quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

OS DESMANDOS DO TEN. CORONEL SACHETTI

Na generalidade no Leste de Angola de 1970 a 1972 a guerra era remanescente, muito embora se fizessem relatos hiperbólicos da Zona Leste, desde Teixeira de Sousa até N'Riquinha, de Companhias e Batalhões aí sediados.
Havia operações tipo "Siroco", mas a verdade é que os confrontos reais eram sustidos pelo Flechas e Katangueses, nada comparável com o que estava a acontecer ao tempo em Moçambique ou em toda a Guiné. Eram maiores as baixas por acidentes e fogo amigo, como aconteceu em Gago Coutinho e outros.
Estive por diversas vezes em vários destacamentos, em reparações de DOs e T6 e era difícil passar o tempo, restava-nos a caça, que fiquei a adorar e ainda hoje recordo os bons bifes de nunce que comi em Gago Coutinho. Foi também nesta Vila que conheci o Sargento Meirim, que pelas suas qualidades e dons de sabedoria foram muito enaltecidos nas magnificas histórias do Capitão Carlos Acabado.
Em meados de 1971, procedeu-se a uma pequena revolução
Ten.Cor. Wilton Pereira
no organograma do AB4, que coincidiu com o fim da comissão do Comandante Ten.Cor. Wilton Pereira, um grande senhor, que enquanto nos comandou 
estávamos resguardados das acções farejadoras dos 2º. Comandante Major Ladeiras, maningante só estava na tropa para se orientar, era responsável pelas messes, pelos combustíveis, pela agro-pecuária e ainda da fábrica de cerâmica em Saurimo. Mau piloto e só fazia viagens para onde lhe cheirasse a kamangas.
O Ten.Cor. Wilton Pereira foi substituído, em Agosto de 1971, pelo 
Ten.Cor. Fernando Manuel Gago Elias de Sousa, sem relevância, por um período de um ano, 1971 a 1972.
Quem substitui o Ten.Cor. Elias de Sousa, em 23 de Agosto de 1972, foi uma figura sinistra, minúscula, o Ten.Cor. José Luis Azevedo Barreto Sachetti que veio transferido da BA7 onde era Comandante. Parecia ter sido investido de largos poderes, de que mais tarde tivemos a confirmação. Toda a guarnição do AB4 vestiu a farda nº. 1 e formou na placa para a sua apresentação e vassalagem.
Cerimónia da transferência de comando do T.Cor. Elias de Sousa para o T.Cor. Sachetti

Das suas primeiras acções foi transferir o Comando Operacional para o destacamento do Luso. Rodeou-se de oficiais da sua confiança, aumentou o número de T6, que passaram a voar somente em parelha. Passaram a estar em permanência no Luso os 3 Dakotas, o de passageiros e os dois "Shelltox". As mudanças não se ficaram por aí, o Major Simões e o Capitão Gonçalves foram nomeados para o comando do AM e o Capitão Santana para o comando da Esquadra 402 dos helicópteros, Capitão que foi atingido em 4 de Maio de 1973 numa operação no Lutembo e acabaria por falecer. O BC Beechcraft ficou praticamente à sua disposição, trocou o MMA Francisco Simões pelo José Chambell e não ficou por aí !
Foi transferida toda a linha da frente do AB4 para o Luso, preparou e instalou uma messe e casernas, para retirar ajudas de custo ao pessoal de voo e reduzir a importância do AB4, que ficava somente a 260 kms e era dotado de todos os equipamentos necessários, desde messes, alojamentos, enfermaria...aviário e pocilga e algumas condições de lazer.
O Ten.Cor. Sachetti tinha um prazer supremo de colocar o
Sachetti e o BC
BC de rodas no ar às cinco horas da manhã para acordar o pessoal nos diferentes destacamentos.

Dentro do programado foi empreendida uma cruzada de produzir operacionais obedientes, e rapidamente apareceram os videirinhos, sabujos e rambos. Ainda hoje, passados mais de 40 anos há quem admire esse culto da personalidade, nomeadamente os nossos camaradas (alguns especialistas) dos Saltimbancos, ou AR Luso, que trocam galhardetes recíprocos do tipo, "nós fomos mais operacionais" que os outros, o que é triste. Deveriam ver a camaradagem dos Especialistas do AB4, que se reúnem  anualmente sem interrupção há 46 anos, sempre no segundo sábado do mês de Novembro, por todo o Portugal, para manifestar a vida e as lembranças dos bons momentos que passámos juntos no apogeu da nossa juventude.
Foi naquela terra distante, que a maioria de nós crescemos e aprendemos à nossa custa a sermos gente.

