O POSTO ADMINISTRATIVO DO MUIÉ
Muié vista áerea, foto Bat."Ás de Espadas" |
Pertencia à Circunscrição dos Luchazes e situava-se na margem direita do Rio
Muié, que lhe deu o nome. Tinha uma avenida larga, talvez com uns vinte metros
e cerca de mil de comprimento, toda ela ladeada de eucaliptos adultos, com mais
de trinta anos. Situado numa zona plana, com
ligeira inclinação para o referido rio e do qual distava cerca de uns
quinhentos metros, mais coisa menos coisa.
Mas eu peço-vos para se deterem por uns segundos,
na foto acima e acompanhem a minha descrição, que
irei fazer, com alguma emoção. Antes porém, devo referir que vou começa-la pelo
posto, povoação, em si e, só depois e em separado, irei descrever a missão que
começa ou acaba, consoante a entrada ou a saída, aqui mesmo na parte inferior
desta mesma foto. A fotografia é aérea e foi tirada por um dos nossos amigos da
FAP, do tempo do Mambo (Carlos Sequeira) e já tive a oportunidade de lhe agradecer.
Então temos, a primeira edificação que se vê, é a
enfermaria dos acamados e logo de seguida a residência do enfermeiro e
enfermaria. Esta construção e a do posto que irei citar de seguida, foram
construídas na minha ausência, andava eu na 3ª. classe, na Escola Primária 53,
no Luso. Estes três edifícios foram construídos, em pouco mais de um ano
lectivo. Naquele tempo, não se brincava em serviço. O pedreiro-mor, era um cabo verdiano a quem o meu pai construiu, nos arredores do nosso quintal, uma
bela cubata.
Os nossos antigos, traçavam tudo a régua e
esquadro. Reparem bem na foto.
A seguir à residência do enfermeiro, havia uma
construção de adobe, coberta a folhas de zinco ondulado, que servia de sala de
aulas aos indígenas e logo a seguir, a minha escola e residência do professor.
Um prédio enorme, também de adobe mas coberto a capim. Tinha uma varanda à toda
a volta, com uma proteção em madeira. Este foi o primitivo posto
administrativo. Nas traseiras, existia um outro imóvel mais pequeno que,
naquele tempo, servia de cadeia. Mais atrás, existiam umas cubatas dos sipaios.
Tudo rodeado de eucaliptos adultos e jovens.
Muié vista parcial da Sanzala, foto Bat."Ás de Espadas" |
Sobre a cadeia, vou contar-vos uma história. Isto
passou-se no início dos anos sessenta, quando o chamado terrorismo, surgiu no
norte da província ultramarina. As autoridades administrativas e não só,
puseram-se logo em campo, no sentido de controlarem tudo e todos,
particularmente os nativos, com receio de que aquela "febre" se disseminasse pelo
resto da província, o que veio mesmo a acontecer e com dureza, a partir dos
anos 1966/67, nesta zona, concretamente.
Fizeram umas detenções e chegaram mesmo a torturar,
como era hábito, alguns desgraçados, com a ajuda de uma secção do nosso
exército que para ali havia sido destacada. Segundo diziam à boca pequena,
alguns não aguentaram o referido tratamento e sucumbiram e, foram, pela calada
da noite, levados na viatura da administração e abandonados no Rio Cussibi. Não
sei se foi ou não verdade. Eu era apenas um kanuqui com uns dez ou doze anitos.
Mas a história não fica por aqui e o melhor vem já de seguida.
Os presos dormiam acorrentados e, como não podiam sair para urinar, faziam-no numa esquina interior da referida cadeia, contra a parede. Não sei se estão a ver o filme, adobe com água ou mijo, o efeito era o mesmo, a parede tronou-se vulnerável. E, uma bela noite, ao som dos canitos, todos os reclusos deram o fora, depois de terem escavado a referida parede, desapareceram na escuridão da noite, por aquele mato fora. Ora bem, o sipaio responsável por aquela tarefa, era o principal e único suspeito.
