CARLOS ACABADO
Este nosso aviador, apaixonou-se por Henrique de Carvalho, e o Leste
de Angola. Fez no total três comissões de 1963 a 1974, pode dizer-se que assistiu
ao nascimento do AB4 em 1963 e a entrega da Base ao MPLA. Há um exemplo
parecido, foi o saudoso Neto Portugal que fez duas comissões, na primeira teve um
acidente no Cazombo e foi salvo de morrer queimado pelo Manuel das Pedras, comerciante
transmontano radicado no centro da vila.
O livro "Kinda e outras histórias de uma guerra esquecida" é composto por muitas histórias, mas só vou referir três.
A AVÓ DO CABO DINIS
O Cabo Dinis foi um especialista que cedo emoldurou os seus
pensamentos com o intuito de servir na FAP. Aos 16 anos informou a avó dos seus
propósitos e conseguiu ingressar aos 17 anos na recruta e concluir o curso de
Mecânico de Material Aéreo. A avó era a sua tutora já que a mãe tinha falecido
quando ele nasceu e por dificuldades várias não lhe proporcionou um curso na Universidade
de Coimbra como pretendia quando tomou a cargo a sua educação.
Quando foi mobilizado para Angola a avó escreveu uma carta
muito simples, mas sentida ao Comandante da Base, solicitando-lhe a atenção devida á sua tenra idade.
O Comandante que era de Aveiro teve a curiosidade e o
empenho de satisfazer o desejo daquela avó preocupada. Natural como o Dinis da
Vila de Cucujães do mesmo distrito, indigitou o Cap. Acabado no sentido de ser
o “guarda-sol“ do rapaz.
Depressa o jovem MMA aprendeu o ofício e começou a fazer
parte da linha da frente e destacamentos, sendo visível a facilidade de resolver,
sem grandes condições pequenas avarias.
Um dia em Gago Coutinho o DORMAN, gerador que fornecia energia elétrica ao AR e Batalhão do Exército avariou, ele e o cabo MELEC, ao tentarem repará-lo provocaram
uma explosão, que os deixou com queimaduras graves em todo o corpo.
O médico do Batalhão não tinha meios para qualquer
assistência e indicou a evacuação para o Luso, só que era quase noite, preocupado, pois a
evacuação não era viável por o DO 27 não estar dotado de meios de navegação
noturna, mesmo assim, o Cap. Carlos Acabado e o Ten. Joaquim Cóias arriscaram fazer um voo de quase duas horas para o Luso, contra todas as normas de segurança em vigor, mas por acaso
eram os dois pilotos mais referenciados da esquadrilha e estavam no AR.
Ao aterrarem, já noite, na placa do AM-Luso estavam dois médicos do Hospital , que quiseram ver o estado dos feridos, e verificaram que o mesmo era muito mau, tendo recomendado a sua evacuação para o Hospital Militar de Luanda. Mais uma vez houve incapacidade de assistir com sucesso aos acidentados.
Ao aterrarem, já noite, na placa do AM-Luso estavam dois médicos do Hospital , que quiseram ver o estado dos feridos, e verificaram que o mesmo era muito mau, tendo recomendado a sua evacuação para o Hospital Militar de Luanda. Mais uma vez houve incapacidade de assistir com sucesso aos acidentados.
Joaquim Cóias e Carlos Acabado |
Beechcraft |
O cabo Dinis e o companheiro foram para o Hospital Militar. O
Dinis ainda teve a companhia da avó em Luanda, que falou com o Cap. Acabado e despediu-se da
vida ao fim de um mês. O camarada MELEC foi evacuado para a metrópole…
O Cap. Acabado cumpriu, protegeu-o até ao fim.
O Cap. Acabado cumpriu, protegeu-o até ao fim.
SOBA CAXITO
O Sargento Isidro que carinhosamente era conhecido por "Meirim" deixou um legado de competência e camaradagem, que trespassou todos os anos de
guerra no Leste, já que comparativamente com o Cap. Carlos Acabado fizeram algumas comissões juntos. Tive a sorte de trabalhar e confraternizar com ele em Gago Coutinho.
Meirim era chefe dos mecânicos e numa das viagens de Ninda
para o Luso com o Cap. Acabado, reparou que a temperatura do motor Lycomming do DO 27 subia perigosamente e tentou o expediente de abrir umas alhetas suplementares
de entrada de ar e o abaixamento do regime do motor, mas não foi suficiente,
ouviu-se um estrondo e uma nuvem de óleo foi libertada.
