quinta-feira, 18 de maio de 2023

LESTE DE ANGOLA 1968



Para os que ainda pensam que a guerra em Angola "era a brincar", aqui fica um exemplo bem ilustrativo: um Unimog (veículo de transporte das nossas tropas) crivado de balas durante uma emboscada algures na ZML, Zona Militar Leste.
Não perguntem pela sorte do soldado condutor e dos outros que o acompanhavam.

A fotografia traz outras memórias. Já não me lembro do nome do camarada (era assim, no Exército) da esquerda, mas os outros marcaram a minha vida.
O Luis Ferraz (debaixo do meu cotovelo direito), era meu amigo de infância e foi o baterista dos Kondes, a banda que ambos formámos em Vila do Conde. Estivemos juntos em outros grupos musicais, mas este acabaria por revelar-se o mais importante de todos. Foi um dos meus melhores amigos durante mais de 50 anos.
O Zé Peixoto (de óculos Ray Ban) era o comandante da Polícia Militar e meu companheiro de quarto no Luso. Na altura, nem nos nossos mais delirantes sonhos conseguiríamos imaginar que quatro anos mais tarde seríamos novamente companheiros de quarto, só que dessa vez em Vero Beach, Florida, enquanto ambos frequentávamos o curso de pilotos da TAP. Já levamos mais de 50 anos de fortíssima amizade.
Olhando para a fotografia apetece perguntar: afinal somos nós que escolhemos a vida ou é a vida que nos escolhe a nós?

Por: Comt. José Correia Guedes

quinta-feira, 4 de maio de 2023

FIAT G.91


O Fiat G.91 foi um avião de ataque leve (LWSF-Light Weight Strike Fighter) projetado e construído pela Fiat Aviazione (mais tarde, Aeritalia), em resposta à especificação NBMR-1 da NATO emitida no inicio da década de 1950. Embora se tenham frustrado as elevadas espectativas iniciais de produção, seriam construidos 756 Fiat G.91 durante um periodo de 19 anos, incluindo 2 protótipos e 27 aeronaves de pré-produção. As linhas de montagem foram encerradas em 1977, mas antes disso a Fiat produziu para a Força aérea Italiana uma versão avançada da aeronave, o Fiat G.91Y.
O Fiat G.91 entrou em operação na Força Aérea Italiana em 1961 e da Luftwaffe da Alemanha Ocidental no ano seguinte. Na década de 1960 a Força Aérea Portuguesa, adquiriu à Luftwaffe 40 Fiat G.91 que utilizou extensivamente durante a Guerra Colonial Portuguesa em África até 1974. O Fiat G.91 desfrutou de uma longa vida em operação que se estendeu ao longo de 35 anos, até 1995 quando as ultimas unidades foram retiradas de operação em Itália.


DADOS TÉCNICOS
Ano: 1958
Pais de Origem: Itália
Função: Caça de ataque ligeiro
Variante: G.91R/4
Tripulação: 1
Motor: 1 x Bristol Siddeley Orpheus
Peso (kg)
Vazio 3100
Máximo 5440
Dimensões (m)
Comprimento 10,30
Envergadura 8,56
Altura 4,00
Performance (km/h; m; km)
Velocidade: 1075
Teto Máximo: 13100
Raio de ação: 1150
Armamento:
4 x metralhadoras Colt Browning M2 de 12,7 mm (2 x canhões DEFA 552 de 30 mm nas versões R/3 e Y);
Até 680 Kg (1860 na versão G.91Y) de armamento em quatro suportes sob as asas para combinações de:
2 x Mísseis ar-ar AIM-9 B Sidewinder;
2 x Casulos de foguetes Matra 155, cada um com 19 foguetes de 68mm SNEB;
Bombas de uso geral de 45, 114, 227 ou 340Kg;
Bombas de fragmentação de 200 Kg;
Bombas Mk 82 Snakeye;
Bombas Mk 20 Rockeye;
Bombas de Napalm Modelo 65 de 60 litros;
Depósitos de combustível extra de 300 litros
Países operadores: Itália, Alemanha (RFA) e Portugal


