Algures numa anhara do leste de Angola - foto de Antonio Alves Monteiro |
Os últimos cavaleiros do século vinte, uma análise muito particular do uso da cavalaria na guerra em Angola por muitos ignorada, por outros deturpada.
Foi
para mim uma experiência única, já que ainda que com um cavalo emprestado e um
chapéu dos Dragões, posso hoje dizer, que estive com os últimos cavaleiros do
século XX, com os Cavaleiros d`Anhara, no teatro de operações no Parque
Nacional da Cameia em Angola, em Agosto de 1971, pretendo com este documento
prestar a minha homenagem, aos DRAGÔES DE ANGOLA, grupo de Cavalaria do
Munhango. A GALOPE...!!!...
No
Leste de Angola existem grandes planícies, ou savanas como são mais conhecidas. Os angolanos chamam à savana ANHARA, e eu gosto do nome.
Para controlar e
fiscalizar estas grandes áreas, era requerido uma intervenção militar
diferente, atendendo às características do terreno e área envolvida.
Às
extensas planícies sucedem-se pequenas áreas arborizadas com árvores ralas. Era
o terreno propício para a actuação da cavalaria a cavalo e foi essa Cavalaria, que um dia fui encontrar na Cameia, aproveitando uma coluna de reabastecimento.
A operação demorava cerca de 30 dias e de dez em dez dias eram reabastecidos,
instalando-se um acampamento, onde era fornecida comida quente, cerveja fria e
até serão musical ...
Nos
últimos tempos, ouvi muita asneira sobre a guerra em Angola, versões fortemente
tendenciosas, segundo os interesses político-económicos em causa. Há que,
volvidos 30 anos voltar a analisar as circunstâncias em que as coisas decorreram,
talvez só a minha versão, mas a versão de quem viveu aquela guerra nas mais
diversas circunstâncias.
Pelo
tratado de Tordesilhas, portugueses e espanhóis, partilharam o mundo em dois,
metade para cada um, isto sem pedir a opinião de russos ou americanos, que na
altura ou não existiam ou não tinham voz activa no assunto. Mas a Europa,
começou a cobiçar África e franceses, ingleses, holandeses e belgas meteram-se
a dividi-la e a ocupar onde lhes foi possível. Portugal e a Bélgica, ocupavam
quase metade de África.
Depois
da segunda guerra mundial surgiram duas grandes potências, russos e americanos,
que se acharam no direito de partilhar o “bolo africano”, já que se julgavam
senhores da faca. Surgiram assim em Angola duas pontas de lança desses interesses.
Surgiu a luta armada, que iria garantir a “felicidade dos povos”, surgiu a
ideia do guerrilheiro, figura romântica, a viver em harmonia com o povo, a
lutar pelos ideais da liberdade. Não tenho dúvidas, passados 30 anos, que
muitos deles lutaram por uma causa em que acreditavam, o povo chamava-lhes
turras e pedia a protecção da tropa, e isto porquê?
Porque
o MPLA, deixando de ter o apoio do Zaire, que passou a apoiar apenas o outro
movimento, ou os interesses dos outros, tinha necessidade de criar uma nova
frente de luta, para através do leste, poder reabastecer as suas bases no norte
de Angola. Através da Zona de Ninda, introduziam armamento em Angola, era
preciso impedir que esse reabastecimento chegasse ao norte e aqui a Cavalaria
teve um papel importante.
A
questão que se põe é que esta abertura da luta na frente leste foi feita com
enviados do norte, que não conheciam nem a língua, nem os povos das zonas onde
passavam ou se instalavam. A população
era-lhes hostil, porque eles para viver tinham que roubar comida nas lavras,
raptavam mulheres para seu serviço e rapazes para irem receber treino de
guerrilha no estrangeiro.
Eu
sei que todas estas questões são discutíveis, mas esta introdução era
necessária, Só assim se compreende que os Cavaleiros d`Anhara acreditassem na
sua missão. Estes homens, recrutados em Angola, uns nascidos lá, outros que
para lá foram morar, acreditavam estar a defender a sua terra e de facto
evitaram que Angola se tornasse palco dos genocídios que abalaram África, nas lutas
induzidas pela corrida ao saque.
Angolanos,
brancos e negros, com a mesma farda, a mesma arma, a mesma panela! Para pasmo
de muito boa gente, para quem aquela guerra era apenas de repressão.
Nos
bons e maus momentos, ao contrário do que diziam as cassetes da altura, havia
participação, não havia segregação, havia partilha, desenhava-se um futuro para
todos.
As
imagens têm este dom, o de falarem por si, mas agora vamos falar dos
Cavaleiros. Para lá chegar é preciso apanhar muito pó na coluna de
reabastecimento. Inventar novas estradas, caminhar por terrenos só acessíveis à
cavalaria.
Organizar
toda esta tarefa, não é fácil, há que levar reabastecimentos para 150 cavalos,
quase tantos cavaleiros, levar o correio, algum conforto, preparar condições para um merecido repouso de 3 dias, com refeições quentes... montar um acampamento, preparar uma cozinha de campanha...
Faltava esperar que os cavaleiros chegassem, para o merecido descanso e vieram.
Ninguém
consegue imaginar uma frente de 100 cavalos dispersos na anhara, a uma
distância de 10 metros uns dos outros fazem uma frente de um q u i l ó m e t r
o ...
