quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

90/70 “O BANDARRA”

Encontrámo-nos  pela primeira vez  na Ota nos primeiros dias de Janeiro de 1970, para  as inspeções de admissão  aos cursos de Especialistas, depois de já não nos vermos  desde o  final  de  1964,  quando  acabámos  o  quarto  ano  do  curso  na  Escola  Industrial  de  Torres Novas.
Base da Ota
O Joaquim Domingos Caixinha Monteiro assim se chamava, era fisicamente  uma fraca figura,  mas  tinha um génio capaz de mover o Mundo, e como de “génio e de louco , todos nós temos um pouco” o Domingos assim lhe chamava, tinha tudo dos dois.
Na escola primária, espetou uma caneta de aparo pregando a mão do colega na carteira, outra  vez foi à farmácia pedir glicerina e quando o farmacêutico lhe perguntou para que a queria ele, o bom do Domingos retorquiu  todo entusiasmado que era para fazer  nitroglicerina,  para ir à  pesca!!!
Outro dos motivos que o levavam a não passar despercebido, era a sua capacidade de comer tudo  o que apanha-se à mão, nunca se vislumbrando onde conseguia  meter  tanta comida,  pois era seco de carnes e não se lhe  adivinhava um pingo de  gordura.
Tudo  isto  vem  a  propósito,  da  alcunha  que  lhe  foi  im posta,  pelo  pessoal  do  nosso pelotão, “O Bandarra” por ele contar histórias mirabolantes que ninguém acreditava que  fossem  verdadeiras,  como nos tinham sido atribuídos os números 90/70 e 96/70, pertencíamos ao 3º pelotão e normalmente ficávamos na mesma mesa no refeitório, o bom do  Domingos estava sempre  a  “engendrar”  maneiras  para  conseguir  comer  mais  um pouco, e não interessava o tipo ou a qualidade da comida, o estado normal dele era “morto de fome”, um dia, a refeição era composta  por  arroz  de  tomate  com  pastéis  de bacalhau, feita a aposta, numa mesa de  doze, ele comeu: primeiro  a terrina de sopa, o pão, e quatro travessas de arroz, com os respectivos 36  pastéis de bacalhau, mais a  fruta,  de  seguida fomos  todos  para o bar pois ninguém  comera, e  ele  ainda  comeu  dois  pastéis  de  feijão para  empurrar  a  bica.
Alunos
Quando  chegou  a  hora  de  escolher  a  especialidade, apostou que conseguia  convencer 90 recrutas a irem para  Operadores  de  Comunicações  e  ganhou  a aposta, depois foi um dos muitos que desistiu, dos 90 chegaram pouco mais de 10 ao final do Curso. Numa noite de instrução noturna o Domingos desapareceu, tinha adormecido e quando  acordou já toda a gente se tinha vindo  embora,  resolveu  atalhar  para  não  ser apanhado  e  acabou  por  aparecer  com  uma  saca  de  pão  quente  e  uma  embalagem  de margarina  que  tinha  ganho numa  aposta  na  padaria,  era  este fura-vidas, que resolveu no final  da recruta fazer uma aposta com toda a caserna...  nas  férias  iria  ao  Algarve e voltaria com mais dinheiro com que saísse da OTA, as apostas subiram  a  um  montante que  nem  ele  com  toda  a  sua  lábia  conseguia  garantir,  não  sei  como  o  Capitão  da  recruta bancou  a  aposta, e numa sexta-feira lá partimos eu  e  o  “bandarra”  rumo  ao  Sul  para gozarmos  uma  semana  no  Algarve,  à  custa  dos  crentes  que  tinham  avançado  o  dinheiro.
Ilha de Faro