HISTÓRIA
Quando a NATO foi criada em 1953, foi decidido desenvolver estudos para determinar que tipo de armamentos deveria ser adquirido pela aliança militar. Numa tentativa de obter um padrão nos equipamentos e suas capacidades a NATO anunciou em 1954 um concurso para equipar os países membros com um caça ligeiro de ataque (LWSF- Light Weight Strike Fighter) para missões de apoio tático, com as seguintes características:
Capaz de atacar veículos blindados, concentração de tropas, instalações petrolíferas e ou industriais e alvos de oportunidade em movimento;
Capaz de missões de interdição, nomeadamente comboios, barcaças ou outros transportes similares de tropas;
Capaz de operar a partir de auto-estradas, pistas não preparadas ou rudimentares e com uma corrida à descolagem para ultrapassar um obstáculo de 15 metros de altura, não superior a 1 100 metros;
Capaz de sustentar a velocidade de mach 0.95 durante pelo menos 30% da missão, um raio de ação de 280 Km e permanecer na área do alvo durante 8 a 10 minutos;
Boa manobrabilidade e alta taxa de rolamento ventral;
Dispor de proteção blindada contra fragmentos de explosões e fogo de armas ligeiras, para o piloto e tanques de combustível;
Armado com quatro metralhadoras ou dois canhões, assim configurados: 4x12.7mm ou 2x20mm ou 2x30mm, com provisão para 300, 200 e 120 tiros respetivamente;
Capaz de transportar armamento externo em pelo menos uma estação debaixo de cada asa, com capacidade de até 230Kg;
Peso vazio de 2000Kg e máximo à descolagem de 4700Kg ou superior;
Equipado internamente com pelo menos: rádio na banda UHF, identificador IFF e sistema de navegação tático TACAN.
O avião deveria ser pequeno, simples e de baixo custo, para poder ser construído em grande número, e ser motorizado pelo pequeno turbojato britânico Bristol Siddeley Orpheus.
Breguet 1100 Taon
Entre os concorrentes, o Dassault Etendard IV, o Breguet 1100 Taon e o Fiat G.91, foram pré-selecionados, tendo as empresas sido contratadas para a produção de três protótipos cada. Antes de ter sido tomada qualquer, a Fiat decidiu iniciar um programa intenso de desenvolvimento da aeronave, tendo em vista a possibilidade da sua comercialização. Uma decisão que colocou o desenvolvimento do avião da Fiat muito à frente dos outros. Consequentemente, dos três concorrentes, o primeiro protótipo a voar foi o do Fiat G.91durante o mês de Agosto de 1956, em Turim, motorizado por um turbojato Orpheus 801 de 18 kN de empuxo.
Apesar de estar à frente dos seus concorrente o programa de desenvolvimento sofreu em revés em fevereiro de 1957 quando, durante um voo, uma vibração excessiva da fuselagem provocou um acidente com a perda total da aeronave, embora o piloto tenha conseguido ejetar-se em segurança.
Alguns meses depois , em julho o segundo protótipo modificado com um estabilizador vertical de menores dimensões, a canópia mais elevada, uma barbatana ventral e um trem de aterragem revisto voou pela primeira vez. Era alimentado por um motor Orpheus 803 com 21,6 kN de empuxo e ao contrario do primeiro dispunha já de armamento, composto por quatro metralhadoras Browning, duas de cada lado da tomada de ar do motor por baixo do nariz.
Fiat G.91 (Primeiro protótipo)
Neste mesmo mês de Julho de 1957 e estando a demonstração dos protótipos marcada apenas para Outubro de 1957, o adiantado desenvolvimento do Fiat G.91, face aos outros concorrentes, teve consequência, que, ainda antes de uma decisão final ser tomada, a NATO encomendasse 27 exemplares de pré-produção da aeronave. O terceiro protótipo foi a primeiras das 27 aeronaves de pré-produção, sendo enviado para França onde iriam decorrer os testes de avaliação das aeronaves do concurso LWSF.
Em janeiro de 1958 o Fiat G.91 foi declarado o vencedor do concurso, tendo também sido manifestada a intenção de adquirir o Breguet Taon-1100, que nunca viria a acontecer. Na realidade nenhum dos concorrentes franceses entraria em produção embora o Mystere XXVI desse, indiretamente, origem, ao caça naval Dassault Etendard IV e o Breguet Taon, ainda de forma indireta contribuísse para o desenvolvimento do caça de ataque anglo-francês SEPECAT Jaguar. Aliás, também na fase inicial do concurso a Northrop havia apresentado um projeto, o N-156, a concurso, que não passaria à fase final mas que posteriormente daria origem ao famoso caça ligeiro Northrop F-5 Tiger.
O Fiat G.91 era muito mais pesado que o especificado, mas as restantes performances respondiam às exigências, tendo durante a competição demonstrado ser superior aos restantes concorrentes. No entanto para os franceses a vitória da aeronave italiana foi particularmente irritante, os italianos iriam fabricar o avião e os britânicos o motor, a França ficaria de fora. Consequentemente iria retirar todas as suas intenções de compra da nova aeronave e prosseguir autonomamente o desenvolvimento das suas próprias aeronaves.
North American F-86K
construido pela Fiat
Parte do sucesso do G.91 prendeu-se com o facto de tanto em estrutura como em termos de aerodinâmica ele ser parecido com o caça North American F-86, do qual a Fiat construíra 346 unidades d a versão F-86K . A experiencia adquirida pela Fiat na construção dessas aeronaves explica grandemente o rápido desenvolvimento do Fiat G.91 e a sua semelhança com o F-86 Sabre.
A Fiat, esperando um elevado número de encomendas, assegurara uma elevada capacidade de produção mesmo antes de ter assegurado a vitória no concurso, numa decisão extremamente arriscada devido aos pesados investimentos que realizou nas linhas de produção.
A rápida resposta as encomendas iniciais estava por isso garantida. A Itália colocou uma encomenda para 50 exemplares e a Luftwaffe alemã encomendou 294 aparelhos na versão G.91R/3, armados com canhões de 30mm e não de 20mm. A França e a Áustria colocaram também encomendas, a Grécia e Turquia mostraram interesse em adquirir a aeronave com as intenções de compra a ultrapassarem na fase inicial as 500 unidades
A frustração das expectativas iniciais começou quase logo a seguir à vitória no concurso quando os franceses retiraram a encomenda, a que se lhes seguiram os austríacos, com problemas com a Itália. A Grécia e a Turquia nunca formalizariam as encomendas por pressão da indústria Americana. Apenas a Itália e a Alemanha mantiveram as encomendas.
Fiat G.91R/3, armado com lança
foguetes Matra 116M,

e bombas de 250lb de queda livre
Os primeiros G.91 entregues à Aeronautica Militare Italiana (Força aérea italiana) em 1958, foram as 27 aeronaves de pré-produção, que na realidade nunca foram totalmente operacionais, apesar de 16 deles terem sido modificados para se tornarem o suporte da equipa de demonstração acrobática "Frecce Tricolori", da Aeronautica Militare Italiana. A modificação, incluiu a instalação de geradores de fumo e a substituição das armas por lastro. As aeronaves modificadas foram designadas por G.91PAN e substituíram os anteriores Aermacchi MB.339, mantendo-se como suporte da "Frecce Tricolori" até 1982.
Quatro aeronaves de pré-produção foram modificadas para a subvariante inicial G.91R/1 para avaliação tornando-se a base para as primeiras 22 unidades verdadeiramente operacionais entregues à Aeronautica Militare, onde foram substituir os Canadair F-86 Sabre e Republic F-84 Thunderjet.

Descrevendo o Fiat G.91
O G.91R/1 que constituiu a base da família G.91R fora criado por uma equipa da Fiat liderada por Giuseppe Gabrielli, que claramente se inspirara nos North American F-86K Sabre, construídos sob licença, em Itália pela Fiat, embora de dimensões mais reduzidas e um peso vazio correspondente a 65% do do Sabre. Fora projetada obedecendo a critérios de baixo peso, baixo custo, simplicidade e agilidade, para missões de ataque tático. Por isso uma função-chave da aeronave era a sua capacidade de operar a partir de pistas curtas semi-preparadas, aliada a uma estrutura robusta que lhe permitia operar intensivamente sem grandes exigências de manutenção, e resistir a danos a que estaria sujeita em operações de apoio próximo de baixo nível.
Fiar G.91R/3 com quatro bombas de 250 lb
A fuselagem, totalmente metálica, tinha uma estrutura semi-monocoque, fabricada em três secções. Na secção da frente, a primeira a ser construída, eram instalados os equipamentos de navegação e comunicação, entre outros, um rádio bússola (*) (ADF-Automatic Direction Finder), um transponder, um rádio UHF (Ultra High Frequency) e um identificador IFF (Identification Friend or Foe), e no nariz eram instaladas três camaras fotográficas Vinten F-95, uma apontada para a frente e uma para cada um dos lados. O cockpit era posicionado diretamente acima do ducto de admissão de ar para o motor, rodeado por blindagem em aço para proteção do piloto, que se sentava num assento ejetor Martin-Baker Mk.4. O vidro para-brisa era também blindado e o cockpit era pressurizada e climatizado.
A secção da frente era, depois de concluída, era rebitada à secção central da fuselagem, que por baixo e para trás do cockpit continha a baía de armas e sete tanques de combustível protegidos por blindagem metálica. A baía de armas, facilmente acessível do exterior através de painéis amovíveis, podia acomodar até quatro metralhadoras M2 Browning de 12,7 milímetros com 300 munições por arma ou alternativamente dois canhões DEFA de 30 milímetros com 120 munições cada.
Dois Fiat G.91R/3 da FA Portuguesa
A secção traseira da fuselagem, acomodava um motor turbo jato Bristol Siddeley Orpheus 803 que produzia 22.2 kN de empuxo, e uma empenagem de aspeto convencional com as superfícies de controlo acionadas eletricamente e com um sistema de sensação artificial que transmitia artificialmente aos controlos do piloto a sensação das forças aerodinâmicas que em cada momento eram exercidas sobre as superfícies. A base do leme acomodava um paraquedas que podia ser utilizado quando a aterragem exigisse uma rápida desaceleração.
As asas enflechadas num angulo de 37 graus tinham uma estrutura metálica suportada por duas longarinas e um revestimento composto por painéis que podiam ser facilmente desmontados para transporte ou substituição. A carga bélica era transportada em quatro suportes externos sob as asas (inicialmente apenas dois) que suportavam também tanques de combustível externos, suportando até 680 quilos de munições entre bombas de queda, casulos de foguetes ou misseis.
Como o G.91 se destinava a operar a partir de pistas improvisadas a Fiat desenvolveu conjuntos de equipamentos de suporte de terra facilmente transportáveis, que permitiam reabastecer, inspecionar, manter e reparar a aeronave.

