A EVOLUÇÃO
DOS MEIOS aeronáuticos está hoje na escala cimeira do Espaço Português, Na
verdade, só na Província operam mais de duas centenas e meia de aviões
particulares, conglobando várias potências e marcas diversas.
E
compreende-se que assim seja. Efetivamente num território de grandes espaços
vazios e onde as distâncias a cobrir são enormes, o tempo, que nos nossos dias
conta cada vez mais e vale sempre mais dinheiro, só pode desafiar-se com o
recurso da aviação.
Não deve por
isso estranhar-se que, de quando em vez, se verifiquem determinados acidentes,
que aliás, nos últimos tempos, estão a registar-se com certa assiduidade.
Estar-se-á em presença da chamada lei das percentagens:- isto é, tantos mais
acidentes ocorrerão quanto maior for o número e grau de utilização das
aeronaves.
O CASO DAS
TERRAS DO FIM DO MUNDO
NO DISTR1TO
DO CUANDO-CUBANGO, é naturalmente inestimável o papel desempenhado pelos meios
aéreos. E do acidente que ora passamos a relatar, fica-nos uma certeza muito
importante: - é a de que há controle efectivo das unidades a voar. Com efeito,
a Imprensa só muito tarde se reportou ao acontecimento. Todavia, em Serpa
Pinto, vivia-se com muita emoção o desenrolar dos factos. E os meios de
aeronáutica civil estavam atentos, ao desaparecimento do CESSNA, havendo de
colaboração com o respectivo Governador do Distrito, Major Branco Ló, que
sobrevoou o local do acidente e acompanhou o estado dos feridos, desencadeando
uma autêntica campanha de buscas que acabou por dar, felizmente, os resultados
que seriam de esperar.
DESAPARECEU
UM AVIÃO!
UM
CESSNA 336 DA " TASA " tripulado por António Cabrita Sousa, natural
de Albufeira (Algarve), de 45 anos de idade, casado, brevetado há oito anos,
efectuava a viagem de regresso a Serpa Pinto, procedente do Baixo Longa.
Um temporal
levantado muito rapidamente obrigou a consecutivos desvios que não resultaram.
Esgotado o combustível, o bimotor logo principiou a perder altitude e a queda
foi inevitável.
Calmo,
obedecendo a todas as regras de navegação, só o piloto sabia, naquele momento,
o que se estava a passar. Os três passageiros ignoravam todo o drama que
António Cabrita vivia.
As
possibilidades de contacto-rádio, devido ao mau tempo, não eram nenhumas.
... E o
avião precipitou-se.
AS BUSCAS
ÀS
SEIS HORAS DA MANHÃ do dia quatro iniciaram-se as buscas de salvamento nelas
tendo colaborado cinco aviões civis, três da FAP e um helicóptero. Por volta
das oito horas o avião desaparecido foi localizado imobilizado, a cerca de 60 quilômetros de Serpa Pinto, por um avião particular tripulado por João António
Gonçalves Teixeira, que viu dois dos três passageiros do bimotor CR-LJQ que
procuravam socorros, tendo feito uma fogueira com a qual foi possível conhecer
a posição do avião sinistrado.
OS SOCORROS
DUAS
HORAS DEPOIS DE ter sido localizado "Cessna", uma viatura da PSP
chegava ao local. Dois agentes desta prestimosa corporação atravessaram, a
nado, o rio Cuebe. Pouco depois fizeram evacuar dois feridos.
Dado o
acesso ser extremamente difícil para salvar os dois restantes feridos foi
necessária a colaboração de um helicóptero da FAP que também teve trabalho
arriscado não obstante o seu poder de mobilidade.
Foi
necessário abrir uma clareira na mata com auxílio de um homem pendurado pela
cintura e de uma serra eléctrica para cortar ramos de árvores.
