Gago Coutinho - foto de Gonçalo de Carvalho |
Está por fazer o enquadramento da importância da Força Aérea nos três teatros de guerra no que concerne ao transporte e evacuação de feridos em combate. E mesmo em relação aos civis, nunca foi feito um levantamento dos milhares de vidas salvas pelas tripulações de aviões e ou helicópteros.
Como Operador de Comunicações, tomei parte, ainda que de forma indirecta, no número dos que contribuíram para que no mais curto espaço de tempo possível, se tornasse viável o transporte dos mais necessitados, para o hospital mais próximo, ou o que desse mais condições de sobrevivência, a quem no meio do nada necessitava de primeiros socorros, quer fossem militares ou civis Portugueses, ou mesmo do outro lado da barricada.
Como Operador de Comunicações, tomei parte, ainda que de forma indirecta, no número dos que contribuíram para que no mais curto espaço de tempo possível, se tornasse viável o transporte dos mais necessitados, para o hospital mais próximo, ou o que desse mais condições de sobrevivência, a quem no meio do nada necessitava de primeiros socorros, quer fossem militares ou civis Portugueses, ou mesmo do outro lado da barricada.
Para que se perceba o quanto era aleatório o local de onde se era evacuado para se poder garantir a sua sobrevivência, vou referir uma das evacuações em que participei como operador de comunicações e que mais me tocou emocionalmente, estava em Gago Coutinho, quando chegou através do Exército, um pedido de evacuação para uma civil com complicações de parto. O destacamento originário da mensagem era relativamente perto mas a evacuação teria que ser efectuada por um héli, pois a paciente não podia ser transportada aos baldões via terrestre para a pista mais próxima. O héli foi e voltou com uma miúda de corpo franzino e olhar assustado, que não teria mais que quinze anos, cujo feto se apresentara com um braço de fora e ninguém tinha conseguido dar-lhe a volta em tempo útil, agora era necessário salvar a jovem mãe.
Hospital do Batalhão de Gago Coutinho |
Durante o voo de regresso o piloto tinha chamado por nós, para que providenciássemos a ambulância para a levar ao hospital ali ao lado no aquartelamento do Exército.
Quando a retiraram do interior do héli os nossos olhares cruzaram-se e tive a sensação que ela não sobreviveria aos pouco mais de cinquenta metros entre a placa e o edifício pré-fabricado que servia de hospital, e quando tanto o piloto como o mecânico visivelmente alterados nos contaram, que as águas já lhe tinham rebentado à mais de um dia, que ela era filha do feiticeiro, e que por isso ninguém tinha tomado a iniciativa de pedir a sua evacuação, contra a vontade do pai, também nós começamos a perceber que ela não tinha nenhuma hipótese de sobreviver uma vez que o feto já possivelmente em decomposição provocaria nela uma infecção generalizada sem qualquer hipótese de salvação.
Quando a retiraram do interior do héli os nossos olhares cruzaram-se e tive a sensação que ela não sobreviveria aos pouco mais de cinquenta metros entre a placa e o edifício pré-fabricado que servia de hospital, e quando tanto o piloto como o mecânico visivelmente alterados nos contaram, que as águas já lhe tinham rebentado à mais de um dia, que ela era filha do feiticeiro, e que por isso ninguém tinha tomado a iniciativa de pedir a sua evacuação, contra a vontade do pai, também nós começamos a perceber que ela não tinha nenhuma hipótese de sobreviver uma vez que o feto já possivelmente em decomposição provocaria nela uma infecção generalizada sem qualquer hipótese de salvação.
Passados minutos de terem chegado, telefonaram do hospital, pedindo a evacuação para o Luso, uma vez que não tinham condições de a operar. Estávamos no auge da estação das chuvas, o dia estaria praticamente a chegar ao fim quando eles aterrassem no Luso, e decidiu-se levá-la no DO-27, não só por ser um pouco mais rápido, mas sobretudo por ter meios de comunicação/navegação mais apropriados a um possível quadro de mau tempo na rota ou à aterragem.
Abastecido e preparado o avião lá partiram rumo ao Luso, depois de eu ter obtido o tempo e a certeza que chegasse à hora que chegasse, haveria luz na pista e transporte imediato para o ferido transportado, bem como meios rádio alternativos caso a pista estivesse fechada por mau tempo à vertical. No dia seguinte, perguntei ao Luso logo de manhã se era possível saberem se tinha tudo corrido 5/5 com o nosso avião e com o ferido transportado, e foi-nos dito que ela seria evacuada para Henrique de Carvalho, por o cirurgião que a operaria no Luso, estar a resolver uma emergência de uma outra civil.
Voltou o nosso DO-27 do Luso e qual não é o nosso espanto quando nos dizem, que doente e Médico se tinham cruzado ela em direcção a Henrique Carvalho e ele de regresso propositado ao Luso para a operar não se encontrando por pouco, mas pondo ainda mais em perigo a jovem paciente, tendo finalmente sido evacuada directamente para Luanda, isto depois de tanto tempo perdido por uma série de factores aleatórios, que nós não podíamos prever nem ultrapassar, e a tudo isto a jovem mãe, sem um queixume, ia pedindo a quem a abordava que lhe salvassem o seu menino, na doce e inocente esperança de o poder abraçar e cuidar ternamente.
Durante os dias seguintes, incomodei toda a gente para saber se ela tinha sobrevivido, até hoje nunca obtive qualquer resposta.
Gago Coutinho, 1973 OPC (ACO) - 71/73
Muito triste, mas sem fim definido. Quantos houve??? Para quê???
ResponderEliminarSérgio Durães
OPC 1/68
Obrigado por este retrato pungente ! Um abraço ao autor !
ResponderEliminarTalvez um dia se faça o relato da verdadeira Odisseia que,os Militares Portugueses viveram. Até lá vou preenchendo minha memória com relatos como este. Obrigado Camarada.
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