A JANGADA DO LUNGUÉ BUNGO
Era um
estrutura flutuante, composta por quatro fiadas de tambores, de largura e uns
dez de comprido, daqueles que eram utilizados no armazenamento e
transporte de combustíveis, gasóleo, gasolina e petróleo, de duzentos litros,
ligados uns aos outros por uns cabos de aço, e presos, por baixo de uma
estrutura de madeira grossa, que recebia a camioneta de tonelagem até dois mil
quilos ou, dois Land rover, de caixa aberta. Era uma estrutura bem estudada,
uma autêntica obra prima da nossa engenharia.
Este conjunto
estava preso, nas suas duas extremidades do seu comprimento, a dois cabos
de aço com duas roldanas nas pontas, para facilitar a sua deslocação, que
por sua vez, estavam enfiadas num outro cabo de aço, mais grosso, preso às
duas margens do rio, onde existiam duas enormes roldanas, uma de cada
lado, que a puxavam para a margem pretendida, tarefa essa que estava a cargo de
dois nativos.
Caso a
jangada estivesse no lado contrário, ela teria que ser puxada para aquela e,
isso obrigava a que outros dois nativos, atravessassem o rio numa
canoa, para o lado pretendido. Estes quatro executantes, vivam num quimbo ali
próximo, situado na sua margem direita e executavam o serviço a troca,
creio eu, de uns cem escudos. A avaliar pelo cumprimento da vara
utilizada na condução da canoa, o rio era mesmo muito fundo e correntoso e a
outra margem não se via.
Era por esta
via que se alcançava o posto administrativo do Lutuai e, também, se podia
fazê-lo pela via do Lucusse, e, uns quilómetros logo a
seguir ao destacamento dos fuzileiros, junto à ponte sobre este
mesmo rio, virava-se à direita para Cassamba (velha) e, mesmo à
entrada desta, voltava-se, novamente à direita, andava-se para trás.
Ponte de Lungué Bungo e destacamento dos Fuzileiros |
A travessia
fazia-se em cerca de uma, arrepiante, meia hora. Sentia-se um enorme alívio
quando se alcançava a outra margem. Cheguei a atravessá-la de noite e, também,
cheguei a ouvir relatos de acidentes ali ocorridos, com a perda de viaturas,
carga e algumas vidas.
Da última
vez que a utilizei, pouco tempo depois do vinte e cinco de abril, quando ainda
tudo andava atordoado, os tambores, tinham sido substituídos por uma enorme
banheira de ferro mas, os métodos de funcionamento, continuavam os mesmos,
situação, um tanto ou quanto parecida com aquela que então se vivia.
A CONSTRUÇÃO DE UMA CUBATA
Até aos meus
quinze anitos, vivi muito de perto com as populações da etnia ganguela. Julgo
ter conhecido muitos dos seus hábitos e costumes e assimilado, muitos deles. É
um pouco desse conhecimento que eu pretendo aqui transmitir-vos. O que
irão fazer com ele ou, que utilidade vos irá prestar, no vosso dia a dia,
não sei, mas olhem que isto poderá enriquecer a vossa cultura geral.
Ora muito
bem, a estrutura base, era constituída por pequenos troncos/mutondos, com o
diâmetro aproximado de dez centímetros e com uma altura de um homem, na
linguagem nativa, isto é, cerca de dois metros de altura. Estes mutondos eram
aguçados numa das extremidades, para facilitar o seu enterramento no solo.
Ficavam distânciados uns dos outros, cerca de dez a quinze centímetros, em
forma circular, rectangular ou em quadrado, consoante os desejos do seu
proprietário ou o seu estatuto social.
Eram depois
ligados uns aos outros, por dentro e por fora, através de uns ramos esgaçados
ao meio e atados com londovis, um atilho extraído de um arbusto rasteiro a que
davam o nome de bissapa, de alto a baixo, com intervalos, entre eles, de cerca
dez centímetros.
Depois, os
intervalos deixados nesta estrutura, eram preenchidos com uma argamassa, de
terra vermelha, misturada com capim e água e, por fim, alisada e algumas até
eram caiadas.
A maioria
destas cubatas eram de uma única divisão, com uma entrada. As maiores, com três
divisões, mantinha a porta a meio e uma janelita em cada divisão. Não
convinha terem muitas janelas ou portas, por causa do frio.
Mas, esta
mesma estrutura podia ser mais económica, isto é, dispensar a ligação interior
e ser revestida, exteriormente, por pequenos molhos de capim, a exemplo do
tecto, como a seguir tentarei explicar.
Quanto ao
tecto, seguia as mesmas regras, apenas com ligações exteriores, aonde seriam
atados os pequenos molhos de capim, com uma técnica muito própria e, essa
cobertura começava cá por baixo, a toda a volta da cubata e ia subindo, em
forma de sucalcos, evitando desta forma a entrada da chuva e do vento. Estes
telhados eram, como todos nós sabemos, em forma cónica ou triangulares, a
exemplo das nossas casas.
Todos os
materiais ali aplicados, provinham da mãe natureza. Eram construções
verdadeiramente ecológicas. Tinham uma duração de vida considerável, aguentavam
bem o mau tempo e só o fogo ou uma forte tempestade, as derrubava.
