quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

REGRESSO À METRÓPOLE







Numa tarde de sábado, 27 de Setembro de 1975, após sete horas de voo na FAP, Boeing 707 nº. 8801 dos TAM, regressei a Portugal vindo da BA9 Luanda. 
Na véspera, após ter chegado de mais uma missão do Nord 6413, LU-CA-LU (Luanda-Cabinda-Luanda), tendo acabado de aterrar na BA9, ainda na placa da Linha da Frente, o camarada José António Silva (quem não mais vi – espero que esteja bem), pois foi com ele que na parelha de T6 Havard, em 30 de Junho, tínhamos voado do AB4-Henrique de Carvalho para a BA9, via Nova Lisboa, talvez nos últimos voos em tais máquinas por terras de Angola e posteriormente fomos ambos colocados na Esquadra 92 de Nordatlas na BA9 em Luanda.

Retomando, por volta das 18h00, quando estava a reabastecer o Nord em plena placa, informou-me que havia vagas no voo dos TAMs (transportes aéreos militares) e que eu segundo ele estaria na lista. Após conclusão do reabastecimento dirigi-me de imediato aos TAMs para confirmar e seguidamente à secretaria da Unidade para tratar do regresso, mas só no dia seguinte de manhã tive o ok e confirmação de Guia de Marcha para a Metrópole. 
Bom, naquela noite foi um ver se te avias a enfiar o fardamento na mala e sacão azul em uso há época – escusado será dizer que praticamente não dormi naquela noite, nem jantei com tanta azáfama, apenas comi umas sandes no Clube de Especialistas e bebi depois um “café” com um conterrâneo paraquedista, informando-o do meu regresso, (digo café porque só tinha o aroma e não havia colher para o mexer, o mesmo foi “agitado” com o pacote de açúcar vazio enrolado – racionamento de água e de meios).
Nessa manhã do dia 27, com a Guia de Marcha na mão e Caderneta de Registo de Serviço Aéreo encerrada, com o tal sacão e uma mala, dirigi-me aos TAMs onde aguardei o embarque por volta das 10h00 locais, com partida prevista para as 11h00, de Luanda. Descolámos o tempo estava bom e boa visibilidade – o voo prosseguiu durante o dia e só me recordo de por cima de Dakar, pressuponho, ter vislumbrado a paisagem do Deserto do Sara e recorte da costa africana, tendo finalmente aterrado em Figo Maduro, Portela por volta das 17h00.
Quando saí do AB1 e entrei no táxi ouvi na rádio o “relato” do Assalto e Incêndio na Embaixada de Espanha decorrente dos manifestos por lá ocorridos... 


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quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O CHIÚME

Chiume - 1972 - foto de Antonio Carvalho da CArt.3514

Os mantimentos chegavam aos aquartelamentos por avião, lancha ou transporte terrestre.
Os helicópteros não costumavam ter este tipo de missão regular mas, lá diz o ditado, não há regra sem excepção. Entre 1972 e 1975, enquanto piloto de helicópteros da Força Aérea 
conheci em Angola um aquartelamento tão desgraçadamente remoto, tão tristemente isolado, que praticamente nem recebia comida: o Chiúme.

Lobo Antunes no Chiúme
"Foi retratado por António Lobo Antunes na obra Os CUS de Judas e só o nome diz tudo. É descrito pelo autor como «o último dos cus de Judas  no leste, o mais distante da sede do batalhão e o mais isolado e miserável: os soldados dormiam em tendas cónicas na areia, partilhando com os ratos a penumbra nauseabunda...Isolados como poucos no cimo de um morro que volta e meia era violentamente atacado, os militares que tinham a desdita de estar no Chiúme chegaram ao cúmulo de, numa dada altura, só terem uma única lâmpada no aquartelamento: quando estavam a jantar, punham a lâmpada no interior para verem o que tinham no prato; depois do jantar, punham a lâmpada cá fora para iluminar o perímetro, não fosse haver azar."