Versões produzidas para a Aeronautica Militare Italiana
Ao primeiro lote de 23 G.91R/1 (apelidado por “Gina” ou menos frequentemente por “Romeu”) fornecido à Aeronautica Militare Italiana em agosto de 1958 seguiu-se um segundo lote de 25 aeronaves G.91R/1A com os aviónicos padrão do R/3 (versão construída para a Republica Federal Alemã) e outro lote de 50 G.91R/1B com reforço estrutural, melhores travões aerodinâmicos e trem de aterragem com pneus sem câmara de ar. No final de 1965 a Aeronautica Militare Italiana dispunha de dois esquadrões de Fiat G.91R destinados ao apoio aéreo tático, e reconhecimento e um terceiro ao ataque marítimo.
Fiat G.91/T3 da FA Portuguesa
Paralelemente ao G.91R a Fiat desenvolveu também uma versão de instrução de dois lugares, cujo protótipo realizou o primeiro voo em maio de 1960. Tinha uma fuselagem mais longa em cerca de 136 centímetros para obter espaço para um segundo cockpit numa posição ligeiramente mais elevada para permitir uma boa visão ao segundo tripulante. Cada cockpit tinha a sua própria canópia de bolha com abertura à retaguarda e para pupar no peso, o armamento foi reduzido para apenas duas metralhadoras Browning de 12,7 milímetros. Durante década de 1960 a Aeronautica Militare Italiana adquiriu um lote de 101 G.91T/1 de instrução que permaneceria ao seu serviço até 1995.
No inicio da década de 1960 o governo italiano financiou o desenvolvimento de uma versão musculada do Fiat G.91R. Desenvolvido a partir da versão de G.91T a nova aeronave substituiu o motor Bristol Orpheus por dois General Electric J85-GE-13A de 18.15 kN de potência cada, e com pós combustor, aumentando em 60% o empuxo total, reduziu o peso pela introdução de melhorias estruturais também necessárias para a instalação dos dois motores, aumentou o raio de combate pela incorporação de tanques de combustível adicionais em substituição do cockpit do segundo tripulante e melhorou a manobrabilidade em combate pela introdução de slats automáticos no bordo de ataque das asas. A aviónica foi consideravelmente melhorada pela introdução de sistemas Norte Americanos, Canadianos e Britânicos construídos em Itália sob licença, nomeadamente com um novo sistema de navegação e ataque, e um HUD (Head-Up Display) conectado ao computador de voo para fornecer dados de navegação mais precisos. O piloto sentava-se num assento de ejeção Martin-Baker "zero-zero" (zero de altitude velocidade zero). Foi armado dois canhões DEFA gémeos de 30 milímetros (à semelhança dos G.91R/3 alemães) e quatro suportes sob a asas para transporte de carga bélica até um máximo de 1814 quilos.
Fiat G.91Y da Aeronautica Militare Italiana
O primeiro dos dois protótipos construídos realizou o voo inaugural em dezembro de 1966 tendo sido designado por G.91Y (apelidado por “Yankee” devido aos motores de origem Norte Americana), seguindo-se-lhes um lote de 20 aeronaves de produção entregues à Aeronautica Militare Italiana a partir de 1968 pela Fiat cuja divisão de aeronáutica se havia tornado na Aeritalia.
Até 1976 foram entregues à Aeronautica Militare Italiana, 67 G.91Y (incluindo os dois protótipos iniciais) onde equipariam dois esquadrões para missões de ataque e reconhecimento até ao inicio da década de 1990, altura em que foram substituídos pelos AMX.
A Aeronautica Militare nunca terá ficada completamente satisfeita com o G.91Y, como comprovará o facto do G.91R ter sido mantido ao serviço paralelamente (também por questões de orçamento). Embora fosse uma aeronave muito mais moderna e potente, algumas fontes afirmam que o desempenho operacional do G.91Y era apenas marginalmente melhor que o do seu antecessor G.91R, para além de a manutenção dos seus motores sem considerada uma dor de cabeça para o pessoal de terra. O G.91Y foi programado para ser retirado de serviço em meados da década de 1980, substituído pelo AMX, no entanto os atrasos no programa arrastou essa substituição até 1994.
Várias tentativas de exportação do G.91Y, nomeadamente para a Suíça não tiveram sucesso, tendo este país optado por adquirir o Norte Americano Northrop F-5F.

