ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992
Durante o mês de setembro de 1992 ocorreram
algumas tempestades tropicais, no centro de Angola, as quais eram bastante
perigosas para a aviação. Recordo estar na placa e ouvir no rádio a torre de
Luena informar que iria aterrar uma aeronave em emergência. Era um pequeno
avião de passageiros, com um motor em cada asa e a fuselagem ao centro. O
Beechcraft C-90 GT, conhecido no meio aeronáutico como o menor dos
turbo-hélices da família King Air, estava em sérias dificuldades para conseguir
chegar a Luena. Pouco tempo depois do reporte, o piloto conseguiu aterrar e
conduziu o King Air para a placa, tendo vindo estacionar na zona normalmente
utilizada pela ONU. Desloquei-me ao aparelho em questão para ver se podíamos
auxiliar em alguma coisa. Ao ver a aeronave assaltou-me a imagem que Beechcraft
tinha andado à bulha com um leão. Ou melhor, com um bando de leões, tal
era a quantidade de arranhões profundos e amolgadelas na chaparia; antenas
arrancadas à fuselagem; hélices ratadas; vidros rachados; lemes e ailerons
amachucados; luzes de navegação e faróis de aterragem partidos; e até a faixa
de borracha preta, que revestia o anticongelante no bordo de ataque das asas,
estava feita em tiras e pendia em franjas. Mas aquilo que mais impressionava
era o tremendo abalroamento no nariz pontiagudo da fuselagem. Dir-se-ia que
alguém tinha dado um valente murro no nariz do Beechcraft, transformando o que
era côncavo em convexo.
- “Já estava a ficar aflito” - disse o
piloto-comandante ao sair do avião – “ fiquei sem a antena de GPS, não sabia onde estava, e o nível de combustível nos depósitos estava a ficar francamente baixo. Segui um rio afluente do Zambeze voando para Noroeste na esperança que fosse o Luena. Correu bem, mas apanhei um susto. ”
O copiloto estava francamente enervado e
quase não falava. Quando saiu do avião meteu os calços nas rodas e foi fumar um
cigarro para longe.
- “Mas o que é que vos aconteceu para
ficarem com o avião neste estado? – Perguntei curioso enquanto examinava a
borracha protetora do sistema anticongelante feita em tiras.
- “A Sudeste daqui há uma parede de
Cúmulo-nimbos. São incrivelmente altos, mais de 45.000 pés, não tínhamos
capacidade de passar por cima. Tentámos atravessá-los na perpendicular mas,
pouco depois de entrarmos nas nuvens, parecia que tínhamos batido contra uma
parede de gelo. Não se via nada para fora; só relâmpagos e bolas de gelo a
baterem no avião com uma grande força. Perdemos potência; ficámos sem GPS; não
tínhamos informação de velocidade nem de altitude. Ainda bem que vínhamos
sozinhos porque se trouxesse passageiros teria sido o pânico abordo.”
Aeroporto de Luena |
Ofereci a nossa hospitalidade e os meios
de comunicação que tínhamos disponíveis para o piloto contactar a sua
organização. Abasteceu com o combustível do aeródromo e, antes do final do dia,
voltou a descolar rumo a Luanda. Ficou-nos a lição de que a mãe natureza
continua a reinar e em África, havia CumulonimbusAfricanus!
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.
(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)
Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.
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