quinta-feira, 26 de maio de 2022

CARLOS SEQUEIRA "MAMBO" RELEMBRA NETO PORTUGAL

O Coronel César Neto Portugal, já fez a última descolagem em Junho de 2020. Grande Aviador e Patriota.
Tive o prazer de voar com ele, numa tarde de Verão, pois como sabeis a minha "casa" foram as Bases por onde passei. Já éramos conhecidos de outras paragens, do Leste de Angola, onde eu residia ao tempo que ele por lá passou como Ten. Pil. Aviador e, onde teve um acidente "feio" em T-6 quando fazia destacamento no AM Cazombo. Numa descolagem para uma missão de ataque ao solo, o T-6 por falha de algo, não foi para o ar e embateu no arame farpado da vedação.
Estava municiado com bombas e plenos feitos. Pegou fogo e, o nosso amigo inanimado jazia lá dentro amarrado aos cintos...
Um civil, de nome Manuel das "Pedras", homem mestiço, dos seus 30 anos, que trabalhava na sua oficina de artífice de pedra de Calunda, com que fazia tabuleiros de xadrez, conjuntos de copos, cinzeiros, etc, eu ainda tenho um deste objectos. Estando no seu alpendre ao fim da tarde, pois a rua de sua casa, era paralela à pista do destacamento, assistia à descolagem da parelha de T-6 e, qual não é o seu espanto vê o triste acontecimento...não sabendo quem estava em tão difícil situação, desata a correr em direcção ao avião que já ardia e, num acto de puro altruísmo, sobe à asa libertando o Ten. Neto Portugal dos cintos e puxando-o para fora do aparelho condenado a um eminente rebentamento do material bélico que transportava...
Nota: neste destacamentos havia apenas extintores de placa. O pessoal do destacamento temia o rebentamento iminente e hesitavam na manobra de salvamento. O Manuel das "Pedras", assim chamado por trabalhar a dita pedra de Calunda, não hesitou e salvou a vida ao intrépido Aviador, correndo o risco de se sublimar na explosão que se deu a seguir...ele era um Amigo de todos os militares que por ali passavam, uma vez que frequentava as instalações e, particularmente do aviador Neto Portugal, que como sabemos cantava fado nas tertúlias das noites mais folgadas.
Também, em Tancos, nos cantava o fado no alojamento de Pilotos. Quando entrava para o serão de fados, dizia: agora sou o César, tudo à vontade...quando acabava a "farra", antes de sair, dizia, a festa acabou, agora sou o Capitão Neto Portugal!
Quando da ida do meu curso para Angola, mandou-me chamar ao seu gabinete, pois ele foi o oficial das académicas do meu curso e como sabia, pois já tínhamos falado várias vezes nisso, que eu iria voluntário para o Leste, embora por qualificação tivesse preferência de escolha e, se quisesse ficava em Luanda, incumbiu-me de levar uma salva de prata gravada com uma estrofes dos Lusíadas para, no primeiro destacamento que fizesse no Cazombo a entregasse ao Manuel das Pedras.
Enquanto os outros companheiros, ficaram em Luanda a fazer a normalização e ambientarem-se à nova realidade, eu fiz a apresentação no dia da chegada de manhã e pedi colocação no AB 4 - AR - Luso e nesse mesmo dia, segui num avião Beechkraft C-45 pilotado pelo Ten. Nav. Renato, que me levou para CASA.
Dois dias depois estava a voar num T-6, com o Amigo Fonseca que ia ao Cazombo levar este para substituir um outro que vinha para inspecção, aí fui entregar a homenagem de gratidão do nosso Amigo, César António Duarte Neto Portugal ao Manuel das "Pedras", pelo seu acto de coragem e amizade pelo rapazes da Aviação. 
Este é um pequeno trecho da minha passagem pela instituição que nos abriu outros horizonte...
Forte abraço, Xará!