Imediatamente
procederam á aterragem de emergência, na xana no meio do nada, sem problemas de
maior. A povoação mais perto era Lumege. Depois de verificada a causa da avaria
descobriram que tinha rebentado um tubo do circuito de lubrificação. Pensaram
que estariam pelo menos três dias retidos, pois o tubo teria de vir do Luso para o
Lumege por avião e daí por coluna para a zona acidentada.
Entretanto começaram
a chegar nativos ao avião vindos da mata, que não falavam português, a
curiosidade dos autóctones era grande e pelo Soba foram convidados a visitar a
aldeia, o que a medo aceitaram. Entretanto, o Cap. Acabado conseguiu esticar a antena de
comunicação e por indicação do Isidro pediu para ser efectuado o lançamento da peça de substituição sobre a zona
acidentada, tarefa efectuada por uma DO 27, pois ainda não
havia helis no Leste.
Na presença do Soba, cujo nome era Caxito, houve recepção
calorosa ficando o mesmo num trono trabalhado ladeado pelas mulheres. O Soba
contou com um sobrinho que era o único que sabia português e funcionou como intérprete. Houve batuque,
comida e “hidromel“. Numa arca estavam depositados os utensílios gentílicos, uma bandeira portuguesa muito gasta e uma fotografia do régulo com o marechal Craveiro Lopes numa visita deste ao Luso, em 1954. O pessoal dormiu na Sanzala. O Isidro pediu ao Soba para lhe abrirem uma clareira para
o avião poder descolar, trabalho que foi feito pelas mulheres, à catanada.
Dormiram na sanzala, e de manhã com a
substituição do tubo e o óleo efectuada, mais a improvisação da pista concluída, foi possível
levantar voo e saudar aquela boa gente.
Passados dois anos numa missão para ir buscar um prisioneiro do
Lumege para o Luso, foi colocado um negro com as mãos atadas na traseira do DO 27,
como ele estava dominado não causou preocupações. Depois de levantar voo
ouve-se um estrondo provocado pelo encontrão e a abertura da porta basculante
que pelo efeito vácuo fica encostada à asa. De imediato o Cap. Acabado olhou para
traz e viu uns olhos fixos olharem para ele como a despedir-se do outrora amigo
que o não reconheceu antes, e atirou-se para o solo num voo de queda livre. Era o
soba Caxito.
O sobrinho do Soba era agora dirigente dum movimento dito de
libertação e o Soba Caxito aderiu a novos ares, que não fizeram nada bem aqueles
que os aceitaram.
KINDA
Esta ultima narrativa, foi a que deu o nome ao livro,
considero-a um monumento ao amor, tem um simbolismo que me fez acreditar que as asneiras
por maior que elas sejam podem ser suavizadas, mas nunca esquecidas.
Numa operação de comandos, junto do rio Quembo na Luiana,
para fazer uma abordagem a uma sanzala onde se sabia que se acoitava o inimigo,
os comandos foram designados e transportados até 10kms do objectivo. O Cap. Acabado, foi destacado para orientar os Alouette III e gerir os tempos de
desembarque e reembarque. Após os nossos militares serem colocados no solo, comandados por um Capitão amigo de Academia do nosso Cap. Acabado, caminharam toda a noite a pé para
lançarem a acção ofensiva ao raiar do dia. Decorria a invasão e ouve-se um tiro
único, que não era previsto dado o grau de disciplina de uma tropa especial. Pouco
depois sai da mata o Capitão com uma criança de cerca de dois anos nos braços, com
a cabeça ensanguentada.
No rescaldo da missão veio a saber-se que o tiro que o Capitão disparou acertou na mãe do bebé, que caiu redonda no solo com a filha a tira-colo, que embora ensanguentada não teve qualquer ferimento. A mãe a única
atitude que fez e que confundiu o Capitão foi movimentar o pilão de moer a fuba, o que
ao lusco-fusco da madrugada lhe pareceu uma arma. Soube-se, que a falecida se
chamava Kinda e em homenagem á mãe, passou a chamar-se esse nome à bebé.
O Cap. Acabado levou a Kinda para junto da família no sentido de arranjar
um tecto de acolhimento, mas com o arrastar do tempo acabou por ser o elemento
mais novo da sua família.
Finda a comissão foi também para a metrópole e foi tratada de igual modo com os “irmãos“. Foi adoptada e foi baptizada com o nome Maria Adelaide, que era derivado do nome da mulher e da mãe. Aos 6 anos perguntou aos pais, porque lhe chamavam escura e o Pai disse-lhe que ela nascera em África e era oriunda de um povo muito antigo chamado Bosquímanos, embora escura era muito mais clara de pele e olhos amendoados. Tinha sido recolhida, porque ela tinha sido única. Mais tarde explicaram-lhe as circunstâncias que rodearam e provocaram a sua vinda de África, ela sentada nos joelhos e afagando-o com meiguice, disse-lhe: eu sabia que eras um homem bom.
