sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

FORÇA AÉREA NOS AÇORES



Situada numa área de relevante importância estratégica que a coloca na mira das atenções de inúmeros países, as Lajes têm actualmente uma missão diversificada e atravessa, neste momento, um período de reorganização. 
Desde Junho de 1941, data em que foram instaladas as primeiras Esquadrilhas de aparelhos Gladiador, da então Aeronáutica Militar, até ao presente, a Base Aérea das Lajes atravessou profundas mudanças estruturais e operacionais que lhe granjearam a fama que tem hoje.

É da evolução histórica da Aeronáutica Militar no Arquipélago dos Açores que vos fala o artigo que apresentamos em seguida.
A França tinha sido prostrada por fulminante invasão e a Inglaterra sozinha, enfrentando o poderio germânico, vencia no céu Britânico a Luftwaffe, conquistando o domínio do ar com a sua heroica aviação de caça, neutralizando a possibilidade da Invasão da Ilha.
Sobre a Península Ibérica palrava a ameaça duma invasão germânica, objectivo estratégico de grande importância para futuras operações no Mediterrâneo e no Atlântico.
É nesta conjuntura que são mobilizadas as forças expedicionárias para os Açores, entre as quais se contam as duas esquadrilhas de caça das bases aéreas da OTA e de Tancos. A chegada e os primeiros voos.
Em meados de Maio de 1941 a Base Aérea n.º 2 na OTA e a base Aérea n.º 3 em Tancos são incumbidas de organizar duas Esquadrilhas de Caça equipadas com aviões Gladiador. Uma destina-se às Lajes na Ilha Terceira e, a outra, a Santana em S. Miguel.
No dia 3 de Junho, as referidas esquadrilhas que tomaram os números 1 e 2, pernoitaram na Secção de Adidos da Graça, sendo transportadas, na manhã do dia 4, para o cais da Rocha do Conde de Óbidos.
1941 - Sub.Secretário de Estado do Exército passando revista ás Esquadrilhas 1 e 2

A Esquadrilha de Caça n.º 1, como se lê na primeira Ordem de Serviçodatada de 14 de Julho, tem a comandá-la o capitão Piloto Aviador Rodrigues Costa e possui como efectivosum Capitão, um Aspirante Médico, 14 Sargentos, do serviço geral, Pilotos e Mecânicos, dezasseis Cabos Pilotos, Radiotelegrafistas, Pilotos, Mecânicos, Enfermeiros e 59 Soldados do serviço geral, rádio e condutores
A Esquadrilha de Caça n.º 2, comandada pelo então Tenente Piloto Aviador Manuel Pinto Machado Barros, é constituída de acordo com a primeira Ordem de Serviço datada de 22 de Junho, por quatro oficiais subalternos sendo um médico, quatorze sargentos e furriéis, pilotos, do serviço geral, mecânicos e mecânicos radio-montadores, dezanove cabos, pilotos, mecânicos, radiotelegrafistas, enfermeiros e de infantaria, 59 soldados na sua totalidade do RI n.º 11, de Setúbal, unidade à qual lhe foi retirada a bandeira por conduta militar repreensível.
A 4 de Junho as duas esquadrilhas embarcam no cargueiro Mirandela, que, também, transportava os aviões Gladiator» que as equipavam, bem como viaturas, munições e combustíveis.
Antes do navio desatracar, o então Sub-Secretário do Exército, capitão Santos Costa, acompanhado pelo Chefe do Estado Maior do Exército, General Taco de Miranda Cabral, pelo Director da Aeronáutica Militar, Brigadeiro Piloto Aviador Ribeiro da Fonseca e Capitão Piloto Aviador Rodrigues Costa, passou revista às Esquadrilhas Expedicionárias.
Seguiu-se o desfile com a presença de grande assistência. O Mirandela que desatracou na tarde do dia 4, foi fundear a meio do Tejo, ficando a aguardar instruções secretas.
O pessoal que mantinha uma excelente disposição fez jus à terceira refeição, servida a bordo, contrariando os projectos do Comandante do navio que contava com os efeitos do enjoo para economizar na verba da alimentação.
Na noite de 4 para 5, depois da visita de um emissário do Ministério da Guerra o Mirandela rumou direito aos Açores.
Na manhã do dia 8, após uma excelente viagem, sem se avistar qualquer barco na imensa superfície do mar, o Mirandela chega a Ponta Delgada, primeiro ponto de escala. Desembarcada a Esquadrilha n.º 1, destinada ao Aeródromo de Rabo de Peixe, o navio permaneceu naquele porto até completar a descarga.
Na noite de 11 para 12, o navio largou para Angra do Heroísmo, onde chegou na manhã do dia 12, tendo fundeado na Baía.
Aguardavam o desembarque da Esquadrilha n. 2, que se fez pelo cais da Alfândega, o Comandante Militar instalada na Ilha Terceira, o Comandante naval e outros oficiais.
Seguidamente a esquadrilha desfilou pelo centro da cidade, dirigindo-se ao RI 17 (Castelo de São João Baptista) onde ficou aquartelada cerca de uma semana.
Os aviões seguiram encaixotados para o Aeroporto das Lajes num camião embarcado em Lisboa, para o efeito.
Seguiu-se o reconhecimento do Aeródromo pelo Comandante da Esquadrilha, Tenente Machado Barros, para avaliar das possibilidades operacionais e instalação do pessoal.
Foi necessário requisitar 4 casas, situadas na área do aeródromo e aguardar que as mesmas fossem entregues com a urgência requerida. A população desalojada dos terrenos onde se instalou a esquadrilha interrogava-se acerca da razão daquela presença.
Há data da chegada da Esquadrilha de Caça n.º 2, já ali se encontrava uma equipa de engenharia militar, comandada pelo Capitão Engenheiro Magro Romão, que tinha quase concluída a faixa paralela ao edifício conhecido por Engenho do Álcool.
Com as casas devolutas, o aproveitamento dos caixotes dos aviões e ainda a utilização do edifício do engenho do álcool, instalou-se a esquadrilha, procedendo-se às mais diversas tarefas de organização, manutenção, defesa imediata e anti-aérea.
As medidas de segurança adoptadas, controlando a entrada de pessoal estranho à unidade, provocou certa reacção de ressentimento nos elementos do exército, privados de observarem e consequentemente comentarem a vida dos aviadoresque o espírito de emulação provocavaEntretanto, organizara-se o Posto de tripulado pelo Comandante da Esquadrilha, que se transfere para o Campo da Achada onde os outros aparelhos depois de montados se lhe juntam.
Até 26 de Agosto, data da conclusão do aeródromo das Lajes, as tripulações e demais pessoal inerente, eram transportados todas as manhãs para a Achada, a fim de fazerem o seu treino operacional.
Junho de 1941 - Voo do primeiro Gladiator tripulado pelo Ten. Machado Barros