Os presos dormiam acorrentados e, como não podiam sair para urinar, faziam-no numa esquina interior da referida cadeia, contra a parede. Não sei se estão a ver o filme, adobe com água ou mijo, o efeito era o mesmo, a parede tronou-se vulnerável. E, uma bela noite, ao som dos canitos, todos os reclusos deram o fora, depois de terem escavado a referida parede, desapareceram na escuridão da noite, por aquele mato fora. Ora bem, o sipaio responsável por aquela tarefa, era o principal e único suspeito.
O chefe do posto e os militares que conduziam
aquela operação, para não darem nas vistas e não serem motivo de chacota, por
parte dos nativos, resolveram ordenar ao cipaio que fosse a Cangamba buscar o
correio, coisa nunca feita, isso era da responsabilidade do chefe, para aí ele
ser então preso, longe das nossas vistas.
O sipaio, prevendo aquele desfecho, acatou as
ordens e partiu, só que em sentido contrário, fugiu para Zambia e foi-se juntar
aos prisioneiros fujões.
Quando se deu o vinte e cinco de Abril, este amigo,
foi lá a casa visitar-nos e entre outras passagens, este, foi tema de conversa.
Fartei-me de rir com ele a contar esta peripécia. Afinal, os patrício tem
esperto nos cabeça.
Mas voltando à escola, à sua frente existia um
cerca, mesmo junto aos eucaliptos, com um portão, canteiros de flores e, do
outro lado da avenida, um enorme descampado, ocupado, entrando, por aquela
enorme sanzala e ao fundo desta, a caminho do rio, a pista de aviação.
O professor era de raça negra, foi o primeiro e
único que tive, era uma pessoa bem educada, simpático, afável e ensinava bem.
Como não existiam ali restaurantes, comia em nossa casa e, nunca mais me
esquece, quando se foi embora - só lá esteve um ano -, como não havia recebido
o seu vencimento, entregou ao meu pai uma máquina fotográfica, cujo valor o meu
pai desconhecia mas, aceitou-a e, deu como saldadas as contas. Possuo algumas
fotos tiradas com essa máquina. Cruzei-me uma única vez com ele no Luso, andava
eu já no 1º. ano do CGC.
E quem não se recorda das moscas pela manhã, que se colavam nas nossas costas. Íamos todo o caminho para a escola, com uma bissapa a enxotá-las.
Muié vista áerea, foto de Carlos Antolin |
E quem não se recorda das moscas pela manhã, que se colavam nas nossas costas. Íamos todo o caminho para a escola, com uma bissapa a enxotá-las.
Continuo a explorar apenas o lado direito da já referida avenida, da
fotografia, antes que a fonte se esgote e receba por aí a vizita daquele senhor
"Alzaimer".
A seguir às moscas, vem o novo posto administrativo, meu contemporâneo mas que,
como já disse, nasceu na minha ausência.
Era um edifício moderno, à boa maneira colonial, ficava lá nas alturas, como se fosse o trono do régulo D.Aleixo. A secretaria ficava virada para a avenida, com um amplo descampado à sua frente, possivelmente, destinado a jardim, quiçá, uma mini praça do império e, o seu acesso fazia-se por uma escadaria, ladeada de ambos os lados por uma estrutura de ferro e, ao cimo, uma varanda, também esta, rodeada por idêntica estrutura e com um banco corrido, para descanso do sipaio e das visitas. O acesso à residência fazia-se também por uma escadaria, lateral, do lado esquerdo.
Instalações do Quartel, foto Bat."Ás de Espadas" |
Era um edifício moderno, à boa maneira colonial, ficava lá nas alturas, como se fosse o trono do régulo D.Aleixo. A secretaria ficava virada para a avenida, com um amplo descampado à sua frente, possivelmente, destinado a jardim, quiçá, uma mini praça do império e, o seu acesso fazia-se por uma escadaria, ladeada de ambos os lados por uma estrutura de ferro e, ao cimo, uma varanda, também esta, rodeada por idêntica estrutura e com um banco corrido, para descanso do sipaio e das visitas. O acesso à residência fazia-se também por uma escadaria, lateral, do lado esquerdo.
