sexta-feira, 10 de junho de 2016

A VACA NÃO VAI !

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Cartoon do autor
Todos os dias, com o aproximar do pôr-do-sol acabava a atividade aérea e eu ia para as reuniões de coordenação, com a Comissão Eleitoral de Luena. O objetivo daquelas reuniões tardias era de reportar aquilo que se tinha feito no dia vigente, bem como de coordenar as atividades dos vários sectores para o dia seguinte. No caso da campanha aérea, discutia-se quem é que necessitava de voar e para onde eram os voos. Tentava-se conciliar a escassez de recursos com a satisfação das várias entidades políticas, muitas vezes com intenções antagónicas entre elas. Não era uma tarefa fácil, porque continuava a haver escaramuças e confrontos armados entre as fações na corrida eleitoral. Após chegar-se a acordo, faziam-se as listas das necessidades de passageiros e carga para cada meio aéreo, com as respetivas horas de embarque.
Começava então a parte mais delicada dessas reuniões – o ajustamento das necessidades à capacidade dos meios aéreos. Para cada distância a voar tinha de haver uma certa quantidade de combustível. O peso desse combustível retirava pessoas e carga das aeronaves. Isto nem sempre era entendido pelos participantes nessas reuniões, que acabavam por viciar a informação na tentativa de atingir as suas intenções. 
Por absoluto desconhecimento ou devido a intenções escusas, a qualidade de informação que nos era cedida era invariavelmente má. Quase nada do que nos era dito pelos vários representantes das entidades politico-eleitorais, batia certo com o que se verificava no dia dos voos. As identificações das listas de passageiros nunca estavam corretas, requerendo negociações de última hora à porta da aeronave. Outro tipo de situação, a roçar o hilariante, eram os valores que nos davam do peso estimado da carga. Eu fazia sempre questão de recordar a capacidade de um MI-17:
- “Meus senhores, nós não vamos retirar combustível ao voo. Vocês podem carregar um total de 4500 Kg, ou 22 pessoas só com bagagem de mão.”
 Mas os pesos que a Comissão Eleitoral nos cedia estavam invariavelmente errados e o conceito de “bagagem de mão” era muito flexível naquelas paragens. A solução era embarcar as pessoas e a carga prevista, tendo depois o piloto de fazer um pequeno teste de descolagem vertical na placa. Se a capacidade de sustentação do MI-17 não estivesse à altura das exigências, ia-se retirando carga até se atingir o poder de sustentação desejado. 
Hilariante contado agora, …, arrepiante vivido na altura!
Por vezes tínhamos de fazer mais de um voo para o mesmo destino, com consequências negativas na gestão do combustível disponível.




(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)




Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

1 comentário:

  1. Sobre vacas e aviação, esta é a minha história "top"!
    http://www.mdig.com.br/?itemid=2742

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