quinta-feira, 29 de março de 2018

O REGRESSAR Á OTA...49 ANOS DEPOIS!


Organizado pela Associação dos Especialistas da Força Aérea, AEFA, realizou-se no dia 24.3.2018, o 41.º Encontro Nacional uma visita à BA2, na OTA. Obrigado, AEFA, pelo dia inteiro cheio de emoções e pelos vários baques que eu tive no meu coração.
À OTA dos meus sonhos, dos meus anseios. Há quase 49 anos (sim, quarenta e nove aninhos) que estive na FAP no curso de especialistas. OPC foi a minha escolha. Para mim, era o melhor curso. Englobava, além do inesquecível morse, as teleimpressoras, a cifra…
Bom, o primeiro baque foi quando cheguei à parada (transportado no autocarro mais velho de todos quantos chegaram. Era de 1992, mas chegou ao mesmo tempo que os outros pimpões muito mais novos, alguns de 2015, cheios de ar condicionado e de suporte para os pés e tudo…).
Foto de Fernando Castelo Branco

Ao descer do machibombo, fiz questão de pisar com o pé direito a parada. E, 49 anos depois, olhei, embevecido, num misto de emoções que não saberei nunca descrever e vi, claramente visto, em 1969, a parada cheia de putos armados em homens, com o fato de macaco azul escuro e um boné às 3 pancadas, a fazerem “ordem unida”.
À frente, em cima de um escadote com uma dúzia de degraus, um tipo, também ele com o mesmo equipamento que nós, a mandar-nos fazer isto e aquilo e aqueloutro. Já estávamos fartos. Já tínhamos mais de dois terços da recruta feita. Já éramos, portanto, malandros. E começámos a abandalhar. E começou a chover. E cada vez a chover mais. E nós, 412 recrutas enregelados e ensopados, na parada.
E o tal tipo, instrutor de Educação Física, disse, com o seu megafone e do alto do seu escadote:
-Como estamos todos muito cansados, vamos descansar. Podem ficar na posição de “descanso”.
E ficámos na posição de “descanso” não sei quanto tempo (largas dezenas horas para nós. Largas dezenas de minutos na realidade)... pensei que o tal tipo ia abrigar-se junto das camaratas, ali logo ao lado. Mas não. Continuou no escadote, a apanhar a mesma chuva que nós, os recrutas malandros com dois terços da recruta feita.
Esse tipo mereceu, da nossa parte, além da ira com ranger de dentes e tudo, um profundo respeito. Respeito esse que, no meu caso, permanece até hoje. E ele não sabe.
José Cid ao meio de boné - foto de Albino Costa