Versões produzidas para a Luftwaffe da Republica Federal Alemã, Grécia e Turquia
Fiat G.91R/3 da Luftwaffe
A Republica Federal Alemã colocou uma encomenda em 1958 para o Fiat G.91R, cujo primeiro lote de 50 aeronaves seria construído em Itália. A esse primeiro lote de aeronaves construídos para a Alemanha eram da versão G.91R/3 que diferia da versão italiana (G.91R/1) fundamentalmente pelo armamento, dois canhões gémeos DEFA de 30 milímetros com 125 tiros por armas em vez das quatro metralhadoras M2 Browning, e por um melhor conjunto de aviónicos (adaptado posteriormente nas versões G.91R1A e G.91R1B) e quatro suportes para carga externa sob as asas em vez dos dois da versão inicial. A esta encomenda inicial juntar-se-iam novas perfazendo um total de 295 aeronaves G.91R/3 adquiridas pela Luftwaffe, mas à exceção das primeiras 50 unidades, todas as restantes seriam construídas na Alemanha por um consorcio liderado pela Dornier. Depois da Segunda Guerra Mundial o G.91 seria o primeiro avião de combate construído na Alemanha.
A Luftwaffe também adquiriu também 66 aeronaves de instrução G.91T/3, 22 deles construído em Itália e os restantes na Alemanha. Os G.91T/3 eram virtualmente idênticos aos G.91T/1 italianos mesmo no que se refere ao armamento.
Um total de 460 aeronaves Fiat G.91R3 / R4 e T/3, das quais 294 foram de construção doméstica e as restantes de fabrico Italiano, foram operadas pela Luftwaffe Alemã tendo as ultimas unidades sido retiradas de operação em 1982 concluída a sua substituição pelos Dassault/Dornier Alpha Jet.
Fiat G.91R/3 da FAP na sua ultima
missão 
operacional em junho de 1993
Como atrás foi referido outros países da NATO colocaram inicialmente encomendas para o G.91. A França e a Áustria anularam prematuramente as encomendas fundamentalmente por razões politicas, mas os Gregos e os Turcos mantiveram-nas numa primeira fase. A Fiat construiu 50 aeronaves na versão G.91R/4 armados com quarto metralhadoras M2 Browning para a Grecia e Turquia, porém, pressionados pela indústria Norte Americana estes países acabariam por desistir da encomenda, devolvendo inclusive as quatro aeronaves já entregues, optando por adquirir aeronaves Northrop F-5A. Os cinquenta G.91R/4 construídos acabariam por ser adquiridos pela Luftwaffe. Parte destas aeronaves da Luftwaffe, foram transferidas para Portugal ainda durante a década de 1960, quando este país, envolvido numa série de conflitos pela autodeterminação das suas colonias em Africa, se viu impossibilitado de usar armamento Norte-americano nesses territórios. Para além da Itália e Republica Federal Alemã, Portugal seria o único país a adquirir o Fiat G.91, e a Força Aérea Portuguesa seria a única a utilizar a aeronave em teatros operacionais de combate exatamente nesses conflitos que só terminaram em 1974.
Seria projetada também uma versão G.91R/5, com asas maiores para acomodarem tanques de combustível, para a Noruega, mas o projeto não passaria disso mesmo.

EM PORTUGAL
Fiat G.91R/4 na BA5, Monte Real
Necessitando de um avião de apoio aéreo próximo, para usar nos territórios africanos, Portugal comprou em 1966 à então Republica Federal Alemã 40 Fiat G91R/4 do lote inicial de 50 aeronaves destinadas à Grécia e Turquia, mas recusadas por ambos os países. Parte do negócio foi uma contrapartida pela cedência de instalações para treino das tripulações alemãs, em Beja. Neste lote de 40 unidades estava incluído o primeiro G.91R/4 fornecido à Grécia e que foi devolvido, tendo-se tornado também o primeiro ao serviço da FAP (Força Aérea Portuguesa) com o n.º de cauda 5401, os restantes seguiram a numeração até 5440.
Os G.91R/4 iniciaram a operação em Portugal, na Base Aérea 5 (BA 5), Monte Real, em Janeiro de 1966, sendo aí operado até 1973 na instrução de pilotos que o iam para o ultramar.
Em Março de 1966, foram embarcados os oito Fiat G.91R/4 que iriam constituir a Esquadra 21 "Tigres" na Base Aérea n.º 12 em Bissalanca (Guiné Portuguesa), a qual se tornou operacional em finais de Junho do mesmo ano regressando a Portugal apenas em 1974, após mais de 14000 horas de voo em missões de combate, com um saldo de um piloto perdido e sete aeronaves abatidas, três por misseis SAM-7 "Grail", uma por fogo de 12.7 milímetros de terra, duas por falha mecânica e uma devido à explosão prematura de uma bomba.
Fiat G.91R/4, da FAP em Bissalanca
(Guiné), 1973
Para Moçambique entre 1968 e 1970 seguiram 16 Fiat G.91R/4 que formaram as esquadras Esquadra 502 "Jaguares", e Esquadra 702 "Escorpiões" que operaram a partir de várias Bases Aéreas e aeródromos naquele território (Beira, Tete, Nacala, Nampula, Porto Amélia, Mueda, Nova Freixo e Vila Cabral) até 1974, altura em que regressaram a Portugal sendo colocados na Base Aérea N.º6 (BA6) no Montijo. Apenas uma destas aeronaves foi perdida em Moçambique devido à explosão prematura de uma bomba que transportava.
De regresso a Portugal no final de 1974 alguns Fiat G.91R/4 oriundos das Esquadras 502 e 702 que operaram em Moçambique, foram desviados para Base Aéra N.º 9 (BA9) em Luanda, onde substituíram os F-84G Thunderjet na Esquadra 93 "Magníficos", até janeiro de 1975 altura em que regressaram a Portugal.
Algumas fontes afirmam duas a quatro destas aeronaves terão sido capturadas ou abandonadas na sequência do processo de independência e teriam sido o embrião da Força Aérea Angolana. Oficialmente as autoridades Portuguesas afirmam que todos os G.91 regressaram a Portugal.
Fiat G.91R/3 na BA6 com pintura
do Tiger Meet
No verão de 1974 a Alemanha ofereceu a Portugal a possibilidade de, a baixo custo, adquirir 96 aeronaves T/3 e R/3, a entregar faseadamente entre 1976 e 1982 dos quais apenas 33 R/3 e 11 T/3 serviram operacionalmente, sendo os restantes, canibalizados, utilizados como alvo ou em testes e instrução estática em diversas unidades da FAP. Os R/3 foram matriculados com os n.ºs de cauda 5441 a 5473 e os T/3 de 1801 a 1811, anteriormente e por um breve período de tempo foram matriculados na série 5400.
Com o incremento de aeronaves disponíveis foram criadas duas esquadras:
-Esquadra 301 "Jaguares", sediada na Base Aérea n.º6 (BA6) constituída por G.91R/3 e G.91T/3.
-Esquadra 303 "Tigres", alojada na Base Aérea n.º 4 (BA4) nos Açores, constituída por G.91R/4 e G.91T/3.
Fiat G.91R/3 da FAP com pintura
comemorativa das 75000 horas de voo
Em 1980 e 1985 aviões FIAT G.91R/3 da Esquadra 301 "Jaguares" ganharam o troféu de prata da reunião anual de esquadras "Tiger" dos países pertencentes à NATO, que premeia o vencedor da competição "Tiger Meet", defrontando oponentes como o F-4 Phantom II, F-16 Fighting Falcon, Dassault Mirage F1 e General Dynamics F-111Aardvark.
Finalmente a 15 de Junho de 1993 realiza-se o último voo oficial, após mais de 75 000 horas de voo ao longo de 27 anos.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

COMANDANTE SOLANO DE ALMEIDA


Foi o comandante da primeira esquadrilha de caça da Aeronáutica Militar totalmente formada por aviões P39 Bell Aircobra, que aterraram de emergência em Portugal durante a II Guerra Mundial e em consequência foram "internados".
Era a esquadra OK, que devido à falta de manuais de voo e sobressalentes acabou por ter uma vida relativamente curta.
Mais tarde, em 1956, o Cte Solano de Almeida iria para a Índia Portuguesa voar aviões Vickers Viking 610 ao serviço dos TAIP. Esta companhia operava inicialmente voos entre Goa, Damão e Diu.

