quinta-feira, 30 de junho de 2022

HÁ 99 ANOS ERA REALIZADO O PRIMEIRO REABASTECIMENTO EM VOO.

Os tenentes Virgil Hine, Frank Seifert, Lowell Smith e John Richter, do Serviço Aéreo do Exército dos EUA, fizeram o primeiro reabastecimento em voo em 27/06/1923 com dois biplanos Airco DH.4B. Foto: USAF.


Há quase 100 anos, quatro aviadores norte-americanos entraram para a história da aviação ao realizarem o primeiro reabastecimento em voo. O que começou como uma experiência se tornou uma capacidade muito importante para diversas forças aéreas no mundo todo.
O acontecimento ocorreu em 27 de junho de 1923 em San Diego, Califórnia, e envolveu dois biplanos Airco DH.4B do Serviço Aéreo do Exército dos EUA — que mais tarde se tornou Corpo Aéreo, depois Força Aérea do Exército e finalmente, em 1947, a Força Aérea dos EUA (USAF) como uma instituição independente — tripulados pelos tenentes Virgil Hine, Frank Seifert, Lowell Smith e John Richter.
As duas aeronaves foram modificadas com base em estudos do engenheiro e aviador russo-estadodoniense Alexander de Seversky. De maneira simplificada, o DH.4B de Hine e Seifert seria o avião-tanque, estendendo uma mangueira de 15,24 metros até o DH.4B de Smith e Richter, que voava logo abaixo.


Enquanto Hine e Smith pilotavam suas aeronaves, Seifert e Richter ficaram responsáveis pela transferência de combustível entre os aviões. Com as aeronaves conectadas, os pioneiros foram capazes de transferir 284 litros de gasolina de um avião para a outro, marcando o primeiro reabastecimento em voo na história.
O voo todo teve uma duração de 6 horas e 38 minutos, só não indo além por conta de um problema no motor do DH.4 de Smith e Richter.
Dois meses depois, os mesmos aviadores voaram por 37 horas e quinze minutos em mais uma demonstração onde foram realizadas 16 transferências de combustível. Na ocasião, dois DH.4B serviram como aviões-tanque para outro biplano do mesmo modelo.


Por

Gabriel Centeno, em Aeroflap

quinta-feira, 16 de junho de 2022

O PASSADO QUE NOS MAGOA


Ainda hoje carrego na alma a tristeza das feridas dos meus amigos!
Anos de juventude, em brincadeira, trabalho duro, com frieza, tempos idos de amores perdidos que nem sempre terminaram da melhor maneira!
Amizades cimentadas pela refrega, calor imenso que encharcava, importante era “sacar” os feridos, camaradagem que tudo entrega, nem saudade, nem lembrança, disfarçado tremer quando no copo pega!
Os Mig’s pegaram comigo por acaso, três ou quatro minutos de diversão, bailados de diferentes velocidades, bruma espessa de areia fina feita, que me pareceram Fiat’s nas suas habilidades! Nas matas de Gandembel e Cantanhês o meu encontro do primeiro grau!
Porque não escrevi? A memória fui aliviando, por desgosto e desilusão, o peso descarregando para não contar muito do que vi! Alguns, idos, merecem-me compaixão, outros, vaidosos que nem pavão, fazem-me sorrir, por respeito á sua idade deixo-os acabar absolutamente convencidos que a todos conseguiram enganar!
Vi antiaéreas a vomitar, suores frios no abrasador cokpit, subida rápida a 2.500 terminar, sol de costas para apontador encandear, picada louca para a 2.000 as bombas largar, saída á esquerda para rapar, uff, não foi desta e, com fé, assim me hei-de safar!
Bombas e foguetes, não, não é, da minha terra o Carnaval, á entrada ouço nos auscultadores do capacete a voz preocupada do Tubarão, Tigre abatido nas antiaéreas de Gandembel, velocidade aproveitada e ainda vi o paraquedas a entrar pelo matagal; Melro dois, não faz fogo, siga-me; O paraquedas era do, na altura, Ten. Cor. Costa Gomes, comandante do grupo operacional, o seu asa era o, também na altura, Capitão Vasquez, hoje, os dois, Generais.
Vislumbrei-o no meio do arvoredo e, para o galvanizar, pus, á sua frente, as minhas metralhadoras a vomitar! O seu asa, com quem, ainda ontem, estive a falar, em mínimos de combustível regressou a Bissalanca, dizendo-se confortado por eu ali estar! O Gomes da Silva chegou de Dornier, pois andava na missão de distribuir o correio, ficou, aos círculos, em cima do “quartel”, enquanto eu, em passagens baixas, indicava a direcção do aquartelamento, fazendo, de seguida, mais umas rajadinhas, boa maneira de festejar o momento!
O nosso comandante de grupo entrou, triunfalmente, pela “porta de armas” da força no terreno, com o espanto do plantão de serviço!
História séria contada a sorrir, sem qualquer glória, há outras versões, poetas da minha terra, que bom ficar na memória quando se passou o tempo a dormir!
O helicóptero transportou o comandante, á tardinha sou chamado ao seu gabinete e, com dois copos na mão, ele quis oferecer-me um beberete!
- Diga-me cá uma coisa, para onde foi quando me deixou?
- Bom, fui largar os bombons que o senhor não largou.