Esse tipo era, exactamente, como todos já adivinharam, o Alferes Cid, ou seja, o José Cid.
Foto de Sérgio Elias
Visitei as camaratas. Iguais, da mesma cor, mas com aquecimento e portas. Aí também me veio à lembrança tantas e tantas situações, que não relato por respeito à paciência de quem me lê. Mas não posso deixar passar o que dormia no beliche por baixo de mim, o “Farense”, o 1862 de Viseu, o Condeixa, o Carvalhosa, o Belchior, o Oliveira, o Neves, os Garcias (o da Figueira da Foz e o da Moita). Enfim, e tantos outros. Antes de seguir para o GITE, encontro (sabia que os ia ver, não foi surpresa) o Mário João, o Pedro Garcia, o outro Pedro (falha-me o apelido), o António Oliveira. Perdoem-me os outros que vi e não reconheci. Depois de apertados abraços com a força de 49 anos de ausência, lá seguimos, desta vez não a pé, mas de autocarro, até ao GITE.
E recordou-se o então Major Tomás, ou simplesmente o Tomás (RIP), no seu Renault 4L AM-64-10 (que parece que era AM-60-24 ou … ai estas memórias) e uma das suas mais famosas frases :
-Ò aluno, eu tou-te a ver. És tu, anda cá, és tu sim.
Foto de Jaime Casca
Depois, bem, depois o GITE. Desfilaram pela minha memória tantas coisas, tantas situações:  as aulas de morse (com o segundo sargento Teixeira da Silva e a sua peculiar frase à segunda feira de manhã: - “vocês não estão a apanhar nada de morse. Já disse que ao fim de semana não podem ir às gaiatas”), de teleimpressoras (com o sargento BT), de cifra, de dactilografia, de inglês, de… e de …. e de ….
Tantas outras vistas que trouxeram à memória tantas e tantas situações que passámos num ano inteiro na OTA. Afinal, era para recordar que fomos lá.
Antes de almoço (buffet e de qualidade), tempo para os discursos. Dos Presidentes da AEFA, da assembleia geral, do comandante da Base e do enviado do CEMFA. Tempo para deposição de uma coroa de flores no monumento de “Homenagem da BA2 aos militares da Força Aérea que tombaram no campo da honra na Guiné, Angola e Moçambique”.
Foto de João Carlos Sousa Silva
Tempo ainda para a chamada dos antigos Zés Especiais por ano de incorporação, desde 1942 (pareceu-me que foi o ano mais antigo). E era vê-los a desfilarem diante do palanque onde estavam as altas individualidades, como os Presidentes, o comandante da BA2 e o representante do CEMFA. A seguir ao ano de 1968, foi o 1970. Claro que se seguiu um coro de uuuhhhhssss. Então saltaram o ano de 1969? Malandros…
Depois de almoço, o antigo especialista Tino Costa brindou-nos com uma actuação com o seu acordeão, mostrando o porquê de ser o melhor acordeonista, tendo dedicado a primeira canção que ele compôs ao comandante da BA2.
Antes das 17horas (hora de entrada nos autocarros), vi muitos a tirarem fotografias ao pé de jurássicos aviões e aviõezinhos e avionetas. Um dos mais solicitados foi o AL III.
Vi alguns com os rostos contraídos pela emoção, recordando tempos idos com quase 50 anos, em paragens longínquas.
Monumento aos mortos da FAP - foto de João Carlos Sousa Silva

Será engano meu, ou vi, nalguns abraços mais profundos e apertados, entre verdadeiros camaradas, que já não se viam há dezenas de anos, algumas parvas e rebeldes lágrimas?
Náh, é de certeza engano meu. Então pode lá ser? Tipos que estiveram na guerra, que passaram o que passaram, que viram o que viram, que sofreram o que sofreram, estarem armados não sei em quê e deixarem escapar uma estúpida e incontrolável lágrima?
É engano meu !!!
Afinal, como se dizia na recruta:
-Em sentido não mexe. Em sentido não mexe. Nem que passe um … … …


Obrigado, malta. Gostei muito.

2 comentários:

  1. Gostei da prosa. Eu fui da 2a. De 65 e também OPC. A frase do major Tomás dizia que na formatura e em sentido um especialista não mexe nem que lhe passe um car..hoje pela boca. Se necessário ía ao barbeiro. Vi alguns fazer o curso todo com o cabelo raspado com quatro zeros. Bons tempos. Em 66 fui para a BA3 e a 15 de abril de 67 fui para o Leste de Angola que corri de alto abaixo e de que guardo grande saudade dos dois anos que lá passei. Desejo uma Santa Páscoa a todos os especialistas e não só.

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  2. Gostei da prosa que passou sem magoar muito, esses belos tempos.
    Sou da 2ª de 1968 Esp. Ocart, curso com o Sarg Aj. Oliveira e o Ten. Calado, entre outros.
    Percurso: Após curso Ba3 Tancos e depois Moçambique (Nacala, Mueda 9 meses (com o Pescadinha, Gabriel Alves) e Nampula. Regresso em 1973 ao AB1 Portela/Figo Maduro.
    Alguem conheceu um camarada que era conhecido como "O Poeta"?

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