ-2. Os semelhantes aos BC-1A foram designados por SNJ-3.
BT-14 (NA-58) em voo
O BT-9 evoluiria para a versão BT-14 (NA-58), que apresentava melhorias aerodinâmicas, incluindo uma canópia redesenhada, uma fuselagem metálica semi-monocoque mais longa, em substituição fuselagem tubular coberta de tecido das versões anteriores, e motor Pratt & Whitney R-985 Wasp Junior. A empenagem foi também modificada acompanhando o alongamento da fuselagem de forma a manter o centro de gravidade da aeronave devido ao avanço da posição do motor, e o leme adotou uma forma mais triangular em substituição da forma arredondada das versões anteriores. 

Variantes e produção do T-6 Texan
O NA-77 (AT-6A), com motor Pratt & Whitney R-1340-49 Wasp, incorporava a fuselagem e empenagem do NA-58, as asas, sistema hidráulico e trem de aterragem retrátil do NA-26 entre outras melhorias e pequenas mudanças na posição do segundo tripulante proporcionaria a base para a família AT-6 cuja designação surge em 1940, quando a USAAC substitui a designação BC para AT (Advanced Training) e a aeronave da North American passou a designar-se por AT-6 (nesta fase a aeronave proporcionava já capacidade para instrução de pilotos de combate e artilheiros proporcionada pela possibilidade opcional de montar metralhadoras fixas e móveis, bem como a possibilidade de transportar bombas de pequenas dimensões sob as asas).
AT-6C, FA Colombiana
Entretanto a North American Aviation, incapaz de responder às encomendas, mesmo após a expansão da fábrica da Inglewood, construiu em Dallas, no Texas uma nova instalação para onde foi transferida toda a produção dos AT-6, conduzindo que a partir de 1942 a aeronave passa-se a ser conhecida por Texan, independentemente do fato de que, desde 1938, os aparelhos destinados à Commonwealth britânica serem designados como Harvard.
A USAAF recebeu 1.549 aeronaves AT-6A e a US Navy, 270 sob a designação SNJ-3, das quais, 517 foram ainda construídas nas instalações da North American na Califórnia, antes da produção ser integralmente transferida para o Texas.
O modelo AT-6B, com motor Pratt & Whitney R-1340 AN-1 Wasp de 600cv, destinado à instrução de tiro, dispunha de duas metralhadoras nas asas e uma, móvel, no lugar de trás tendo sido produzido para a USAAF e US Navy.
Durante o período da Guerra foram também produzidos 2970 aeronaves AT-6C e 2.400 como SNJ-4 baseados no design NA-88, construídos com materiais não estratégicos, com o contraplacado e tela a substituírem o alumínio. A RAF recebeu 726 unidades da AT-6C como Harvard IIA .
SNJ-3, USAAF, Gulfo do Mexico, 1943
As modificações no sistema elétrico, que passou dos 12 volts para 24, originaram a versão AT-6D, da qual foram produzidos 3713 aviões para a USAAF e 1357 para a US Marinha como SNJ-5 . Equipado com instrumentação Britânica e sem armamento o AT-6D foi designado como Harvard III, do qual foram fornecidas 351 unidades à RAF e 564 à FAA (Fleet Air Arm da Royal Navy).
As ultimas aeronaves Texan construídas pela North-American Aviation foram 956 unidades da versão AT-6F (NA-121) construídas para a USAAF, parte das quais 411 seriam transferidas para a US Navy como SNJ-6. Esta versão incluía uma fuselagem reforçada e diversas outras pequenas modificações.
Em 1947 é criada a USAF, em substituição da USAAF que logo se confrontou com a falta dos meios necessários para proporcionar aos pilotos uma instrução atualizada e de nível mais elevado. Fez então o levantamento dos custos entre a recuperação e atualização dos aviões existentes e o estudo e construção de um avião inteiramente novo, resultado desse estudo a opção pela atualização dos AT-6 existentes. A partir de 1948 todos os AT-6 Texan no ativo da USAF passam a ser designados por T-6 Texan e em Junho de 1948 começam a entrar ao serviço os T-6G Texan (NA-168). Estas aeronaves são o resultado das modificações introduzidas nos modelos construídos durante a guerra, incluindo a introdução de um painel de instrumentos atualizado, uma cabina com melhor visibilidade, depósitos de combustível com maior capacidade, hélices diferentes, com um cubo de hélice (spinner) para proteger o comando do controlo de velocidade da hélice, mastro da antena de pequena dimensão colocado na secção posterior da fuselagem, instrumentos de navegação atualizados e roda de cauda com controlo do mesmo tipo do F-51 Mustang. Os trabalhos de modernização dos AT-6 decorreram em Downey, Califórnia, de onde saíram com novos números de série, entre 1949 e 1953.
Também os Texan da US Navy foram modernizados para o padrão T-6G passando as aeronaves a ser designadas por SNJ-7.
Harvard Mk IV (T-6J), Museu do Ar
Durante a Segunda Guerra Mundial a empresa canadiana Noorduyn Aircraft Limited construíra 1500 AT-6A com motor Pratt & Whitney R-1340-NA-1 Wasp, para a USAAF e 2485 para a RAF como Harvard Mk IIB algumas das quais seriam utilizadas pela FAA da Royal Navy. Em 1946 a Noorduyn Aircraft Limited é adquirida pela Canadian Car & Foundry que adquire os direitos de produção do T-6 Texan à North American Aviation após o encerramento da produção da aeronave no Texas. 
Até 1951 a Canadian Car & Foundry iria produzir em Fort William 555 unidades do Harvard Mk IV equivalente ao T-6J Texan da USAF, 270 destinados à RCAF (Royal Canadian Air Force) , e 285 para a USAF, parte destes destinados à Força Aérea da Republica Federal Alemã. 

