Ano de 1973.
O Natal estava mais uma vez à porta, levantara-me cedo, 05:30 como era hábito, o posto de rádio tinha que estar operacional todos os dias das 06:00 ás 20:00 Zulo, (hora local) quer houvesse ou não tráfego aéreo, e dava-me um certo prazer acordar toda a gente com a minha peculiar verborreia.
Posto de rádio |
Liguei tudo e fui à copa pôr a frigideira ao lume, para o bife matinal, que em alturas de fartura, consistia na primeira refeição diária, regada a Nocal quanto bastasse.
Ao sair para ir ao posto de rádio, fui surpreendido por uma das sentinelas do Exército que fazia segurança na guarita perto do telheiro dos combustíveis, trazia numa das mãos um pedaço de papel de embrulho de cor castanha, amarrotado, cheio de manchas de gordura, que me entregou pedindo-me para que eu o lê-se. Olhei os gatafunhos escritos a lápis, numa letra incerta, de quem pouco se importava com a caligrafia e privilegiava o conteúdo, orientei o papel para a luz e juntei as letras pouco legíveis tomando pouco a pouco consciência da importância do recado:
nos noiti di natal nos vem obuziarAo sair para ir ao posto de rádio, fui surpreendido por uma das sentinelas do Exército que fazia segurança na guarita perto do telheiro dos combustíveis, trazia numa das mãos um pedaço de papel de embrulho de cor castanha, amarrotado, cheio de manchas de gordura, que me entregou pedindo-me para que eu o lê-se. Olhei os gatafunhos escritos a lápis, numa letra incerta, de quem pouco se importava com a caligrafia e privilegiava o conteúdo, orientei o papel para a luz e juntei as letras pouco legíveis tomando pouco a pouco consciência da importância do recado:
kuartel dos força aerea viva mpla
Combusíveis |
Depois de reler o papel várias vezes, e de tentar sacar todas as informações possíveis à sentinela: exactamente quando e onde encontrara o papel, se esse local era visível por outras sentinelas, se vira alguém suspeito antes, durante, ou depois de o encontrar espetado no arame farpado, e como é que era possível alguém aproximar-se tanto dos combustíveis, sem que eles o notassem?
Aquilo era demasiado perigoso para não ser levado a sério, mas por outro lado quem é que era tão louco para atacar com aviso, e data marcada a sede de um Batalhão e um Aeródromo?
Resolvi ir acordar o Alferes Matos que era o Comandante do Destacamento, para que ele tomasse uma decisão de: levar na desportiva o papel e não fazer nada, ou levar a sério o aviso e de tomar as medidas imediatas que nos pusessem a salvo no caso da ameaça se concretizar, se era verdade e alguém chegara até aos combustíveis para deixar um papel sem que ninguém desse por isso, também era perfeitamente possível esconder um morteiro, numa das várias sanzalas ou noutro local, efectuar um ou mais disparos e voltar a escondê-lo, sem que ninguém pudesse descobrir o autor ou a localização de
Aquilo era demasiado perigoso para não ser levado a sério, mas por outro lado quem é que era tão louco para atacar com aviso, e data marcada a sede de um Batalhão e um Aeródromo?
Resolvi ir acordar o Alferes Matos que era o Comandante do Destacamento, para que ele tomasse uma decisão de: levar na desportiva o papel e não fazer nada, ou levar a sério o aviso e de tomar as medidas imediatas que nos pusessem a salvo no caso da ameaça se concretizar, se era verdade e alguém chegara até aos combustíveis para deixar um papel sem que ninguém desse por isso, também era perfeitamente possível esconder um morteiro, numa das várias sanzalas ou noutro local, efectuar um ou mais disparos e voltar a escondê-lo, sem que ninguém pudesse descobrir o autor ou a localização de
O destacamento |
onde eram provenientes, (a situação das instalações, isoladas num planalto, com as antenas como alvos à distância tornavam credível a ameaça).
Após os protestos por eu os acordar àquela hora, do Marques e dos restantes pilotos, vieram exclamações de espanto perante o meu relato dos acontecimentos.
Ficou decidido que a primeira medida a tomar seria dar conhecimento imediato ao SECARLESTE, através de mensagem cifrada, ao mesmo tempo que seria pedida permissão para efectuar os RVIS/ATIR programados que ainda não tinham autorização, aumentando a pressão sobre o inimigo. Enviada a mensagem, ainda durante a manhã veio serviço cifrado em resposta com a autorização para os RVIS/ATIR, bem como instruções precisas quanto à segurança e localização dos aviões e héli na placa, e de todo o material armamento e combustíveis dispersos, tudo seria reposicionado e os excedentes guardados de modo a não porem em risco as instalações e o pessoal, o Batalhão seria avisado, assim como a DGS, através da ZML (Zona Militar Leste) no Luso.
Depois do almoço apareceu o chefe de posto da DGS informando-nos que face ao exposto, todas as sanzalas iriam ser passadas a pente fino, e seriam intensificadas as patrulhas por Flechas na zona envolvente da Vila, do mesmo modo o Exército intensificou também as patrulhas fora da chamada zona de segurança de Gago Coutinho.
Efectuámos vários RVIS, e RVIS/ATIR, nada foi observado como fora do normal, os dias foram passando e aumentando a tensão a cada dia que passava, finalmente chegou a noite de
Preparando o churrasco |
e preparámo-nos para o que quer que fosse que nos estivesse reservado, tínhamos ido à caça, e fizemos um churrasco pela noite fora, bem regado e o mais animado possível, sintonizada a BBC Internacional, ouvimos música a condizer com a época, bem alta para que ninguém tivesse dúvidas que estávamos alerta. Até acabar-mos a carne e as cervejas mais de uma vez alguns de nós ouvimos ou sentimos ruídos estranhos para lá do arame farpado, mas nada aconteceu de anormal até de manhã, já estávamos todos exaustos e prontos para ir dormir, quando alguém disse: e se os cabrões atacam hoje, ninguém aguenta outra noite de stress como esta, quando chegou um estafeta do Batalhão com uma mensagem Zulo.
Mussuma um minúsculo dispositivo militar na linha de fronteira com a Zâmbia, tinha sido atacado à morteirada, era necessário efectuar uma evacuação, e um RVIS/ATIR de retaliação. Naquelas situações todo o destacamento se articulava para que a saída dos aviões e héli se processassem o mais depressa possível, e lá fomos todos, esquecidos o cansaço e o stress, ajudar o “metralha” e os restantes mecânicos para reduzir ao mínimo o tempo de saída dos aviões e ajudar quem estava concerteza bem pior que nós.
Mussuma um minúsculo dispositivo militar na linha de fronteira com a Zâmbia, tinha sido atacado à morteirada, era necessário efectuar uma evacuação, e um RVIS/ATIR de retaliação. Naquelas situações todo o destacamento se articulava para que a saída dos aviões e héli se processassem o mais depressa possível, e lá fomos todos, esquecidos o cansaço e o stress, ajudar o “metralha” e os restantes mecânicos para reduzir ao mínimo o tempo de saída dos aviões e ajudar quem estava concerteza bem pior que nós.
Gago Coutinho, 25 de Dezembro de 1972.
Por:
OPC ACO
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