sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A MINHA HOMENAGEM AO GENERAL LUÍS ARAÚJO, RECORDO O DIA EM QUE NOS CONHECEMOS EM MUEDA

AM51 - Mueda
Hoje 5/12/2023 durante a missa das exéquias pela morte do meu camarada, companheiro e meu grande amigo, Luís Araújo, na tranquilidade e no silêncio da igreja, revi e recordei o dia em que nos conhecemos nos idos de 1972 em Mueda, Moçambique, em tempo de guerra.
O General Luís Araújo, Luís para os amigos, para lá das suas excelsas qualidades de militar e líder, para lá de ser um experiente piloto dos helicópteros Alouette III, era um notável contador de histórias. Um dia ainda durante os anos 80, depois de um jantar de amigos durante os anos que ambos fomos professores no saudoso IAEFA (Instituto de Altos Estudos da Força Aérea), bem bebidos e melhor comidos, o Luís com toda a sua bonomia resolveu contar a história do dia em que nos conhecemos. Como uma pequena homenagem, vou escrevê-la como ele a dissecou nas suas palavras.
Poucas semanas depois de ter chegado a Nampula fui enviado pelo comandante da esquadra 503 “Índios” para o meu primeiro destacamento no AM-51 em Mueda.
- Araújo pode chegar aqui ao meu gabinete, grita-me o capitão Estevinho.
Convida-me a sentar e calmamente diz-me.
- Araújo amanhã você vai de manhã para Mueda no Nordatlas, que sai daqui às 09h00, transmite-me.
Continuando as suas diretivas diz-me tranquilamente.
- Chegas lá cima agarras-te ao alferes Cruz, ele é um dos mais certinhos dos meus pilotos e o mais experiente, ele vai-te ensinar a combater no cenário da guerra no Planalto dos Macondes. Você vai gostar dele, acrescenta com um sorriso de confiança.
No dia seguinte depois do voo matinal entre Nampula e Mueda lá chego ao aeródromo de Mueda. Muitas histórias me tinham contado sobre aquele inferno, as histórias absolutamente loucas dos pilotos de Mueda eram já uma imagem de marca no imaginário de todos os militares no Planalto dos Macondes, interiormente pensava que eram manifestamente um exagero. Contudo ao descer as escadas do Nordatlas, verifiquei que efetivamente era pior do que tinha imaginado, uma placa cheia de aviões e helicópteros e o Nordatlas estacionado no meio da placa, pois não havia espaço para mais. O aspeto era deprimente, rodeado de arame farpado, era mesmo um lugar de guerra.

Ainda meio aturdido da primeira impressão de Mueda, que não foi manifestamente a melhor, aquilo era pior do que tinha imaginado nos meus piores pesadelos, questiono um sargento mecânico que ia a passar.
- Senhor sargento onde posso encontrar o alferes Cruz dos helicópteros.
- Senhor tenente o alferes Cruz foi fazer uma missão e deve estar a aterrar.
- Obrigado, respondo-lhe.
Passados alguns minutos ouço o barulho característico dos alouette III, aquele som de liberdade que sempre me impressionou desde o meu primeiro voo naquele fabuloso helicóptero. Rapidamente os dois pilotos saem dos helicópteros e dirigem-se em passo tranquilo para as operações, questiono um dos mecânicos.
- Nosso cabo, qual daqueles pilotos é o alferes Cruz?
- Senhor tenente, o Cruz é o que traz o lenço azul atado à cabeça, responde-me educadamente
O que vejo deixa-me completamente espantado, o aspeto é de um verdadeiro guerreiro, fato de voo impecável, barba, com um ar simpático, lenço de seda atado à volta do cabelo, qual Índio, numa mão o capacete e na outra mão a famosa Kalashnikov e o que me deixou mais intrigado um arco e flexas pendurado junto à sua arma de defesa.
Caminho vagarosamente pela placa em direção aos dois pilotos, olho mais especificamente para o tal alferes Cruz que caminha vagarosamente na minha direção, conforme se aproxima, olha para mim com um sorriso calmo e maroto, preparo-me para lhe dirigir a palavra, mas ele foi mais rápido que um raio, a cerca de dois a três metros de mim, olha-me com aquele sorriso e grita.
- Ó checa estás f**dido, bem-vindo a Mueda terra da guerra.
Quase em simultâneo envolve-me num forte abraço e sempre com aquele sorrido que irradiava confiança, uma enorme tranquilidade e claro também uma dose de loucura.
Aquele abraço de boas-vindas fez-me sentir a entrar num novo mundo onde sabia por outros camaradas ainda na metrópole, que era um mundo, onde a camaradagem e a coesão do grupo eram sublimes. Ao caminhar-mos os três em direção às operações senti um arrepio ao pensar nas palavras do capitão Estevinho sobre o alferes Cruz no dia anterior “se este é o mais certinho, imagino como serão os outros”
José Bento, Enf. Paraquedista e Luis Araújo
A noite no bar dos pilotos foi algo especial para mim, sentia-se no ar uma enorme alegria de todos os pilotos, a amizade e camaradagem eram bem evidentes e especialmente o alferes Cruz que me foi introduzindo naquele novo universo, sentia que estava a ser recebido e aceite no grupo.
Depois da noite caótica e animada no bar, fui finalmente para o meu quarto, onde no silêncio da noite, tive uma certeza, tinha ganho um amigo e não me enganei. Passados tantos anos continuamos tão próximos e tão amigos como naquele meu primeiro dia de Mueda, ficou para sempre marcado na minha memória. Por: Gen. Alfredo Cruz

3 comentários:

  1. Fernando Caixinha08 dezembro, 2023

    A Amizade criada na Companhia do nosso Querido e Saudoso ALLIII é para a Vida

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  2. Fernando Caixinha08 dezembro, 2023

    As Amizades criadas na Companhia do Nosso Querido e Saudoso ALLIII ficam por uma Vida

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  3. Abençoado seja pela pessoaque sempre foi
    Estivos juntos.

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