Atividade operacional e uso em combate
O North American AT-6 foi projetado e construído como uma aeronave de instrução primariamente para a USAAC e US Navy. Quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial existiam já cerca de 2000 unidades destas aeronaves nas suas diversas versões a operarem na instrução de pilotos para a USAAC e US Navy, mas tinham também sido exportadas em grande número para o Reino Unido (a RAF recebeu o primeiro Harvard Mk I, semelhante ao BC-1 da USAAC, mas com equipamentos de origem britânica em Dezembro de 1938, de um total de 200 exemplares encomendados,) e outros países da Commonwealth (aí tinham a designação de Harvard) onde foram usados no treino de pilotos e artilheiros da RAF, FAA da Royal Navy e de outras forças aéreas de países da British Commonwealth, nomeadamente Canadá, Nova Zelândia, Índia e Austrália. Na Austrália, a Commonwealth Aircraft Corporation, foram produzidas 755 aeronaves derivadas do Harvard, designadas por CAC Wirraway que evoluiriam para o caça CAC Boomerang, ambas utilizadas durante a Guerra como caças-bombardeiros em operações contra os japoneses na Malásia, Bornéu e Nova Guiné.
LT-6G do 6147º TCG, sobre a Coreia, 1952
Finda a Guerra, a USAF e a US Navy adotaram o T-6 Texan como aeronave de instrução, após modernização das células operacionais para a versão T-6G e SNJ-7 respetivamente, mantendo-os em serviço até cerca 1962. Durante este período, 97 T-6G Texan foram equipados para operações de observação e vigilância armada, sendo operados pelo 6147ª Tactical Control Group da USAF, na Coreia durante o ano de 1953 (estas aeronaves foram designadas por LT-6G). Nestas missões que ficaram conhecidas por “Operações Mosquito”, os Texan transportavam observadores do exército, em voos de reconhecimento a muito baixa altitude sobre as linhas inimiga, atacavam as forças inimigas com bombas e metralhadoras instaladas em suportes sob as asas e dirigiam o fogo dos aviões de ataque ao solo, como controladores aéreos avançados
.
Durante a Segunda Guerra mundial a produção de T-6 Texan foi muito elevada devido à necessidade de aeronaves para a instrução de pilotos, consequentemente, quando a Guerra terminou verificou-se um elevado excedente de aeronaves dos ativos das forças aliadas. Consequentemente os T-6 excedentários da USAF e das forças da Commonwealth distribuídos (por vezes ao abrigo de programas de assistência militar do pós-guerra) por inúmeros países da NATO, França, Republica Federal Alemã, Itália, Turquia, Suécia, Holanda, Portugal e Espanha, mas também da América Latina onde quase todos os países acabariam por operar o T-6.
A qualidade comprovada destes aviões de instrução justifica a enorme procura que tiveram no mercado de segunda mão a partir da década de 1950 que se prolongou até à de 1970 alargando significativamente o número de operadores desta aeronave pelo mundo.
Em meados da década de 1980, a Força Aérea da República da África do Sul (SAAF) ainda mantinha cerca de 50 Harvard na instrução de pilotos, depois de, em 1961, ter transferido alguns para a Força Aérea Portuguesa (FAP).
Os T-6 Texan ou Harvard, embora concebidos para instrução e treino de pilotos, também foram utilizados em missões armadas no pós Segunda Guerra Mundial, pela primeira vez pela USAF na Guerra da Coreia.
Durante a década de 1950 a RAF usou os seus Harvard no Quênia durante a Revolta dos Mau Mau, armados com metralhadoras e bombas de 10 quilos (20 lb), em operações que por vezes envolviam voos acima dos 6000 metros. Em 1990 a RAF utilizava ainda alguns Harvard em vos de instrução de helicópteros uma vez que os seus Short Tucano eram inadequados para esses efeito devido a sua elevada velocidade de perda de sustentação.
T-6G da FA Portuguesa
Os franceses utilizaram os T-6G em grande numero (cerca de 700 aeronaves) no Norte de África, na segunda metade dos anos cinquenta durante a guerra da independência da Argélia. Após a independência argelina em 1962, os T-6G remanescentes foram utilizados em instrução de pilotos pela Força Aérea Francesa até 1966, depois de cerca de meia centena, preparados para operações militares, terem sido vendidos a Portugal.
Em Julho de 1960, a Bélgica utilizou os Texan e os Harvard da Escola de Aviação de Kamina, no Congo Belga, em ações militares contra os independentistas da República do Congo. Posteriormente alguns destes aviões acabaram por ser utilizados pela Força Aérea do Katanga.
Entre 1957 e 1958, também a força aérea espanhola usou o T-6 em operações de contrainsurgência durante a Guerra Esquecida (Guerra de Ifni) que opôs as forças espanholas e francesas contra o exercito de libertação de Marrocos pela posse do Saara Ocidental.
A Força Aérea do Paquistão usou o T-6G na Guerra Indo-Paquistanesa de 1971 como uma aeronave de ataque e apoio ao solo, elegendo como alvos principais as colunas de veículos ligeiros de transporte do exercito indiano.
A Força Aérea Portuguesa foi, provavelmente, o último utilizador do T-6 em operações militares. Entre 1961 e 1975, Portugal, usou algumas centenas de T - 6G em operações aéreas de contrainsurgência (COIN) durante a Guerra Colonial Portuguesa. Durante esta guerra, quase todas as bases da força aérea portuguesa e aeródromos militares nos territórios de Angola, Moçambique e Guiné tinham um destacamento de T-6G, que operavam armados com metralhadoras, bombas e casulos de foguetes.
Harvard Mk IV convertido num Zero
para o filme Tora Tora
Outros dos usos do T-6 Texan, pós segunda guerra mundial, foi a sua participação em filmes evocativos daquele conflito, como A Yank in RAF (1941), Tora! Tora! Tora! (1970) e The Final Countdown (1980), onde representou os Mitsubishi Zero japoneses, em A Bridge too Far (1977) representou o Republic P-47 Thunderbolt, e em Soldaat van Oranje (1977), um filme holandês foi modificado para representar o caça Fokker D.XXI.
Em 1985, quando o projeto do North-American NA-16 celebrava os 50 anos, ainda existia um pequeno número de Texan e Harvard em serviço militar, exemplo disso é a Força Aérea Sul Africana que os manteve em operação até 1995 como aeronave de instrução básica, grandemente devido ao embargo das Nações Unidas contra o regime do apartheid (na segunda metade da década de 1990 foram substituídos por Pilatus PC-7 Mk II.
Hoje,as muitas unidades existentes em condição de voo, nas mãos de particulares ou de museus, são aparição frequente em espetáculos aéreos, existindo nos Estados Unidos da América uma corrida aérea exclusiva deste tipo de aeronaves, um facto que constitui um testemunho da robustez e versatilidade destes aviões, por certo, um dos mais célebres aviões de instrução da história da aviação militar.

PORTUGAL
Os primeiros 28 aviões North-American T-6 Texan recebidos entre 1947 e 1950, eram das versões AT-6A, AT-6B e AT-6C, sendo destinados à Aeronáutica Militar (AM). Em 1947 foram recebidos dez AT-6A, que foram colocados na Base Aérea N° 1 (BA1) em Sintra, destinados à instrução complementar de pilotagem, para substituição dos Miles Master. Em 1948 chegaram nove AT-6A e um AT-6B dos quais três foram colocados na Esquadrilha ZE da Base Aérea N° 2, Ota, e os restantes na BA1. Em 1949 recebeu mais quatro AT-6A, e em 1950 recebeu mais dois AT-6A e dois AT-6C, todos colocados na BA1.
T-6G da FA Portuguesa armado com
metralhadoras
Quase todos estes aviões foram pintados de acordo com o padrão então em uso para os aviões de instrução, com a fuselagem em azul-escuro, e as asas e o conjunto estabilizador da cauda em amarelo. A Cruz de Cristo, sobre círculo branco, estava colocada em ambas as faces das asas. A bandeira nacional, com escudo, nos lados do estabilizador vertical e onúmero de matrícula nos lados da fuselagem, a branco.
Entre 1949 e 1950, conforme iam sendo submetidos às grandes revisões de manutenção nas Oficinas Gerais de material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, a pintura era alterada, passando a ser inteiramente em alumínio, com a parte superior da fuselagem à frente da cabina em preto antirreflexo. Mantiveram as insígnias em ambos os lados das asas, as cores nacionais, sem escudo, no estabilizador vertical, assim como as matrículas nos lados da fuselagem, mas agora em algarismos pretos.
Em 1951 a AM adotou o sistema de numeração de quatro dígitos, recebendo os AT-6 a nova numeração, de 1601 a 1626, (dois anteriormente destruídos em acidentes já tinham sido abatidos). O número de matrícula foi colocado, a preto, em ambos os lados das asas, alternando com a insígnia e também no estabilizador vertical, sobre os retângulos com as cores nacionais. Passaram igualmente a ostentar grandes faixas amarelas a meio das asas e na fuselagem, entre a cabina e o conjunto estabilizador da cauda.
T-6G "Transformado", da FAP com o padrao
de pintura original 
de 1952  
após transformação nas OGMA
 