Mais tarde começou a servir as cidades da Beira e Lourenço Marques, em Moçambique. Tudo acabou em 1961 com a invasão dos territórios portugueses por parte da União Indiana.
Seguiu-se a TAP, companhia onde terminou a carreira.

Tive o privilégio de com ele trabalhar na frota Boeing 727 como Flight Engineeer, a princípio, e seu copiloto depois.
Um "príncipe", como pessoa e como piloto, de quem guardo as melhores recordações. Até do dia em que, logo no início da minha carreira, me entregou o avião a 300 nós (+- 500 km/h) na final da pista 36 do Porto e me disse: "aterra!". Fiquei "aterrado", mas consegui. Por: Comt. José Correia Guedes

quinta-feira, 13 de abril de 2023

NO LUIANA



Farei agora o relato de uma operação militar que inesperadamente se nos deparou.
Tratava-se do hastear da Bandeira Nacional no edifício abandonado da Administração do Luiana, que ficava exactamente na ponta sueste de Angola e estava sob a acção da guerrilha do Savimbi.
Tivéramos conhecimento dessa acção em Menongue – Serpa Pinto pelo Governador da Província, Comandante Sousa Machado, uma pessoa de uma cultura muito acima da que se costumava encontrar por aqueles "fins de Mundo".
A nosso pedido acedeu a que partíssemos para o Rivungo, na margem direita do Rio Cuando. Todavia, não permitiu que fizéssemos a viagem no nosso Land-Rover, aliás equipado com tudo o que nos tinha permitido até ali viajar com o conforto e a segurança possíveis.

Depois de nos terem fornecido camuflados, partimos no avião do Governo Distrital rumo ao Rivungo. Mas no caminho caiu uma chuva de tal intensidade que tirou quase por completo a visibilidade. O recurso foi voltar as costas à chuva e procurar o campo de aterragem que servia uma Coutada de Caça.
A fuga foi dramática; a chuva perseguia-nos com tal velocidade que nos alcançou pouco antes de aterrar. Felizmente o piloto já tinha avistado a pista e posto o avião no enfiamento. Mesmo assim aterrámos pelo tacto, e chegámos mesmo até ao fim da pista.
De súbito, como era frequente, a chuva parou, ou passara por cima de nós e continuara na sua rota. Então demos conta de que tínhamos parado para lá do fim da pista e a escassos metros da mata. Com a urgência que se impunha, não convinha que o piso amolecesse mais, deu-se a volta ao avião, e descolamos rumo ao Rivundo.
Várias surpresas me esperavam ali, a primeira das quais, foi o encontro com o Administrador Mota Torres que já conhecia de Luanda, das tertúlias em casa do Pintor Neves e Sousa. Mais tarde voltámos a encontrar-nos algures no Norte de Angola, numa das minhas muitas deambulações em busca de imagens. Era um homem muito terra-a–terra, não lhe ficando nunca uma palavra engasgada na garganta, o que é bem de ver, já lhe tinha custado alguns dissabores.
Outra boa surpresa, foi encontrar uma secção de Fuzileiros que acompanhara durante uma Operação no Rio Zaire, mas esta sem nada de assinalável. Mas nada é perfeito nesta vida, e não podia faltar a mosca na sopa.
Os Pides residentes no Rivungo, pequena povoação localizada na margem direita do Rio Cuando, fronteira natural com a Zâmbia, agora deserta de habitantes, onde existia uma muito vandalizada Missão Católica, julgo que feminina. Havia também um Posto da PSP, entregue a um solitário Chefe, e a Administração que tinha jurisdição sobre uma área pouco povoada. Era zona de acção da Unita. Estávamos a cerca de 180 quilómetros do Luiana, na ponta Sueste de Angola, que iria ser o nosso objectivo. No dia seguinte chegaram uns jeeps vindos de N’riquinha, com o Capitão Oliveira Martins, um furriel e alguns soldados.
Vinham juntar-se aos Fuzileiros para a Operação já referida. Entretanto, aterrou um bendito avião militar trazendo abastecimentos. Com eles vinha uma encomenda para o Administrador, e que constava de...camarão grande, congelado.
Mas como nem tudo são rosas e camarão, trazia também um novo pide que vinha substituir um dos residentes e assumir a Chefia. A convite de Mota Torres, "o dono do camarão", fomos ajudá-lo a acabar com ele e com algumas cervejas geladas. Presentes estavam o Capitão, o Chefe da PSP, o Sargento dos Fuzileiros, o Furriel dos Caçadores, nós os três civis e mais um comerciante da 
Região cuja casa tinha sido saqueada pela Unita e que iria ser o nosso guia.
Mas não se pôde evitar a mosca na sopa, que até eram duas, personificadas pelos dois pides, o que já cá estava e o que veio chefiar. Durante a confraternização que decorreu muito bem, como aliás era esperado por gente que vivia em clima de guerra a oito mil quilómetros de casa. Em determinado e infeliz momento, não sei a que despropósito, o tal novo chefe da pide, enquanto descascava um camarão diz em tom displicente: "Eu, se mandasse, já tinha acabado com o terrorismo há muito tempo".
Mota Torres, sem levantar os olhos do camarão que descascava, perguntou-lhe: "Que idade é que você tem?" - "Vinte e seis anos".
E ele, continuando às voltas com o camarão, "Ora Porra!"
Ninguém se riu, (quem é que se ri de um pide?), e o assunto morreu ali.
Chegou o dia da partida para o Luiana. Aqui, falha-me qualquer coisa, sempre se passaram trinta e sete anos, no tempo e por cima de mim. Creio que saímos com três jeeps, portanto nunca poderiam ir mais de 18 militares. Mas nós, jornalistas éramos três, pelo que se sacrificou o Emílio Felipe redactor, pelos repórteres de Cinema e fotografia. Nós depois, faríamos o relato ao Emílio.
Choveu durante o caminho todo e para completar o programa, um dos carros empanou, e não seria possível seguirmos todos em dois carros.
Em vista disso, o Capitão Oliveira Martins, mandou um jeep com o condutor e mais 2 ou 3 homens como segurança de volta ao Rivungo, trazendo um jeep e rebocando o outro. Ali ficámos por longo tempo, debaixo de uma chuva persistente, mas não à moda de África. Abrigávamo-nos com os ponchos impermeáveis, e nem pensar em fazer uma confortável fogueira. Lá para as tantas apareceram os mecânicos com dois jeeps, um para nós e outro para rebocar o empanado. Reconstituiu-se a coluna e seguimos viagem. De manhã chegámos ao Luiana onde a residência do Administrador, era quase um Palácio, obedecendo aliás, a uma directiva do Governo em relação à qualidade das residências de fronteira.
O mesmo já eu constatara em Noqui, na margem esquerda do Rio Zaire, fronteira com o Congo Belga. Foi, pois, no ponto mais alto do "Palácio", que foi hasteada a Bandeira Nacional, com todas as honras militares.
Tudo foi detalhadamente passado a fotografia e a cinema, para isso ali estávamos. O Raul Moreira fotografou e eu filmei tudo em pormenor. Aliás a cerimonia foi cumprida com toda a dignidade, mas foi muito breve. Feito isto, para a minha ingénua surpresa, arriaram a Bandeira, dobraram-na segundo o ritual e... vamos embora.
Perante o meu espanto, diz-me o Capitão: "Então você julga que se a tivéssemos deixado estaria lá mais de meia hora? Nós a virarmos costas, e os gajos, que devem ter assistido a toda a cerimónia, viriam buscá-la como um trofeu".
Fiquei com a cara que se calcula.
Era altura de regressar. E aqui mais um desvio, ou antes, retrocesso. Mas não há nada a fazer, tenho uma mente indisciplinada. Bem sei que poderia voltar atrás e, com a facilidade que o computador proporciona, poderia muito bem ir meter esta prosa no lugar certo. Mas fi-lo tantas vezes, que já não há paciência. Por isso aqui vai:
Quando partimos de Serpa Pinto, o nosso jeep foi levado pelos caçadores guias para a Coutada onde estivéramos aboletados, e ficara combinado que entraríamos em contacto via rádio quando fosse necessário. Acertaram-se as horas de escuta, e tudo ficou OK.
Na véspera da partida para Luiana, através do rádio da Administração, chamámos o rádio emissor/receptor do nosso jeep e informámos os amigos da Coutada, de que estaríamos dentro de três(?) dias, desde a hora X até à hora Y, numa grande sanzala cujas coordenadas nos tinham sido dadas pelo Comerciante. Aliás a sua casa saqueada era um ponto de referência para os caçadores guias que conheciam muito bem toda a região, e nos trariam o carro vindo a corta-mato desde a Coutada.


