sexta-feira, 31 de julho de 2015

TRANSPORTE DE EVACUAÇÃO DE FERIDOS - TEVS (II)

Gago Coutinho - foto de Gonçalo de Carvalho
Está por fazer o enquadramento da importância da Força Aérea nos três teatros de guerra no que concerne ao transporte e evacuação de feridos em combate. E mesmo em relação aos civis, nunca foi feito um levantamento dos milhares de vidas salvas pelas tripulações de aviões e ou helicópteros. 
Como Operador de Comunicações, tomei parte, ainda que de forma indirecta, no número dos que contribuíram para que no mais curto espaço de tempo possível, se tornasse viável o transporte dos mais necessitados, para o hospital mais próximo, ou o que desse mais condições de sobrevivência, a quem no meio do nada necessitava de primeiros socorros, quer fossem militares ou civis Portugueses, ou mesmo do outro lado da barricada. 
Para que se perceba o quanto era aleatório o local de onde se era evacuado para se poder garantir a sua sobrevivência, vou referir uma das evacuações em que participei como operador de comunicações e que mais me tocou emocionalmente, estava em Gago Coutinho, quando chegou através do Exército, um pedido de evacuação para uma civil com complicações de parto. O destacamento originário da mensagem era relativamente perto mas a evacuação teria que ser efectuada por um héli, pois a paciente não podia ser transportada aos baldões via terrestre para a pista mais próxima. O héli foi e voltou com uma miúda de corpo franzino e olhar assustado, que não teria mais que quinze anos, cujo feto se apresentara com um braço de fora e ninguém tinha conseguido dar-lhe a volta em tempo útil, agora era necessário salvar a jovem mãe. 
Hospital do Batalhão de Gago Coutinho
Durante o voo de regresso o piloto tinha chamado por nós, para que providenciássemos a ambulância para a levar ao hospital ali ao lado no aquartelamento do Exército. 
Quando a retiraram do interior do héli os nossos olhares cruzaram-se e tive a sensação que ela não sobreviveria aos pouco mais de cinquenta metros entre a placa e o edifício pré-fabricado que servia de hospital, e quando tanto o piloto como o mecânico visivelmente alterados nos contaram, que as águas já lhe tinham rebentado à mais de um dia, que ela era filha do feiticeiro, e que por isso ninguém tinha tomado a iniciativa de pedir a sua evacuação, contra a vontade do pai, também nós começamos a perceber que ela não tinha nenhuma hipótese de sobreviver uma vez que o feto já possivelmente em decomposição provocaria nela uma infecção generalizada sem qualquer hipótese de salvação.
Passados minutos de terem chegado, telefonaram do hospital, pedindo a evacuação para o Luso, uma vez que não tinham condições de a operar. Estávamos no auge da estação das chuvas, o dia estaria praticamente a chegar ao fim quando eles aterrassem no Luso, e decidiu-se levá-la no DO-27, não só por ser um pouco mais rápido, mas sobretudo por ter meios de comunicação/navegação mais apropriados a um possível quadro de mau tempo na rota ou à aterragem. 
Abastecido e preparado o avião lá partiram rumo ao Luso, depois de eu ter obtido o tempo e a certeza que chegasse à hora que chegasse, haveria luz na pista e transporte imediato para o ferido transportado, bem como meios rádio alternativos caso a pista estivesse fechada por mau tempo à vertical. No dia seguinte, perguntei ao Luso logo de manhã se era possível saberem se tinha tudo corrido 5/5 com o nosso avião e com o ferido transportado, e foi-nos dito que ela seria evacuada para Henrique de Carvalho, por o cirurgião que a operaria no Luso, estar a resolver uma emergência de uma outra civil. 
Voltou o nosso DO-27 do Luso e qual não é o nosso espanto quando nos dizem, que doente e Médico se tinham cruzado ela em direcção a Henrique Carvalho e ele de regresso propositado ao Luso para a operar não se encontrando por pouco, mas pondo ainda mais em perigo a jovem paciente, tendo finalmente sido evacuada directamente para Luanda, isto depois de tanto tempo perdido por uma série de factores aleatórios, que nós não podíamos prever nem ultrapassar, e a tudo isto a jovem mãe, sem um queixume, ia pedindo a quem a abordava que lhe salvassem o seu menino, na doce e inocente esperança de o poder abraçar e cuidar ternamente. 
Durante os dias seguintes, incomodei toda a gente para saber se ela tinha sobrevivido, até hoje nunca obtive qualquer resposta.

Gago Coutinho, 1973  
OPC (ACO) - 71/73

3 comentários:

  1. Muito triste, mas sem fim definido. Quantos houve??? Para quê???

    Sérgio Durães
    OPC 1/68

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  2. Obrigado por este retrato pungente ! Um abraço ao autor !

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  3. Talvez um dia se faça o relato da verdadeira Odisseia que,os Militares Portugueses viveram. Até lá vou preenchendo minha memória com relatos como este. Obrigado Camarada.

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