Chiume - 1972 - foto de Antonio Carvalho da CArt.3514


Levar alimentos ao Chiúme era praticamente uma impossibilidade porque a picada estava minada, as Berliets não passavam, os ataques sucediam- se...
Para resolver o problema e não deixar aqueles homens passarem fome, os comandantes do Luso e de Gago Coutinho terão articulado entre si um estratagema alternativo para o transporte dos alimentos: todas as semanas ia um helicóptero «levar o médico ao Chiúme».
Fui com regularidade o piloto destas idas e vindas do "médico", que mais não eram do que um pretexto para transportarem um par de centenas de quilos de alimentos para os infelizes que lá estavam a cumprir comissão.
Chegados ao local, o "médico" apeava-se e o helicóptero voltava a descolar para ir dar uma volta.... e caçar. Era a única maneira de dar àqueles homens carne fresca, tudo o resto era seco ou enlatado. E o ritual repetia-se, semana após semana.

Muitas vezes manobrei o aparelho, o mecânico que estivesse comigo punha a G3 a postos apontada lá para baixo e sobrevoávamos a área em busca de algum animal que se pusesse a jeito para alimentar os militares do Chiúme.

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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O «LOBO MAU»





Num texto que recentemente publiquei sobre o fim de vida do helicóptero ALIII, mencionei duas vezes a designação «LOBO MAU».

Para os mais jovens, aqueles que felizmente não viveram a devastadora guerra que recentemente travamos em África, aqui vai a foto do «LOBO MAU». 
Um canhão de 20mm de tiro rápido, apontado para a esquerda da cabine, montado transversalmente no compartimento de carga.
O sistema de tiro era manual e eléctrico, possuindo uma mira que permitia uma grande precisão relativamente ao alvo. 
A munição era explosiva, expansiva e incendiária, sendo os seus efeitos devastadores. 
O helicóptero com esta configuração era operado pelo piloto e o respectivo atirador, que podia ser Mecânico de Armamento ou Mecânico de Material Aéreo. 
Tudo e mais isto, o nosso ALIII suportou e bem!


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(Ten.Coronel na reforma)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

COBERTOS DE PÓ BRANCO !

Noratlas 6402 em S. Tomé

Em São Tomé, não havia aviões da FAP.
Havia sim uma equipa de pessoal que assistia os que por lá passavam. 
Era o Aeródromo de Trânsito Nº.2. 
Uma ou duas vezes por mês, o Noratlas estava por lá, levando e trazendo passageiros e carga. 
Eram os cabos mecânicos de material aéreo, que tinham a responsabilidade de conferir manifestos de carga e listas de passageiros, na chegada e na partida. 
Um dia, aí por finais de 1973 princípios de 1974 (não consigo precisar) após a chegada do Nord, levámos a escada para a porta lateral do aparelho, para que os passageiros pudessem sair. 
O espanto apanhou toda a gente, pois, conforme os passageiros iam saindo, víamos que grande parte deles vinham cobertos de pó branco. Achando aquilo estranho, perguntei ao sargento mecânico de vôo o que tinha acontecido. 
Um grumete, da marinha portuguesa que vinha para a sua comissão de serviço na ilha, ao sentir-se incomodado com uma carga junto aos seus pés, pegou numa alça que esse volume tinha lateralmente e tentou arrastá-la para longe dele. 
Azar! Pegou precisamente na alça de disparo de enchimento automático do barco salva-vidas. 
Claro que o barco começou a encher e comprimiu os passageiros contra os seus assentos e fuselagem do avião. Segundo o chefe mecânico foi o caos dentro do compartimento. Como os barcos de borracha estavam envolvidos em pó de talco para sua protecção, daí o pó branco. 
Em resultado disso, o avião quando regressou a Luanda, só levou metade dos passageiros e a carga prevista. É que o Nord trazia dois desses barcos porque a viagem era feita sobre o mar e não se punha sequer a possibilidade em caso de emergência ir aterrar em qualquer dos países africanos ali perto.


Por Carlos Gato