Entre Outubro e Novembro de 1951, ao abrigo do MDAP (Mutual Defense and Assistance Pact), a AM recebeu dos EUA, por via marítima, mais vinte aviões Texan da versão T-6G, que foram matriculados com os números 1627 a 1646.
Os números 1627 a 1633 foram inicialmente destinados à BA2 e os restantes foram entregues à BA1. Estavam especialmente equipados para a instrução de voo por instrumentos, com rádio-bússula (ADF), equipamento de rádio-comunicações de VHF, instrumentos de bordo melhorados e capota para simulação de voo sem visibilidade no lugar de trás, onde se instalava o instruendo. A roda de cauda era parcialmente comandada pelos pedais e bloqueada por ação da alavanca de comandos. A última secção da cobertura da cabina, móvel nos modelos anteriores, apresentou-se fixa, para alojar a capota do voo sem visibilidade.
Chegaram inteiramente pintados em amarelo, com o painel em frente da cabina em preto antirreflexo e foram-lhes aplicadas as insígnias e as matrículas nacionais de acordo com as normas em vigor. Para além desta pintura amarela, distinguiam-se dos anteriores pela inexistência do mastro da antena do equipamento de comunicações de HF, colocado lateralmente e à frente da cabina e pela existência da cobertura da antena loop do rádio-bússula, atrás da cabina.
T-6G da FA Portuguesa equipado
com foguetes a antena do

ADF é visivel logo atrás da canópia
Estas aeronaves eram conhecidas pelo pessoal da AM por Harvard, embora todas as aeronaves existentes fossem de facto North-American AT-6A, AT-6B e AT-6C e T-6G Texan. Talvez tenha sido influência o facto da maioria dos aviões de que a AM então dispunha ser de origem britânica e estes designarem os T-6 por Harvard cujas primeiras unidades apenas chegaram em 1956.
A Aviação Naval (AN) recebeu em 1950 oito aviões North-American SNJ-4, a versão dos North-American AT-6D utilizada pela US Navy, tendo-lhes sido atribuídas as matriculas de I-1 a I-8, e sendo colocados no Centro de Aviação Naval (CAN) , de S. Jacinto em Aveiro, para instrução de pilotagem sendo mais tarde transferidos para a Base Naval do Montijo.
Estavam pintados inteiramente em alumínio, com a parte da fuselagem em frente da cabina em preto anti-reflexo, a Cruz de Cristo, sem círculo branco, no extradorso da asa esquerda e no intradorso da direita, e as cores nacionais, sem escudo, a cobrir completamente o leme de direcção. A matrícula, em preto, estava colocada em ambos os lados da fuselagem, abaixo do para-brisas.
T-6G da FA Portuguesa com foguetes
e
 antena tipo gotado RDF
(
Radio direction finderatrás da canópia
A Força Aérea Portuguesa (FAP), criada em 1951, e no ano seguinte recebeu os Noth-American AT-6, os T-6G Texan da AM e os SJN-4 da AN. Os primeiros, dado que já usavam as matrículas segundo o esquema adotado pela FAP, mantiveram a numeração de 1601 a 1646 e os oriundos da AN receberam as matrículas de 1647 a 1654 (na realidade, continuaram a ser referidos e a ostentar a numeração da AN até serem submetidos às grandes inspeções realizadas nas OGMA). A quase totalidade destes aviões foi reunida na BA1, que, nessa altura, começou a desenvolver grande atividade, com cursos simultâneos, utilizando-os na instrução de pilotos. Apenas algumas unidades ficaram colocados na BA2, Ota, e na BA6, Montijo.
Em 1952, a FAP decidiu uniformizar as diversas versões que possuía do T-6 Texan, convertendo todas as aeronaves no ativo para a versão North-American T-6G Texan, uma tarefa levada a cabo pelas OGMA, que uniformizou também a pintura. Os T-6 passaram a apresentar-se pintados em alumínio, com a secção em frente à cabina em preto anti-reflexo e com grandes faixas amarelas a meio das asas e da fuselagem, com a insígnia e a matrícula segundo o padrão adoptado pela FAP. Passaram a presentar no lado esquerdo da fuselagem, sob o pára-brisas, uma estreita faixa vertical que referenciava os aviões transformados e os T-6G originais, que ficaram conhecidos por “transformados” e “puros”, respetivamente. Assim, a faixa amarela com a secção central a vermelho indicava os “transformados” e a faixa inteiramente a amarelo, os “puros”. Foi a partir desta uniformização que os North-American AT-6 deixaram de usar os cubos dos hélices e as portas do trem de aterragem.
Harvard Mk IV, (T-6G)  FAP, a ser equipado
 com casulos de metralhadoras nas asas,
Cufar, Guiné (década de 1960)
Em Março de 1956 foram recebidos mais 15 aviões, construídos no Canadá, provenientes da Fleet Air Arm da Royal Navy. Eram da versão Harvard Mk III, muito semelhantes aos T-6G Texan, tinham a particularidade de usar um tubo de escape mais comprido, que se estendia ao longo da fuselagem, até meio da asa. Chegaram pintados de amarelo e mantiveram a pintura de origem por algum tempo, até serem convertidos nas OGMA em T-6G Texan e pintados como os restantes aviões deste tipo. Foram identificados com as matriculas de 1655 a 1669 e colocados na Esquadra de Instrução Básica de Pilotagem (EIBP) da BA1, Sintra.
Em 1961, com o início da Guerra do Ultramar, os T-6 começaram a ser enviados para as províncias ultramarinas portuguesas, não antes de passarem pelas OGMA, onde foram preparados para usar armamento suspenso nas asas, recebendo suportes para bombas, metralhadoras e casulos de foguetes. Foram retiradas as faixas amarelas das asas e da fuselagem, mantendo-se a pintura inteiramente em alumínio.
T-6G da FAP
Em 1961 a França forneceu a Portugal 46 aviões North American T-6G, e em 1962 mais 10, que havia utilizado em operações de contrainsurgência na Argélia, já preparados para transportar armamento sob as asas, bombas, casulos de foguetes de 68 ou 37 mm, ou ainda, metralhadoras MAC-Match de 7,62 mm. Depois de inspecionados nas OGMA e matriculados com os números 1670 a 1725, foram praticamente todos enviados para o Ultramar, onde operaram a partir de Março de 1961. Porém a utilização em combate das metralhadoras francesas revelou-se dececionante pois encravavam sistematicamente, o que fez acionar a conhecida «arte e engenho» dos portugueses, que as substituíriam pelas Browning de calibre 7,7 mm, recuperadas dos Spitfire e Hurricane abatidos em 1953.
Em 1963, a EIBP foi transferida da BA1 para a então BA7, S. Jacinto, e com ela os T-6 da instrução. Simultaneamente com esta transferência a EIBP passou a ser designada por Esquadra 71.
A maior remessa de T-6 recebida em Portugal ocorreu em 1964, com a receção de 65 aviões da versão Harvard Mk IV construídos pela Canadian Car & Foundry (CCF), cedidos pela República Federal da Alemanha que tinham sido utilizados pela Luftwaffe desde 1956. Tal como os anteriores, foram matriculados, com os numeros 1726 a 1790, inspeccionados nas OGMA, onde receberam as insígnias e marcas de identificação da FAP e a maior parte, seguiu para o Ultramar (Destes aviões, o número 1788 foi, provavelmente, o último T-6 produzido pela Canadian Car & Foundry).
T-6G, FA Portuguesa, em voo de baixa
altitude em África
Em 1965 foram adquiridos no mercado civil, cinco T-6 de várias versões (2 Harvard Mk IIb, 2 North-American AT-6F e 1 North-American AT-6A), que foram matriculados com os numeros 1791 a 1795, depois de receberem o mesmo tratamento dos anteriores.
No ano de 1966, um reduzido número reduzido de T-6 foram transferidos para a BA3 em Tancos, onde passou a ser ministrado o treino operacional, e colocados na Esquadra 31, denominada de “Tigres”. Foi-lhes pintado, a meio da fuselagem o tradicional emblema de Tancos, o galgo, não na habitual cor amarela, mas a preto.
A última aquisição de T-6 ocorreu em 1969, à República da África do Sul que forneceu 60 aviões, 42 Harvard Mk IIa (equivalentes aos North-American AT-6C) e 18 Harvard Mk III (equivalentes aos AT-6D). Cinquenta e um voaram da África do Sul para o Cuito-Cuanavale em Angola, tripulados por pilotos sul-africanos e nove foram transportados por via marítima para Lourenço Marques em Moçambique. Esgotado o bloco de matrículas da série 1600 e com o bloco 1700 ocupado até 1795 inclusive, a FAP atribuiu-lhes matrículas do bloco 1500, de 1501 a 1560. As quatro vagas do bloco 1700 nunca foram preenchidas. Embora todos tenham recebido matrícula e estivesse planeada a sua transformação para o padrão T-6G usado pela FAP, trabalho a efetuar nas OGMA, nem todos foram transformados, nem sequer se tornaram operacionais. Alguns nem chegaram a ser transportados de África para as OGMA.
T-6G, da FAP, armamento e pontos de
suspensão das asas
Os T-6 adquiridos, e enviados para Africa, destinaram-se a ser usados em operações de contrainsurreição (COIN) durante o período que durou a guerra colonial (1961 a 1974) nas províncias ultramarinas africanas.
Na Guiné Bissau operavam 26 aeronaves T-6 Texan, a partir da BA12 em Bissalanca, em Angola, 40, a partir dos aeródromos-base em Negage (AB3) e em Henrique de Carvalho (AB4), e Moçambique dispôs de 36 T-6 a operar a partir de Nova Freixo (AB6), Tete (AB7), e Lourenço Marques (AB8). A acção dos North-American T-6 nas frentes de combate da Guiné, Angola e Moçambique foi muito importante no esforço de guerra e, mesmo depois da entrada em ação dos F-84G Thunderjet e Fiat G-91 R/4, continuaram presentes em todas as operações, fornecendo apoio de fogo ou servindo de posto de comando aéreo.