A seguir a este, vinha a primeira loja da firma
Pinto Martins, gerida pelo amigo António Roque, a quem o nativo atribuiu o
cognome de "kessi na mila", o que traduzindo quer dizer mais ou menos, aquele que
não tem tripas, por ser alto e magrinho. Este amigo era ali de Vila Nova de
Tazém.
A loja era rodeada de uma varanda e do seu lado
direito, existia um enorme jango, que era utilizado com sala de estar e de
refeições, já que o edifício principal apenas possuía um pequeno armazém, um
quarto e uma privada. Atrás desta loja, ou comércio, encontrava instalada uma
descascadora de arroz, ainda no meu tempo. E aqui, vou, para memória futura,
fazer mais um desvio, para vos dizer que, esta zona produzia muito arroz e
cera, mas o forte era mesmo arroz de sequeiro. Ora a técnica utilizada pelo
nativo, no seu descasque, era o pilão e, o arroz era todo partido,
transformava-se em trinca, sem qualquer valor comercial. A nova medida, apanhou
todos de surpresa e não foi do agrado nem dos produtores, nem dos
comerciantes. Uns porque se julgavam prejudicados no preço e outros porque não estavam
preparados para tal mudança. O meu velhote optou por esvaziar uma divisão
contígua à loja e despejar para ali o arroz, depois de pesado e pago. Depois,
outro problema surgiu que foi o transporte para a descascadora e, depois de
descascado, para o armazém. Eram ainda perto de trezentos metros de percurso.
Entre o posto e este comércio, existia um arvoredo,
bem capinado, e relvado na época das chuvas, por graça da natureza.
Depois, a seguir vinha o comércio do senhor
Gonçalves, pai do meu amigo e colega Dionísio Gonçalves. Em termos de áreas, as
lojas eram parecidas mas esta, era a única que não possuía varanda à volta.
Tinha um quintal, todo cercado, com laranjeiras, tangerineiras e uma horta.
Era o único comerciante que possuía uma carripana Ford. Viajei nela, pelo menos umas três vezes, duas em picknick e uma a
Cangamba, para fazermos exames e, mais um desvio para vos contar uma passagem
engraçada, com o meu irmão Manel. A carrinha enterrou-se e, toda a gente saltou
da sua carga para ajudar e, aproveitou-se o momento, para nos aliviarmos. Só a
nossa professora não o fez, não largou a cabine. Então o puto, saiu-se com
conta boca: -"todos mijam só a professora é que não". Foi uma risada.
O certo é que a professora só se aliviou em Cangamba e, olhem lá, foram umas
quatro ou cinco horas de viagem.
Nesta viagem, matou-se um nunce e, como não havia
lugar para ele, na viatura, a peça ficou à guarda de uns nativos que, do nada
ali pareceram. Ficou combinado no regresso, recuperarmos parte do bicho. Mas o
mais engraçado, foi quando chegamos a Cangamba, já toda a gente sabia da
caçada. Olhem que não existiam telemóveis!
E vamos voltar à picada mãe.
DO 27 em trânsito, foto de Carlos Gomes da Silva |
E vamos voltar à picada mãe.
Monumento ao Cap. Costa Martins, foto Bat."Ás de Espadas" |
Esta nossa morada tinha umas sete divisões e no quintal, que era enorme, tínhamos mais
Casa e família de Antonio Gomes |
Para nos mantermos, minimamente, informados, todos
os comerciantes tinham um rádio, o nosso era da marca Philips, utilizava uma
enorme bateria do mesmo tamanho do rádio e só funcionava nas horas dos
noticiários, da Emissora Oficial, no horário das comunicações, via P19 do chefe
do posto e à noite, para o meu pai, à socapa, escutar a BBC de Londres,
transmitida através da Africa do Sul, o que era proibido.
Um belo dia, o chefe desconfiou destas escutas
ilegais e, resolveu, confiscar todos os rádios ali existentes. Ficamos mesmos às escuras, deixamos de ouvir uns fadinhos e o
Teixeirinha, à hora das lides domésticas, a cargo das minhas irmãs Isabel e Lurdes.
Por vezes, as notícias eram mesmo alarmantes. Depois, pesou-lhe na consciência
e devolveu-os.