A rotina diária consistia no voo de reconhecimento do tempo, em volta da Ilha, no sobrevoo do oceano em direcção às ilhas do grupo central, a grande altitude, na manutenção de uma patrulha de alerta, a qual normalmente recebia ordem para deslocar e realizar exercícios controlados pelo Posto de Comando, reconhecer navios de guerra que se aproximavam da Ilha, ou, ainda, algum comboio marítimo aliado que passava ao largo da Terceira e, por tal facto, dispensavam grande penetração no oceano.
No dia 1 de Agosto, a esquadrilha de caça n.º 2, foi visitada pelo Presidente da República, General António Óscar Carmona, o qual quis felicitar pessoalmente o Tenente Piloto Almeida Cabral pela exibição acrobática que efectuara sobre o navio presidencial, fora das águas territoriais.
No período em que o Brigadeiro Ramires assumiu o Comando Militar dos Açores, a Esquadrilha n.º 2 manteve-se em alerta permanente durante vários meses.
A 13 de Abril é divulgada na Ilha Terceira a nota oficiosa em que o Governo informa da concessão de facilidades à Grã-Bretanha.
Esta nota culminava num longo processo durante o qual os americanos colocaram de parte a «Operação lronbelt» (citando Luciano Mota Veiga) para ocupação militar dos Açores seguindo-se a realização de conversações entre a América e a Inglaterra por um lado e Portugal por outro.
Em fins de Junho, as Forças da Aeronáutica são colocadas na dependência parcial do Comando Geral de Aeronáutica nos Açores, precursor da Zona Aérea e actual Comando Aéreo.
O Coronel Alfredo Sintra foi o primeiro a assumir aquele Comando.
Entretanto, nas Lajes, em 2 de Julho, a Ordem de Serviço n.º 18, já do Grupo de Esquadrilhas Expedicionárias n.º 2 (criado em 15 de Junho anterior), assinada pelo Major Joaquim D’ Almeida Baltazar, indica que «em conformidade com o Quadro Orgânico recebido, se publica a organização desta Unidade que fica assim com:
a) Comando e duas Esquadrilhas de Caça com os números 2 e 4.
b) Que a Esquadrilha de Caça n.º 2 Expedicionária a esta Ilha, passe a fazer parte integrante do Grupo.
c) Que a Esquadrilha de Caça n.º 4 será organizada e incorporada no Grupo oportunamente».
Ainda em Julho, chega às Lajes o primeiro JU52 em missão do que hoje se denomina Transportes Aéreos Militares.