Não sei se serei capaz de dar a ideia da dimensão desta operação em termos de quilómetros. Mas imaginemos um triângulo com um dos vértices no Porto, outro na fronteira espanhola e outro em Leiria, sem povoações, sem caminhos, a não ser os que os que o rodado do carro vai fazendo.
Voltando trás, após a cerimónia do hastear da Bandeira, iniciamos a primeira parte do regresso, até à sanzala já referida. Estava deserta, mas as galinhas continuavam debicando pelo chão do terreiro que estava arrumado e limpo. Devia ter sido abandonada à nossa aproximação, porque a população não sabia nunca o que fazer.
Vinha a tropa Portuguesa e acusava-os de ser da Unita, vinha esta e punia-os por apoiarem os portugueses... Por isso era melhor a ausência do corpo do que a presença de espírito.
Esperámos pelo jeep que só chegaria no dia seguinte, conforme o combinado. Dormimos portanto ali, mas era preciso montar sentinelas, duas por quarto, e para que estes fossem de apenas uma hora, em vez das duas habituais. Todos, a começar no Capitão e a acabar nos jornalistas fizemos a nossa obrigação.
Se bem me lembro, esperávamos os nossos amigos depois da uma da tarde, visto que eles teriam de fazer mais de trezentos quilómetros desde a Coutada, e assim poderiam percorrê-los de dia.
No dia seguinte, pouco depois da primeira hora, vimos, muito ao longe na planície, o nosso carro a aproximar-se. Concluímos então a viagem até ao Rivungo.
Era suposto regressar a Serpa Pinto e relatar ao Governador Sousa Machado o decorrer da nossa missão. Mas estava programada uma missão de patrulha no Rio Cuando que, como já disse, faz fronteira com a Zâmbia.


Essa operação seria feita a bordo de uma daquelas barcaças que as tropas aliadas usaram para desembarcar nas praias da Normandia, baixando painel da proa, mas que naquela tinha sido soldado quando a Marinha a trouxera para ali, por terra, cortada em secções transportáveis.
Claro que não desperdiçamos a ocasião de fazer mais uma reportagem. Como não se podia deixar a vila desprotegida, e como a nossa missão seria apenas de patrulha e observação, optou o Capitão por fazer embarcar apenas o sargento, o furriel e cinco ou seis fuzileiros e os dois repórteres.
Subimos o rio para fiscalizar algumas ilhas do lado de cá da Fronteira. Havia já algum tempo que navegávamos quando se notou movimento em terra.
Encostámos à margem, e os Fuzileiros correram na direcção onde haviam avistado movimento. Quem lá estivera fugira, mas os militares perseguiram-nos com tal velocidade, que nem eu nem o fotógrafo, nem o Capitão os conseguimos acompanhar.
Subitamente o Capitão fica muito preocupado e aponta para o chão. E que vejo eu? Rodado de carros. Mas carro numa ilha? Não. É que estávamos em terra firme, tínhamos entrado inadvertidamente na Zâmbia. Coisa gravíssima porque, para além do que nos viesse a acontecer - e boa coisa não seria - haveria um grave conflito Internacional. Ali esperámos pelos outros, que continuavam a fazer fogo que continuou por mais algum tempo até que os homens regressaram.
Traziam cartões da Unita, dois, salvo erro, e uns amuletos. Mas, mais atrás, dois homens transportavam o corpo de um camarada.
Tinha sido atingido na cabeça, e não sobreviveu. Foi um duro golpe para todos nós.
Era preciso regressar a bordo o mais rapidamente possível. Teríamos de percorrer duas ou três centenas de metros, com o corpo do Fuzileiro às costas. Este rapaz, conhecido entre os camaradas por "Sabóia", nome da sua terra natal, era um dos Fuzos que eu conhecera meses antes no Zaire. Só restavam agora quatro fuzileiros, visto que dois tinham ficado a bordo por segurança. Então tomou-se única solução possível. Um dos civis tinha de auxiliar no transporte do corpo. O Raul Moreira estava naturalmente excluído, tinha uma problema numa perna e coxeava muito. Coube-me a mim e a um dos militares essa difícil e dolorosa missão, deixando livre outro homem para fazer a nossa protecção até alcançar a barcaça. Esta protecção, foi assegurada apenas por cinco armas: O Capitão, o sargento, o furriel e dois fuzileiros.
Não vou descrever a consternação a bordo e depois no Rivungo.
No dia seguinte veio um avião com um caixão de chumbo e levou o pobre Sabóia. O tempo que o CITA, Centro de Informação e Turismo, me concedera, esgotou-se, e tive de regressar a Luanda deixando os meus companheiros continuarem os trabalhos sozinhos. A final, tínhamos vindo ao Rivungo para cobrir uma cerimónia militar, afastada quase duzentos quilómetros da base, numa fronteira hostil, tendo pernoitado numa sanzala abandonada, e nada de grave tinha acontecido. Agora, numa breve patrulha, mesmo à porta de casa, e surgiu a tragédia que roubou a vida a um jovem. "Malhas que o Destino tece"...