É
algo de grandioso, que realmente é preciso ver para poder acreditar...
Uns
ouviram falar, outros nem isso. Patrulhar a Cameia durante trinta dias, é uma
epopeia daquelas de que se ouviu falar, mas eu estive lá...comi da mesma
panela, bebi as Nocal que levávamos e
reconheci o entusiasmo e valentia destes homens.
Ao
pôr do sol e noite dentro, com artistas improvisados, cantámos e divertimo-nos.
Que
a vida não é só trabalho, a vida é também convivência, diversão, mesmo, ou especialmente nos momentos mais
adversos das nossas vidas, mesmo quando nada nos parece de fácil solução,
teimamos em sorrir, fazendo troça das dificuldades, talvez assim conseguindo
que as tornemos mais fáceis de enfrentar no dia seguinte.
E
na manhã do dia seguinte os cavaleiros, OS CAVALEIROS D´ANHARA, os ÚLTIMOS
CAVALEIROS DO SÉCULO XX, talvez os últimos cavaleiros da história da cavalaria,
seguiram na sua missão e eu digo com orgulho ESTIVE LÁ!
Esta
é a história de três dias da minha vida, que recordo com orgulho, a história de
Homens que lutavam por um ideal, discutido e discutível, mas eles cumpriram,
por isso merecem todo o meu apreço, todo o meu respeito, porquê?
Porque
graças a eles e muitos outros foi possível evitar a desgraça anunciada por toda
a África, fruto da cobiça e interesses delegados. Foi a protecção a esta terra
e a paz possível, que permitiu criar e
manter a escolinha do Zeca António...
Cavaleiros
soldados, Guerrilheiros, abandonados pela história... ambos lutaram por causas
em que acreditaram. Passaram trinta anos, “outros” contam histórias, histórias
de valentia e coragem, histórias de sacrifícios...passados em Paris, sem saber
se a mesada chegava a tempo de pagar o almoço amanhã, ou em Argel, à espera dos
subsídios prometidos em prol da luta e felicidade dos povos...os guerrilheiros
foram dispensados, abandonados. Aos Cavaleiros que os não humilhe a
história...são e serão o orgulho desta terra, não os que fugiram para
Paris!
Os
lideres ficaram milionários, os outros sem pernas e outros traumas, outros
escrevem livros glorificando as suas dificuldades em Paris, lutando pela
liberdade dos povos, são os Ruis, os Rauis, os Rafaeis, os Ricardos e os raios
que os partam...
Macondo
em imaginação, Cameia no coração, 3 de Setembro de 2004.
Armando Monteiro.
Alf.Mil.Transmissões BCaç 3831
Realmente esta é a mais linda referência ao Grupo de Cavalaria N 1 Dragões.Parabens Armando Monteiro.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarComo um dos "Cavaleiros do 2º Esquadrão a Cavalo, de 1970/73", do Grupo de Cavalaria nº 1 "Dragões de Angola," por mim aqui deixo o meu testemunho, de agradecimento. Viva Homenagem a todos aqueles que sendo pretos, mestiços ou brancos, defenderam naquele tempo a "Pátria". Obrigado Armando Monteiro!.
ResponderEliminarO meu abraço.
Carlos Henrique Costa Dos Santos
Hoje aprendi uma coisa: eu não sabia do papel dos cavalos na guerra do ultramar, achei engraçado e aprendi algo. Por outro lado eu ainda confirmei que passados tantos anos, isto foi escrito segundo creio em 3/09/2004,ainda se nota o ódio aos que, por uma razão que só eles sabem, entenderam não fazer a guerra. Pena a minha, pois este relato de que gostei, foi escrito por um antigo alferes que hoje. 2004, ainda não tinha percebido, ou não queria admiti-lo, que aquela guerra tinha sido infrutífera desde o 1º. dia em que salazar e os seus salazarentos seguidores decidiram " para Angola e em força", nem sequer olhou aos exemplos de toda a Europa que já tinham dado a autodeterminação e alguns até a independência às suas possessões de África. Lamento que homens abnegados e sem mácula no comportamento militar ainda hoje não entenda que só foram marionetas nas mãos des "donos" do Estado Novo e dos quais quiçá um dos menos culpados seria o salazar. É a minha opinião. desculpem qualquer coisinha.
ResponderEliminarCada vez mais me interrogo,quem tem medo da verdade,quem quer apagar a História? Agradeço a quem contribui para a memória futura.
ResponderEliminarNesses tempos forças externas a Portugal é que iniciaram a guerra contra Portugal,puseram a historia de Portugal ao lado de países como França, Holanda, Bélgica e outros mais, que ainda hoje ocupam e anexaram outros territórios que não são deles mas ai o conselho de segurança da Onu E Nato nada fazem mas nós que demos novos mundos ao mundo e construímos países de raiz é que somos colonizadores abater muitos desses territórios quando os Portugueses lá chegaram nem eram habitados por seres humanos (ex. ilhas )o nosso mal foi sermos muito pequeninos e contra o resto do mundo nada podíamos fazer: na nossa historia fizemos coisas terríveis como a escravatura mas se olharmos para um todo o saldo é positivo entre o mal que fizemos e o bem nós os Portugueses temos que ter orgulho na nossa rica Historia cultural e universal.
ResponderEliminarNós Portugueses temos que ter orgulho na nossa riquíssima historia dos últimos 500 anos.
ResponderEliminar