Tinham sido inauguradas as carreiras aéreas para os Açores numa organização inteiramente militar. Em Ponta Delgada quem desejasse utilizá-las dirigia-se ao Comando de Aeronáutica.
Durante este mês, mais precisamente a 19, a Base Aérea n.º 5 deu inicio à preparação do transporte dos aviões Gladiator para o Continente. O pessoal navegante aguardando colocação, executa as suas horas de voo nos aparelhos JU52, da Base Aérea n.º 4. Mais tarde irão ser instruídos na pilotagem dos novos aviões de caça, ingleses, que viriam a equipar a nossa aviação militar.

De Esquadrilhas a Bases Aéreas
Em 4 de Agosto de 1942 e segundo narra o artigo 6.° da Ordem de Serviço do Grupo de Esquadrilhas  n.º 2, por determinação superior, as Forças de Aeronáutica nos Açores constituem as Bases Aéreas números 4 e 5. E do seguinte teor a nota enviada, em Julho, do Comando de Aeronáutica, em Ponta Delgada, para Santana e Lajes:
1942 - Avião Vickers estacionado
 em Santana
«130/Ae 
Para os devidos efeitos se transcreve Nota n.º 3818/M da Repartição do Gabinete do Ministro da Guerra de 13 do corrente mês: CÓPIA – Sua Excelência Sub-Secretário de Estado determina que as Forças de Aeronáutica nos Açores, constituam as Bases Aéreas n.º 4 no Aeródromo de SANTANA em São Miguel n.º no Aeródromo das LAGES na Ilha Terceira.
Mais me encarrega Excelentíssimo Senhor de dizer Vossa Excelência que aos Aeródromos serão fixados os nomes acima indicados».
De acordo com uma determinação do Comando Aéreo datada de 19 de Agosto, a Esquadrilha de Caça n.º 2, passa a depósito da Base Aérea n.º 5, assumindo interinamente o Comando da Unidade o Alferes Artur Tamagnini Barbosa.

Chegada da RAF
Cerca de dois meses depois, a 8 de Outubro, chega à Ilha Terceira o Grupo 247 das Forças Inglesas, comandado pelo Vice-Marechal do Ar Geoffrey Bromet.
Consolidated Liberator B Mk VI da Royal Air Force

Neste período chega também a Santana um Destacamento da Royal  Air Force - RAF - que se destina a apoiar os aviões britânicos e americanos que utilizam o aeródromo.
É, também, por esta altura que a United States Air Force - USAF -inicia a construção do Aeródromo de Santa Maria. Nas Lajes efectuam-se, então, obras de melhoramento.
Em 1 de Agosto de 1946, é nomeada a Comissão Liquidatária da BA n.º 4, a que preside o Major Homem de Figueiredo. Em Santana ficou um único destacamento assegurando o controlo e a assistência aos aviões americanos, britânicos e da Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos - SATA.
Em Santa Maria prepara-se afanosamente a próxima abertura do aeródromo ao tráfego civil. Humberto Delgado é então enviado em missão de inspecção, que efectua em 21 de Setembro.
A 27 do mesmo mês o Destacamento dos EUA que aqui se encontrava estacionado vai juntar-se ao das Lajes de onde saem os restantes elementos do Destacamento inglês de regresso ao seu País. As missões continuam a decorrer com a normalidade usual, desdobrando-se em actividades de busca e salvamento e em voos meteorológicos.
B-24 Liberator da USAF 


A 14 de Julho de 1944, em determinação publicada na Ordem de Serviço n.º 196 da Base Aérea n.º 4 é criada a Esquadrilha n.º 3. Substitui a Esquadrilha de Caça n.º 1 e é equipada com aviões do tipo Mohawk. Os Gladiator regressam definitivamente ao Continente. Em fins de 1945, os britânicos entregam à Base Aérea n.º 4 as instalações e equipamentos que utilizaram até então em Santana.
Com a aproximação do desfecho da II Guerra Mundial e a restituição das Lajes à vista, as atenções concentraram-se sobre a futura utilização do aeródromo o que provocou um forte diferendo entre a Aviação Comercial e a Aviação Militar e de que atestam os jornais regionais da época.
Durante o ano de 1946, a Base Aérea n.º 4 vai reduzindo gradualmente os seus efectivos e até meados do ano os aviões da base regressam ao Continente.
A 30 de Maio é celebrado o Acordo Luso-Americano relativo às facilidades de trânsito para os aviões dos EUA.
No cumprimento do acordo estabelecido com os ingleses, realiza-se no dia 2 de Junho, uma impressionante e emotiva cerimónia de devolução da Base das Lajes à Nação.