Não foi a doutrina implantada pelo Ten.Cor. Sachetti que ficou favorável nas nossas mentes, mas admito que serviu a poucos para alimentar egos e brandir heroicidades. Faço lembrar que o Ten.Cor. Sachetti era filho de um dos mais mordazes e sanguinários do regime e da Pide, onde foi até director.
Esse sim a par dos comparsas era um ideólogo.

Se alguém se lembrar, pode confirmar. Em Setembro de 1969 ficámos retidos nos quartéis, eu em Paço de Arcos, por causa das eleições que se iriam efectuar, e em que o regime receava uma viragem. Assinámos uma lista que nos apresentaram e nem sequer fomos ás urnas. Era tempo da União Nacional, Legião Portuguesa e Movimento Nacional Feminino, movimentos que se armavam defensores da Pátria, bandeira e família, filosofia em desuso, mas activa em Portugal e Espanha que nos foi incutida desde a Mocidade Portuguesa.
Mais tarde um francês escreveu um livro sobre o assunto, a que deu o título de Tentação Totalitária. Chamava-se Jean François Revel.
Esta grande alteração do organograma da FAP, no leste de Angola, foi direccionada por Luanda. O Cor. Silva Cardoso, que tinha chefiado a BA9, passou a general e a comandar a 2ª. Região Aérea. Entre outras menções, que fez no seu extraordinário livro de memórias, foi de sua escolha pessoal o Ten.Cor. Sachetti, o Cap. Santana dos helicópteros, e um Maj. Corbal, que nunca vi nem sei o que fez, todavia chegou ao generalato depois de comandar a BA5. Recebeu-nos num encontro dos Especialistas, já pilotava os Corsair.
Silva Cardoso foi um militar brilhante, a sua coroa de glória foi organizar e conduzir por via aérea, a esquadrilha de PV2 do Montijo até Luanda. Ficaram dois pelo caminho, um em S.Tomé, outro no Gabão, que acabaram por chegar a Luanda.
Os PV2 chegaram em fins de 1960, e em Março de 1961
PV2 em acção em Quicabo em 1961
foram chamados para salvaguardar as populações e tiveram os Gen. Diogo Neto, Galvão de Melo e o próprio Silva Cardoso, acções de heroicidade em Mucaba, Pedra Verde e todo o norte de Angola.
Foi também Silva Cardoso que dinamizou a esquadra de SA Pumas e introduziu os B26 que estavam em Alverca há vários anos, mas que por imposições burocráticas, ou técnicas
, não voavam.
B26 na BA9
Este bombardeiro, totalmente diferente do PV2, tinha o coquepit de acesso exterior. A tripulação era constituída por três elementos; piloto, co-piloto e mecânico, que atrás dos primeiros num assento que mais parecia de motorizada. Tinha o trem de aterragem contrário ao PV2, ou seja atrás, e uma autonomia considerável. Não sei como o Gen. Cardoso estava habilitado para pilotar esta aeronave, mas foi ele que lançou o nosso comandante de PV2 Ten. Godinho, que pediu transferência para Luanda para estar junto da família.
Cerimónia de despedida do Gen.Bettencourt Rodrigues

A organização do comando do Exército na ZML também mexeu com o que tinha estado em vigor, ao tempo o Gen. Bettencourt Rodrigues. O seu novo comandante, o Gen Hipólito, dito falcão, que eu acrescento sem garras, tinha sido braço direito do Gen. Kaúlza de Arriaga de triste memória, mas ficou ligado á FAP quando foi SEA, ao criar as tropas paraquedistas inspiradas na formação francesa na Argélia e daí o aparecimento dos Nord-Atlas. Foram os dois os arquitectos da operação "Nó Górdio", que apesar dos pesados meios envolvidos, não resolveu nada e foi o início da guerra a todo o Moçambique, com a criação de nova frente de combates em Tete.
AB7 - Tete