quinta-feira, 12 de maio de 2022

RUI JOFRE



Nasceu, a 21 de Junho de 1942, em São Lourenço, Portalegre, onde passou a infância.
BA7 - S. Jacinto
Aos 18 anos ingressou na Força Aérea Portuguesa onde completou o curso elementar de pilotagem, em Aveiro, passou por Sintra e foi colocado na BA3, de Tancos, em Maio de 1962.
Em 1964, foi destacado para Angola, com a patente de Furriel. Em Luanda, na Base Aérea 9 pilotou uns aviões bombardeiros bimotores que, afirmava, "tossiam por todos os lados", os PV-2.
BA9 - Luanda
Também lá tirou o curso de helicópteros e foi um dos pioneiros do Curso de Pára-quedismo Civil, o primeiro curso em território português, em 1965, chegando mesmo a ser o vencedor do 1º. Torneio de pára-quedismo desportivo em Angola.
Durante a guerra, era dos pouco que arriscava voar à noite para evacuar os feridos na mata, o que o fez salvar algumas vidas. Uma vez, vários anos após a guerra, enquanto passeava nas ruas de Lisboa, um homem aproximou-se dele e abraçou-o, mas ao perceber o desconforto o homem disse: então não se lembra de mim? Você salvou-me a vida em Angola.
De volta a Tancos, em 1967 leu num panfleto que a banda filarmónica de Portalegre ia actuar numa festa nas Limeiras e decidiu ir lá matar saudades. Nesse dia em que actuava também a acordeonista de Constância Tina Pereira e ali se conheceram.
Casaram, na Igreja Matriz de Constância, a 27 de Julho de 1968.
Regressou a Angola mas, em 1970, estava em Portugal para o nascimento da primeira filha, Elsa Dias Ferreira. Tendo regressado a Angola, com a família, de seguida.
Luanda, 1971

Em 1974, foi promovido a oficial. Devido a vários actos de coragem foi condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª. Classe pelo General Spí­nola.
No dia em que fazia 32 anos, nasceu, em Tomar, a segunda filha, Sara Dias Ferreira.
Em 1975, fundou o Clube Estrela Verde de Constância, sendo seu dirigente durante 10 anos.
E foi um dos fundadores do esquadrão acrobático de helicópteros, Alouette III, "Rotores de Portugal". Começaram com apenas dois helicópteros, AL III, e em 93/94 passam a ter três.
BA3-Tancos, 1982

Em 1983, na época de verão, ano em que combatia incêndios na Sertã, salvou diversos bombeiros, incluindo o comandante, ao resgatá-los, com o helicóptero do meio das chamas.
Por esse feito recebeu uma alta condecoração, a Medalha de Ouro por Serviços Distintos, pela Liga dos Bombeiros Portugueses.
Em 1984, ao fim de 26 anos de serviço em que desempenhou funções como Comandante de Esquadra, Oficial de Operações de Esquadra e Oficial de Operações de Grupo Operacional, entrou na reserva territorial, mas continuou a pilotar helicópteros no combate a incêndios. Emigrou depois para Angola onde desempenhou funções como Piloto Chefe na Diamang, Director de Instrução da Força Aérea Angolana, Director de Operações de Voo na Acro-norte.
Lobito - 1989, instrutor dos pilotos de helicópteros da FAN

Nos anos 90 integrou um livro da Câmara Municipal de Constância de poetas populares.
Em 1993 entrou na Universidade Internacional de Abrantes para tirar o curso de gestão. Faleceu a 21 Abril de 1999, com 56 anos, num acidente de aviação em S. João da Madeira.
Está enterrado no cemitério de Portalegre, terra que o viu nascer.
(Preito de Elsa Dias Ferreira à memória do seu pai)

quinta-feira, 5 de maio de 2022

FLORIANO HENRIQUES SILVA - UM MURTOSEIRO NA FAP



DT - Chegaste à Força Aérea em 3 de Maio de 1966. Quando aplicaste para o Curso de Amanuenses uma pequena mentira na aplicação ia estragando tudo. Podes falar deste pormenor?