Vou voltar ao início daquela avenida, para vos descrever, agora, o seu lado direito mas, antes porém, devo aqui fazer uma referência, que se impõe, sobre a figura do Chefe ou Administrador do Posto, que era, como todos sabemos, a autoridade máxima daquela zona e que acumulava a bem dizer, todas as funções atribuídas a um governante. Eram os usos e costumes da época, que se utilizavam e em certos casos, com alguma malvadez e prepotência, os próprios poderes. O chicote e a palmatória, eram os instrumentos usuais, mas em abono da verdade, muito poucas vezes os vi entrar em acção. E, não querendo cometer nenhuma injustiça, vou apenas dizer que, estavam sempre ausentes, a culpa não seria deles, mas eu comprovei isso, naqueles postos por onde passei e, foram pelo menos uns dez anitos. Eram colocados mas, como havia muita falta deles, eram retidos nas sedes dos concelhos e, uma vez por ano, desciam ou subiam, conforme o terreno, para fazerem a recolha do IGM ou para confirmarem, perante o mundo, a presença no território, cuja administração pertencia a Portugal. Eu tive um exemplo desse na minha família. No Muié, houve apenas um chefe que, no meu tempo, chegou a aquecer o lugar, o tempo suficiente, para nos tirar uma foto de família, onde está incluída a sua e de todos os comerciantes. Mas não chegou a passar lá um Natal e, justiça lhe seja feita, apareceu uns meses depois, com presentes para todos nós. Eu ainda me recordo do descapotável, em plástico que dele recebi e, o único defeito que lhe apontei, foi ser verde e, era muito frágil para aquelas picadas. Ora bem, o homem era simpático, acessível, uma boa autoridade. Aceito como certo, o facto deles também, a exemplo dos comerciantes, terem corrido riscos de vida, no exercícios das suas funções. Vocês nunca se esqueçam que, o isolamento mata mesmo. Nós ficávamos todos felizes, eufóricos mesmo, quando ao longe escutávamos o roncar de um camião ou de uma outra qualquer carripana, que nos vinha visitar, o dia mudava totalmente, nem os patrícios fugiam á regra. A monotonia era quebrada e a noite fazia-se dia. Exagero meu, mas só quem viveu estas experiências, sabe avaliar.
Mas, continuo a dizer que, os nossos antigos, traçavam tudo a régua e esquadro. Duvido que aqueles projectos de povoações, tivessem sido feitos por engenheiros, porque eles não existiam ou, existiam poucos e, não se aventuravam naqueles confins. O que me leva a concluir que os referidos traçados tenham sido concebidos pelas primeiras autoridades que, como todos sabemos, eram oficiais do nosso exército, porque a nossa penetração, naquele território, assim o obrigava.
Agora sim, vou descrever-vos a lado direito da dita avenida e, volto a chamar a vossa especial atenção para a foto que figura no topo.
Muié vista áerea, foto Bat."Ás de Espadas" |
Vou voltar ao início daquela avenida, para vos descrever, agora, o seu lado direito mas, antes porém, devo aqui fazer uma referência, que se impõe, sobre a figura do Chefe ou Administrador do Posto, que era, como todos sabemos, a autoridade máxima daquela zona e que acumulava a bem dizer, todas as funções atribuídas a um governante. Eram os usos e costumes da época, que se utilizavam e em certos casos, com alguma malvadez e prepotência, os próprios poderes. O chicote e a palmatória, eram os instrumentos usuais, mas em abono da verdade, muito poucas vezes os vi entrar em acção. E, não querendo cometer nenhuma injustiça, vou apenas dizer que, estavam sempre ausentes, a culpa não seria deles, mas eu comprovei isso, naqueles postos por onde passei e, foram pelo menos uns dez anitos. Eram colocados mas, como havia muita falta deles, eram retidos nas sedes dos concelhos e, uma vez por ano, desciam ou subiam, conforme o terreno, para fazerem a recolha do IGM ou para confirmarem, perante o mundo, a presença no território, cuja administração pertencia a Portugal. Eu tive um exemplo desse na minha família. No Muié, houve apenas um chefe que, no meu tempo, chegou a aquecer o lugar, o tempo suficiente, para nos tirar uma foto de família, onde está incluída a sua e de todos os comerciantes. Mas não chegou a passar lá um Natal e, justiça lhe seja feita, apareceu uns meses depois, com presentes para todos nós. Eu ainda me recordo do descapotável, em plástico que dele recebi e, o único defeito que lhe apontei, foi ser verde e, era muito frágil para aquelas picadas. Ora bem, o homem era simpático, acessível, uma boa autoridade. Aceito como certo, o facto deles também, a exemplo dos comerciantes, terem corrido riscos de vida, no exercícios das suas funções. Vocês nunca se esqueçam que, o isolamento mata mesmo. Nós ficávamos todos felizes, eufóricos mesmo, quando ao longe escutávamos o roncar de um camião ou de uma outra qualquer carripana, que nos vinha visitar, o dia mudava totalmente, nem os patrícios fugiam á regra. A monotonia era quebrada e a noite fazia-se dia. Exagero meu, mas só quem viveu estas experiências, sabe avaliar.