Transportado
de helicóptero, António Cabrita, chegou a Serpa Pinto. O seu colega de
infortúnio fora de carro. No Hospital daquela cidade verificou-se que o piloto
tinha fractura exposta na perna esquerda, clavícula partida, pulsos feridos e
várias escoriações pelo corpo e na cabeça.
LOUVOR
MERECIDO!
SEM DUVIDA
QUE TODOS OS interventores nas buscas efectuadas merecem um elogio pela sua
abnegação, sangue frio e eficiência. Também a população anónima justifica um aceno
de simpatia pois pode dizer-se que Serpa Pinto esteve toda no Hospital a
aguardar o regresso dos "desaparecidos”. Mas há, efectivamente, um louvor
nosso para a colaboração imediata do Governo do Distrito, da FAP, da PSP e os
pilotos particulares que depois de localizarem o bimotor sinistrado efectuaram,
até final da operação de salvamento, voos em círculo, constantes, sobre o local
do acidente.
Esses voos
tinham por objectivo não perderem de vista o local e darem conforto moral aos
feridos que, com a presença dos aviões sobre as suas cabeças, tinham a garantia
de estarem a ser salvos.
Dado o
estado de saúde do piloto António Cabrita este veio, acompanhado de sua esposa,
D. Benvinda Fonseca, para Luanda, tendo sido internado numa Casa de Saúde, onde
foi submetido a intervenção cirúrgica.
A reportagem
de "SEMANA ILUSTRADA" procurou-o e ouviu-o no leito onde se encontra
a restabelecer-se. Ao lado, sua esposa, que simpaticamente nos acolheu.
O TECTO
ESTAVA COMPLETAMENTE FECHADO E NÃO TINHA POSSIBIDADES DE REGRESSAR AO PONTO DE
PARTIDA.
ANTONIO
CABRITA, O PILOTO que lutou com a morte e venceu-a, fala para os feitores desta
Revista. Depois de confirmar que eram quatro os ocupantes do "Cessna—336",
o nosso interlocutor fez questão em que, por nosso intermédio, fosse dirigido
um muito obrigado ao furriel do Exército que jamais o abandonou e transportou
às costas mais de 50 metros, e que, ao serem lançadas garrafas térmicas contendo
líquidos diversos para mitigar a sede de ambos, o furriel (cujo nome ignora)
apanhou uma que caiu a cerca de 70 metros e levou-lhe para que fosse ele o
primeiro a beber. Só depois, o "furriel desconhecido" levou a garrafa
à boca,
Magnífico
exemplo de solidariedade!
PERGUNTAS E
RESPOSTAS
— Há
quanto tempo reside em Serpa Pinto?
— Há três
meses que eu e minha mulher fomos para lá.
— Quando foi
brevetado e quantas horas de voo tem até ao momento?
— Fui
brevetado em Luanda há oito anos. Tenho mais de mil horas de voo.
— Conhece
bem a rota que seguia nesta sua última viagem?
—
Perfeitamente.
— Causas do
desastre?
— Foi o
temporal. O "tecto" estava muito baixo e não oferecia possibilidades
de perfuração pelo que tive de obter uma alternante de 80 quilómetros da rota,
próximo do Bucho, que fica distanciado desta cidade cerca de 70 quilómetros.
— ... E qual
era a rota?
— Baixo
Longa — Serpa Pinto.
— E o tempo
de voo?
— Quatro
horas e meia.
— Não tinha
possibilidades de regressar ao último ponto de partida?
— Não tinha
porque estava tudo completamente fechado.
— Qual é a
autonomia da aeronave?
— Seis horas
e meia.
— A que
horas descolou de Serpa Pinto?
— As oito da
manha para Vila Nova da Armada; tempo de voo: uma hora e cinco minutos; Vila
Nova da Armada-M’pupa; tempo de voo: 50 minutos; regresso a V. Nova da
Armada-Baixo Longa e Serpa Pinto, onde não chegámos.
— A que
horas se deu o desastre?
— Cerca das
15 horas de sexta-feira. Só fomos localizados por volta das oito horas da manhã
de domingo.
