sexta-feira, 3 de julho de 2015

TRANSPORTE DE EVACUAÇÃO DE FERIDOS - TEVS (I)

Posto de rádio do Luso
- foto Rui Pires
Quando estava de serviço ao posto de rádio na posição de recepção, e aparecia uma mensagem com a classificação (Z) Zulo, prioridade (RELÂMPAGO) com a obrigatoriedade de entrega ao destinatário em 30 minutos, normalmente era um pedido de evacuação de feridos.
O Luso era pela sua localização, mas sobretudo pelas valências do seu hospital, o local para onde confluíam todas a evacuações da Zona Leste de Angola dos Distritos do Moxico, Cuando Cubango e mesmo nalguns casos da Lunda Sul.
Para quem chegava praticamente da recruta na OTA, era o pior local para tomar contacto com a realidade mais cruel da guerra, normalmente nunca ia à placa ver quando chegavam os feridos, preferia noites de sono com outros pesadelos que não o de outros jovens como eu por vezes completamente destroçados por minas, acidentes com explosivos, granadas, auto flagelações com tiros acidentais ou de emboscadas; sempre que podia aconselhava os meus jovens companheiros, mesmo os que não eram da minha especialidade, para não terem pressa de verem tudo, pois mais tarde ou mais cedo o destino se encarregaria de os pôr em contacto com situações em que ninguém quereria de modo voluntário participar.
Quando já estava com a comissão acabada, chegou ao Luso um jovem MMA, cujos familiares já me tinham escrito para que eu acompanhasse a sua integração, como seria de esperar fui-lhe dando os conselhos que eu gostaria que alguém me tivesse dado quando cheguei, embora ele não precisasse e sobretudo não dependesse deles, no seu primeiro dia de serviço de alerta aos Hélis, surgiu um pedido de evacuação de um "Flecha" que tinha pisado uma mina, acidente já ocorrido no dia anterior, mas que devido à impossibilidade de contactos via rádio só nessa manhã chegara ao seu posto.
Foram busca-lo ao local do acidente e quando o estavam a meter no héli, o MMA, reparou que ele trazia bem agarrado, debaixo dos braços cruzados sobre o peito, um embrulho que exalava um cheiro tenebroso, perguntado o que continha, referiu o maqueiro que vinha com ele que era a bota com os restos do pé e da perna, que os camaradas lhe tinham garantido, que os "Doutores Brancos" lhe coseriam com certeza. O MMA e o também jovem piloto trocaram olhares e lá deixaram acomodar o "embrulho" por debaixo da maca, em pleno voo o cheiro exalado pelos restos já em decomposição, começou a nausear toda a gente, piloto, mecânico e maqueiro, o "Flecha" estava "entupido" com o reforço de heroína que lhe tinha sido dado para o conseguirem meter no héli, a solução foi abrir as portas laterais e esperar que a viagem acabasse depressa.
Chegada de mais uma evacuação
Quando chegaram avisado pelo controlador Vieira, fui à placa espreitar como se tinha desembaraçado o MMA, na sua primeira missão de TEVS, e tudo parecia normal, até que ao aproximar-me do héli, os vejo o MMA e o Piloto, a deitarem "carga ao mar" cada um para seu lado, no final, quando a ambulância se foi embora para o hospital, restaram na placa junto ao héli, além das poças do vomitado, o tal embrulho e fui eu e o MMA, que o tivemos de enterrar no canto interior Norte da placa, junto à protecção de terra contra disparos, uma vez que os médicos se recusaram a transportá-lo com o ferido, por não ser possível a sua implantação, e mesmo o resto da perna teria também que ser amputado.

Luso, 1973 
OPC (ACO) - 71/73

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