Ressurgimento
Mais tarde, a 27 de Junho, é publicada uma Portaria do Ministério da
Guerra, organizando, em novos moldes, a Base Aérea nº 4 que doravante «passará a ter a sua sede no Aeródromo das Lajes». A nova Unidade é destinada essencialmente à fiscalização da Soberania Portuguesa nos céus do Arquipélago.
Pela Ordem de Serviço n.º 1, da Base Aérea n.º 4, nas Lajes, datada de 11 de Julho de 1946 e assinada pelo Tenente Coronel Jorge Metelo de Nápoles Manuel refere-se a chegada de 423 homens, desembarcados no mesmo dia do Vapor Guiné, para a Guarnição da Unidade.
Vinham do Comando Geral da Aeronáutica, e procediam das seguintes unidades:
BA1, BA2, BA3, Escola do Exército, BT, BSCF, SS, DAE, EPE, CDML, BE, Colégio Militar, DM, RC7, CTH, EIAC/1 e 2, DMA, EPI, RI 1, 3, 5, 7, 11, 12, 15 e 16, BC 1, 4, 5, 6 e 9, BI 17 e 18, BM 1, 2 e 3, RE 1 e 2, GCTA, RA, RC2, 4, 5 e 6, EPC, 1., 2. e 3. CS, 1.ºGCS, EIAC 1 e 2, GACA 1, 2 e 3.
Apesar da sua heterogeneidade o grupo soube ultrapassar os obstáculos surgidos e pôs em funcionamento a nova Unidade. Numa festa de homenagem ao Comandante Jorge Metelo, organizada pelas Praças, aquele havia de enaltecer o facto de em tão curto espaço de tempo se ter formado um bloco tão uno e homogéneo.
B-17G

No início de Março de 1947 chegam às Lajes, vindos da América do Norte, os primeiros aparelhos Boeing B-17 «Fortalezas Voadoras» e os Loockeed C-54 «Skymaster» que irão constituir, futuramente, os meios aéreos da unidade. As quatro Fortalezas Voadoras e o Skymaster agrupam-se de imediato na célebre Esquadra de Busca e Salvamento n.º 41 cujo lema «Para que outros vivam» foi mais tarde adoptado pela BA 4.
Autorizados a visitar as obras em curso nas Lajes, os jornalistas que em 14 de Abril ali entraram, relataram mais tarde, com surpresa «o mundo que vieram encontrar», formando uma «pequena cidade com dois mil habitantes ».

Estas obras, na sua primeira fase, empregaram mais de mil trabalhadores locais tendo o Governo despendido nelas a importância de onze mil contos.
Entre as inúmeras estruturas que se encontravam em construção, contava-se a actual Torre de Controlo cuja conclusão se tornava diariamente mais urgente face ao fluxo de tráfego verificado, no qual se incluíam as novas aeronaves e as do «Air Transport Comand» da USAF.
No ano seguinte, em finais de Fevereiro, o Governo Português torna pública uma das notas que constituíram a base do Acordo para a continuação da cedência de facilidades à aviação dos EUA, nas Lajes, em troco de facilidades na aprendizagem e no treino de pessoal e aquisição de material.
Essa nota vinha com data de 2 de Fevereiro de 1948.
De 1948 a Agosto de 1980, mês da chegada dos primeiros aparelhos FIAT G91 que hoje formam a Esquadra de Ataque n.º 303, actividade da «pequena cidade» manteve-se inalterada centrando-se na Instrução, Busca e Salvamento, Patrulhamento Marítimo e Transportes. Contudo, o valor geoestratégico do Arquipélago, e em particular das Lajes, tem levado a que não só a Base tenha sempre operado em conjunto com as Forças dos EUA como, também, a que o Aeródromo seja tema de discussão e simultaneamente palco de grandes acontecimentos, como a passagem de tropas e equipamentos em situações de conflito ou em momentos de crise mundial.
1982 - Pilotos Fiat G91 das Esquadras 301 e 303 - (cima) Tavares, Afonso, Gomes da Silva, Abreu, Príncipe; (baixo) Birrento e Ramalho

Aquando da renovação do contrato para cedência de facilidades ao Governo dos EUA, em 1948, o Governo Português reservava-se o direito de ceder iguais facilidades à Grã-Bretanha. Todavia, em 1971, a situação criada pela utilização das Lajes pelas Forças Americanas, embora sem a renovação do Acordo de 1957, levou a que o Governo Português, ressentido pela posição assumida pelos EUA face à guerra que travava nos territórios ultramarinos colocasse a questão nos seguintes termos: ou o Acordo é renovado ou a Base das Lajes será entregue à OTAN para utilização restrita do serviço da Aliança e nada mais. A intransigência portuguesa nesta matéria levou à assinatura de um novo acordo com os EUA ainda no decurso desse ano.
Presentemente, conforme editorial dum jornal diário lisboeta em 31 de Março de 1981, o Governo Português não se mostra contrário a ampliar a concessão de facilidades militares, mas não poderá, evidentemente, fazê-lo sem condições, uma vez que Portugal não está interessado em transformar-se num porta-aviões americano no Atlântico. Essas condições supõem um novo Acordo que terá de manter ou reforçar as formas de fiscalização do Governo Português sobre a Base e deverá ser concebido de modo que não interfira com as relações de Portugal com outros países, acautelando-se, ao mesmo tempo, os interesses específicos da Região Autónoma dos Açores.