Muié vista áerea, foto Bat."Ás de Espadas" |
Mas, continuo a dizer que, os nossos antigos, traçavam tudo a régua e esquadro. Duvido que aqueles projectos de povoações, tivessem sido feitos por engenheiros, porque eles não existiam ou, existiam poucos e, não se aventuravam naqueles confins. O que me leva a concluir que os referidos traçados tenham sido concebidos pelas primeiras autoridades que, como todos sabemos, eram oficiais do nosso exército, porque a nossa penetração, naquele território, assim o obrigava.
Agora sim, vou descrever-vos a lado direito da dita avenida e, volto a chamar a vossa especial atenção para a foto que figura no topo.
Ali naquele local
onde está localizada aquela enorme sanzala, existia um descampado com o
tamanho de um campo de futebol. Assisti à construção daquela pista de aterragem
mas, não assisti a nenhuma aterragem. Não tenho a certeza mas, isso
aconteceu pela primeira vez, com a evacuação dos missionários e,
pouco tempo depois, com a minha mãe. Todo o resto era mato rasteiro, bissapas e
mais bissapas.
A seguir a esta
sanzala, vinha o comércio/loja do meu falecido tio Luis Ferreira da Silva.
Devia ser o maior edifício, em termos de área coberta, e era o único coberto a
telha. Era mesmo enorme, tinha oito divisões, sete portas e seis janelas. Tinha
uma varanda a toda a volta e era vedado do lado direito, com um pequeno muro
com frestas. Também nesta, a entrada para a "casinha", fazia-se pelo
lado da varanda, não tinha comunicação directa com o resto da casa. No quintal,
que era todo cercado, existiam mais cinco edificações, casas de pau a pique,
utilizadas como armazém, dispensa, cozinha, alojamento para os nossos
fregueses, capoeira e curral das "pembes". Ao fundo do quintal que
era enorme, ficavam os currais dos "gombes" e dos" gulos".
Neste quintal existiam muitas mangueiras, mamoeiros, goiabeiras, laranjeiras,
limoeiros, tangerineiras, ananases e uma amoreira junto ao tanque dos
patos. Também tínhamos coelhos e uma coelheira. E uma cadela, a Diana,
cuja história já vos contei.
Instalações do Quartel, foto Bat."Ás de Espadas" |
A segunda e a
terceira habitação, que distavam umas das outras, cerca de cem metros, eram de
pau a pique e cobertas a capim e tudo indicava que tinham sido as
lojas primitivas, da firma Pinto Martins e do senhor Gonçalves, cujas lojas definitivas,
construídas a adobes, já eu as citei quando descrevi o lado esquerdo desta
mesma avenida, aliás, elas estavam localizadas, sensivelmente, em frente
umas das outras. Ambas tinham quintais cercados com árvores de frutos,
principalmente, mangueiras, laranjeiras e limoeiros que faziam muito bem às
cauenhas. De resto, também este lado era rodeado de quimbos e de bissapas.
