O primeiro artista é o Dulcídio, um
verdadeiro cidadão do mundo; nasceu em Lumeje no leste de Angola, perto do
Luso, os progenitores eram europeus e vive actualmente no Brasil, com passagem por
diversos países durante a sua vida profissional.
Dulcídio no Camaxilo |
Deixámos de nos ver em Setembro de 1972.Em Maio de 1973 acabei a tropa.
Passados mais de trinta anos voltámos a encontrar-nos em Matosinhos. Desta vez, num domingo, estiveram também presentes o Neves e o Esteves, fomos comer uma sardinhada a um restaurante muito antigo, o Pescador.Ficam a saber, que o Dulcídio trabalhava para uma multinacional, no controlo de aquisição de metais raros para ligas muito especiais, de que me recordo o lantânio . Essa actividade obrigava-o a ir a diversos países; desde o Canadá, África do Sul, India, Congo, China, etc. Nunca mais o vi, fiquei a pensar que apanhou algum “susto” pois agora é muito religioso.Não vejo a internet, mas transmitem-me! Sou conservador e não entra no meu cérebro estas “modernices”. Não me importo pois tenho a cabeça fresca ao contrário deste, que conhecemos como o “emplastro dos mails” !Também não percebo e os amigos que o conhecem, este seu
novo misticismo que abraçou no Brasil, terra que é conhecida pelos três erres;
roubos, raptos e religião. Aventei a hipótese de ele querer redimir-se dos
pecados do rádio farol e que juntamente com o Gil Lemos, terão sido os
percursores de práticas que vieram a ser explicitadas mais tarde no filme o
Último Tango em Paris com Marlon Brando e Maria Schenaider, em que pela
primeira vez a manteiga não era apenas usada para fins culinários (e ao pequeno
almoço) mas sim para facilitar deslizamentos na mesa de fórmica verde marinho existente
no rádio farol .
2º. MARMANJO: O segundo artista sou eu, o “Toneta”, nascido no Porto, mas morando há 40 anos na Maia.
Tal como o Dulcídio, tivemos
o mesmo percurso, Ota, Paço de Arcos e Henrique de Carvalho (AB4).Os meus exercícios foram muito mais suaves e resumiram-se no vai acima e vai abaixo, “bota” acima e entra, mas com uma actividade muito mais reduzida em relação, por exemplo ao Bilinhos ou ao Canas. Tinha um atavio irrepreensível, andava constantemente de calções com as botas apertadas nos quatro primeiros ilhós com fio eléctrico a substituir os cordões. Era Melec de aviões, tinha tirado na BA5-Monte Real o MTU dos Fiats e F84 e acabei nos PV2 avião que nunca tinha visto...coisas da FAP!Quem tinha cunhas, tinha benesses, os outros era tudo a monte e fé em Deus.!
Henrique de Cravalho, o AB4, era o papão. Quando Chegávamos a Luanda e íamos depois para para o AB4, os nosso ouvidos já estavam massacrados com histórias, que íamos para a selva, para o cú do mundo, o que nos deixava apreensivos . Dei em mim a pensar, para onde vou ?!Á saída do Nord na placa do Ab4, já tinha mais de dois anos de tropa e eu só me tinha alistado por quatro, fiquei mais alentado pois estavam lá o Jaime “Abi”, o Raimundo e o Adriano “Secas”, hoje o sr. Dr. Adriano Rui, ilustre causídico da nossa cidade invicta, já nos conhecíamos desde a recruta e minoraram o espantalho do desterro.Os dois primeiros meses foram passados penosamente, até vir a Luanda no primeiro fim de semana, desta vez com a cunha do nosso chefe sarg. Mota.Vim de visita à minha então namorada, que é hoje a minha segunda mulher (!), mãe dos meus quatro filhos, que por coincidência é também a primeira, porque me casei, com papel e tudo, duas vezes !Fui-me entretanto habituando a HC, Lunda, Chicapa, Luso e hoje posso dizer que foi um tempo maravilhoso e na adversidade acrescentámos amizades fortíssimas que ainda hoje perduram e não se vão apagar até ao fim dos nosso dias. Não é por acaso, que vamos ter o 38º. encontro de Especialistas do AB4 em Novembro.Hoje ainda trabalho, não pude ainda reformar-me, no entanto um hábito que adquiri em Angola, todos os anos vou a Munique à festa da cerveja (Oktuber Fest), como aconteceu a semana passada.