Os T-6G da FAP nas operações em Africa podiam ser equipados com os seguintes armamentos:
  • 2 casulos de 2 metralhadoras MAC AA-52 de 7.62 mm com 300 munições cada, mais tarde substituídas por Browning 7.7 mm; ou
  • 2 casulos Matra 361 de 36 foguetes SNEB T/447 37 mm; ou
  • 2 casulos Matra 181 de 18 foguetes SNEB T/447 37 mm; ou
  • 2 bombas GP (general purpose) M1-62 de 50 Kg; ou
  • 2 bombas Napalm de 100 l/80 Kg, ou
  • 6 bombas de fumo (p/treino) de 25 Lbs; ou
  • 6 bombas antipessoal M/62 de 15 Kg; ou
  • 2 lançadores de 24 Granadas de mão
Registaram-se perdas em quantidade significativa, uns abatidos por fogo inimigo, e outros em acidentes, motivando a morte de muitos pilotos. Ainda que de uma forma não exaustiva, entre 1961 e 1975 foram identificados 51 aviões T-6 abatidos ou acidentados que provocaram a morte de 43 tripulantes, quase todos pilotos. 
AT-6C, FAP, pertencente ao Museu do Ar
A partir de 1973 a FAP adotou o esquema de pintura antirradiação, para as aeronaves localizadas nas províncias ultramarinas, devido à utilização de mísseis terra-ar pelos guerrilheiros, mas este esquema de pintura foi aplicado a um reduzido número de T-6. Com este esquema a aeronave era inteiramente pintada em verde-azeitona, mantendo a pintura preta antirreflexo em frente da cabina. O esquema das insígnias e marcas de identificação foi ligeiramente alterado, com a insígnia da Cruz de Cristo, sobre círculo branco, com menor diâmetro e colocada somente nos lados da fuselagem, mantendo-se as cores nacionais no estabilizador, com a matrícula por cima. 
Terminada a Guerra do Ultramar, um número relativamente reduzido de T-6 regressou a Portugal, sendo colocados na Base de S. Jacinto, onde se mantiveram na instrução até serem abatidos em 1978 enquanto que a Base de Tancos manteve alguns dos aviões destinados ao treino operacional, também até 1978.
No segundo semestre de 1978, dos 257 T-6 das várias versões recebidos por Portugal, constavam somente 15 no efetivo da FAP.
Dessas aeronaves o Museu do Ar é detentor de sete, duas das quais em condição de voo. Também a Aero Fénix é detentora de quatro dos T-6 que serviram a FAP e outros encontram-se espalhados pelo Mundo.
FICHA DA AERONAVE
GERAL:
  • ANO DO PRIMEIRO VOO: 1935
  • PAÍS DE ORIGEM:  EUA
  • PRODUÇÃO:  ~+ 21.000 (numero aproximado, incluindo todas as variante)
  • PAÍSES OPERADORES: EUA, Argentina, Austria, Bélgica, Biafra, Bolívia, Brasil, Camboja, Canadá, Chile, Colômbia, Cuba, Dinamarca, República Dominicana, El Salvador, França, Gabão, Alemanha, Grécia, Haiti, Hong Kong, Honduras, Índia, Indonésia, Irão, Israel, Itália, Japão, Katanga, Líbano, Coreia do Sul, Laos, México, Marrocos, Países Baixos, Moçambique, Nova Zelândia, Noruega, Nicarágua, Paquistão, Paraguai, Filipinas, Portugal, Africa do Sul, Rhodesia do Sul, Vietname do Sul, Arábia Saudita, Espanha, União Soviética, Suécia, Suíça, Síria, Tailândia, Tunísia, Peru, Reino Unido, Uruguai, Venezuela, Jugoslávia, Zaire
ESPECIFICAÇÕES DE VARIANTE 
  • VARIANTE: T-6G
  • FUNÇÃO:    Instrução
  • TRIPULAÇÃO:  2
  • MOTOR:  1 x Pratt & Whitney R-1340-AN-1 Wasp, 600cv
  • PESO VAZIO: 1886 (kg)
  • PESO MÁXIMO NA DESCOLAGEM:  2546 (kg)
  • COMPRIMENTO: 8,84 (m)
  • ENVERGADURA: 12,81 (m)
  • ALTURA: 3,57 (m)
PERFORMANCE
  • VELOCIDADE MÁXIMA:  335 (km/h)
  • RAIO DE COMBATE: 1175 (km)
  • TETO MÁXIMO:  7400  (m)
ARMAMENTO
  • FIXO: 
Sem armamento de serie.