No AB7-Tete houveram flagelações e mortes, apesar de ali estar estacionada uma esquadrilha de Fiats. O inimigo tornou-se mais agressivo e audaz, estando a infligir baixas consideráveis na nossa tropa regular. A quantidade de minas anti-pessoais e anti-viaturas limitavam drasticamente o movimento de pessoal e viaturas, e a sua saída dos aquartelamentos, ou povoações. Dois aviões rodesianos Hunter foram abatidos. Este estado de sufoco originou a operação dos comandos mais vergonhosa da nossa estadia em África, em Wiriyamu, relatada por missionários espanhóis, o inglês Adrian Hastings e outros.
Os nossos generais não aprenderam nada. Em 1966 na Guiné, ao tempo do Gen. Arnaldo Schulz, foi empreendida uma operação de grande envergadura na ilha de Como, tendo mobilizado os três ramos das FA e todos os meios bélicos disponíveis. Resultado a ilha ficou deserta, no entanto mal as nossas tropas voltaram as costas, o IN saiu dos seus refúgios e ficou mais forte. A ilha passou a ser o QG de Nino Vieira !
Para substituir o Gen. Schulz, foi nomeado outro, o Gen. António Spínola, com entrada de leão e saída de sendeiro. General que até tinha sido observador das manobras dos alemães em Estalinegrado em 1942, pensava revolucionar as artes da guerra, parecia que estava em todas, percebeu que não ia lá e escreveu um livro em que só faltava dizer...tirai-me daqui !

Em 1973 aconteceram os tristes acontecimentos de Guidage no norte, Guileje e Gadamael, onde pereceram dezenas de militares dos quais praticamente um pelotão de paraquedistas em Guileje, cujos corpos lá sepultados, foram resgatados em 2002, sob os auspícios da Liga dos Combatentes.
Os novos senhores do leste de Angola, Hipólito, Pezarat, Sachetti e seus correlegionários, a primeira coisa visível foi denunciar o acordo da "operação madeira", entre as NT e a Unita com a participação dos madeireiros. Foi como mexer num vespeiro, até aí vivia-se em paz relativa, a Unita armada por nós,  entretinha-se a guerrear o seu arqui inimigo o Mpla, o comércio e as infraestruturas fluíam. Daí para a frente os pelotões e companhias isoladas eram flageladas, cresceram as emboscadas e mortes. Os comandos passaram a ter baixas consideráveis, expressas no livro do Furriel comando Albano Sousa, "Chão de Sangue", ou no ataque a uma coluna no Luvuéi. Abriu-se a guerra até Luiana, activou-se Silva Porto, os nossos aviões e helicópteros começaram a ser alvejados e atingidos, que o digam o Patrício e o Corredeira, e tudo se encaminhava para sairmos do leste envergonhados e humilhados.
Silva Cardoso era um homem que observou com minúcia o problema angolano, assim como o Cap. Carlos Acabado que nos brindou com as suas histórias vividas no leste, que irei, se me deixarem, pronunciar num texto posterior. Não era nenhuma flor de estufa, ficou famosa a sua guerra pessoal com o Cap. Ervedosa, que saiu compulsivamente da FAP, e no Prec foi readmitido numa manhã e á tarde passou á reserva.
Sorte diferente teve um comandante dos PV2, o Ten Vitor, que pediu a passagem á reserva no fim de uma comissão em Moçambique, mais tarde solicitou a reintegração e apareceu em Henrique de Carvalho. Era bom piloto mas sorumbático, ar superior e até malcriado. Em 1975, surpreendi-o na televisão á direita do Gen. Vasco Gonçalves, num célebre comício de Almada. Com estes "artistas" íamos longe !
Conclusão:
Gen. Bettencourt
O Gen. Bettencourt Rodrigues acabou por substituir o Gen. António Spínola, que já tinha fraquejado quando escreveu o livro "Portugal e o Futuro"...foi o primeiro que fechou as portas da Guiné.
Quando recordo o Ten.Cor. Sachetti, lembro-me de um dito muito repetido pelo meu pai, que argumentava que um homem que só gaste dois metros de fazenda e pequenino, ou é filho da...ou, bailarino! Eu acho que ele correspondia á primeira opção!




Por: Toneta



2 comentários:

  1. Depois de ler detalhadamente o texto venho sugerir a correção da data da trágica morte do meu Pai, que foi atingido a 4 de Janeiro, vindo a falecer a 5 de Janeiro de 1973.

    Respeitáveis Cumprimentos
    Fernando Santana

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  2. Ó camarada quanto aos que chama de "artistas" são das pessoas mais dignas que fizeram parte do movimento dos capitães, a não ser que esteja muito satisfeito com os artistas que tomaram conta disto tudo. Quanto ao general Spínola não esteve nas "manobras" de Stalinegrado, porque se lá estivesse de certeza que deixava lá os ossos, como ficaram o descendente do rei D. Manuel II que gostava de fardar de SS, o gen. Spínola esteve foi no cerco de Leninegrado. É bom saber um pouco de historia.

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