3º. A MOTA:
Trazer a moto do Dulcídio, de Luanda para Henrique de Carvalho, foi a razão da nossa
viagem.O Dulcídio já tinha tentado várias vezes expedir a moto através dos TAM e outras tantas vezes foi adiado o embarque.Das muitas vezes que vinha a Luanda
de fim de semana, sempre dilatado por mais sete dias, porque entretanto aprendi
o sentido das cunhas, encontrei-me com o Dulcídio, que me pôs a par do seu
problema. Conversámos e decidimos fazer a viagem por via terrestre. A mota
teria que levar os dois e as bagagens reduzidas que possuíamos.
4º. – LOGÍSTICA:Esta designação estrangeirada, não é mais que a procura de achar o "guito" necessário para o empreendimento.Para fazermos a viagem era necessário dinheiro, que já não tínhamos, pois havia sido
gasto em em Luanda. Era necessário comprar gasolina, pagar refeições, dormidas e as cervejas.Um dos elementos do "grupo" de Setúbal e margem Sul, o Quim "Careca", pediu-me para cambiar em Luanda mil escudos do "puto", que renderam mil duzentos e cinquenta "angolares". Está-se mesmo a ver que foi esse "guito" que nos salvou, no pré seguinte saldámos as contas !Aproveito para informar, que o "grupo" de Setúbal tinha uma forma de estar e conviver "sui generis", pensavam eles, que ser bairrista era viver separados dos restantes, almoçando, jantando e convivendo entre si. O núcleo duro era constituído pelo Ramos, Marinho, Santiago e Machado "Maçorra", os "moderados" eram: o Damiano Gil, Jésu, Xico Costa, Bexiga, Luis Gomes, Mira, Quim "Careca", Vicente, Baptista e João "Cabeças".Se a viagem fosse ao contrário, Henrique de
Carvalho para Luanda, não precisávamos de tanto dinheiro pois os aviões da base
só gastavam gasolina, que se fosse de PV2, com 130 octanas teria que se por óleo que era ao
mesmo preço.
5º. - A VIAGEM:O Dulcídio conduzia levando uma pequena mala em cima do depósito e entre os dois a minha mala desmontável, que na altura se adquiriam na cantina da BA9, de tons vermelhos aos quadrados estilo saia dos escoceses.
2º. MARMANJO: O segundo artista sou eu, o “Toneta”, nascido no Porto, mas morando há 40 anos na Maia.
Toneta |
Henrique de Cravalho, o AB4, era o papão. Quando Chegávamos a Luanda e íamos depois para para o AB4, os nosso ouvidos já estavam massacrados com histórias, que íamos para a selva, para o cú do mundo, o que nos deixava apreensivos . Dei em mim a pensar, para onde vou ?!Á saída do Nord na placa do Ab4, já tinha mais de dois anos de tropa e eu só me tinha alistado por quatro, fiquei mais alentado pois estavam lá o Jaime “Abi”, o Raimundo e o Adriano “Secas”, hoje o sr. Dr. Adriano Rui, ilustre causídico da nossa cidade invicta, já nos conhecíamos desde a recruta e minoraram o espantalho do desterro.Os dois primeiros meses foram passados penosamente, até vir a Luanda no primeiro fim de semana, desta vez com a cunha do nosso chefe sarg. Mota.Vim de visita à minha então namorada, que é hoje a minha segunda mulher (!), mãe dos meus quatro filhos, que por coincidência é também a primeira, porque me casei, com papel e tudo, duas vezes !Fui-me entretanto habituando a HC, Lunda, Chicapa, Luso e hoje posso dizer que foi um tempo maravilhoso e na adversidade acrescentámos amizades fortíssimas que ainda hoje perduram e não se vão apagar até ao fim dos nosso dias. Não é por acaso, que vamos ter o 38º. encontro de Especialistas do AB4 em Novembro.Hoje ainda trabalho, não pude ainda reformar-me, no entanto um hábito que adquiri em Angola, todos os anos vou a Munique à festa da cerveja (Oktuber Fest), como aconteceu a semana passada.