  • CARGA BÉLICA:
Muitas unidades, foram posteriormente, adaptadas para transportar sob as asas, bombas, casulos de foguetes ou de metralhadoras para realização de missões COIN.

Publicado em AVIÔES MILITARES

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

UMA OPERAÇÃO POUCO ORTODOXA (TRAGÉDIA BOMBOKO)

O Quatro de Fevereiro de 1970
Este episódio foi escrito antes de ter tido conhecimento da obra "Tragédia Bomboko", escrita por um ex-combatente do MPLA, João Jorge Lucas "Zengo".
Depois de o ler, decidi incluir algumas passagens dessa obra, onde são descritos os confrontos desse dia, por alguém que os viveu do outro lado.
Um pouco romanceado e menos preciso no encontro com helicópteros, serve todavia para confirmar o essencial do presente episódio.
.../...
Ora, se a sua missão inicial tinha que ser cumprida, fosse qual fosse o seu preço e sacrifício dos seus componentes,... Ela não se limitava somente no abastecimento e reforço à Primeira Região político-militar do MPLA. Ela agora, consistiria, acima de tudo, em garantir esse reforço e abastecimento através duma rota mais ou menos menos segura que ligasse o Leste ao Norte (Nambuangongo).
Essa rota seria a rota "AGOSTINHO NETO". É na materialização dessa decisão que "Bomboko" se choca com o inimigo, na Baixa de Kassange, perto de Kitapa, na Província de Malange, ficando desbaratado.
..../...
De repente, um helicóptero no horizonte e mais um, dançando no ar. Tiros na retaguarda! Bombardeamento e fogo intenso. "Os terroristas". Os fora-da-lei (37)tinham sido localizados e a sentença era de abate-los (38), ou extermina-los.(39) (sic)
..../...
Corpos, cadáveres de combatentes trespassados de balas submergindo!
.../...
Cento e dez camaradas tombavam ali em terras de Malange...
Desbaratado que foi "Bomboko", apunhalando-se e suicidando-se a tiro, "Kitwe", chefe de operações e o comandante "Suka Hata" (Veneno)..."Zengo" depois de atingido na cabeça, na vista, no peito, na perna... por um helicanhão "Certa" e "Mabiala" são capturados. Outros sobreviventes...em número não superior a vinte... conseguiram voltar...outros seriam capturados um mês mais tarde, quando já cadavéricos...tentavam...o ponto de partida...
"O MPLA sofre, então, o maior revez de todos os tempos, a maior derrota da sua história!"
.../...
In, Tragédia Bomboko, de João Jorge Lucas, "Zengo",
ex-combatente MPLA.

