sábado, 3 de janeiro de 2009

NOITE DE CAÇA NO CAMAXILO

Algum pessoal do Camaxilo...e o Unimog
Talvez e por força das circunstâncias eu tenha sido um dos elementos que mais tempo de destacamento tive enquanto estive no Leste.

Não direi que fui mesmo aquele que mais tempo permaneceu no Camaxilo, por exemplo, porque também houve alguém que lá esteve seguramente muito tempo. Estou a referir-me ao meu amigo Fonseca MELEC que foi um veterano do AM42. Tive ainda o prazer de conviver com ele no Camaxilo, sendo mesmo aquele que me guiou para reconhecimento da área e me iniciou nas artes sanzalinas! Ele acabaria de regressar ao AB4 após aquela longa estadia no AM ficando eu então ainda por lá algum tempo mais .
Nalguns escritos, pois o local a isso se prestava, fui escrevendo algumas crónicas e reparo agora, após reactivar as memórias que estive exactamente: 11 meses no Camaxilo, 6 meses no Cazombo, com 13 de Henrique de Carvalho, sendo que destes 13 meses alguma parte fosse repartida entre o Luso, Cuito, e Teixeira de Sousa, de onde mantenho ainda um excelente quadro batido a cobre, que por lá me ofertaram, quando na campanha anti-cólera.
Também e segundo alguns rabiscos de ocasião me fazem vir à lembrança uma das composições do quadro de pessoal no Camaxilo que era assim: 1 Oficial , 1 Sargento, 1 ENF, 1 OMET, 1 MELEC e 1 OPCOM, 1 MRAD , 2 Cabos e 12 Soldados PA , 1 SG Condutor e 2 Cozinheiros Civis.
Como recordar é viver, não poderia deixar de passar em claro um episódio que só não teve consequências trágicas porque seguramente a sorte esteve no nosso lado. 
Uma daquelas noites como já houveram tantas outras atrás, estava decidido empreendermos mais uma caçada nocturna. Era hábito nos AM´s este tipo de “divagação”, que alguma carne nos trazia. 
Geralmente a caçada iniciava-se com a saída do AM logo após o jantar e reunida toda a equipa com verificação do equipamento e lá íamos com o Soldado Pato [SG] a conduzir aquele Hunimog que tão bem conhecia aqueles sinuosos caminhos. 
O destino era a Chana do leão. Havia quem dissesse que o homem é só mesmo um grão de nada no meio da chana.
Um pensador da época de nome Sekulu dizia mesmo num dos seus escritos :
Não andes em círculos ou espiral, o tempo avança! Avança sempre como espada recta crescendo.
É uma chana sem fim o tempo, sem floresta para cercá-lo e como todas as chanas tem vento vestindo brisa ou garro alevantando calemas de muxitos.
Pois era assim mesmo … e foi esse o nosso destino nessa noite.
Após uma caçada até bastante boa, tínhamos já na altura 6 cabras, decidimos então empreender o caminho de regresso. Presto aqui homenagem a um excelente atirador, e amigo, que tínhamos no AM, nessa altura, e que era conhecido pelo dezoito, porque o seu número mecanográfico era 18/71,1.º Cabo PA. Militar de estatura baixa corpo franzino mas de G3 raro era o animal que lhe escapava. Eu, era nessa noite, como em quase todas as outras, o farolinador de serviço, arte que “herdei” do Fonseca [MELEC]. A arte de farolinar devia estar bem associada ao atirador de serviço, pois e para quem não sabe, tínhamos de “puxar” o animal para o mais perto possível de nós até estar ao alcance do tiro, pois ir ao seu encontro quase sempre originaria a fuga do animal.
Lembro que apenas os olhos se distinguiam na noite e só mesmo por estes nós sabíamos que tipo de animal era.
Não é fácil andar de noite, nem de dia, na chana disso tenho eu experiência própria pelas muitas noites perdidas, quer na chana da Cameia quer na do Leão. Perdermo-nos é a coisa mais fácil de acontecer, porque no constante ziguezaguear perdemos a noção dos caminhos.
Era madrugada cerrada, nessa noite não conseguíamos dar com o caminho de regresso. O Pato atravessava por entre mata com e sem trilhos, até que caímos numa vala. O radiador furou e ficamos por ali tentando arranjar maneira de o reparar. Lá conseguimos um reparo de ocasião e iniciámos a marcha. 
Estávamos perdidos. O dia nascia e continuávamos perdidos. Mais um dia de caminhos entre o ir e voltar e nada. Mais uma noite a aproximar-se e nós sem rasto de volta. Mais um dia mais percursos. Foi já na 3ª. noite que sem darmos conta estávamos numa sanzala completamente isolada no mato. 
A nossa situação foi explicada, graças ao Pato que sendo oriundo de África falava e entendia alguns dialectos. Nessa noite ficamos por ali mas sempre despertos e alertas, o caso não era para menos. 
No outro dia e já com as indicações dadas fomos ao caminho andamos todo o dia e já de madruga a dentro avistamos um clarão na noite, que nos pareceu ser do AM. 
Era mesmo, pois algumas horas depois estávamos a chegar a casa. 
Vínhamos famintos mas por incrível que pareça o Alferes Silva, que na altura comandava o destacamento, não nos deixou comer, alegando que não acreditava que nos tivéssemos perdido, já que quer eu quer o Pato devíamos conhecer bem os caminhos tantas as viagens que já havíamos feito até à chana.
Ficámos em “branco” e sem carne, que tinha sido dada na sanzala, afinal teria servido para trocar pela informação do caminho para o AM. 
Aqui, e já depois de analisar-mos tudo que havíamos passado, uma pergunta. Como sabiam aqueles estranhos na sanzala qual exactamente o caminho para o AM ? 
A resposta foi dada uns dias depois. Estávamos no Posto de Transmissões e na rádio uma notícia de uma emissora ocasional local dava conta do aparecimento de um veículo, perdido, com militares em determinada hora e local. Falavam de nós. Diziam na noticia que estivemos num Posto de Abastecimento Local [ PAL] e que não nos fizeram mal algum porque nos tinham a nós os da Força Aérea por pacíficos, ao contrário do pessoal do exército que eles consideravam muito mais perigosos e nada amistosos.
E…este foi mais um rabisco no meu Álbum de Recordações do AM42 .

Virgilio Oliveira [ENF]