Por: Jaime Marinho de Moura - Piloto


quinta-feira, 9 de junho de 2022

TER OU NÃO TER CARA DE PILOTO



Estava nesse tempo – já lá vão cinquenta e dois anos! – a fazer o curso operacional de F-84 na Base da Ota e só ia a casa dos meus pais muito raramente. A viagem era longa e bastante cara para as minhas possibilidades nessa época.
O que vou contar aconteceu numa dessas viagens.
Quando o comboio chegou, entrei e procurei um lugar para me instalar... Olhei os diversos compartimentos da carruagem, procurando escolher os companheiros da longa viagem até ao Porto. Num dos compartimentos vi um individuo da FAP e, pela insígnia que usava, compreendi que era rádio-telegrafista (op. de comunicações). Sentadas do lado oposto, estavam duas jovens e uma senhora de idade avançada. Decidi instalar-me ali e entrei. Arrumei o meu saco de viagem, sentei-me e acendi um cigarro, disposto a esperar uma oportunidade para entrar na conversa. Entretanto, fui ouvindo.
À medida que o jovem aluno R/T ia desenvolvendo o seu tema, o meu espanto ia subindo gradualmente e tive mesmo que fazer um certo esforço para não me rir à gargalhada!
Perante o olhar de admiração, e algumas vezes de terror, das suas ouvintes, o nosso amigo aviador fazia passagens baixas na sua terra, entrando em volta entre as torres da igreja, - explicou que o avião não cabia direito - e passando em “looping” por baixo da ponte! As palavras eram acompanhadas por gestos elucidativos, que melhor expressavam a dificuldade da ação. Depois subia na vertical, para logo descer em “parafuso”, saindo em vôo invertido sobre o largo da aldeia! Quando se cansou de “esmagar” toda a acrobacia deixando a velha senhora à beira de um colapso cardíaco, resolvi intervir, não da maneira que gostava, mas apenas para “entrar” e ver no que aquilo dava.
- Desculpe interromper, mas depois do que acabei de ouvir, o desejo que já existia em mim de ser piloto, intensificou-se.
Olhou para mim franzindo as sobrancelhas e eu continuei:
- Como é que eu poderei ir para piloto?
O olhar de superioridade com que me contemplou, deixou-me petrificado! Mais do que as próprias palavras, ofendeu-me o ar de desdém com que as pronunciou:
- Sabe, - disse esticando o pescoço esguio – isto de ser piloto não é para toda a gente. Primeiro, é preciso ter habilitações para isso, depois...
Interrompi-o, dizendo-lhe as minhas habilitações literárias, mas ele não me ouviu e continuou:
- Depois são as inspeções, rigorosíssimas, passam dois ou três por cento.
Não me dei por vencido e retorqui:
- Bem, eu posso ficar nos dois ou três por cento!
- Nem pense nisso! - e perante a minha estupefação, concluiu: - A mim basta-me olhar para um tipo para saber se dá ou não para piloto. E você não tem cara disso!
Fiquei completamente esmagado! A minha vontade era desmascará-lo, ali imediatamente, mas consegui controlar-me.
Durante longos minutos permanecemos silenciosos. O mal estar era visível e ele próprio deve ter compreendido que se excedeu. Levantou-se e saiu para o corredor. Levantei-me também e segui-lhe os passos. Encontrei-o junto ao wc, aguardando que este ficasse livre. Era a oportunidade desejada. Toquei-lhe no ombro para que me olhasse.
- Com que então eu não tenho cara de piloto, hem? E você, seu pilantra, tem a lata, o descaramento de se fazer passar por piloto! Lá que você enfiasse as “galgas” que quisesse às meninas, ainda vai que não vai, mas dizer-me a mim, que até sou piloto, que não tenho cara de piloto, é demais!
O rapaz ficou completamente enfiado. Torcia e retorcia o bivaque nas mãos, murmurando desculpas ininteligíveis.
A casa de banho ficou livre e ele fez-me sinal para entrar, o que fiz. Quando saí já não o vi. Tão pouco estava no compartimento. As moças comentavam entre si a saída rápida e inesperada do aviador.
- Mas ele disse que ia para o Porto e, além disso, o comboio não parou em nenhuma estação!
Uma delas dirigiu-se a mim:
- O senhor sabe o que se passou com aquele aviador que ia connosco?
- Não! - respondi - Eu apenas lhe disse que era da polícia aérea e, com tantas infrações, nem o ordenado de um ano lhe chegava para pagar as multas!


Por: Abílio Alves Ferreira