Uma missão inopinada
Aconteceu no dia comemorativo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Quatro de Fevereiro de 1970!
Neste episódio são descritas situações por nós vividas, durante o desenrolar de uma operação, efectuada em  helicópteros AL III da Esquadra 94. Desencadeada a partir da BA9 na madrugada desse dia, voou-se para a Quitapa, para interceptar uma numerosa coluna de 
guerrilheiros do MPLA, veio a terminar no Luso(40), passadas duas semanas.
Uma coluna constituída por mais de uma centena de guerrilheiros e carregadores que transportavam armamento, infiltrou-se no então território nacional, através da longínqua fronteira Leste junto a Caripande, localidade do saliente do Cazombo, onde o rio Zambeze deixa Angola para entrar na Zâmbia.
Segundo a citada obra, na sua página 108, o grupo contava mais de 80 combatentes...
Tinham como objectivo primário atingir e instalar-se no distrito de Luanda, na chamada "Zona Norte", designação que, operacionalmente, se dava ao Comando da Zona Militar Norte e englobava os distritos de Luanda, Cuanza Norte, Huíge, Zaire e Malange.
Seria uma marcha de mais de mil quilómetros e meses de sacrifícios, enfrentando todos os perigos que uma deslocação daquela natureza implicava, mas que, acima de tudo, não podia ser detectada.
Foram interceptados na baixa do Kassange, perto da Quitapa província de Malange, quando tinham percorrido 2/3 de percurso, que se adivinha tenha sido penoso. Viram-se confrontados com as enormes dificuldades criadas pela travessia do rio Cuango, que, nessa época do ano, transborda das suas margens, alagando grandes extensões daquelas planícies algodoeiras.
...
Foi perante as dificuldades criadas pelos movimentos rivais, que o MPLA, sob pena de cair em descrédito, perante os apoios internacionais, escolheu a hipótese que entendeu como menos má.
A sua infiltração, a partir da Zâmbia, podia ser mais fácil sob o ponto de vista orográfico e até de segurança física, pois era uma área plana, aberta e de muito grandes dimensões, onde facilmente podiam escapar à vigilância das Forças Armadas Portuguesas, que não tinham efectivos que pudessem cobrir tão grandes extensões de fronteira.
O movimento seria fácil de iniciar, mas o percurso seria longo e terrivelmente penoso!
Efectuar um movimento logístico desde a Zâmbia até ao Norte, que lhes permitisse instalar uma base militar tão perto quanto possível da capital,
 era um feito gigantesco.
Em caso de sucesso, poderia mes
mo transformar-se num enorme êxito militar e político, e sob o ponto de vista dos dirigentes do MPLA, vital para a sua credibilidade como movimento de libertação.
Visava, esta "longa marcha" do "Destacamento Bomboko" que na  opinião dos planeadores do MPLA escaparia à vigilância dos "tugas", como pejorativamente éramos apelidados:
• Instalar-se nos distritos do Cuanza e de Luanda, nos quais não tinha, até aí, implantação significativa.
• Criar ao longo do percurso, pequenos destacamentos militares com depósitos de armamento, servindo de futuros pontos de apoio logístico aos seus deslocamentos.
• Estender a sua influência no Leste aos distritos do Moxico e Lunda e Malange tentando captar as populações para o seu lado.
Era a sonhada rota Agostinho Neto!
"... É na materialização dessa decisão que "Bomboko" se choca com o inimigo, na baixa de Kassange, perto de Kitapa, na Província de Malange, ficando desbaratados..."(42)
Com esta dissertação em jeito de introdução pretende-se deixar claro que, em Angola, a actividade de guerrilha de qualquer dos movimentos foi sempre menos activa que em Moçambique ou na Guiné.
Permite compreender, melhor, o episódio que a seguir se narra; uma operação iniciada no distrito de Malange, a nordeste da Quitapa, levada a cabo por três Alouette III da Esquadra 94 contra a já referida coluna Bomboko, a caminho do seu objectivo final e terminada na Lunda, com a apreensão de todo o armamento, que foi sendo deixado ao longo do percurso.
É, hoje, comum reconhecer o trabalho importante que a Pide-DGS desempenhou no campo das informações de combate, durante o desenrolar da guerra em África.
Era, também, sabido que, após a divulgação de informações passadas às entidades militares, as operações daí resultantes redundavam, normalmente em insucessos, dado o tempo que se perdia em planeamentos de guerra clássica.
É sabido, também, que a guerrilha tem que ser combatida com guerrilha. Há que explorar, de imediato, toda a informação que justifique 
uma intervenção, já que uma das principais características é a sua permanente mobilidade. Aquilo que é importante agora, não o será amanhã.
De um modo geral, se se esperava pelos planeamentos dos "teóricos", quando lido o relatório da operação, quase sempre constava na alínea dos resultados:
- "Encontrado o objectivo recentemente abandonado"!
Conclusão à qual, em tom jocoso, acrescentávamos como comentário:
"feita prisioneira uma "velha paralítica e recuperada uma catana sem cabo".
A PIDE-DGS em Luanda, tinha conhecimento deste importante movimento que o MPLA planeava e acompanhou, de perto, o posicionamento da coluna ao longo do território, desde que iniciou a sua progressão na Zâmbia, em Dezembro de 1969. Admito como muito provável, que haveria elementos infiltrados no seio das suas estruturas.
Porque se tratava de um acontecimento de grande importância para o combate à guerrilha, o director da DGS em Luanda, São José Lopes, reteve essa informação para a fornecer, apenas quando o entendesse oportuna para uma intervenção imediata. Esse momento haveria de ser, como é natural, quando a coluna estivesse mais vulnerável, já que eram conhecidos, o seu destino, o percurso mais provável e as dificuldades que iriam enfrentar perante as cheias dos rios a transpor, nomeadamente o importante Cuango.
Seria nessa altura que deixaria "cair" a informação. E não lhe seria difícil obter a concordância do então Comandante-chefe, General Piloto Aviador Anacoreta de Almeida Viana, para essa medida de segurança evitando assim a "normal" fuga de informações e consequente insucesso de mais uma operação planeada a nível de comandos dos ramos!
Tratava-se, apenas, de localizar e destruir uma coluna de guerrilheiros!
Não seriam precisos, como veio a ser constatado, grandes planeamentos.
O percurso da Coluna
Entraram em Angola, no saliente do Cazombo, junto a Caripande(43), progredindo para Noroeste atravessando a imensa "chana" da Cameia, até às imediações do Lumege.
Constituíram o seu primeiro destacamento e respectivo paiol de armamento nas, imediações de Dala localidade na estrada que ligava Henrique de Carvalho, (onde se localizava o Aeródromo Base nº.4), ao Luso, junto do caminho-de-ferro e onde se situava o Comando Militar Leste.
Pretendiam, a partir daí, controlar essa importante via de comunicação entre as duas mais importantes concentrações militares do Leste.
Através das informações que constantemente ia obtendo, a DGS constatou, a dada altura estarem reunidas um conjunto de particulares coincidências que aconselhavam a intervir.
Assim:
• O grupo estava a atingir a região nordeste da Quitapa, que nessa época estava completamente alagada pelas cheias.
• Aproximava-se o dia 4 de Fevereiro, data que o MPLA reivindicava para si como o início da luta armada.(44)
• O director da DGS em Luanda conhecia o valor do Major Almada, Oficial de Operações da Base Aérea nº. 9, e em acumulação, comandante da Esquadra 94.
• Este, por sua vez, além da ousadia e coragem que o caracterizavam, tinha também, pelas funções que desempenhava, a autonomia para desencadear uma acção com helicópteros.
Contactado em tempo e dada a disponibilidade de helicópteros nesses dias, foi opinião dos planeadores que, mantido o segredo, a acção teria êxito garantido!
E se assim fosse, seria desferido um rude golpe no moral bastante em
baixo do MPLA! E logo no seu dia comemorativo.
A Acção
No dia 3 de Fevereiro o Major Almada chamou por volta das 17h00 à sala de operações da Esquadra 94, dois pilotos, o Tenente Queiroga e o Furriel Carmo Rocha, três mecânicos, e o "Chefe da linha da frente" para fazer um curto "brieflng". 
Utilizando o seu estilo telegráfico peculiar, atirou:
• Maçaricos(45), amanhã descolagem com 3 máquinas; um canhão e dois transportes...!
•Mínimo de vinte e cinco horas de voo disponíveis para cada máquina...!
- Destino: Algures em Angola...
- Tempo de permanência: logo se vê...!
Normalmente esse tempo podia ser calculado pelo seu indicador habitual, e que consistia no minimo de cuecas que aconselhava a meter no "kit-bag"(46). E variava pouco: Um ou três pares!
- "Rodas no ar" às 06h00!
- Três pares de cuecas!
Aí estava definido o tempo da saída! Seriam pelo menos duas semanas.
De facto, regressámos 13 dias depois!
"Por uma questão de parcimónia quanto à utilização da roupa em operações, devo confessar que nunca me faltou! Usava para esse efeito o método da "rotação" ou seja, a peça usada hoje, vestida oito dias depois até parecia lavada e engomada"!
O briefing estava a chegar ao fim.
- Esta matéria é... Confidencial!
Uma pausa breve para interiorizarmos e finalizou:
- Porque não há dúvidas, até amanhã!
E foi saindo!
Era uma situação a que já íamos estando habituados com o novo comandante de esquadra. A informação era a necessária para o momento.
Não havia lugar para dúvidas! Havia sim que preparar a missão, pelo que estas instruções tinham que ser descodificadas por cada um.
Iríamos estar na Base às 5h00! A descolagem seria às 6h00 e permaneceríamos fora por um período de pelo menos duas semanas.
Confidencial queria dizer que aquele "briefing" não tinha existido! Não podíamos fazer qualquer comentário, família incluída!
Cada um de nós sabia o que teria que tratar para o colectivo!
Como mais antigo a seguir ao Major Almada, competia-me tratar da coordenação do transporte. Saber quem precisava de transporte, onde, a que horas e fazer chegar o pedido ao oficial de dia às operações.
Na manhã seguinte, "mata-bicho" tomado, agora frente a um café no bar da Esquadra, enquanto os mecânicos faziam os últimos preparativos, o Chefe deu uma ideia do que ia ser a nossa missão!
Íamos tentar interceptar uma coluna de  guerrilheiros na região de Malange, acrescentando que a informação era "A1", ou seja, absolutamente certa.
Não tinha, por agora, mais pormenores para nos fornecer a não ser que, até entrarmos em acção, o assunto continuava a ser confidencial.
Queria dizer que não faríamos comentários com mais ninguém, mecânicos da Esquadra incluídos:
- Mas, atenção! Se a intercepção da coluna não tiver sucesso, o assunto ficará confidencial para sempre! 
Só mais tarde entendi esta última determinação.
Estava a proteger a origem de informação e a pouca ortodoxia que tinha sido posta no despoletar da missão!
Se tivesse sucesso, como veio a ter, ninguém faria perguntas sobre o procedimento seguido.
Como não podia deixar de ser, descolámos na hora planeada!
Rumo a Leste ao longo da estrada do Catete, Zenza do Itombe, embrenhámo-nos na bruma que envolvia os morros de Golungo Alto, e que antecediam Salazar(47). Já no planalto, passámos Lucala e aterrámos em Malange para reabastecer. Apenas 200 litros, significava que iríamos para perto e chegaríamos com disponibilidade para transporte imediato de pessoal.