Fonte: Revista Ecos do Atlântico (1981)- Força Aérea Portuguesa  

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

"CILINHA DO MOVIMENTO NACIONAL DE SAIAS"

Aldeia Formosa


Durante o tempo em que decorreu a guerra colonial criou-se e organizou-se no continente (dizia-se Metrópole) uma liga de solidariedade para com as tropas combatentes nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique).
Este movimento era constituído exclusivamente por senhoras da nata da mais ilustre sociedade portuguesa, e tinha como objectivo transmitir à soldadada uma mensagem de esperança, de carinho, de ânimo, de coragem, como que de acompanhamento maternal, quer através da disponibilização de meios gratuitos de correspondência (os famosos aerogramas, alcunhados de "bate-estradas"), quer através de ofertas que iam desde cigarros a livros, revistas, discos, chocolates e outras pequenas lembranças, e até mesmo pela presença das suas dirigentes no terreno, sobretudo nas épocas festivas do Natal, Páscoa e Fim de Ano.

Chamava-se a isto o Movimento Nacional Feminino, que era presidido pela elegante e atraente esposa do doutor Luís Supico Pinto, que fora um dos ministros dos Negócios Estrangeiros do governo de Salazar, Excelentíssima Senhora Dona Cecília Supico Pinto.

Na gíria militar era conhecida por "a Cilinha do Movimento Nacional de Saias".

Estávamos em Dezembro de 1971, num povoado perdido no sul da Guiné, chamado Aldeia Formosa (para os autóctones o lugar tinha, e ainda hoje tem, o nome de Quebo), onde estava estabelecida a sede de um batalhão de caçadores apoiado por duas unidades de artilharia anti-aérea (uma das quais da responsabilidade do humilde autor destas notas) e por uma companhia de comandos nativos. Tinha esta tropa a missão de controlar a zona em defesa das populações e de, simultaneamente, patrulhar e emboscar na fronteira em dois importantes e perigosos canais de infiltração da guerrilha, conhecidos por Carreiro de Uane e Corredor de Guilége, onde quase todas as noites acontecia tiroteio do bom.

Comandava o batalhão o saudoso tenente-coronel Barros Basto, homem dos seus cento e trinta quilos bem pesados, mestre no bridge e de alcunha "o Baga-Baga", que lhe tinha sido atribuída não apenas por causa das iniciais B.B. mas sobretudo pela sua compleição física, que fazia lembrar aqueles morros enormes construídos em terra barrenta pelas térmitas salalé, a que os nativos chamam precisamente "baga-bagas".

Um belo dia todos os graduados fomos chamados à tabanca que servia de sala de operações e gabinete do comandante, para uma reunião com o Baga-Baga.

Queria o senhor dar-nos conta de que, através de uma mensagem recém recebida de Bissau, havia sido informado que brevemente Aldeia Formosa iria ser visitada por senhoras do Movimento Nacional Feminino, pelo que nos encarregava de instruir devidamente a magalada quanto à sua apresentação, correcção e delicadeza no trato durante a estadia das ilustres visitantes. Não queria, no entanto, que mercê da situação anormal que se iria viver com a presença das senhoras, fossem de alguma forma descurados os procedimentos de segurança tanto do aquartelamento como das pessoas, pelo que tudo deveria decorrer dentro da mais perfeita e rotineira normalidade.

Chegado o dia da visita é activado o dispositivo habitual de segurança à aterragem do avião. Do forno azul que é o céu do meio dia na Guiné logo se ouve o ronco do motor da DO (avião Dornier 27) que se atira sobre a pista, segue desabrida aos solavancos até parar com um grito angustiado das molas do trem de aterragem, depois volta o focinho para a zona de estacionamento e imobiliza-se, expelindo o último lamento.

Portas que se abrem e o alferes piloto que ajuda duas damas a descerem. São elas a Senhora Dona Maria Helena Monteiro de Barros Spínola acompanhada pela sorridente Cilinha, ambas carregadas de sacos contendo maços de cigarros, revistas e as lembranças habituais para distribuição.