—
Portanto...
—- ... isso
mesmo!... estivemos todo aquele tempo ali na mata, à chuva, ao vento, com sede
e fome. Passaram por nós manadas de corpulentos animais, entre outros de menor
porte, embora não menos "sociáveis", que, felizmente, não nos viram
ou não nos ligaram a importância necessária para investir.
DEIXEI QUE A
SORTE ME DESSE AS MÃOS...
— É
evidente que teve a percepção do que ia acontecer. Como reagiu e qual foi o
comportamento dos passageiros?
— Já com os
motores parados tentei aterrar numa chana que divisei não muito longe. No
entanto acabei por perdê-la porque a neblina "fechou" completamente.
Deixei que a sorte me, desse as mãos e nos ajudasse. Não larguei o
"manche" do avião enquanto este não se imobilizou totalmente. Quanto
aos passageiros... mantiveram-se todos calmos. Só mais tarde se aperceberam do
acidente.
— Como
aterrou?
—
"Atirei" com o avião sobre a cúpula das árvores de grande porte para
amortecer a queda. Ao fim de 50 metros o bimotor estava imobilizado. Então
tentei sair. Verifiquei que era impossível fazê-lo só pelos meus próprios
meios. Vi que tinha uma perna partida, várias escoriações pelo corpo. Tentei
abandonar o avião para irmos — eu e os passageiros — para um sítio onde a nossa
presença fosse mais visível afim de facilitar as buscas mas era utopia. Não
podia mexer-me. Foi então que dois dos passageiros tomaram essa iniciativa
enquanto um outro — o furriel desconhecido — não me abandonou. E, apesar da
chuva e do traumatismo psicológico do acidente, ele ainda conseguiu levar-me às
suas costas cerca de 50 metros. Mas as minhas dores já eram tantas que tivemos
de ficar ali mesmo.
Após uma
pausa prosseguiu:
— Pedi ao
meu companheiro que fizesse uma boa fogueira com caixas de cartão e madeira
seca, que estavam no avião, pois estava tudo molhado e não se podia atear fogo
fosse ao que fosse.
E a fogueira
era um meio para alertar os socorristas.
— Recorda-se
a que horas chegou a Luanda?
A esposa
intervém para rectificar, uma vez que Cabrita Sousa não estava efectivamente
certo desse pormenor. É ela que nos diz: Seriam dez e meia. Pouco mais talvez,
mas não seriam ainda 11 horas.
— A que
horas foi operado?
— Eram duas
horas da tarde. Os médicos não estavam na Casa de Saúde. Era domingo, dia de
folga. Mas assim que foram alertados vieram com a urgência que o caso requeria.
O médico assistente da "TASA" foi incansável. O analista também.
Estou-lhes muito reconhecido.
JÁ TENHO
SAUDADES
—
Quando estiver completamente restabelecido volta a voar?
— Olha-nos.
Puxa um pouco o lençol para cima e, com um sorriso nos lábios, disse:
— Se
volto!... Já tenho saudades!...
O acidente aéreo ocorreu em Março de 1964, quando se procedia ao voo inaugural da TASA - Transportes Aéreos do Sul de Angola.
O acidente aéreo ocorreu em Março de 1964, quando se procedia ao voo inaugural da TASA - Transportes Aéreos do Sul de Angola.
Reportagem de Adulcino Silva, Semana Ilustrada.
Para José Pinto...
ResponderEliminarEm que data foi o acidente do avião da TASA?
Eu era Piloto lá e voei esse avião com o Barros.
Saí de lá em 1971...
O Barros morreu em 1976 no Calai.
Albertino Silva
Florida- USA
ALBERTINO.NJ@GMAIL.COM
ResponderEliminarEsteve em Serpa Pinto até 1971. Piloto da TASA com o piloto Barros.
O Barros morreu no Calai, num acidente, em 1976.
Cumprimentos
albertino Silva
Florida, USA