Com uma mochila cada, recheadas de conservas, chouriços, e tudo o que conseguimos angariar, saímos carregados pela longa reta que nos conduziria à EN 1 e a Vila Franca de Xira, adoptáramos a estratégia de aproveitar a guia de marcha para irmos até Lisboa de comboio, e depois  à boleia  a  partir  de  Almada,  e  o  primeiro  carro  que  apareceu  era  uma viatura  funerária,  ainda  reclamei  com  o  Domingos  para  que  não  fizesse  sinal,  que  aquilo dava  azar,  mas  nada,  assim  que  ele  levantou  o  braço  o  carro  parou,  já  trazia  pessoal  da nossa recruta, o condutor tinha uma “bezana” de todo o tamanho e fomos a beber por um garrafão  de  cinco  litros  até  à  estação  de  Vila  Franca,  onde  chegámos  já  todos  muito animados.
Levávamos  moradas  de  vários  camaradas  nossos  no  Algarve,  onde esperávamos  obter  alguma  ajuda  se  necessário.  Passado  o  cacilheiro  caminhámos  pela N10  até  arranjarmos  uma  sombra  onde  nos  sentámos  a  descansar, fizemos  as  contas  ao dinheiro  e  pelos  dois  tínhamos  cinquenta  e  dois  Escudos  para  uma  semana  de  farra.    
Portimão
Tínhamos comprado na feira-da-ladra,  vários adereços para  a  viagem,  dois  casacos  de uniformes  coloniais  de  caqui,  com  os  respectivos  chapéus  em  cortiça  forrados  do  mesmo material dos casacos,  dois  cantis  para  bebidas, levámos as sapatilhas de ginástica e jeans.
Seria fastidioso contar  todas  as  peripécias  por  que  passámos,  mas  em  1970,  dois marmanjos com o cabelo rapado, vestidos com  casacos e chapéu Colonial não passavam despercebidos  em  lado  nenhum,  estivemos  acampados  no  ilha  de  Faro onde conhecemos um piloto Alemão destacado em  Beja,  com  duas  filhas
 loiras,  um barco enorme,  onde fizemos ski aquático e tiro aos mergulhões. Passámos uma  noite na quinta do Lago, ainda em  construção,  fomos  à inauguração  da  discoteca  sete  e  meio  em Albufeira,  onde fizemos furor com a farpela, dormimos na pousada do INATEL,  passámos por Portimão e visitámos  a  família de  um camarada  nosso  que  o  Pai  era encarregado de uma fábrica de conservas e nos reabasteceu as mochilas, fomos a Lagos e a Sagres,  e  no  último  dia  de  férias. 
Com a família do nosso camarada
Tínhamos  tanto  dinheiro  que  resolvemos vir directamente de comboio, para encontrarmos uma infeliz  algarvia, que ia para Paris, com várias  malas  com  o  enxoval  para  se  casar  com  um  homem  que  ela  nem  conhecia,  mas  a que os pais a tinham prometido, fizemos a viagem no mesmo compartimento, em Tunes, se não  fôssemos nós teria perdido  metade  do  enxoval  na  mudança  do comboio, e  quando a confrontámos com as mudanças que teria que fazer na travessia de barco do Barreiro para chegar  a  Santa  Apolónia,  aí  é  que  ela  percebeu  no  imbróglio  em  que  a  tinham  enfiado. Comemos do farnel que ela levava, carregámos-lhe as malas até ao cais de embarque, mas na hora de  nos despedirmos dela não nos contivemos  a explicar-lhe que ninguém  a podia obrigar  a  ir  ao encontro  de  um  homem  muito  mais  velho  que  ela  nem  conhecia,  e  que  o mais  sensato  seria  ela   procurar  alguém  amigo,  ficar  por  Lisboa,  vender  as  tralhas  que trazia e juntar o que obtivesse ao dinheiro que os pais lhe tinham dado e seguir com a vida dela como muito bem entendesse, até hoje não sei se ela embarcou ou não. 
Chegámos à  Ota  na  última  hora  do  prazo  estabelecido,  contado  o  dinheiro,  ganhámos  a aposta,  mas  o  resultado  só  foi  confirmado  com  os  testemunhos  do  Zé  de  Portimão,  e  dos outros  com  quem  nos  encontrámos.
Até  hoje  nunca  mais  soube  do  Bandarra,  espero  que ele  leia  esta  historieta  e  dê  a  cara,  e  o  testemunho  do  que  nos  divertimos.
         
Por:
OPC ACO

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