Em impecável continência o Baga-Baga acolhe e cumprimenta as senhoras, e lá segue a comitiva, a pé, para o "cavalo de frisa", que é uma espécie de cavalete ou de cancela de madeira, tudo enrolado com arame farpado, fazendo as vezes de porta de armas do improvisado quartel.

Pelo caminho (uns 60 ou 80 metros), a presidente do Movimento Nacional de Saias dirige-se a um operacional que, em calções e tronco nu, sentado num pedregulho mal amanhado, limpa e oleia a sua G3 meio desmontada. O rapaz levanta-se, perfila-se e cumprimenta respeitosamente a senhora, dando-se origem ao seguinte diálogo:

"- Olá. Bom dia, meu jovem."
"- Bom dia, minha senhora."
"- Então pode-se saber o que é que estás a fazer?"
"- Estou a limpar a arma, minha senhora."
"- Ah. Muito bem. E olha lá, tu sabes trabalhar bem com isso?"
"- Estava bem fodido, minha senhora, se não soubesse."

Perante este desfecho de conversa, Baga-baga pune imediatamente o militar com quinze dias de prisão por indisciplina e incorrecção com as pessoas da esposa do Governador e da presidente do M.N.F..

Posteriormente o comandante-chefe, general António de Spínola, manda agravar a pena em um mês de prisão com apresentação do preso no quartel general, em Bissau, às ordens do comando militar.

Soube-se mais tarde em Aldeia Formosa que ao rapaz teria sido dada baixa ao Hospital Militar HM241 e evacuado para Lisboa para o Hospital Militar Principal da Estrela pela neuro-psiquiatria.

Não foi mau. Para aquele, pelo menos, a guerra tinha acabado bem. Outros tiveram menos sorte...

Por: José Reis do seu amigo Baptista

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

MUNHANGO, ANGOLA, 1969


Na altura estava colocado no Luso, província do Moxico, mas resolvi passar uns dias de férias com o meu bom amigo Luis Ferraz (à direita) para o rever e conhecer melhor uma zona de guerra "a sério". Ideias loucas de juventude.
Lá encontrei também outro Alferes Miliciano (à esquerda), o Fernando Ferreira, que como oficial de engenharia andava às voltas com algumas obras no local. Outro bom amigo, gente do melhor.
Para servir de fundo à fotografia nada melhor que a "pista" improvisada onde aterravam os aviões da Força Aérea sempre que era necessário fazer abastecimentos ou evacuações. Uma pista no meio do mato onde aterrava um avião de longe a longe mas para nós era um aeroporto de luxo.
Na altura nem nos meus sonhos mais delirantes me ocorrera que um ano e picos depois estaria a começar uma longa carreira na aviação comercial. Dizem que é o Destino.
Saudades do Luis Ferraz, um dos melhores amigos que tive na vida.

Por: Comt. José Correia Guedes

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

HISTORIETAS DA N'RIQUINHA


...sem lamechices, lá onde até o silencio murmurava...e pequenos tornados de poeira corriam ao longo da pista....

A pista era a Avenida da FAP para nós. Ali nasciam ou morriam as esperanças. Mais do que alimento esperávamos pelo «São Nord»...de oito em oito dias à segunda feira, pelo correio. Pela carta ou aerograma, da namorada, da mãe, da mulher, da madrinha de guerra.
Um dia veio um Dakota e trouxe-nos combustível de avião. Vinha em bidons de 200 litros selados e uns funis grandes com filtros. Nunca tal tinha acontecido. Passados uns dias vieram dois T6. Atestaram, creio que vinham de Henrique Carvalho, vinham armados, (ninhos de metralhadoras e de roquetes) soubemos depois que a missão era bombardear umas ilhas no Rio Cuando, o inimigo estava próximo e não sabíamos. Ficaram connosco nessa noite e saíram na manhã seguinte.
Por essa época era comandante de Noratlas o tenente piloto aviador Manuel Alvarenga de Sousa Santos, que mais tarde no pós 25 de Abril, já Brigadeiro, foi chefe de Estado Maior da Força Aérea, (desentendeu-se com Paulo Portas e demitiu-se), na mesma tripulação vinha também o primeiro sargento piloto Vieira da Silva que mais tarde chegou a comandante nos TAP e dirigente sindical dos pilotos de linha aérea, era primo de um furriel da nossa companhia, o Carlos Alberto Machado Vieira da Silva, (aquele que jogava hóquei em patins pelo Algés e Dafundo e chegou a ser internacional Júnior) e fazia-nos um jeitão quando era ele que vinha, trazia para o primo e para nós, marisco gelado comprado no dia antes em Luanda. Áh...numa das outras tripulações dos Nords, havia um rapaz meu conhecido, embora mais velho, era tenente navegador, de Olhão, o Mácara, eram dois irmãos gémeos, haviam estudado no Liceu de Faro (daí o eu conhecê-los) ambos serviam na Força Aérea mas o outro era piloto e segundo me lembro na mesma altura servia em Moçambique.
Isto durante 66 e principio de 67, a C. CAÇ. 1521 emanada dos Açores, mais propriamente de Ponta Delgada, do BII18, o pessoal era praticamente de todas as ilhas, excepto sargentos, oficiais e pessoal de transmissões que eram continentais. Nunca cheguei a compreender o porquê, porque quando fiz o CSM (curso de sargentos milicianos) em Mafra haviam muitos rapazes açorianos como instruendos, uma injustiça que talvez tivesse uma justificação....mas injustiças haviam muitas nas forças armadas. Se tiver paciência, um dia conto uma de um grande amigo meu de Faro claro, o Ludgero Gema Ramos, era para ser alferes, só lhe faltava uma cadeira do terceiro ciclo, (sétimo ano) chumbou o CSM e acabou como cabo enfermeiro em Luanda.

