sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O BOMBARDEAMENTO COM DATA MARCADA PARA O NATAL !


Ano de 1973. 
O Natal estava mais uma vez à porta, levantara-me cedo, 05:30 como era hábito, o posto de rádio tinha que estar operacional todos os dias das 06:00 ás 20:00 Zulo, (hora local) quer houvesse ou não tráfego aéreo, e dava-me um certo prazer acordar toda a gente com a minha peculiar verborreia.
Posto de rádio
Liguei tudo e fui à copa pôr a frigideira ao lume, para o bife matinal, que em alturas de fartura, consistia na primeira refeição diária, regada a Nocal quanto bastasse.
Ao sair para ir ao posto de rádio, fui surpreendido por uma das sentinelas do
  Exército que fazia segurança na guarita perto do telheiro dos combustíveis, trazia  numa das mãos  um  pedaço de  papel  de embrulho  de cor castanha, amarrotado,  cheio  de  manchas  de  gordura,  que  me  entregou  pedindo-me  para  que  eu  o  lê-se.  Olhei  os  gatafunhos escritos a lápis, numa letra incerta, de quem pouco se importava  com a caligrafia  e privilegiava  o conteúdo, orientei o papel para a luz e juntei as letras pouco legíveis tomando pouco a pouco consciência da importância do recado:
     nos noiti di natal nos vem obuziar
     kuartel dos força aerea viva mpla

Combusíveis
Depois de reler o papel várias vezes, e de tentar sacar todas as informações possíveis à sentinela:  exactamente quando e onde encontrara o papel, se esse local era visível por outras sentinelas, se vira alguém suspeito antes, durante, ou  depois  de  o  encontrar  espetado  no  arame  farpado,  e  como  é  que  era  possível  alguém  aproximar-se  tanto  dos combustíveis, sem que eles  o notassem?  
Aquilo era demasiado perigoso para não ser levado a sério,  mas por outro lado quem é que  era tão louco para  atacar  com aviso,  e  data marcada  a sede de um Batalhão  e um Aeródromo?  
Resolvi ir acordar  o  Alferes  Matos  que  era  o  Comandante  do  Destacamento,  para  que  ele  tomasse  uma  decisão  de:  levar  na desportiva o papel e não fazer nada, ou levar a sério o aviso e de tomar as medidas imediatas que nos pusessem a salvo no caso da ameaça se concretizar, se era verdade e alguém chegara até aos combustíveis para deixar um papel sem que ninguém desse por isso, também era perfeitamente possível esconder um morteiro, numa das várias sanzalas ou noutro local,  efectuar um ou mais disparos e voltar a escondê-lo, sem que ninguém pudesse descobrir o autor ou a localização de
O destacamento
onde eram provenientes, (a situação das instalações, isoladas num planalto, com as antenas como alvos à distância tornavam credível a ameaça). 
Após os protestos por eu os acordar àquela hora, do Marques e dos restantes pilotos, vieram exclamações de espanto perante o meu relato dos acontecimentos.  
Ficou decidido que a primeira medida a tomar seria dar conhecimento imediato ao SECARLESTE, através de mensagem cifrada, ao mesmo tempo que seria pedida permissão para efectuar os RVIS/ATIR programados que ainda não tinham autorização, aumentando a pressão sobre o inimigo. Enviada a mensagem, ainda durante a manhã veio serviço cifrado em resposta com  a autorização para os RVIS/ATIR, bem como instruções precisas quanto à segurança e localização dos aviões  e héli  na placa,  e de todo o material  armamento  e  combustíveis  dispersos,  tudo  seria  reposicionado  e  os  excedentes  guardados  de  modo  a  não porem  em risco as instalações e o pessoal, o  Batalhão  seria avisado, assim como a DGS, através da ZML  (Zona Militar Leste)  no  Luso.
Depois  do  almoço  apareceu  o  chefe  de  posto  da  DGS  informando-nos  que  face  ao  exposto,  todas  as sanzalas iriam ser passadas a pente fino,  e seriam intensificadas as patrulhas por Flechas na zona envolvente da Vila,  do mesmo  modo  o  Exército  intensificou  também  as  patrulhas  fora  da  chamada  zona  de  segurança  de  Gago Coutinho.    
Efectuámos vários RVIS, e RVIS/ATIR, nada foi observado como fora do normal, os dias foram passando e aumentando  a tensão  a cada dia que passava, finalmente chegou a noite de 
Preparando o churrasco
e preparámo-nos para o que quer que fosse que nos estivesse  reservado,  tínhamos  ido  à  caça,  e  fizemos  um  churrasco  pela  noite  fora,  bem  regado  e  o  mais  animado possível, sintonizada a BBC Internacional, ouvimos música a condizer com a época,  bem alta  para que  ninguém tivesse dúvidas  que  estávamos  alerta.  Até  acabar-mos  a  carne  e  as  cervejas  mais  de  uma  vez  alguns  de  nós  ouvimos  ou sentimos ruídos estranhos para lá do arame farpado, mas nada aconteceu de anormal até de manhã, já estávamos todos exaustos  e prontos para ir dormir, quando  alguém disse: e se os cabrões atacam hoje, ninguém aguenta outra noite  de stress  como  esta,  quando  chegou  um  estafeta  do  Batalhão  com  uma  mensagem  Zulo.  
Mussuma  um  minúsculo dispositivo militar  na linha  de  fronteira  com  a  Zâmbia,  tinha  sido  atacado  à  morteirada,  era  necessário  efectuar  uma evacuação, e um RVIS/ATIR de retaliação. Naquelas  situações  todo o destacamento se articulava  para que a saída dos aviões  e  héli  se  processassem  o  mais  depressa  possível,  e  lá  fomos  todos,  esquecidos  o  cansaço  e  o  stress,  ajudar  o “metralha”  e  os  restantes  mecânicos  para  reduzir  ao  mínimo  o  tempo  de  saída  dos  aviões  e  ajudar  quem  estava concerteza bem pior que nós.

Gago Coutinho, 25 de Dezembro de 1972.

Por:
OPC ACO

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