3º. A MOTA:
Trazer a moto do Dulcídio, de Luanda para Henrique de Carvalho, foi a razão da nossa
A moto do Dulcídio |
4º. – LOGÍSTICA:Esta designação estrangeirada, não é mais que a procura de achar o "guito" necessário para o empreendimento.Para fazermos a viagem era necessário dinheiro, que já não tínhamos, pois havia sido
Alguns do "grupo" de Setúbal |
5º. - A VIAGEM:O Dulcídio conduzia levando uma pequena mala em cima do depósito e entre os dois a minha mala desmontável, que na altura se adquiriam na cantina da BA9, de tons vermelhos aos quadrados estilo saia dos escoceses.
Luanda anos 70 |
Logo na primeira curva mais
acentuada, ainda no perímetro de Luanda, não acompanhei a inclinação do
condutor e por pouco não parámos no “malagueiro”, mas enfim lá me adaptei á
condução e não houve mais problemas. Pouco depois estava uma moça “cabrita” à
boleia, não teria mais que quinze dezasseis anos, explicámos que não tínhamos
espaço para a levar, tendo replicado; eu vou no meio de vós ! Olhamos um para o
outro e continuamos a viagem sempre com a certeza que se anuíssemos à sua
vontade teríamos muitas mais paragens do que as previstas e com certeza ficaríamos
num estado de fraqueza comovedora.
A primeira paragem foi a cerca de cem quilómetros de Luanda, tomámos café, que foi a melhor iguaria que podíamos ter, tal era o frio que sentíamos. Estava a fazer o mesmo, um frade franciscano com longas barbas brancas, de bordel e sandálias, que falou connosco e com uma bonomia surpreendente desejou-nos uma boa viagem. Chegámos ao Dondo, já estava calor e um miúdo negro queria à viva força impingir-nos uma pele de cobra, que não comprámos apesar do baixo preço, por receio de estar mal curtida.
Parávamos entre cem a cento e
vinte quilómetros, tal era a autonomia do depósito. Depois de passarmos os
morros de Salazar entramos em Malange, mesmo a tempo do almoço, procurámos uma
esplanada e pedimos o usual, ou seja, bife com ovo a cavalo, batatas fritas,
arroz e pikles, cerveja Nocal, o trivial na época. Custo, vinte e dois escudos
e cinquenta centavos, uma Nocal cinco escudos e quinhentos !
Prosseguimos viagem até uma
localidade de nome Xandel e parámos numa cantina, onde o cantineiro fazia gala
de expor as filhas e a mulher. Aqui parámos mais tempo pois o intuito do
cantineiro era de vender mais cervejas!
Retomamos a estrada e fiquei com a
sensação de que faltava qualquer coisa, só mais tarde verifiquei com confrontos
de outros viajantes, que era de fêmea.A povoação seguinte era
Xamutera, onde só parámos para meter gasolina. A partir daí a estrada tornou-se
verdadeiramente intransitável. Levantámos voo diversas vezes e quando
aterrávamos quase que partíamos as “nalgas”, que ficavam em estado dormente.
A noite aproximava-se
rapidamente quando chegámos a Capenda Kamulemba e preparamo-nos para
jantar. O “restaurante” estava cheio de camionistas, caixeiros viajantes,
aventureiros e residentes no leste. Após o jantar e no mesmo estabelecimento,
que era o único, pedimos um quarto para passar a noite, o que nos foi negado
com o argumento de que estava tudo ocupado e nós a verificarmos que estavam a
chegar mais pessoas mas que eram os novos africanos.