Por Diogo Sousa da C.CAÇ 1521 do BII 18

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

QUANDO O HE-111 ALEMÃO ATERROU EM CASTELO BRANCO, EM 1938


A aterragem de um avião alemão, de marca Heinkel HE-111, que lutava como aliado do General Franco na Guerra Civil Espanhola, na zona de Castelo Branco, provocou estupefacção geral na população local essencialmente rural e com um grau de isolamento que não permitia conhecimento nem contacto com máquinas voadoras.
Fotos raras ilustram a aterragem em Feiteira, Castelo Branco, um acontecimento que na época equivaleria ao avistamento de um Ovni nos dias de hoje.
De acordo com o historiador espanhol Manuel González Álvarez, o aparelho fez parte do primeiro lote a chegar a Espanha, tendo pertencido à Legião Condor e mais concretamente à VB/88, de acordo com a Enciclopédia de La Aviacion Militar Española.


Existe um modelo em miniatura do mesmo avião, à qual foi acrescentada a inscrição “Castelo Branco” na fuselagem. Este avião tinha a insígnia “PEDRO 4”, e na retaguarda a fuselagem tinha uma pintura de cabelo de mulher a andar com o cão e uma garrafa de champanhe no zero no número 2504. A palavra “Castelo Branco” foi pintada no avião provavelmente pelo piloto com a ajuda da população aquando da aterragem naquela zona, como forma de agradecimento. o nome “Castelo Branco” e a numeração táctica do avião também é a mesma do avião que aterrou no distrito português.

Victor Gil em Beirões do Facebook

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

ANGOLA, O ADEUS PORTUGUÊS

O alto-comissário português Leonel Cardoso


Declaração da Independência de Angola no Palácio do Governo, em 10/11/1975.
“Das areias de Portugal, anunciadas pelo gajeiro, ninguém presente, além dos presentes. Quão poucos! Não davam para encher dois navios de passageiros.
Foram entretanto chegando o Brigadeiro Telo, o Capitão de Mar e Guerra Gabor Patkoczi, mais alguns oficiais. E muitos jornalistas da televisão, rádio e imprensa, angolanos, portugueses e estrangeiros, convocados para ouvirem a declaração da independência de Angola.