Descolámos e pouco depois, aterrávamos por volta das 9 horas na Quitapa, sede de uma Companhia de Infantaria, que iria ser a nossa base logística. A nossa chegada, pôs a Unidade em desassossego, com a presença de tão inusitada visita. Claro está que, não sendo habitual a aterragem de três helicópteros naquela localidade, logo os militares começaram a questionar-nos se era para fazerem uma operação.
Uma vez aterrados, definiu-se que a quantidade de combustível em cada um dos transportadores seria de 250 litros, o que permitia o melhor compromisso entre autonomia e carga disponível! Isto significava 1h e 15 m de voo com cinco militares armados.
O Major Almada reunido com o Comandante de Companhia deu-lhe conhecimento da nossa missão e sem entrar em grandes detalhes, pediu que disponibilizasse dez homens, com equipamento aligeirado, para uma primeira vaga e que mantivesse um grupo de combate preparado para eventual reforço.
Era assim que as coisas aconteciam normalmente com ele. Simplicidade, eficácia e um gosto pelo perigo.
A disponibilidade do Comandante da Companhia foi total e nem sequer lhe ocorreu perguntar por que razão não tinha sido avisado pelo seu escalão hierárquico.

Ficámos, nesse momento a saber que iriamos fazer um REVIS/ATIR(48), voando em formação aberta, transportando cada um, cinco militares armados apenas com G-3.
Em linguagem comum, iriamos procurar aquela coluna de guerrilheiros e carregadores, e que o local provável, segundo as suas últimas informações seria a nordeste da Quitapa nas margens do rio Cuango. Esta última informação era necessária para determinar um rumo inverso, e eventual transporte de uma segunda vaga.
O frenesim da tropa era bem visível à espera, a todo o momento, da ordem de embarque. Mas o seu papel haveria de estar guardado para mais tarde. Primeiro, havia que localizar os "turras"! E assim, descolámos com dez militares, cerca de uma hora depois da chegada. Voámos para nordeste numa formação larga para maior segurança e ampliando a área coberta de reconhecimento visual. A ligação rádio garantia a proximidade entre os três helicópteros.
Depois de passarmos uma pequena linha de alturas, deparámos com o rio Cuango. O terreno abria-se num imenso vale, muito plano, com tufos de árvores, de onde em onde, completamente inundado pelas águas do rio que tinha saltado das suas margens. Em algumas ilhotas conseguiam-se ver grupos de antílopes, refugiando-se da cheia.
Cerca de vinte minutos após a descolagem a voz do chefe soou pelo rádio:
- Há aqui gajos debaixo das árvores! Circulem!
Este reporte deu-me a certeza de que o Chefe conhecia a localização provável do grupo. Ao fim de vinte minutos de voo, sem qualquer mudança de rumo, avisou pelo rádio ter avistado pessoal. Eram, seguramente, as coordenadas fornecidas pela DGS!
Quando olhei, já as tracejantes do canhão indicavam que o nº.1 tinha aberto as hostilidades! Aproximámo-nos, iniciando um círculo largo para garantir alguma segurança, pois não estávamos armados. E fomos tendo um retrato falado do que ia acontecendo, com aquela voz aparentemente calma que o Chefe "vestia" quando em situações de grande tensão.
Durante cerca de longos dez minutos, não consegui visualizar o que se estava a passar mas o Chefe ia referindo que "era muita gente". O fogo do canhão era intenso e visível Mas de terra também ripostavam. Foi então que, para amenizar a tensão, saiu como era costume, a primeira "graça" do Chefe:
- Estes gajos têm tendência para "mergulhadores"!
O fogo do canhão continuava e, só a dada altura, reparei que a corrente do rio arrastava gente que tentava nadar. Aquele pessoal fugia para dentro da corrente forte do rio, numa tentativa de escapar aos tiros. Optavam por um possível afogamento ou refeição dos crocodilos, para evitar a morte ou a humilhação da prisão.
Foi quando vi o pessoal a tentar flutuar que entendi a ironia do Chefe acerca dos "mergulhadores".
Ao fim de mais alguns minutos, ouviu-se pelo rádio:
-Fui atingido!
Disse-o no mesmo tom de voz com que teria dito: "Está calor".
Não pude deixar de quebrar a disciplina rádio para perguntar:
- Tudo bem, com o "Mosca 1"?
Percebendo a nossa angústia, no mesmo tom, respondeu!
-Tudo bem maçaricos! Foi só a máquina!
Foi, com algum alívio, que ouvi esta resposta e não a tradicional frase:
"Em voo, o asa só fala quando é chamado ou, está em emergência"!
Era esta a disciplina e assim tinha que ser, no desempenho de uma actividade, onde toda a atenção era necessária e o supérfluo apenas servia para distrair! Mas, desta vez, tinha compreendido a nossa natural ansiedade.
-Já há gajos de braços no ar! Vamos ver se conseguimos um local para largar o pessoal, sem os afogar.
Embora houvesse alguma preocupação, quanto às condições do local, havendo guerrilheiros de braços no ar, a sua frase não deixava de ser mais uma pequena ironia. Servia para descontrair!
- Preparar para colocar o pessoal. Depois fazem outra vaga.
- "Mosca 2"!- dei o meu entendido.
O local era um conjunto de árvores altas, dispersas, sem grande folhagem que permitia ver, perfeitamente, por baixo delas. Teria que manobrar para a escolha da melhor entrada. Fui preparando, mentalmente, o "briefing" para o chefe do grupo.
Um dos possíveis locais, a cerca de 50 metros daquela gente, permitia a aterragem em simultâneo, o que era bom para reduzir o tempo de eventual reacção. Não seria difícil a colocação, não fosse a incerteza da profundidade da água. Também não podia largá-los muito próximo, dos agora já visíveis guerrilheiros. Podia não ser seguro. Tinha que ser uma decisão tomada já perto do possível local da largada. Uma vez em estacionário, não podia borregar com os homens a bordo, por manifesta falta de potência para ultrapassar o arvoredo. Tinha, também, que assegurar que os homens só saltariam, quando eu gritasse para o fazerem! Decidi, por isso, manter as portas do helicóptero fechadas, até que tomasse a decisão.
Quando, em aproximação ao local em que caberíamos os dois helicópteros, pude dar o "briefing" mais rápido da minha vida!
Premi o botão do rádio para que o n.3 ouvisse, enquanto falava com o chefe do grupo e puxando-lhe pelo ombro para que se aproximasse a sua orelha de mim, gritei-lhe:
- Só abrem as portas depois de eu gritar "saltar"!
- O objectivo é fazer prisioneiros e nada de tiros! Só em auto-defesa!
Há necessidade de informações, e este pessoal está a render-se!
Foi dizendo que sim com a cabeça em sinal de assentimento! Tenho porém que admitir que era mais fácil de dizer do que fazer!
E para o outro piloto:
- "Mosca 3", dá para os dois. Cinco segundos de separação. Mantém as portas fechadas até mandar saltar!
- "Mosca 3".
A três ou quatro metros do ponto de largada, com a certeza que teriam pé, gritei:
-Saltar!
E, de imediato, ouvi o deslizar das portas a abrir.
Era um salto de dois metros, ainda confortável por ser para a água e a altura evitava que as pás do rotor de cauda entrassem na água.
Não dei mais instruções ao "Mosca 3". Como tinha mantido o botão de emissão rádio premido, ouviu o que dissera, e deu, seguramente, as mesmas indicações ao seu grupo! De qualquer modo, seguiriam, por certo, o seu chefe, já em terra. E saímos dali, rapidamente, para fazer o transporte da segunda vaga.


