sexta-feira, 23 de agosto de 2013

CONVERSAS NA CIDADE Nº.6


Nota Introdutória

     Altas horas já passadas, e a tasca do comerciante continuava a servir de hospedagem aos bem-falantes aeronáuticos. Estavam pousados nas cercanias do Cine Chikapa, naquela avenida onde se situava a pastelaria Bonina, a D.G.S., a J.A.E.A….Lá bem nos limites ocidentais da cidade Saurimense.   
 Mas… o “Marrador” vai colocar os personagens em plena sessão… Tomem gosto pela conversa fiada dos “gabirus”!...
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Marrador – Depois do “marufo” entornado, da “tapioca” comida, e fumada a “liambada” na tasca do “fardex”, eis que os nossos leõezinhos ressonavam sem rosnar. Tão aéreos, tão apáticos, caíram de cú nas palhinhas…mesmo à beirinha da sanzala!... E, agradecendo ao dono amigo, a bela estadia…partiram para outras explorações, aproveitando a “pikada” sanzaleira já muito conhecida pela velha tropa dos “zingarelhos”. Escutem-lhes a canção, o lenga-lenga acostumado deste duo atribulado.

VITO – A “tapioca” estava picante!...
JOCA – E a “catchipembe” matava ratazanas!...
VITO – Hummm!...Este paladar na língua!... Seria da “liamba” mal curada?! Ou, da “mutopa” entupida?!...
JOCA – Entupido ando eu. Preciso “genisticar” o órgão. Senão, ainda rebento.
VITO – Com o teu “béu-béu” estás a dar-me ideias!...E se fôssemos até à Barragem do nosso amigalhaço Capelão?
JOCA - Pelo circuito da Sanzala de S. José?
VITO – Pela rota acostumada – cubata do Soba, para sabermos novidades da aldeia, pelo bananal, para a fotografia habitual, pelo rio, para apreciar as “mwanas phwos” e para mirar as provas olímpicas de mergulho, pelo centro das palhotas, para escolher os “cafécos” e ver a malhação no “pirão”.
JOCA – Já a tinhas estudado!... Estou a ver-te nos precipícios…Primeiro, na “cubata” do “muatan” para dissipar as calorias. Segundo, foto no bananal, para dizeres onde estiveste, armado em garanhão. Lavadeiras, com os “nés-nés” ao léu…, malhação do “pilão”?! Esta, não estou a situar?!
VITO – No pirão. És gago? Trocas os “L” pelos “R”? Será ainda o efeito do “malufo”? E as provas olímpicas, esqueceste de referi-las?!...
JOCA – Pois, enganei-me, queria exprimir a passagem de modelos com os “cafécos” de tanguinha!... Ou, sem ela!...
VITO – Com estas maldades todas, mentes turvas, acabamos por nos termos que confessar na Barragem!...
JOCA – Não. Lá não há confessionário. Só carrossel, baloiço eléctrico, jangada a vapor e formiguinhas de asa nos morros de sete andares. Estância balnear!...
VITO – Sabes trepar aos morros? Nalguns será preciso um escadote. Os bichinhos são pequenos, mas fazem prédios com vários andares. Formiga de asa, morros históricos…

Marrador – Os “ papa – léguas” caminhavam para o Norte. Passaram junto ao cemitério da cidade, tiraram a foto da praxe junto à grande bananeira – limite fronteiriço da sanzala e que dava para o desfiladeiro da Barragem. Antes, beijaram a mão ao grande “soba”, na cubata mor, fotografaram os “cafécos” e “cafécas”, e refrescaram os pés junto às lavadeiras do ngiji. Deitaram as suas graças às “tusulas”, e prosseguiram atalho até à dita Barragem construída pelas mãos do grande engenhocas religioso.

JOCA – Oihhh…Já avisto os “corvos” no balancé!...
VITO – É o Capelão, e gente da nossa “guerra” juntamente com os “cambutas”. Está tudo numa animação desgarrada. A Barragem sempre produz energia! Até oiço música de grafonola!...
JOCA – São as “kai” a balirem.
VITO – Cabras?! Aqui?
JOCA – E, são brancas.
VITO – Bem, estão com o Capelão…Estão isentas de pecados!...Vamos lá a ver se existem umas “bjecas” frescas!...
JOCA – Se há “corrente”…há energia. Se há energia, há geladeira. Se há geladeira, há bebida…
VITO – Se há, há…Se há, há!... Conversa de “chacha”!...
JOCA – Gaita!... Se não houver, tens a frescura dos morros das formigas. Cura-te. Vês o carrossel a girar? Afinal, temos o inventor “pardal” em África. Canal de água, Barragem, turbinas a funcionarem, produção de energia, luzes acesas, e divertimento para a pequenada. Sim senhor!...
VITO – Tira aqui umas fotos para enviarmos à “famelga”.
JOCA – Aqui, junto ao canal. Aqui, junto aos morros ou, com o Capelão como companhia, e também no “citulu” “apalhadado”.
VITO – Vê lá se “atacas” os sapatos depressa. Parece-me que estás a catar a “bitacaia”!...