O Alto-Comissário tinha o discurso preparado.
E proferiu-o, com inicio às 12 horas e 10 minutos, no imponente salão nobre do Palácio do Governo, rodeado de todos os seus colaboradores mais directos e de alguns membros do Governo de Transição tendo como única audiência os jornalistas ai presentes.
Após breves palavras de abertura dirigidas a Angolanos e Portugueses concentrou-se nos órgãos da comunicação social: "Dirijo-me também, por vosso intermédio, ao resto do mundo para que tome conhecimento da forma pela qual Portugal se viu na necessidade de proceder à concretização do importantíssimo acto que hoje se realiza.
Lamento sinceramente não me ser possível tomar parte em qualquer cerimónia comemorativa da hora maior na vida do Povo Angolano, dado que, fazê-lo, nas actuais circunstâncias, equivaleria da parte de Portugal a uma ingerência no sagrado direito que assiste àquele Povo de decidir o seu próprio destino."
E mais à frente. "A única recriminação que (Portugal) poderá aceitar é a ter dado provas de extrema ingenuidade política quando concordou com certas cláusulas do Acordo do Alvor. Daí em diante os acontecimentos foram progressivamente fugindo ao seu controlo, à medida que o conflito se internacionalizava e melhorava rapidamente a qualidade e aumentava a quantidade do material de guerra que entrou em Angola por todos os meios.
As cúpulas dos três Movimentos, reunidos em Nakuru, há pouco mais de quatro meses - desta vez sem a presença de Portugal - fizeram uma honesta autocrítica em que unanimemente se consideravam os únicos responsáveis pelos insucessos na execução do que acordaram no Alvor. Mas foram demasiado austeros para consigo próprios pois as culpas cabem menos aos Movimentos do que às potências que colocam nas suas mãos armas mortíferas com que o povo angolano se destrói".
Seguidamente proclamou a independência de Angola, nos seguintes termos: "Portugal nunca pôs, nem poderia pôr em causa a data histórica de 11 de Novembro, fixada para a independência de Angola, que não lhe compete outorgar, mas simplesmente declarar. Nestes termos, em nome do Presidente da República Portuguesa, proclamo solenemente - com efeito a partir das 0:00 horas do dia 11 de Novembro de 1975 - a independência de Angola e a sua plena soberania, radicada no Povo Angolano, a quem pertence decidir as formas do seu exercício."
Acrescentou ainda: "E assim, Portugal entrega Angola aos angolanos depois de quase 500 anos de presença, durante os quais se foram cimentando amizades e caldeando culturas, com ingredientes que nada poderá destruir. Os homens desapareceram mas a sua obra fica. Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem ter que se envergonhar. Deixa um país que está na vanguarda dos estados africanos; deixa um país de que se orgulha e de que os angolanos podem orgulhar-se".
E a concluir, depois de exprimir os mais profundos e melhores votos pelo fim da luta fratricida, também pela paz, felicidade e justiça social do povo angolano e ainda pela perenidade de laços fraternos e de respeito mútuo entre os dois povos, declarou: "São estes os votos muito sinceros do último representante da soberania Portuguesa em Angola que, hoje, à meia noite, partirá sem celebrações, mas de cara levantada.

"VIVA PORTUGAL ! VIVA ANGOLA INDEPENDENTE ! "

Seguiu-se uma refeição privada, a última, na sala de jantar da residência, finda a qual houve a comovente despedida de todos os empregados ali em serviço, destacando-se o profissional competente e dedicado, de seu nome Gaspar. 
Nos jardins traseiros do Palácio havia-se concentrado um destacamento do Agrupamento Blindado do Major Moreira Dias que, ao princípio da tarde, escoltava o Alto-Comissário e todos os seus colaboradores até ao largo adjacente à entrada da Fortaleza de S. Miguel, onde se encontrava hasteada a última bandeira portuguesa.

A cerimónia do arriar da bandeira foi feita com todas as honras por uma força conjunta de Fuzileiros, Cavaleiros e Pára-quedistas, na presença do Almirante Leonel Cardoso, que tinha a seu lado o General Heitor Almendra, o Brigadeiro Telo, o Capitão de Mar e Guerra Gabor Patowski, o Coronel Pil. Av. Ferreira de Almeida, eu e o Tenente-Coronel "pára-quedista" Ramos Gonçalves.
Arriada a bandeira, às 15h30, por um marinheiro enquadrado por dois cabos, um de cavalaria e outro pára-quedista, foi de seguida depositada nas mãos do Almirante Leonel Cardoso, que a passou ao ajudante de campo.
Seguiu-se um cortejo automóvel até à Base Naval situada na ilha de Luanda. Dali saímos, às 16h15, em lanchas da Armada até ao "Niassa", onde embarcámos. A bordo, também, o Batalhão de "paras" do Ten-Cor. Ramos Gonçalves.
No "Uíge" embarcava o Agrupamento Blindado do Major Moreira Dias e a pequena Força de fuzileiros constituída pela Companhia do 1.° Tenente Mateus e pelo Destacamento do 1.° Tenente Correia Graça.

Jantámos a bordo, ouvindo o som cavo dos motores dos navios e paquetes ancorados na baía de Luanda.
Poucos minutos antes da meia noite foram levantadas as âncoras, pondo-se o conjunto dos navios em movimento para a saída da baía e, depois, rumo ao norte.
E na serenidade da noite escura angolana, quente, acolhedora, como se fora um filme, o espectáculo de luz e som que, à meia noite em ponto, irrompeu subitamente na cidade de Luanda, traduzido em miríades de rajadas de balas tracejantes, à míngua de fogo de artifício, enquanto um pouco mais a norte, junto à foz do rio Bengo, na região de Quifangondo, a escuridão era rasgada por autênticas "mangueiradas" de fogo trocadas entre a organização defensiva do MPLA apoiada por cubanos e a coluna da FNLA, integrando mercenários e soldados zairenses, que procurava, sem sucesso, chegar à capital angolana no dia da independência.”

Almirante Leonel Cardoso