Os que foram largados, na primeira vaga, ficaram apenas com a protecção do heli-canhão.
Uma vez fora dali, percebi que aquele grupo tinha sido apanhado no local mais propício à passagem do rio, mesmo assim, devido à inundação, uma operação perigosa e difícil, dada a quantidade de armamento que tinham de transladar.
Para além das canseiras da já longa caminhada de dois meses, uma cheia de um rio que não se sabia quanto tempo iria permanecer, juntava-se agora um encontro imprevisto com os helicópteros dos "tugas".
Tanta coincidência deixou por certo, muitas dúvidas àquele pessoal, e especialmente ao Comandante da coluna! E foi esta dúvida que mais pesou na decisão que a seguir viria a tomar.
Revia as imagens que a tensão do momento não me tinha deixado interpretar devidamente.
E vi o desânimo, mais que o medo, estampado naquelas caras. Alguns sem armas, outros com elas em bandoleira. Era o sinal evidente de que não queriam combater. Fosse qual fosse a razão, para eles, esta guerra estava terminada.
Soubemos, mais tarde, que admitiram vir a ser dizimados no local e nunca esperaram terem sido poupados. Mas não foi assim! Podia ter que acontecer, mas matar não era a nossa missão!
Quando já voávamos para o transporte de mais dez militares, o Chefe mandou-nos regressar. Tinha concluído com o grupo em terra, que com a rendição do que restava do grupo de guerrilheiros e carregadores, a operação estava acabada. Quando chegámos, aguardavam-nos, serenamente, os dez militares e uns quantos prisioneiros.
Os restantes, entre sobreviventes e mortos no local, tinham sido arrastados pela corrente, com um fim que, facilmente, se depreende para a maioria deles.
No entanto, alguns apresentaram-se ou foram detidos pelas autoridades gentílicas, nos dias seguintes.
No final, em três vagas, trouxemos toda a gente e muito material, tendo um graduado referido que um dos guerrilheiros, quando aprisionado pelos nossos militares, conseguiu empunhar a sua faca de mato e suicidou-se, cortando as carótidas! Soubemos por um dos sobreviventes, ter sido o Comandante militar da coluna, o qual não tendo suportado tamanho desaire, decidiu ali por termo à vida.
Pela atitude desesperada, o meu desacordo! Pela sua dedicação à causa, a minha admiração!
Presto-lhe aqui a minha homenagem de combatente.
"...
Desbaratado que foi "Bomboko" apunhalando-se e suicidando-se a tiro, respectivamente, Kitwe, chefe das operações e o comandante Suka Hata (Veneno)..."'(49)
O guerrilheiro responsável pela localização dos depósitos de armamento deixados ao longo do percurso, foi um dos sobreviventes, tendo-se transformado na figura mais importante da operação. Passou a ser objecto da maior atenção por parte dos pilotos.
Depois de muilo bem conversado, entre uns cigarros e algumas cervejas, anuiu a dar-nos as localizações dos paióis, mas sem referir nomes dos responsáveis locais. Invocou desconhecê-los, e justificou que era o procedimento normal entre eles. Era credível! Por uma questão de segurança, só o Chefe tinha conhecimento dos responsáveis locais. Como o mesmo se tinha suicidado, tinham-se perdido esses elementos para sempre.
Ficou-se a saber apenas, a localização dos depósitos do armamento.
Nada de nomes. Nós não faríamos perguntas sobre os responsáveis da área e ele indicaria todos os locais onde tinha sido deixado armamento.
O acordo foi cumprido por ambas as partes! Complementarmente, fumou sempre quanto quis, e nem sequer faltava quem lhe estendesse um cinzeiro no momento oportuno, para não se desconcentrar quando estava a pormenorizar aspectos relacionados com as localizações dos depósitos de armamento.
• O tratamento dado ao caso, por gente que nada sabia da técnica de interrogatórios;
• a decisão do Major Almada, de fazer a exploração imediata do sucesso daquela operação;
• e a atitude de um prisioneiro que não esperava esse tratamento da nossa parte;
Tudo isto, em conjunto, permitiu apanhar toneladas de armamento.

E o prisioneiro nem sequer precisou de se deslocar aos locais, tal a precisão dos seus esquemas.
Este guerrilheiro regressou a Luanda no fim da operação. Mas não acredito que, após 1975, os seus dirigentes o tenham deixado viver!
Com esta operação, em 4 de Fevereiro de 1970, não direi que se acabou com a guerrilha levada a cabo pelo MPLA, mas estou crente que este "movimento" não deve ter tentado outra operação com esta envergadura.
E também posso afirmar que, durante os treze anos que o conflito durou em Angola, nenhum dos três movimentos - UNITA, FNLA, e MPLA - demonstrou ter força suficiente para causar grandes preocupações às Forças Armadas Portuguesas.


(37), (38), (39) sic
(40) actual Luena
(42) in, Tragédia Bomboko, pag.14
(43) localidade "encostada" à fronteira e onde o Zambeze entra na Zâmbia
(44) Ataque à esquadra de polícia de Luanda
(45) Designação que em Angola se dava aos militares que chegavam de fresco por oposição aos
veteranos! No significado do Major Almada era um tratamento carinhoso para os seus subordinados.
(46) Saco de lona para transporte da nossa roupa e artigos de higiene.
(47) Actual N'Dalatando
(48) Acrónimos respectivamente para: Reconhecimento Visual e Ataque Independente em Reconhecimento.
(49) In, Tragédia Bomboko, pag.14


Nota: o Governo-Geral de Angola tinha regulamentado a atribuição de prémios pecuniários a atribuir ás unidades militares que capturassem armamento ao adversário. Com a captura feita pela Esquadra de helicópteros nesta operação, a atribuição de prémios não pode ser aplicada...Simplesmente porque não havia dinheiro para tanto armamento capturado!

Extraído do livro "Estórias Vividas - Relatos de Guerra de um piloto de helicópteros em África", do General José Augusto Barrigas Queiroga, a quem agradecemos ter-nos permitido fazer esta publicação.