João Silva em Roxa xenaider

quinta-feira, 6 de abril de 2023

ISABEL RILVAS - PRIMEIRA MULHER PORTUGUESA PARAQUEDISTA


A primeira mulher paraquedista portuguesa e impulsionadora para a criação das Enfermeiras Paraquedistas
Isabel Manuela Teixeira Bandeira de Melo, filha dos condes de Rilvas, educada num meio tradicional, "Isabel Rilvas" como ficou conhecida quisdesde sempre, fazer qualquer coisa de diferente.
A sua fragilidade física, que durante tantos anos a limitou, foi desenvolvendo em si um grande desejo de evasão, de libertação, que se concretizava em voar.
Por outro lado, no seu tempo havia um forte movimento de ação católica, que ela viveu com grande entusiasmo e alegria; também isso a puxava «para cima», e ia ao encontro do seu desejo de voar.
Começou a sua instrução aos 18 anos, como piloto-aviador, em agosto de 1953, na Escola de Aviação Civil do Aero Club de Portugal, em Sintra. Tirou o brevet em agosto de 1954.
Começou a entrar em provas e a participar em festivais, tendo-se posicionado sempre entres os primeiros classificados. Além de ser piloto acrobata, fez também voo sem motor e foi pára-quedista, cujo brevet tirou em 1956.
Foi ainda o primeiro português a obter o brevet de balão de ar quente.
A fim de dar uso social e útil às suas competências, começou a desenvolver a ideia de formar um corpo de enfermeiras e médicas paraquedistas e, depois de ter estado na África portuguesa, apresenta a ideia aos responsáveis da aeronáutica militar, tendo o tenente-coronel Kaúza de Arriaga, então sub-secretário de Estado da Aeronáutica, apoiado a iniciativa.
Foi a primeira pessoa civil a saltar em Tancos no dia 16 de Janeiro de 1957. 
Em 1961, foi, de facto, constituído um corpo de enfermeiras paraquedistas, que se manteve atuante ao longo dos 13 anos de guerra.

Estas enfermeiras desempenharam um papel fundamental nos diversos teatros de operações e asseguraram os cuidados de saúde dos militares em tempos difíceis, salvando inúmeras vidas.
O seu pioneirismo na aeronáutica obteve reconhecimento nacional e internacional.
De entre vários reconhecimentos nacionais e internacionais, em 
2014 foi condecorada pela Força Aérea Portuguesa com a Medalha de Mérito Aeronáutico de 1.ªclasse, entregue pelo chefe do Estado-Maior da Força Aérea.


quinta-feira, 30 de março de 2023

AB4 – A BIBLIOTECA, O BIBLIOTECÁRIO E EU

Em primeiro plano o edifício do Comando onde se localizava a biblioteca


AB4 – HENRIQUE DE CARVALHO
Infelizmente a Força Aérea nunca teve uma tradição de gerir com o mínimo de acerto os meios e os homens que dispunha para o funcionamento de todo o sistema, dava mais importância à quantidade de profissionais, expediente que abre caminho a promoções dos sargentos e oficiais que podem estes atingir em maior número o generalato e com menor idade. 
Nos meios aéreos a velhice era galopante, com a falta de sobresselentes e as grandes avarias. 
A Base de Henrique Carvalho não fugia à regra.
As instalações e infraestruturas eram boas, quer ao nível de camaratas, clubes e messes, enfermaria, hangares, pocilga, aviário, carpintaria, capela, etc.
Os aviões existentes não seriam mais do que 25 dos modelos PV2, Dakota, T6 e DO27 e um Beechcraft, mas que ao nível de prontidão não seriam mais do que 15, distribuídos pela Base principal, Aeródromos de Manobra e Recurso. 
Na secção de que fazia parte MELEC de Aviões e Instrumentos, pertenciam 10 sargentos e 11 cabos especialistas numa área de 25 m 2 com prateleiras, bancadas e uma secretária do chefe.
Não podiam estar todos os elementos nem o trabalho dava para 1/3, situação que dava origem a que os homens estavam na maioria pirados. Nas especialidades de MMA, Abastecimento e outros os exageros eram iguais.
No AR Luso com 8 Alouette III só havia um sargento e um cabo-especialista eletricista.
Na especialidade de Operador de Comunicações os nossos camaradas não eram substituídos a tempo e “lerpavam” de 8 a 12 meses, alguns a experimentar a demência.
Como era tradição haverem louvores, víamos às vezes na ordem do dia elogios que eram uma perfeita mentira, redigidos em termos mais ou menos assim.
Com levado sentido de dever, não regateando esforços no trabalho quotidiano, com a manifesta falta de mais profissionais qualificados, conseguiam com sabedoria resolver as tarefas que lhes foram confiadas.
Com tanto tempo livre, era necessário fazer qualquer coisa para não darmos em malucos, mas alguns ficaram com marcas definitivas. Uns jogavam à bola, outros dormiam de tarde, haviam diversos bares abertos a todas as horas.
Eu optei por ler e para tal era assíduo utilizador da biblioteca. Tive também uma ajuda, do 1º.sargento Mota Chefe de Secção, tinha a família em Luanda e mês a mês deslocava-se à Sexta-Feira até Segunda de fim-de-semana a viajar no Nord Atlas. Por motivos que desconheço, mas talvez pela simpatia e respeito que sentíamos um pelo outro e sabendo que tinha alguém à minha espera na capital, indicava-me para meter o pedido à Quinta-Feira, um procedimento sigiloso que me beneficiou e acabei também por ser um privilegiado, e quando tinha dinheiro ficava mais uma semana na praia.