Marrador – Depois de uma alongada com o “genérico” Capelão, soldadesca espacial e,canhikas” da cor de breu, eis que os veraneantes de fim-de-semana se colocam por discernir sobre a nova etapa a palmilhar. E, porque parar é morrer, havia que dar novo rumo ao dia…“
JOCA – Tal e qual o combinado, seguiremos até à piscina. N´est-ce pas?
VITO – Ohhh…Ouiiii!... Les petites filles sont belles !...
JOCA – Hummmm….Estás a imaginar já as meninas do Liceu a nadarem na piscina?
VITO – Circundamos o Liceu, torneamos a Capela, encetamos pela Avenida das Mangueiras, Campo da Bola, e penetramos, penetramos, pelos bambus.
JOCA – Penetraremos. Penetraremos na caminhada triunfal!... Mas, no túnel, no túnel dos bambus…consta que há lobos maus?!... UUUhhh…
VITO – Só papam meninas solitárias!...
JOCA – Esses lobos, conheço-os eu!... Alguns até andam fardados!...
VITO – Juízo na tola..Vê lá!…Acabaste de receber um alqueire de catequese com o Tenente Capelão e não te emendaste?
JOCA – OK. OK… Só natação!... Nadar, nadar. “Kha”!... Já não falo mais!...
VITO – Só natação e…só te faz bem. Não andas perro da tripa? Movimenta-te. E, o lobo mau, sou eu!

MarradorBambus, só bambus!... Terminada a avenida das Mangueiras, entrava-se na arcada das canas grossas. Todos os “franganitos voadores” tiravam a sua foto nestas paragens. Aqui, e junto à estátua do grande sertanejo, defronte à Capela. Deixemo-los caminhar para a fonte refrescante…

JOCA – Há dias passei por estas bandas com duas “canhicas” minhas conhecidas do teatro.
VITO – E…e….?
JOCA – E tínhamos ido tomar banho ao rio. Fazer um picnic à nossa maneira.
VITO – E… e….?
JOCA – E, ensaiámos a peça teatral!...
VITO – Até os crocodilos do rio cantaram em coro, certamente!...
JOCA – Mudando de tema, eis aqui à nossa frente a “turbe” dos asas caídas. Uma vintena a fazer das suas palhaçadas!.... A nossa tropa anima toda a cidade.
VITO – Olha, olha-me para aquele mergulhador! Melhor do que os “matumbitos” do riacho.   Olímpico em Munique.
Tal e qual o Mark Spitz,
JOCA – O das medalhas? Não tanto, mas também dá nas vistas!...
VITO – E, os dois do escorrega? Quem são?
JOCA - Sei lá!... Estão a alisar o zinco, tirar as farpas ao estrado. Não sabem nadar, e estão no disfarce!...
VITO – Outro mergulhador, classe!... Só competências para as meninas verem!...
JOCA – Peneirice azulada!... Não, aquele não é azul . Aquele é verde.
VITO – Arre…macho!...
JOCA – Arre!...
VITO – Vamos molhar o “trancoso”? Estão ali as nossas colegas à nossa espera!...
JOCA – Já topei. Estão a fazer que estudam, mas sempre a olharem para o “despe-despe”.
VITO – Calma. Respeita a Terezinha e a Suzete. São filhas da nossa “sargenteada”!... E, não só!
JOCA – Sim, a paisagem neste filme é superior à das quedas do Chikapa. Lá, só há barbudos!...
VITO – Muitos namoros se iniciam aqui!... Água morninha, tardes alongadas, caminhada pelo arvoredo,…tudo no compasso certo!...
JOCA – Joga a experiência já vivida, no fim de comissão!... Sempre os mesmos lugares já pisados tantas vezes!...
VITO – Como será num futuro longínquo?!... Teremos recordações destas paragens?!...

Marrador – Mais uma tarde que os nossos convivas passaram na piscina, juntamente com tantos outros companheiros de guerra, e pelas cidadãs da nobre cidade de Saurimo. Sempre os mesmos circuitos, sempre a mesma conversa, sempre os mesmos acepipes!.... Ao longo de vinte e tantos meses ou, mais!.... Envelhecia-se lentamente, amadurecia-se e,….Desfrutava-se ….Quando alguém o permitia!...
E, AGORA?!...
- Onde está o nosso Cabo
- Esse bravo do passado
- Da heróica aviação?!
- Que até com fato emprestado
- Parecia Homem honrado
- Mas no bolso, sem tostão!
Língua Quioca
Canhika  – jovem
Marufo – vinho feito da fermentação da seiva da palmeira
Malufo – vinho
Tapioca – papa de farinha de mandioca granulada e doce
Catchipembe – aguardente
Liamba – tabaco
Mutopa – cachimbo de água
Muatan – senhor
Pikada – caminho africano de 3ª. categoria
Tusula – rapariga
Kai – cabra do mato
Ngiji – rio
Citulu – chapéu
Mwana phwo – lavadeira
Kha – não
Bitacaia – parasita dos pés
Cubata – palhota
Cafécos – jovens
Kambuta – pequeno
Bjeca – cerveja
Matumbo – inculto

Anotações:
Teresinha – Jovem cidadã da cidade
Suzete – Filha de Sargento da FAP

Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue

Versos:
Fado do Especialista – Versos enviados por Álvaro de Jesus

 Até breve o amigo

1 comentário:

  1. Estamos no dia 08.09.2013, quarenta e poucos anos depois destas vivências, e sabe-nos bem ler, recordando outras que tais...
    Sim! Muito se viveu, de tal sorte que, vencidos todos estes anos, nada se olvidou...
    E é bom saber que, pelos menos, a D. Alzheimer ainda não nos privou de recordar tudo o que, em tempos de missão e juventude, por terras de uma Saurimo nunca esquecida, fomos vivendo e saboreando...
    Saudade e Honra aos que já regressaram a Pátria da Verdade.
    Para todos os que por aqui vão rodando, os Abraços de sempre, no mesmo espírito e camaradagem!
    Álvaro de Jesus
    ***

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