Deambulando pela povoação
descobrimos que havia um pequeno posto da PSP, á qual nos dirigimos perguntando
se conheciam quem nos alugasse alojamento. O agente que nos atendeu, jovem como
nós, desconfiado por estarmos à civil, identificou-nos, mas acabou por nos
ceder dois lugares na camarata. Pedimos-lhe para nos acordar cedo, mas ao
verificarem que estávamos arrasados deixaram-nos dormir até às oito e meia.
Deixámos o minúsculo posto da PSP e depois dos efusivos agradecimentos pela inesperada hospitalidade, retomamos o caminho e só parámos no Cacolo, a partir daí não havia bombas de gasolina, nem alcatrão e ainda faltavam cento e noventa quilómetros para Henrique de Carvalho. Adquirimos um garrafão tipo “palhinhas” com gasolina suplementar e lá fomos durante três horas entre areia, lama e capim, até que chegámos na hora do almoço ao AB4.Chegámos extenuados, mas com um sorriso rasgado após esta aventura a que nos propusemos, eu com uns óculos estilo “alpinista” comprados dias antes em Luanda.
6º. – DESILUSÃO:
A viagem, no geral, correu
surpreendentemente bem, apesar de alguns percalços, mas compensou em aventura e gosto de viver, faz-me parafrasear um grande escritor chileno, Pablo Neruda, que nos fez conhecer essa imortal obra e que lhe valeu o prémio
Nobel – “Confesso que vivi” (Confieso que he vivido) !”
Encontrei também um senão,
quando chegamos extenuados ao local de jantar e pernoita no primeiro dia de
viagem e depois da recusa da dormida, tive a certeza da mentalidade e desprezo
que aquela gente, na maioria nascida em Portugal, votavam aos militares que no
fundo os protegiam. Já tinham esquecido, que dez anos antes tinham fugido à frente das catanas e hordas
de “terroristas”.
Os comerciantes brancos, vendedores,
funcionários da JAEA, da Diamang e fazendeiros, comportavam-se como uma elite,
bem aboletados nada faltava, dinheiro fácil, diamantes, poder, etc. Isso explicava a recusa da dormida e uma
aversão da forma de estar e relacionar-se naquela noite. Certifiquei, que essa
gente estava a cimentar meios para criar uma hierarquia “esbranquiçada” a
exemplo dos “primos” sul-africanos, que passaria por cima do tradicionalismo
negro dos régulos e sobas .A administração portuguesa estava a
criar meios para que Angola fosse uma economia próspera, já estava em força a
CUF com uma grande fábrica de amoníaco e cloro, previa-se a construção de uma
siderurgia, rasgavam-se novas estradas, o asfalto chegou a Henrique de Carvalho
e outras localidades.
O obreiro era o coronel Santos e Castro.
Em 1972, as receitas de Angola, pela primeira vez, cobriam as despesas com a guerra.O vinte e cinco de Abril precipitou a situação. Em Angola foi oferecida a independência aos movimentos, gorou-se o progresso e o êxodo foi terrível, mas para os Pereira Leite e outros, no fundo foi bem feito.
De que valeu o nosso sacrifício ?
O obreiro era o coronel Santos e Castro.
Em 1972, as receitas de Angola, pela primeira vez, cobriam as despesas com a guerra.O vinte e cinco de Abril precipitou a situação. Em Angola foi oferecida a independência aos movimentos, gorou-se o progresso e o êxodo foi terrível, mas para os Pereira Leite e outros, no fundo foi bem feito.
De que valeu o nosso sacrifício ?
BRAVO !!!!
ResponderEliminarGostei.
ResponderEliminarGostei da descrição e das reflexões finais chamadas "desilusões". Pagam-se CARO quando resultam de "caprichos" não planeados em todas as vertentes da sua abrangência e profundamente vinculados a aspectos em que predomina o material sobre o espiritual ou patriótico e o espírrito de MISSÃO. Normalmente os GANHADORES SÃO UMA MÃO CHEIA e os PERDEDORES SÃO MEIA DÚZIA DE MILHÕES....