A BIBLIOTECA
Na Biblioteca os mais utilizadores eram o Simão Cabral, o Raimundo, o Jaime Abi, Eu, Vítor Faria (Pilas), Mendes Martins, Sargento Mota e soldados do SG e PA, não me recordo de ver algum oficial.
A moldura de livros era estupenda, os mesmos eram na maioria novos, havia sempre o cuidado de estar ao corrente das novidades e tivemos até direito a best-sellers.
Da OS nº. 239 de 13/10/1971

Eu já tinha o hábito de leitura, observei os grandes autores portugueses, Fernando Namora, Alves Redol, José Cardoso Pires, Eça de Queiroz e outros. Já conhecia alguma coisa de Hemingway, Scott Fitzgerald, Irving Wallace, Leon Uris.
Quis continuar a saborear a obra de Ernest Hemingway. O Raimundo acabou de ler um livro do William Faulkner que se chamava “O mundo não Perdoa”, acabei por ler também e ficar apaixonado pela escrita deste grande escritor Norte-Americano. Depois seguiu-se John dos Passos, Erskine Caldwell e John Steinbeck.
Apenas por um pequeno apontamento, o nosso "Pilas" só gostava de poesia, recitava Cesário Verde e António Boto. Nós riamos!

O BIBLIOTECÁRIO
Este homem, um soldado do SG, parecia que era o único que trabalhava na base. Abria às 8h30, fechava ao meio-dia, reabria às 14h e fechava às 16h30. Era extremamente simpático e informava-nos das novidades. Ele próprio lia muito, nunca tive a curiosidade de saber de onde era originário. Hoje, passados tantos anos considero que foi uma falha minha já que passados mais de 50 anos ainda me lembro do nome de maior parte dos camaradas e desse homem, de quem era amigo, nem o primeiro nome.

ERNEST HEMINGWAY
Este grande senhor que nasceu nos EUA na cidade de Oak Park, Illinois em 1899 pela sua qualidade, irreverência e espírito aventureiro, tornou-se um cidadão do mundo.

Tomei conhecimento da sua obra quando fiz 18 anos. Uma moça ligeiramente mais velha ofereceu-me um livro, que me iria introduzir na leitura deste famoso escritor. Esse livro chamava-se “O Adeus às Armas” cujo o ambiente se passava na Primeira Guerra Mundial onde o autor era condutor de ambulâncias, em Caporetto (Itália) e teve também os primeiros amores e dissabores com uma enfermeira inglesa que iriam continuar o resto da sua vida, até ao seu suicídio em 1961. A minha amiga natural de Cortegaça já tinha concluído o Curso Geral de Comércio e eu o de Montador Eletricista na conhecida Escola Infante D. Henrique, estava a tirar um curso no Porto de dactilografia para ingressar no mercado de trabalho. Conheci-a no Verão anterior quando estive acampado em Esmoriz.
Li na OTA o segundo livro do Hemngway “Por Quem os Sinos Dobram”. A ação passa-se em 1936/39 na Guerra Civil de Espanha, mais propriamente nas montanhas junto a Miranda Del Ebro. Trata-se do quotidiano de um grupo de guerrilheiros republicanos que perpetravam ataques às tropas nacionalistas comandadas pelos Gen. Mola e Franco. Há um relato de uma emboscada a uma coluna de blindados tripulados por mancebos da mesma aldeia, por si só já é terrível, mas na passagem para o cinema teve outra dimensão. No ecrã é realçado o desempenho de um americano das brigadas internacionais (Gary Cooper) que se apaixona por Maria (Ingrid Bergman) filha de um casal de guerrilheiros que liderava o acampamento, Pilar (Katina Paxinou) e o Pablo (Akim Taniroff) um falso que negociava com os dois lados da guerra.
A classe da obra fez-me sentir que devia conhecer mais.
No AB4 a biblioteca tinha 5 a 6 livros do autor e todos da editora Livros do Brasil. Li “O Velho e o Mar” que só tem 120 páginas, mas que é um espanto pela forma de sentir o prazer da vida do Hemingway. Trata-se de uma pescaria em Havana em que o autor sai da baia e vai num caíque com o seu amigo pescador à procura do merlim. Situa-se ao largo da baía e daí se vê somente muito ao longe as luzes da cidade e entre dois dias e uma noite pescaram um grande peixe, amarraram-no à traseira do barco e com muito custo arrastaram-no até terra. Quando chegaram apenas traziam a cabeça, a parte anterior foi comida pelos tubarões.
Em Cuba com Hemingway


Numa das minhas viagens fui a Cuba, percorri os bares onde o Hemingway deixou a patente das bebidas Daiquiri e Mojito, cocktails de referência em todo o mundo. Estive também no quarto onde dizem que o escritor, já meio senil, passou tempos maus.
Li “As Verdes Colinas de Africa”, não está alinhado com a essência e mensagem do autor, é mais uma viagem a explorar os pensamentos filosóficos dos escritores contemporâneos do autor.
“As Neves do Kilimanjaro” e os “Contos de Nick Adams” tratam das suas andanças e vivências, caça na Africa Oriental, mais propriamente Tanzânia e Quênia.
Como todo o intelectual, tinha um propósito, passar por Paris e viver a vida mundana de Montparnasse e Sacre Coeur a exemplo de Cummings, Picasso, Scott Fitzgerald, Amadeo de Souza-Cardoso e muitos outros que ao longo dessa geração foram cultivar as novidades e correntes das artes, aí escreveu “Fiesta” uma grande referência da sua obra.
Hemingway em Pamplona

A paixão por Espanha foi tão grande que contagiou os habitantes de Pamplona. A largada de touros era uma festa local e passou a ter um eco mundial. Existe uma escultura em bronze na praça principal em tamanho real com 4 touros desgovernados. É obrigatório a visita assim como a largada no dia 5 de Julho, San Fermín que não deixa dormir ninguém na noite anterior para assistir a 7 a 10 minutos de largada. A festa tem uma semana, mas no dia 5 é o ponto alto.
A vida amorosa do meu ídolo foi muito concorrida. Casou 4 vezes e teve inúmeros relacionamentos, escreveu dois livros sobre a sua quarta mulher com quem viveu na Suiça, foi um relacionamento tumultuoso que o autor não queria lembrar nem publicar, mas os herdeiros na procura de dinheiro fizeram-no. Fez-me lembrar um caso idêntico com José Saramago, que haviam obras que o escritor não queria que se divulgasse, mas a viúva a interesseira Pilar, esqueceu-se das vontades do defunto.

Fim da primeira parte.

Por: Toneta