quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

REPÚBLICA DOS TÁ-RI-RÁ-RIS

Em finais de 1971, fui para o Luso cumprir o meu segundo destacamento, na altura, não existiam ainda instalações para o pessoal, cada um desenrascava-se como podia, normalmente indo ocupar o lugar do substituído onde e com quem ele vivesse. 
As refeições eram tomadas num restaurante civil, (a Pensão Nobre) sendo o pessoal “arrebanhado” por um transporte militar (quando se vivia em sítios mais ou menos dentro do limite da cidade) era o salve-se quem puder, com o poder de desenrasque Português a imperar sobre a anarquia da organização militar.
Existiam pontos de embarque, no Luso Hotel, onde viviam os Oficiais dos três ramos das Forças Armadas, e alguns furriéis pilotos, na República dos Saltimbancos, e o resto da canalha, esperava ou na pastelaria, ou na berma da estrada e apanhava boleia onde mais lhe convinha.
Neste contexto a República dos TÁ-RI-RÁ-RIS, foi criada pela necessidade de suprir a falta de alojamento para os Operadores de Comunicações, que com a criação do Sector Aéreo do Leste de Angola, (SECARLESTE), foram sendo sucessiva e permanentemente colocados no AM-44, (LUSO), acabando com a situação de destacamentos a partir do AB4, e aumentando substancialmente o efectivo sem que houvessem para tal instalações apropriadas para o efeito.
Edifício da República
Quando “aterrei” no Luso, existiam dois cubículos só com uma porta, sem luz ou água  potável, nas traseiras do Luso Hotel, onde a título excepcional e de forma mais ou menos clandestina, dormiam parte dos operadores  que  mantinham no ar 24  horas  por dia  o  posto  de  rádio  existente,  (primeiro  de  forma  provisória numa  viatura  móvel, e posteriormente nas instalações do hangar existente no aeroporto) mas numa área militar que  foi  crescendo  com  o  desenvolvimento da própria luta armada e o seu  consequente deslocamento para Leste; para além destas duas  “arrecadações”, existiam ainda  outros locais dispersos inclusive pelas sanzalas em torno do aeroporto, o que tornava por vezes impraticável, a localização do pessoal  de serviço por não existir uma morada fixa para o mesmo, nem forma expedita de o contactar.
Tentei desde a primeira hora mobilizar os Operadores “residentes”, para a vantagem de existir um espaço fixo com condições de salubridade suficientes para poder albergar todos os OPC’S, evitando as situações existentes de ninguém ter um local para deixar os parcos haveres, tomar um banho, fazer uma refeição, ou simplesmente um espaço onde nos pudéssemos encontrar para conversar ou fazer o que nos apetecesse, mas embora todos estivessem de acordo ninguém se voluntariou para assumir qualquer responsabilidade quanto ao facto.
Entretanto foi criado o SECARLESTE, e como a minha relação com as chefias de Carvalho não era a mais “coloquial” fui por minha expressa vontade, o primeiro Especialista de Comunicações a integrar o quadro permanente de pessoal do AM-44.O núcleo fundador da República, foi composto essencialmente por operadores da primeira incorporação de 1970, o autor, Martins, Costa, Cardoso, Zé Galo, Gomes, Vilhete, a que se foram  juntando outros de outras incorporações como o Moutinho, Vaz, Pina, Gesaro, Neves, Abreu, Casaca, Fernandes, Timóteo, só para citar os que de forma mais ou menos permanente passaram pela República.
O nome de baptismo resultou da “decomposição onomatopeica” da Lêtra “C” de Comunicações,  em código Morse, composta por uma sequência de “traços” TÁ ou RÁ e “pontos”  RI ou plural RIS, resultando no compósito: TÁ-RI-RÁ-RIS, ou seja os (CÊS) para leigos. Como outras Repúblicas, tinha um regulamento, corpos gerentes e um distintivo, ou  crachá,  constituído  por  um  boneco  representando  um  cabo  especialista  OPC,  a transmitir com uma chave de Morse. O número de ocupantes, estava condicionado pelas dimensões  do  próprio  edifício,  mas  variava  consoante  a  necessidade  de  alojamento.
O  seu  apogeu  deu-se  nos  anos  de  1972  e  1973,  antes  da  inauguração  do  selfservice,  e  da  implantação  das  novas camaratas  no  perímetro militar do aeródromo, a partir dessa data, alguns  dos  residentes  recém  chegados começaram a questionar a necessidade  de  manter uma casa na cidade, com as  despesas  inerentes, quando as instalações militares ofereciam já boas condições; prevaleceu a opinião dos fundadores, relutantes em abandonar  um  local  neutro  onde  cada  um  podia  ter  o  seu  espaço,  e conviver  com  outros  militares  de  outras  especialidades,  ou  civis  que  também frequentavam a República, e que era o  oásis retemperador, por comparação com os “buracos” que constituíam os destacamentos do Leste de  Angola, e cito: Neriquinha (o buraco do cu do mundo) único destacamento conhecido em que a  guarnição era composta por dois especialistas, um OPC e um MRádio, Cuito Cuanaval, Gago Coutinho ou o Cazombo.


Por:
OPC ACO

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