Finda a comissão foi também para a metrópole e foi tratada de igual modo com os “irmãos“. Foi adoptada e foi baptizada com o nome Maria Adelaide, que era derivado do nome da mulher e da mãe. Aos 6 anos perguntou aos pais, porque lhe chamavam escura e o Pai disse-lhe que ela nascera em África e era oriunda de um povo muito antigo chamado Bosquímanos, embora escura era muito mais clara de pele e olhos amendoados. Tinha sido recolhida, porque ela tinha sido única. Mais tarde explicaram-lhe as circunstâncias que rodearam e provocaram a sua vinda de África, ela sentada nos joelhos e afagando-o com meiguice, disse-lhe: eu sabia que eras um homem bom.
A Maria Adelaide cresceu, foi muito boa aluna e com
facilidade conseguiu uma Licenciatura. Já na reserva o Major Acabado presenciou
a alegria do fim do curso e o concluir desta história real.
A apresentação do livro Kinda foi feita no Porto, em 13 de Março de 2014, na Messe de Oficias na Batalha, na mesma altura foram também conhecidas as obras de outros autores que não
tinham nada de Henrique de Carvalho, mas tinham em comum a passagem dos autores por África. A este evento assistiram o Ribeiro da Silva, eu próprio, o Jorge Patrício, o Adriano
Rui, o João Esteves e o A. Neves. Foi patrocinado pela Liga dos Combatentes
representado pelo General Xito, o mesmo que promoveu através do organismo a que
preside a transladação de corpos de para quedistas falecidos em Guidage-Guiné.
Após o evento, convidamos o Cap. Acabado para jantar connosco no restaurante Girassol, tendo aceite preferiu a nossa
companhia á dos outros pensadores. À noite
tivemos uma sessão de fados memorial na famosa Livraria Lello com fadistas coimbrões,
e o nosso Fernando João um fadista raçudo, que nasceu e sempre viveu no Porto.
Diz-se, mas não vi! Parece, que o Cap. Acabado tem uma
fabulosa colecção de arte indígena que não fica atrás da colecção Berardo
presente nas caves Aliança, em Sangalhos.
ROCHA MARQUES
(Balada de Henrique de Carvalho)
Este nosso companheiro sargento piloto não passou incólume no AB4 a
leste de Angola, a sua irreverência e dinamismo, chegou a todos nós com uma
mensagem meiga e perseverante.
Esteve no Leste nos últimos anos da década de 60 muito antes
do AB4 ter atingido o máximo de efervescência humana, com a esquadrilha dos PV2
deslocados em definitivo em 1971 e trouxe tanto pessoal adstrito que praticamente
dobrou os efectivos da Base. Rocha Marques em ambiente mais calmo e nostálgico
produziu poemas que o expoente máximo deu a balada nossa conhecida.
Como é sabido pouco depois de acabar a comissão, no Leste de
Angola num voo de rotina, despenhou-se numa mata junto do Furadouro já bem
perto da BA7 o T6 caiu, roubando a vida ao nosso piloto.
Em Outubro de 2010 um grupo de especialistas liderados pelo Mendanha Arriscado, deslocou-se á sua terra natal, bem no Minho, Ribeira - Terras do Bouro,
para contactar a sua família no sentido de preparar uma pequena homenagem á
memória de um homem que nos dizia tanto.
Falamos com um irmão, ao tempo coronel do Exército na reserva, piloto civil, advogado e escritor, que nos recebeu na sua casa, e relatou-nos a sua última viagem que recomeçou exactamente naquela vila encravada na
serra do Gerês. Depois de sobrevoar a sua casa despediu-se com uma
acrobacia área e passados 20 minutos teve a queda que conhecemos.
A família Rocha Marques é uma lenda na advocacia, repartida
por Braga e Felgueiras. O irmão advogado, o primo Artur o causídiaco que
defendeu a Fátima Felgueiras no processo da Câmara de Felgueiras e o sucateiro
de Ovar no processo onde foi condenado Armando Vara.
Uma das razões da visita do grupo constituído por Mendanha, Adriano, Jesus, Toneta e Neves, era de recolher novos elementos, documentos, fotografias, junto da filha do nosso piloto, e o tio seria
privilegiado para o conseguir. Nada feito, esta não mostrou interesse e
soube-se mais tarde que a mesma era filha de um primeiro relacionamento que não
acabou bem. Mesmo assim respeitamos a decisão, mas com esta atitude não beliscou
as melhores recordações que temos do pai.
Sem comentários:
Enviar um comentário