Instalações do Quartel, foto Bat."Ás de Espadas" |
O povoado era mesmo
muito airoso e perfumado pelo cheiro dos eucaliptos e, no tempo da floração,
aquelas bissapas deitavam uma flor amarela e ouvia-se por todo o
lado, os zumbidos das abelhas. Em determinados anos, estas com o frio e a
geada, ficavam totalmente queimadas e, quando isso acontecia, o espectáculo era
desolador, um desastre para as abelhas e para a economia local que vivia
muito do seu mel e, consequentemente, da sua cera.
A missão, situava-se
à entrada do posto administrativo, para quem vinha dos lados de
Cangombe/Cangamba. Com cerca de dois mil metros de comprimento e uns
quinhentos de largura, era toda vedada, com uma cerca da altura de um homem, muito arborizada, com relva por todo o lado, limpinha, cheia
de pomares com toranjas, fruta que eu nunca tinha provado e não gostei.
Possuía umas quinze
edificações, em adobe e a maioria delas cobertas a capim, todas pintadas de
branco, com varandas largas e muradas, a saber, seis, eram residências dos
missionários e da professora, muito acolhedoras, todas elas com lareiras;
três eram salas de aulas, duas delas em anfiteatro, coisa nunca vista; um
internato feminino; uma enfermaria, uma igreja e um internato masculino,
em forma de U que se situavam fora da vedação, por razões óbvias.
Afastado de tudo e
de todos, estava uma leprosaria. As restantes eram casas de apoio.
Tinham água
canalizada e telefone interno. Residiam ali sete missionários, de nacionalidades
americana, canadiana e sul-africana, o sr. Brainer era o responsável pela
missão, casado, a Dona Buila era a enfermeira chefe, ajudada pela enfermeira
Dona Margarida; a Dona Cecília era a responsável pelo internato feminino e o Sr.
Muir era, o cavaleiro andante lá da missão.
Os leprosos só
estavam autorizados a circular pelo posto, aos sábados, e percorriam todas as
quatro lojas a pedir esmolas. Toda a gente, principalmente os nativos, fugiam
deles mas, eu e a minha família nunca o fizemos e sempre os ajudamos, com fuba,
sal, alguma tuqueia e às vezes até sabão.
RESUMO E CONCLUSÃO
Alguns residentes no Muié, foto de Antonio Gomes |
Existiam naquele
posto quatro viaturas, o Land Rover do chefe do posto, a carripana do senhor Gonçalves,
o jeep Willis do senhor Muir e a Dodge do senhor Brainer. Todas elas de caixa
aberta.
Pelo menos duas
quingas, a nossa e a do senhor Prata que era um vizinho nosso, negro, que
desempenhava um cargo importante na missão, ligado à igreja.
Duas enfermarias, a
da missão e a do Estado; três enfermeiros, um do Estado e duas da missão; cinco
salas de aulas, duas do Estado e três da missão.
Em termos de
nativos, existiam muitos quimbos na redondeza e, estimo uma população a rondar
o meio milhar de famílias.
Não sei precisar o
ano, mas tivemos a visita do Governador Geral de Angola, o general Silvino
Silvério Marques, acho que foi o único que ousou enfrentar aquelas picadas.
Naquele tempo, ainda não existia a pista. A festa começou logo pela manhã com
batucadas para reunir o pessoal, a povoação foi toda engalanada, com faixa de
pano cru branco pintado com mensagens de boas vindas, presas aos eucaliptos, em
frente ao posto foi feito um corredor, com duas longas filas de alunos, com as
suas batas branquinhas e com bandeirinhas de papel, de cor verde e vermelha,
todos os comerciantes e missionários, sobas e sobetas, muitos nativos e
cantou-se o hino nacional e o ANGOLA É NOSSA.
O governante ouvia
algumas queixas e pedidos, comeu alguma coisa e, ala que se faz tarde.
O amigo Luena
Li esta crónica e senti como se estivesse ao mesmo tempo no Muié. Pois passei la 18 meses, de Dezembro de 69 a julho de 71. Fiz parte da cª do Batalhão As de Espadas e revivi grande parte daquela terra que me acolheu, assim como tomei conhecimento da historia daquela terra antes da guerra.
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