Hospital do Luso, chegada de mais uma evacuação - foto de Armando Monteiro |
O renque de camas numa das quais eu estava, virado para outra fileira, deixava livre um espaçoso corredor.
Havia militares feridos em combate, sobretudo minas, outros como eu feridos em acidentes. Na parede em frente, por cima da fileira de camas para a qual estava voltado, havia um nicho com um senhora de Fátima. Esta apelava à religiosidade de um oficial catanguês, dos que faziam a guerra ao nosso lado em Angola, ferido também, mais na mente que no corpo. Corria pelo corredor, uma vez por outra, a emitar o som de metralhadora trrá - tátá- tá e parava em frente do ícone e avisava-nos: "La Vierge Marie".
Durante os seis longos dias, há quarenta e cinco anos o tempo corria devagar, que estive na enfermaria do hospital militar no Leste de Angola, depois de sair de outros seis dias próximo da Morte, da sala de recobro e das máquinas, ninguém morreu nas fileiras de camas. Não houve necessidade de abrir biombos para não vermos a morte do outro.
Pensar sobre a morte, falar dela ou usar prodigamente o substantivo feminino em poesia, parece ser hoje um tópico de uma qualquer filosofia pós-moderna, mas quem já esteve com a Morte como vizinha e a dois fôlegos ou três de A encontrar, sabe que não há filosofia, nem poema, nem ensaio, que resista à experiência física. Porque a Morte é a única coisa da eternidade que se pode ver neste mundo.
Mas nem sempre com o pensamento na Morte, nem negando-A.
André Malraux no final do romance "A Estrada Real", negando-a de uma forma existencilaista, faz dizer a Perken, um dos personagens: "Não há... morte... Só existo... eu... eu que vou morrer."
Estas palavras moribundas e entrecortadas, não são, infelizmente, reais.
31-08-2015
Caro Parreira. Muito bem escrito e descrito. Parabéns e um abraço.
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