FS - Sim, estava a preencher o formulário inicial para provas físicas e testes de avaliação na BA3 em Tancos e tinha feito amizade com um indivíduo de Barcelos, que me disse que pusesse que tinha experiência de escritório e contabilidade e eu assim fiz. Depressa descobriram que não era verdade, despacharam-me para outro lado. Ali a maioria sabia tudo, alguns escreviam à máquina quase de olhos fechados.
Mas havia a possibilidade de um tempo de aprendizagem na arte de escrever à máquina, fiz por isso. Na parte física não havia problema, agora o resto tinha de conquistar e dediquei-me. Aprendi a escrever à máquina. Nas provas de avaliação quem tivesse menos de 10, passava pelo barbeiro e recebia guia de marcha para o Exército. Não passei por essa vergonha, a minha nota foi 13.5 e o máximo era 15.

Entretanto tirei um curso rápido de "Intendência de Messes" e comecei, na Esquadra de Radar nº.12 em Paços de Ferreira, a ser responsável pelas compras para o abastecimento da Messe.
Transformei aquilo num ‘super hotel’ e ainda houve tempo para jogar no Paços de Ferreira até à altura de um acidente me mandar durante um mês para o Hospital Militar no Porto, após um treino no Estádio das Antas, a pedido de Virgílio Mendes, antigo jogador do Porto e ao tempo meu treinador no Paços.
Depois mudei de ideias e pedi para sair da Esquadra de Radar em Paços de Ferreira. Mandaram-me para a Secretaria de Estado da Aeronáutica em Lisboa, mas aquartelado em Monsanto, fartei-me depressa…
DT - E surgiu-te a ideia de te aventurares a ir para Angola onde passaste a ter outras responsabilidades, não foi?
FS - Pois foi assim mesmo. Ofereci-me para ir para Angola. Cheguei à base do AB4 a 25 de Abril de 1967. Decidi-me pelo AB4 a conselho de alguns companheiros. O AB4 era um Aeródromo pequeno, com muito pouco pessoal, em Henrique de Carvalho, na zona leste nas chamadas terras da Lunda.
Deram-me a possibilidade de amoldar a secção de Tesouraria e Vencimentos, com a responsabilidade de Cantinas, Messes, pagamentos de Subvenções para familiares na Metrópole, descontos para os Serviços Sociais das Forças Armadas e mais uma data de coisas. O serviço era feito antes por dois indivíduos da Polícia Aérea, havia para ali montes de problemas. O chefe daquilo era um Capitão ainda novo formado em economia que me disse: “tu vais separar esses dossiês e organizá-los”. Fiz o que podia e o que sabia, que já nessa altura sabia muito, e assim fiquei à frente da secção de Tesouraria. Depois rebentou a guerrilha na Zona Leste, começaram a aparecer reforços, em pouco tempo já éramos uns seiscentos. No meu serviço de vencimentos e tesouraria entraram mais seis elementos, dois oficiais e quatro sargentos. Os meus chefes, o Capitão Lobo da Fonseca e o Segundo Comandante Aníbal Pinho Freire, fizeram notar que ali não havia postos mas sim a qualidade do trabalho, mas os tipos não queriam responsabilidade, eu estava cansado, era muito trabalho, em certos dias obrigavam-me a dirigir toda a organização de defesa da base e às vezes os paióis, foi assim no 10 de Junho, Natal, Ano Novo e Reis. Mas, a verdade é que aqueles gajos pouco se importavam e iam dormir sempre descansados…


DT - E há um facto curioso, tu fizeste parte de uma equipa que fez a primeira investigação à corrupção na Força Aérea. Podes recordar?
FS - Foi um trabalho exaustivo e eu participei nele com o Coronel João da Cruz Novo, que era o Comandante da Base, o Cap. Lobo da Fonseca e o segundo Comendante Major Aníbal de Pinho Freire, mais tarde General Freire, e que terminou com sete anos de prisão para os tipos que chefiavam as compras para a Cantina e para as Messes. Sinto-me orgulhoso por ter feito parte desta investigação.
Foi na Força Aérea que a minha auto-estima veio ao de cima e aprendi que os sonhos são possíveis se corrermos atrás deles, se nos dedicarmos.
Vim de Angola em 27 de Abril de 1969. Por:Floriano Henriques Silva


Excerto de uma entrevista de David Timóteo, em "Série de histórias de vida de Murtoseiros"