OS
CAMUSSEQUELES OU BOCHIMANES
Eram
uma tribo que não tinha poiso certo. Vagueava por todo o sertão angolano, em
zonas áridas, nharas/chanas e pelos países vizinhos do Botswana, SWA, Zâmbia e
Africa do Sul.
Viviam
daquilo que a floresta lhes proporcionava, principalmente do mel, ratos, raizes
e frutos silvestres.
Para
quem não conhece, existia em Angola, umas abelhas mais pequenas do que as
normais, que fabricavam o seu mel, não em colmeias mas, nos buracos feitos
pelos roedores e era deste que eles se alimentavam.
Eram
de baixa estatura, de cor acastanhada, com os olhitos tipo chinocas e falavam
aos estalitos, mas também falavam outros dialectos.
Como
bons conhecedores da floresta, eram exímios caçadores, viciados em liamba e,
excelentes guias.
O
nosso exército utilizava-os com muita frequência, na zona leste, na perseguição
dos então "turras".
Não
conviviam com as outras etnias e, eram mesmo discriminados.
Eram
bons fregueses do meu velhote e, convivi muito com eles, curioso de aprender a
sua linguagem.
A CONSTRUÇÃO DE UM MUQUIXE
A sua base
começava na cabecinha, tipo capacete, feito de pequenos e leves ramos,
ainda verdes, para melhor serem trabalhados e não se partirem. Eram ligados
entre si por londovis.
A partir
daqui, ao capacete eram adicionadas outras formas, tudo feito com pequenos e
verdes ramos, pelo motivo já apontado e ainda por causa do seu peso.
Das formas podiam nascer um cone, do tipo, unicorne, que tinha a
designação de tchicunza, com dois ou quatro arcos, em forma de lua ou,
simplesmente, o capacete.
Muquixe em cerimónia da Mucanda |
A par disto,
todo o corpo era revestido com uma espécie de renda artesanal, muito bem
trabalhada, onde sobressaiam as cores preta, vermelha e branca.
À cintura
levavam uma espécie de saiote, feito de sisal, com duas ou mais voltas e, nos
tornozelos, uma espécie de guizos.
Ao som do
batuque e, em movimentos ritmados e cincronizados das ancas, das pernas e dos
pés, o artista, rodeado de mulheres, batendo palmas cantando e gritando, dava
vida ao saiote e, levantava poeira.
Estas danças
tinham vários interveniente, em simultâneo e a festa durava todo o dia. Também
eram revesados. Poderão imaginar o esforço dispendido pelos artistas.
Isto
acontecia, normalmente, no fim da mucanda que, no próximo artigo, irei abordar.
Eu era mesmo
muito entendido nesta arte, se lá tenho ficado, tinha o meu futuro assegurado.
A CONSTRUÇÃO DA MUCANDA
Começo por
vos confessar que nunca entrei em nenhuma e, o que vos vou descrever, é um
testemunho de um dos nossos colaboradores, mais conhecidos por serventes, que a
frequentava. Era um local onde apenas os circuncisados tinham acesso,
algo afastado dos quimbos e, normalmente, à beira de um curso de água,
todo ele cercado e revestido com capim, para o tornar mais acolhedor, com umas
palhotas para albergar os responsáveis e acompanhantes, todos
eles lungas/homens. As crianças circuncisadas dormiam ao relento, à volta
da fogueira, despojadas das suas roupas, ficavam todas nuas.
O acto
propriamente dito, o corte do kinhunga, do tapa chamas, como eles gostavam de
falar, ou do prepúcio, era executado a sangue frio, sem qualquer
anestesia, com uma navalha bem afiada, manejada por um homem experiente nestas
lides. Os garotos eram segurados pelos adultos. O enfermeiro só era chamado, em
casos de infecção.
No final de
alguns meses, com a ferida já cicatrizada, era organizada uma festa de arromba,
com batucadas e a dança de muquixes que durava todo o dia. No final deste
evento, aquelas instalações eram destruídas pelo fogo.
Depois deste
acto, as crianças eram consideradas adultas e, a casa que então partilhavam com
os pais, deixava de nela poder entrar e, por isso, no decurso desta estadia,
era-lhe construida uma cubata.
Mas as
mulheres, também, tinham a sua mucanda. Quando à rapariguinha lhe vinha a
sua primeira menstruação, ela era desflorada e, o método, segundo contavam, era
também violento e consistia na introdução na sua vagina um pau afiado na ponta,
ao contrário do que ainda hoje acontece na Guiné em que lhes é extraído o
clitóris.
Sofria
também um retiro de alguns dias do seu ambiente familiar e também, se
tornava adulta com moradia própria.
Custa-me a
acreditar que este acto, tenha alguma coisa a ver com a impossibilidade de
estas crianças ou jovens , serem desvergindadas, de forma natural, pelos
seus pares, por estes possuirem um grande pénis que não se alterava com a
excitação.
Na nossa
linguagem vernácula, quer ele estivesse teso ou murcho, o tamanho era sempre o
mesmo.
Mas
era isto se servia de explicação para tal violência.
Fiquem bem e móioué.
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